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Hugo Dionísio
September 15, 2024
© Photo: Public domain

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Em “The Future of European Competitiveness”, o relatório que o Ex-Presidente do BCE entregou à actual presidente da Comissão Europeia Úrsula Von Der Leyen, por entre um profundo diagnóstico e recomendações extensivas que visam “reformar a europa”, organizado em duas partes, que merecerão, num futuro próximo, uma leitura crítica mais profunda da minha parte, Mario Draghi propõe toda uma estratégia, Macro e Micro, que tem como objectivos elevar os níveis de produtividade e inovação da economia europeia e, com eles, a sua competitividade.

São diversos e profundos os factores identificados como estando na origem da perda de competitividade da economia europeia, para os dois principais blocos rivais identificados no relatório: a China e os EUA. Entre outros, são apontados factores como: incapacidade para gerar ciclos de investimento capazes de alavancar as políticas consideradas mais prioritárias; a falta de um mercado de capitais que gere oportunidades de investimento privado (capital de risco) sem recurso à banca; lacunas de coordenação de políticas ao nível comunitário (exemplos de mercados únicos que ficaram por concretizar); preços da energia muito elevados; burocracia imposta pela própria EU e caracter errático da acção política dos estados membros que actuam sem coordenação.

Um dos exemplos mais prementes usado para descrever esta descoordenação consiste na política de segurança e defesa, referindo a profusão de indústrias nacionais e a incapacidade de se criar um verdadeiro complexo militar industrial de nível europeu. 800 mil milhões de euros são apontados como o remédio para esta situação. Convém então referir que o quadro financeiro plurianual 2030 e o REACT-EU (recuperação da crise Covid-19), os dois juntos têm mais do dobro deste valor e o resultado está à vista. Segundo Draghi, à Europa seria necessário 1 a 2% do PIB europeu todos os anos, em investimento público! Publico, como na China! Mas também como nos EUA, embora a propaganda diga que só na China é que tal sucede!

Segundo dados apontados no relatório, a EU prescinde de cerca de 10% de crescimento do PIB, apenas porque não consegue dar escala ao seu mercado único, principalmente em matéria energética, tecnológica e de defesa. Esta incapacidade coloca a EU em grande desvantagem quando comparada com os EUA, os quais, segundo o próprio, fazem da desregulação a pedra de toque da sua competitividade, e com a China, que faz de uma “coordenação poderosa” entre apoio estatal e actuação privada, a sua vantagem competitiva.

Atrasos competitivos em matéria de tecnologias digitais para os EUA e na área das tecnologias verdes para a China, são reveladoras de uma estagnação que só não via quem não queria e que se arrasta, principalmente, desde o início do século XXI. Crescimento anémico, alicerçado essencialmente em trocas comerciais de bens e serviços e muito pouco desenvolvimento industrial de ponta. A EU não soube – ou não quis – retirar vantagem da enorme massa de capital acumulado e que constitui, ainda hoje, uma vantagem competitiva enorme. Teremos, na minha opinião, a agradecer ao neoliberalismo e à sua lógica de privatização dos lucros e socialização dos prejuízos. De 2008 em diante reinou a teoria segundo a qual o “investimento público” não era “virtuoso”, como dizia então a Troika FMI/BCE/EU. Apenas o investimento privado o era. Draghi vem agora desmentir essa tese arcaica, atrasada e dogmática.

Para Mario Draghi o desafio está no aumento da produtividade, cuja corrida a União Europeia perdeu para os EUA e China e que, em parte e de forma ténue, encontra causas na queda dos salários – os salários na EU cresceram menos do que nos EUA -, no incremento do investimento em investigação e desenvolvimento, que fica muito aquém dos EUA e China, na inovação e transferência das patentes para a economia real, assegurando indústrias de ponta e cadeias de valor mais seguras. Fala-se também de descarbonização, em coordenação com uma política de independência energética, e uma política ambiental sustentável, bem como uma política de defesa comum. As questões da segurança e da criação e um complexo militar industrial ocupam um plano muito relevante e demonstram a intenção de utilizar a indústria de defesa como motor económico. Como diz o relatório, é necessário à europa encontrar novos motores de crescimento. O motor da guerra volta a aquecer!

Energia barata, capacidade de investimento, inovação, descarbonização, segurança e independência. Eis alguns dos vectores mais importantes delineados no relatório. Para Draghi não parecem existir dúvidas de que a EU tem de assegurar a independência estratégica das suas políticas e governação, actuando com bloco e adoptando medidas que defendam a sua economia, contribuindo para “nivelar” o terreno sob o qual se fazem as trocas comerciais, assegurando uma coordenação efectiva das políticas de governação e eliminando o que designa como fardo administrativo imposto pelas próprias instâncias europeias. É difícil não se ver aqui um apontar de dedo a Úrsula Von Der Leyen, a qual, na sua contenda pela federalização cria constantes agendas, quase nunca concretizadas na sua plenitude, nada mais sendo do que mantas de retalho que beneficiam uns, em detrimento de outros.

Digamos que, à superfície, Draghi parece querer acertar e fornecer um diagnóstico tão completo quanto possível da situação europeia e das razões da sua estagnação. A sua perspectiva é dramática: ou a EU se reforma e com ela, reforma a economia europeia, ou acaba o projecto europeu. As recomendações sectoriais são amplas e, também à superfície, pelo menos, parecem estar coordenadas. O sentido, já se sabe, mais federalismo, menos soberania para os estados membros; mais decisão em Bruxelas, menos democracia nas capitais dos estados membros. Quem ama o projecto federalista fica encantado, quem defende uma outra EU não gostará de parte importante deste relatório.

Até porque já se sabe: por muito que se refira a necessidade de equidade, inclusão social e equilíbrio transeuropeu, na divisão do trabalho, as regiões mais ricas tenderão a ficar, como sempre, com as actividades de maior valor. Tem sido esta a história da EU e só assim ela se construiu. Outra coisa, não quiseram os seus estados membros fundadores. Se o quisessem, tê-lo-iam concretizado.

Mas onde falha então, assim numa leitura mais rápida, este imenso e formalmente meritório trabalho?

Bem, primeiro vamos ao ser omnipresente: Os EUA. Os Estados Unidos são vistos ao longo do relatório como um amigo, um aliado, um exemplo a seguir, mas apenas na economia. Com excepção do modelo social desigual e contraditório, no qual Draghi diz não apostar, em matéria económica, o modelo a seguir é o norte americano. Não sabe Draghi que é a economia que enforma a política e não o contrário? Que o modelo social norte americano é resultado da sua política económica e das contradições que comporta? E que, seguindo este modelo, é esse modelo que nos restará, aos europeus? Não será o que está a acontecer já?

Ora, ingenuidade das ingenuidades! Num relatório repleto de ideologia construída nos corredores de Washington; profuso em análises sobre a suposta “sobrecapacidade industrial” da China, a qual é culpada por ser grande, populosa e em poderoso processo de desenvolvimento; a concorrência desleal dos seus “apoios estatais”; a necessidade de “segurança“ das cadeias de abastecimento que os próprios EUA ameaçaram com as suas sanções e guerras comerciais; ou, “independência” estratégica, “ameaças” geopolíticas e “vantagens” da hegemonia dos EUA; é difícil acreditar que, uma aposta pela União Europeia neste mesmo tipo de semiótica, não acabe numa vantagem para… Os Estados Unidos!

Quando Draghi fala em “fornecedores de tecnologias de risco”, nomeadamente de tecnologias 5G, porque razão está a reproduzir uma linha de acção desenvolvida sob Obama e Trump e retomada por Biden? Como pode Draghi pretender Independência estratégia da EU se esta se coloca, desde o ponto de partida, de um dos lados da contenda, entre blocos?

Este modo de actuação é omnipresente, mesmo quando se opta por esconder as causas de inúmeros problemas. Quando é abordado o preço da energia, nomeadamente o facto de o gás natural ser mais caro do que nos EUA (+345%), porque razão não se refere que o principal fornecedor de LNG são os próprios EUA e que a EU não pode continuar a comprar, a Washington, GNL muito mais caro do que comprava à Rússia? Como não assumir que tal verba contribuiu para financiar – subsidiar, mesmo – a indústria shale norte americana e de que modo tal contribuiu, por sua vez, para o crescimento do PIB dos EUA? Já nem refiro a ausência de menções à destruição do Nordstream, às disrupções que a Ucrânia coloca ao pipeline que atravessa o seu território e os efeitos que tal teve na indústria europeia. Mas Draghi passou à margem disto tudo, como se nada tivesse a ver com o preço do gás.

Por outro lado, o relatório não analisa, em igual dimensão, os ataques sofridos pela economia europeia perpetrados pelos EUA, a respeito de políticas proteccionistas agressivas como o Chips Act e o Inflation Reduction Act de Biden, que arrastaram para os EUA empresas europeias, no que foi um acto de guerra económica real. Porque será que Draghi opta por nunca analisar este tipo de acções por parte de Washington, tais como a ameaça de sanções a “aliados” caso estes não cumprissem determinadas exigências em matéria de 5G e outras tecnologias Chinesas? Que independência teve a europa para decidir nessas questões? E como afectaram elas a nossa economia e beneficiaram a dos EUA?

Por acaso desconhece Draghi que os EUA se têm endividado de forma brutalmente perigosa, apenas, para financiar a sua economia e o seu complexo militar industrial? Porque faz Draghi da desregulação a única vantagem económica dos EUA, em relação à Europa, quando, ao longo do relatório, tantas vezes se refere o maior apoio público da Casa Branca em relação ao apoio público prestado pelos estados europeus à economia (e que é bastante!)? Será porque quer reforçar a lógica sinófoba da sua avaliação, reproduzindo a propaganda segundo a qual a China apoia as suas empresas com financiamento público, mas EUA e EU não?

Mas se os EUA estão por toda a parte, quase como um supervisor distante que garante a conformidade do relatório com as suas pretensões hegemónicas, admitindo um certo nível de afastamento, mas sem pisar o risco e sempre classificando a China como um pernicioso contendor, embora não se chegando ao “decoupling”, pretendido pelos EUA, a verdade é que, quando se trata da relação com a Federação Russa é que percebemos que Draghi estava mesmo com medo de perder o emprego.

O relatório fala de energia muito dispendiosa e das dificuldades em assegurar grandes quantidades de minerais críticos. A nordeste de Bruxelas existe um país que é, no mundo inteiro, o que mais destas coisas possui, é europeu (euroasiático) e chama-se Rússia. Sobre ele, nem uma palavra. Mas todos sabem onde ir, se pretenderem resolver, com seriedade, este problema. O relatório fala de “problemas de segurança”, todos sabemos qual o principal apontado, mas o relatório não propõe, uma única vez, um entendimento, um tratado que assegure a desejada estabilidade e independência.

O relatório Draghi fala de Paz, mas nunca fala de fazer a paz com a Federação Russa. Pode alegar-se que não é a EU que está em guerra. Mas Borrel, Von Der Leyen e outros, não deixariam dizê-lo, tantas as vezes que assumiram que a Ucrânia não poderia perder, porque senão era a Europa quem perderia. Diplomacia, entendimento, propostas que tragam esperança e alegria aos povos europeus, desanuviando o ambiente de terroro nuclear que se vive… nada!

O Relatório fala também de indústria de defesa. É um dos principais pilares aí previstos, incorporando-se numa lógica segundo a qual a geopolítica já não é o que era, estando mais confrontacional e, consequentemente, para se desenvolver e crescer, a Europa precisa, não de paz, mas de segurança. Ou seja, de produzir armas. mas Draghi não demonstra como será possível à EU ter uma política defensiva autónoma, estrategicamente independente no quadro da OTAN. Não se questiona o papel da OTAN, nem da EU, enquanto existência exterior a esta aliança transatlântica. Aliás, Draghi decreta a sentença de morte do multilateralismo, mas nunca fala em multipolarismo.

Paz, Defesa, Segurança, Independência energética, acesso a mercados e cadeias de abastecimento sólidas e mais rápidas. Tudo isso poderia resultar de um entendimento euroasiático, de uma ligação Lisboa-Vladivostok ou Lisboa-Pequim. Três continentes unidos, dois terços da população mundial Matérias primas, mão de obra, mercados em abundância e conectados de forma mais rápida, por terra, mar e ar. Porque razão Draghi nunca propõe aquela que seria uma estratégia efectivamente ganhadora? Existe algum país que Draghi não queira deixar de fora? Existe, o país omnipresente no relatório.

Por fim, temos o contendor, o alvo do relatório. A preocupação é enorme em tentar não transparecer, contudo, Draghi nunca o consegue. Sente-se, pressente-se e presencia-se. A ideologia, os conceitos, a argumentação. A China, misto de oportunidade e perdição. Nota-se no relatório uma enorme dificuldade em encontrar a formulação correcta, os termos exactos em que Draghi vê a cooperação com a China. Por um lado, fala em tirar vantagem dos preços competitivos das tecnologias verdes, por outro lado fala em usá-las para a independência energética europeia, no final, diz que é preciso fazê-lo, equilibrando o terreno e defendendo os postos de trabalho europeus. Sem dúvida, de acordo… Onde estava Draghi quando a moda era deslocalizar para a China?

Draghi nunca se liberta das amarras. Se o que está em causa é o confronto entre blocos, porque razão se aponta a economia mais estatizada da China, como um obstáculo a uma cooperação mais profunda? Não era gente como Draghi que apontavam o modelo liberal como mais efectivo do que o socialista? Então porque razão a China passou a Europa? Como Draghi o admite?

Porque razão Draghi parte do princípio que essa lógica mais estatizada, mais suportada em propriedade colectiva (a própria Rússia tem um forte sector estatal estratégico) não pode ser aplicada na Europa? Quem tem de decidi-lo? Draghi? Os EUA? Ou os povos europeus? Porque razão Draghi não apresenta soluções que incorporem o que de válido tem o modelo Chinês?

E é aqui que percebemos que a Draghi faltou outra análise: a dos efeitos letais do neoliberalismo nas economias europeias. Privatizações em massa, não apenas transferiram para os seus contendores algumas das suas principais jóias industriais, como privaram os estados de capacidade para intervir, apoiar a economia, estabelecer estratégias e apontar caminhos. Um estado sem propriedade é incapaz de orientar a economia. É incapaz de apontar caminhos, é incapaz de fazê-la reverter para o interesse comum. Ao menos nisso, Draghi não esconde, os EUA não são exemplo!

No muito que diz, Draghi pode ter razão em muita coisa… O relatório vale a pena ser lido e analisado em profundidade. Mas é naquilo que cala e nas entrelinhas do que escreve que reside o seu valor acrescentado. À superfície… Nada parece ir mudar na Europa, com excepção da destruição de qualquer resquício de soberania. Nenhuma mudança profunda pode resultar de uma análise e diagnostico parcial. A construção de um Mundo Multipolar é apenas referido, não enquanto tal, mas apenas para chorar o fim da hegemonia norte americana, os BRICS não contam para a estatística e a desdolarização é uma palavra desconhecida. O relatório de Draghi não assenta numa realidade global, mas na realidade narrada segundo o Tio Sam.

Os EUA encarregaram-se de garantir que, por via de Bruxelas, a Europa continuará na sua mão. O Relatório Draghi nada mudará quanto a isso!

Relatório Draghi: Diagnóstico segundo a narrativa do Tio Sam!

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Em “The Future of European Competitiveness”, o relatório que o Ex-Presidente do BCE entregou à actual presidente da Comissão Europeia Úrsula Von Der Leyen, por entre um profundo diagnóstico e recomendações extensivas que visam “reformar a europa”, organizado em duas partes, que merecerão, num futuro próximo, uma leitura crítica mais profunda da minha parte, Mario Draghi propõe toda uma estratégia, Macro e Micro, que tem como objectivos elevar os níveis de produtividade e inovação da economia europeia e, com eles, a sua competitividade.

São diversos e profundos os factores identificados como estando na origem da perda de competitividade da economia europeia, para os dois principais blocos rivais identificados no relatório: a China e os EUA. Entre outros, são apontados factores como: incapacidade para gerar ciclos de investimento capazes de alavancar as políticas consideradas mais prioritárias; a falta de um mercado de capitais que gere oportunidades de investimento privado (capital de risco) sem recurso à banca; lacunas de coordenação de políticas ao nível comunitário (exemplos de mercados únicos que ficaram por concretizar); preços da energia muito elevados; burocracia imposta pela própria EU e caracter errático da acção política dos estados membros que actuam sem coordenação.

Um dos exemplos mais prementes usado para descrever esta descoordenação consiste na política de segurança e defesa, referindo a profusão de indústrias nacionais e a incapacidade de se criar um verdadeiro complexo militar industrial de nível europeu. 800 mil milhões de euros são apontados como o remédio para esta situação. Convém então referir que o quadro financeiro plurianual 2030 e o REACT-EU (recuperação da crise Covid-19), os dois juntos têm mais do dobro deste valor e o resultado está à vista. Segundo Draghi, à Europa seria necessário 1 a 2% do PIB europeu todos os anos, em investimento público! Publico, como na China! Mas também como nos EUA, embora a propaganda diga que só na China é que tal sucede!

Segundo dados apontados no relatório, a EU prescinde de cerca de 10% de crescimento do PIB, apenas porque não consegue dar escala ao seu mercado único, principalmente em matéria energética, tecnológica e de defesa. Esta incapacidade coloca a EU em grande desvantagem quando comparada com os EUA, os quais, segundo o próprio, fazem da desregulação a pedra de toque da sua competitividade, e com a China, que faz de uma “coordenação poderosa” entre apoio estatal e actuação privada, a sua vantagem competitiva.

Atrasos competitivos em matéria de tecnologias digitais para os EUA e na área das tecnologias verdes para a China, são reveladoras de uma estagnação que só não via quem não queria e que se arrasta, principalmente, desde o início do século XXI. Crescimento anémico, alicerçado essencialmente em trocas comerciais de bens e serviços e muito pouco desenvolvimento industrial de ponta. A EU não soube – ou não quis – retirar vantagem da enorme massa de capital acumulado e que constitui, ainda hoje, uma vantagem competitiva enorme. Teremos, na minha opinião, a agradecer ao neoliberalismo e à sua lógica de privatização dos lucros e socialização dos prejuízos. De 2008 em diante reinou a teoria segundo a qual o “investimento público” não era “virtuoso”, como dizia então a Troika FMI/BCE/EU. Apenas o investimento privado o era. Draghi vem agora desmentir essa tese arcaica, atrasada e dogmática.

Para Mario Draghi o desafio está no aumento da produtividade, cuja corrida a União Europeia perdeu para os EUA e China e que, em parte e de forma ténue, encontra causas na queda dos salários – os salários na EU cresceram menos do que nos EUA -, no incremento do investimento em investigação e desenvolvimento, que fica muito aquém dos EUA e China, na inovação e transferência das patentes para a economia real, assegurando indústrias de ponta e cadeias de valor mais seguras. Fala-se também de descarbonização, em coordenação com uma política de independência energética, e uma política ambiental sustentável, bem como uma política de defesa comum. As questões da segurança e da criação e um complexo militar industrial ocupam um plano muito relevante e demonstram a intenção de utilizar a indústria de defesa como motor económico. Como diz o relatório, é necessário à europa encontrar novos motores de crescimento. O motor da guerra volta a aquecer!

Energia barata, capacidade de investimento, inovação, descarbonização, segurança e independência. Eis alguns dos vectores mais importantes delineados no relatório. Para Draghi não parecem existir dúvidas de que a EU tem de assegurar a independência estratégica das suas políticas e governação, actuando com bloco e adoptando medidas que defendam a sua economia, contribuindo para “nivelar” o terreno sob o qual se fazem as trocas comerciais, assegurando uma coordenação efectiva das políticas de governação e eliminando o que designa como fardo administrativo imposto pelas próprias instâncias europeias. É difícil não se ver aqui um apontar de dedo a Úrsula Von Der Leyen, a qual, na sua contenda pela federalização cria constantes agendas, quase nunca concretizadas na sua plenitude, nada mais sendo do que mantas de retalho que beneficiam uns, em detrimento de outros.

Digamos que, à superfície, Draghi parece querer acertar e fornecer um diagnóstico tão completo quanto possível da situação europeia e das razões da sua estagnação. A sua perspectiva é dramática: ou a EU se reforma e com ela, reforma a economia europeia, ou acaba o projecto europeu. As recomendações sectoriais são amplas e, também à superfície, pelo menos, parecem estar coordenadas. O sentido, já se sabe, mais federalismo, menos soberania para os estados membros; mais decisão em Bruxelas, menos democracia nas capitais dos estados membros. Quem ama o projecto federalista fica encantado, quem defende uma outra EU não gostará de parte importante deste relatório.

Até porque já se sabe: por muito que se refira a necessidade de equidade, inclusão social e equilíbrio transeuropeu, na divisão do trabalho, as regiões mais ricas tenderão a ficar, como sempre, com as actividades de maior valor. Tem sido esta a história da EU e só assim ela se construiu. Outra coisa, não quiseram os seus estados membros fundadores. Se o quisessem, tê-lo-iam concretizado.

Mas onde falha então, assim numa leitura mais rápida, este imenso e formalmente meritório trabalho?

Bem, primeiro vamos ao ser omnipresente: Os EUA. Os Estados Unidos são vistos ao longo do relatório como um amigo, um aliado, um exemplo a seguir, mas apenas na economia. Com excepção do modelo social desigual e contraditório, no qual Draghi diz não apostar, em matéria económica, o modelo a seguir é o norte americano. Não sabe Draghi que é a economia que enforma a política e não o contrário? Que o modelo social norte americano é resultado da sua política económica e das contradições que comporta? E que, seguindo este modelo, é esse modelo que nos restará, aos europeus? Não será o que está a acontecer já?

Ora, ingenuidade das ingenuidades! Num relatório repleto de ideologia construída nos corredores de Washington; profuso em análises sobre a suposta “sobrecapacidade industrial” da China, a qual é culpada por ser grande, populosa e em poderoso processo de desenvolvimento; a concorrência desleal dos seus “apoios estatais”; a necessidade de “segurança“ das cadeias de abastecimento que os próprios EUA ameaçaram com as suas sanções e guerras comerciais; ou, “independência” estratégica, “ameaças” geopolíticas e “vantagens” da hegemonia dos EUA; é difícil acreditar que, uma aposta pela União Europeia neste mesmo tipo de semiótica, não acabe numa vantagem para… Os Estados Unidos!

Quando Draghi fala em “fornecedores de tecnologias de risco”, nomeadamente de tecnologias 5G, porque razão está a reproduzir uma linha de acção desenvolvida sob Obama e Trump e retomada por Biden? Como pode Draghi pretender Independência estratégia da EU se esta se coloca, desde o ponto de partida, de um dos lados da contenda, entre blocos?

Este modo de actuação é omnipresente, mesmo quando se opta por esconder as causas de inúmeros problemas. Quando é abordado o preço da energia, nomeadamente o facto de o gás natural ser mais caro do que nos EUA (+345%), porque razão não se refere que o principal fornecedor de LNG são os próprios EUA e que a EU não pode continuar a comprar, a Washington, GNL muito mais caro do que comprava à Rússia? Como não assumir que tal verba contribuiu para financiar – subsidiar, mesmo – a indústria shale norte americana e de que modo tal contribuiu, por sua vez, para o crescimento do PIB dos EUA? Já nem refiro a ausência de menções à destruição do Nordstream, às disrupções que a Ucrânia coloca ao pipeline que atravessa o seu território e os efeitos que tal teve na indústria europeia. Mas Draghi passou à margem disto tudo, como se nada tivesse a ver com o preço do gás.

Por outro lado, o relatório não analisa, em igual dimensão, os ataques sofridos pela economia europeia perpetrados pelos EUA, a respeito de políticas proteccionistas agressivas como o Chips Act e o Inflation Reduction Act de Biden, que arrastaram para os EUA empresas europeias, no que foi um acto de guerra económica real. Porque será que Draghi opta por nunca analisar este tipo de acções por parte de Washington, tais como a ameaça de sanções a “aliados” caso estes não cumprissem determinadas exigências em matéria de 5G e outras tecnologias Chinesas? Que independência teve a europa para decidir nessas questões? E como afectaram elas a nossa economia e beneficiaram a dos EUA?

Por acaso desconhece Draghi que os EUA se têm endividado de forma brutalmente perigosa, apenas, para financiar a sua economia e o seu complexo militar industrial? Porque faz Draghi da desregulação a única vantagem económica dos EUA, em relação à Europa, quando, ao longo do relatório, tantas vezes se refere o maior apoio público da Casa Branca em relação ao apoio público prestado pelos estados europeus à economia (e que é bastante!)? Será porque quer reforçar a lógica sinófoba da sua avaliação, reproduzindo a propaganda segundo a qual a China apoia as suas empresas com financiamento público, mas EUA e EU não?

Mas se os EUA estão por toda a parte, quase como um supervisor distante que garante a conformidade do relatório com as suas pretensões hegemónicas, admitindo um certo nível de afastamento, mas sem pisar o risco e sempre classificando a China como um pernicioso contendor, embora não se chegando ao “decoupling”, pretendido pelos EUA, a verdade é que, quando se trata da relação com a Federação Russa é que percebemos que Draghi estava mesmo com medo de perder o emprego.

O relatório fala de energia muito dispendiosa e das dificuldades em assegurar grandes quantidades de minerais críticos. A nordeste de Bruxelas existe um país que é, no mundo inteiro, o que mais destas coisas possui, é europeu (euroasiático) e chama-se Rússia. Sobre ele, nem uma palavra. Mas todos sabem onde ir, se pretenderem resolver, com seriedade, este problema. O relatório fala de “problemas de segurança”, todos sabemos qual o principal apontado, mas o relatório não propõe, uma única vez, um entendimento, um tratado que assegure a desejada estabilidade e independência.

O relatório Draghi fala de Paz, mas nunca fala de fazer a paz com a Federação Russa. Pode alegar-se que não é a EU que está em guerra. Mas Borrel, Von Der Leyen e outros, não deixariam dizê-lo, tantas as vezes que assumiram que a Ucrânia não poderia perder, porque senão era a Europa quem perderia. Diplomacia, entendimento, propostas que tragam esperança e alegria aos povos europeus, desanuviando o ambiente de terroro nuclear que se vive… nada!

O Relatório fala também de indústria de defesa. É um dos principais pilares aí previstos, incorporando-se numa lógica segundo a qual a geopolítica já não é o que era, estando mais confrontacional e, consequentemente, para se desenvolver e crescer, a Europa precisa, não de paz, mas de segurança. Ou seja, de produzir armas. mas Draghi não demonstra como será possível à EU ter uma política defensiva autónoma, estrategicamente independente no quadro da OTAN. Não se questiona o papel da OTAN, nem da EU, enquanto existência exterior a esta aliança transatlântica. Aliás, Draghi decreta a sentença de morte do multilateralismo, mas nunca fala em multipolarismo.

Paz, Defesa, Segurança, Independência energética, acesso a mercados e cadeias de abastecimento sólidas e mais rápidas. Tudo isso poderia resultar de um entendimento euroasiático, de uma ligação Lisboa-Vladivostok ou Lisboa-Pequim. Três continentes unidos, dois terços da população mundial Matérias primas, mão de obra, mercados em abundância e conectados de forma mais rápida, por terra, mar e ar. Porque razão Draghi nunca propõe aquela que seria uma estratégia efectivamente ganhadora? Existe algum país que Draghi não queira deixar de fora? Existe, o país omnipresente no relatório.

Por fim, temos o contendor, o alvo do relatório. A preocupação é enorme em tentar não transparecer, contudo, Draghi nunca o consegue. Sente-se, pressente-se e presencia-se. A ideologia, os conceitos, a argumentação. A China, misto de oportunidade e perdição. Nota-se no relatório uma enorme dificuldade em encontrar a formulação correcta, os termos exactos em que Draghi vê a cooperação com a China. Por um lado, fala em tirar vantagem dos preços competitivos das tecnologias verdes, por outro lado fala em usá-las para a independência energética europeia, no final, diz que é preciso fazê-lo, equilibrando o terreno e defendendo os postos de trabalho europeus. Sem dúvida, de acordo… Onde estava Draghi quando a moda era deslocalizar para a China?

Draghi nunca se liberta das amarras. Se o que está em causa é o confronto entre blocos, porque razão se aponta a economia mais estatizada da China, como um obstáculo a uma cooperação mais profunda? Não era gente como Draghi que apontavam o modelo liberal como mais efectivo do que o socialista? Então porque razão a China passou a Europa? Como Draghi o admite?

Porque razão Draghi parte do princípio que essa lógica mais estatizada, mais suportada em propriedade colectiva (a própria Rússia tem um forte sector estatal estratégico) não pode ser aplicada na Europa? Quem tem de decidi-lo? Draghi? Os EUA? Ou os povos europeus? Porque razão Draghi não apresenta soluções que incorporem o que de válido tem o modelo Chinês?

E é aqui que percebemos que a Draghi faltou outra análise: a dos efeitos letais do neoliberalismo nas economias europeias. Privatizações em massa, não apenas transferiram para os seus contendores algumas das suas principais jóias industriais, como privaram os estados de capacidade para intervir, apoiar a economia, estabelecer estratégias e apontar caminhos. Um estado sem propriedade é incapaz de orientar a economia. É incapaz de apontar caminhos, é incapaz de fazê-la reverter para o interesse comum. Ao menos nisso, Draghi não esconde, os EUA não são exemplo!

No muito que diz, Draghi pode ter razão em muita coisa… O relatório vale a pena ser lido e analisado em profundidade. Mas é naquilo que cala e nas entrelinhas do que escreve que reside o seu valor acrescentado. À superfície… Nada parece ir mudar na Europa, com excepção da destruição de qualquer resquício de soberania. Nenhuma mudança profunda pode resultar de uma análise e diagnostico parcial. A construção de um Mundo Multipolar é apenas referido, não enquanto tal, mas apenas para chorar o fim da hegemonia norte americana, os BRICS não contam para a estatística e a desdolarização é uma palavra desconhecida. O relatório de Draghi não assenta numa realidade global, mas na realidade narrada segundo o Tio Sam.

Os EUA encarregaram-se de garantir que, por via de Bruxelas, a Europa continuará na sua mão. O Relatório Draghi nada mudará quanto a isso!

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Em “The Future of European Competitiveness”, o relatório que o Ex-Presidente do BCE entregou à actual presidente da Comissão Europeia Úrsula Von Der Leyen, por entre um profundo diagnóstico e recomendações extensivas que visam “reformar a europa”, organizado em duas partes, que merecerão, num futuro próximo, uma leitura crítica mais profunda da minha parte, Mario Draghi propõe toda uma estratégia, Macro e Micro, que tem como objectivos elevar os níveis de produtividade e inovação da economia europeia e, com eles, a sua competitividade.

São diversos e profundos os factores identificados como estando na origem da perda de competitividade da economia europeia, para os dois principais blocos rivais identificados no relatório: a China e os EUA. Entre outros, são apontados factores como: incapacidade para gerar ciclos de investimento capazes de alavancar as políticas consideradas mais prioritárias; a falta de um mercado de capitais que gere oportunidades de investimento privado (capital de risco) sem recurso à banca; lacunas de coordenação de políticas ao nível comunitário (exemplos de mercados únicos que ficaram por concretizar); preços da energia muito elevados; burocracia imposta pela própria EU e caracter errático da acção política dos estados membros que actuam sem coordenação.

Um dos exemplos mais prementes usado para descrever esta descoordenação consiste na política de segurança e defesa, referindo a profusão de indústrias nacionais e a incapacidade de se criar um verdadeiro complexo militar industrial de nível europeu. 800 mil milhões de euros são apontados como o remédio para esta situação. Convém então referir que o quadro financeiro plurianual 2030 e o REACT-EU (recuperação da crise Covid-19), os dois juntos têm mais do dobro deste valor e o resultado está à vista. Segundo Draghi, à Europa seria necessário 1 a 2% do PIB europeu todos os anos, em investimento público! Publico, como na China! Mas também como nos EUA, embora a propaganda diga que só na China é que tal sucede!

Segundo dados apontados no relatório, a EU prescinde de cerca de 10% de crescimento do PIB, apenas porque não consegue dar escala ao seu mercado único, principalmente em matéria energética, tecnológica e de defesa. Esta incapacidade coloca a EU em grande desvantagem quando comparada com os EUA, os quais, segundo o próprio, fazem da desregulação a pedra de toque da sua competitividade, e com a China, que faz de uma “coordenação poderosa” entre apoio estatal e actuação privada, a sua vantagem competitiva.

Atrasos competitivos em matéria de tecnologias digitais para os EUA e na área das tecnologias verdes para a China, são reveladoras de uma estagnação que só não via quem não queria e que se arrasta, principalmente, desde o início do século XXI. Crescimento anémico, alicerçado essencialmente em trocas comerciais de bens e serviços e muito pouco desenvolvimento industrial de ponta. A EU não soube – ou não quis – retirar vantagem da enorme massa de capital acumulado e que constitui, ainda hoje, uma vantagem competitiva enorme. Teremos, na minha opinião, a agradecer ao neoliberalismo e à sua lógica de privatização dos lucros e socialização dos prejuízos. De 2008 em diante reinou a teoria segundo a qual o “investimento público” não era “virtuoso”, como dizia então a Troika FMI/BCE/EU. Apenas o investimento privado o era. Draghi vem agora desmentir essa tese arcaica, atrasada e dogmática.

Para Mario Draghi o desafio está no aumento da produtividade, cuja corrida a União Europeia perdeu para os EUA e China e que, em parte e de forma ténue, encontra causas na queda dos salários – os salários na EU cresceram menos do que nos EUA -, no incremento do investimento em investigação e desenvolvimento, que fica muito aquém dos EUA e China, na inovação e transferência das patentes para a economia real, assegurando indústrias de ponta e cadeias de valor mais seguras. Fala-se também de descarbonização, em coordenação com uma política de independência energética, e uma política ambiental sustentável, bem como uma política de defesa comum. As questões da segurança e da criação e um complexo militar industrial ocupam um plano muito relevante e demonstram a intenção de utilizar a indústria de defesa como motor económico. Como diz o relatório, é necessário à europa encontrar novos motores de crescimento. O motor da guerra volta a aquecer!

Energia barata, capacidade de investimento, inovação, descarbonização, segurança e independência. Eis alguns dos vectores mais importantes delineados no relatório. Para Draghi não parecem existir dúvidas de que a EU tem de assegurar a independência estratégica das suas políticas e governação, actuando com bloco e adoptando medidas que defendam a sua economia, contribuindo para “nivelar” o terreno sob o qual se fazem as trocas comerciais, assegurando uma coordenação efectiva das políticas de governação e eliminando o que designa como fardo administrativo imposto pelas próprias instâncias europeias. É difícil não se ver aqui um apontar de dedo a Úrsula Von Der Leyen, a qual, na sua contenda pela federalização cria constantes agendas, quase nunca concretizadas na sua plenitude, nada mais sendo do que mantas de retalho que beneficiam uns, em detrimento de outros.

Digamos que, à superfície, Draghi parece querer acertar e fornecer um diagnóstico tão completo quanto possível da situação europeia e das razões da sua estagnação. A sua perspectiva é dramática: ou a EU se reforma e com ela, reforma a economia europeia, ou acaba o projecto europeu. As recomendações sectoriais são amplas e, também à superfície, pelo menos, parecem estar coordenadas. O sentido, já se sabe, mais federalismo, menos soberania para os estados membros; mais decisão em Bruxelas, menos democracia nas capitais dos estados membros. Quem ama o projecto federalista fica encantado, quem defende uma outra EU não gostará de parte importante deste relatório.

Até porque já se sabe: por muito que se refira a necessidade de equidade, inclusão social e equilíbrio transeuropeu, na divisão do trabalho, as regiões mais ricas tenderão a ficar, como sempre, com as actividades de maior valor. Tem sido esta a história da EU e só assim ela se construiu. Outra coisa, não quiseram os seus estados membros fundadores. Se o quisessem, tê-lo-iam concretizado.

Mas onde falha então, assim numa leitura mais rápida, este imenso e formalmente meritório trabalho?

Bem, primeiro vamos ao ser omnipresente: Os EUA. Os Estados Unidos são vistos ao longo do relatório como um amigo, um aliado, um exemplo a seguir, mas apenas na economia. Com excepção do modelo social desigual e contraditório, no qual Draghi diz não apostar, em matéria económica, o modelo a seguir é o norte americano. Não sabe Draghi que é a economia que enforma a política e não o contrário? Que o modelo social norte americano é resultado da sua política económica e das contradições que comporta? E que, seguindo este modelo, é esse modelo que nos restará, aos europeus? Não será o que está a acontecer já?

Ora, ingenuidade das ingenuidades! Num relatório repleto de ideologia construída nos corredores de Washington; profuso em análises sobre a suposta “sobrecapacidade industrial” da China, a qual é culpada por ser grande, populosa e em poderoso processo de desenvolvimento; a concorrência desleal dos seus “apoios estatais”; a necessidade de “segurança“ das cadeias de abastecimento que os próprios EUA ameaçaram com as suas sanções e guerras comerciais; ou, “independência” estratégica, “ameaças” geopolíticas e “vantagens” da hegemonia dos EUA; é difícil acreditar que, uma aposta pela União Europeia neste mesmo tipo de semiótica, não acabe numa vantagem para… Os Estados Unidos!

Quando Draghi fala em “fornecedores de tecnologias de risco”, nomeadamente de tecnologias 5G, porque razão está a reproduzir uma linha de acção desenvolvida sob Obama e Trump e retomada por Biden? Como pode Draghi pretender Independência estratégia da EU se esta se coloca, desde o ponto de partida, de um dos lados da contenda, entre blocos?

Este modo de actuação é omnipresente, mesmo quando se opta por esconder as causas de inúmeros problemas. Quando é abordado o preço da energia, nomeadamente o facto de o gás natural ser mais caro do que nos EUA (+345%), porque razão não se refere que o principal fornecedor de LNG são os próprios EUA e que a EU não pode continuar a comprar, a Washington, GNL muito mais caro do que comprava à Rússia? Como não assumir que tal verba contribuiu para financiar – subsidiar, mesmo – a indústria shale norte americana e de que modo tal contribuiu, por sua vez, para o crescimento do PIB dos EUA? Já nem refiro a ausência de menções à destruição do Nordstream, às disrupções que a Ucrânia coloca ao pipeline que atravessa o seu território e os efeitos que tal teve na indústria europeia. Mas Draghi passou à margem disto tudo, como se nada tivesse a ver com o preço do gás.

Por outro lado, o relatório não analisa, em igual dimensão, os ataques sofridos pela economia europeia perpetrados pelos EUA, a respeito de políticas proteccionistas agressivas como o Chips Act e o Inflation Reduction Act de Biden, que arrastaram para os EUA empresas europeias, no que foi um acto de guerra económica real. Porque será que Draghi opta por nunca analisar este tipo de acções por parte de Washington, tais como a ameaça de sanções a “aliados” caso estes não cumprissem determinadas exigências em matéria de 5G e outras tecnologias Chinesas? Que independência teve a europa para decidir nessas questões? E como afectaram elas a nossa economia e beneficiaram a dos EUA?

Por acaso desconhece Draghi que os EUA se têm endividado de forma brutalmente perigosa, apenas, para financiar a sua economia e o seu complexo militar industrial? Porque faz Draghi da desregulação a única vantagem económica dos EUA, em relação à Europa, quando, ao longo do relatório, tantas vezes se refere o maior apoio público da Casa Branca em relação ao apoio público prestado pelos estados europeus à economia (e que é bastante!)? Será porque quer reforçar a lógica sinófoba da sua avaliação, reproduzindo a propaganda segundo a qual a China apoia as suas empresas com financiamento público, mas EUA e EU não?

Mas se os EUA estão por toda a parte, quase como um supervisor distante que garante a conformidade do relatório com as suas pretensões hegemónicas, admitindo um certo nível de afastamento, mas sem pisar o risco e sempre classificando a China como um pernicioso contendor, embora não se chegando ao “decoupling”, pretendido pelos EUA, a verdade é que, quando se trata da relação com a Federação Russa é que percebemos que Draghi estava mesmo com medo de perder o emprego.

O relatório fala de energia muito dispendiosa e das dificuldades em assegurar grandes quantidades de minerais críticos. A nordeste de Bruxelas existe um país que é, no mundo inteiro, o que mais destas coisas possui, é europeu (euroasiático) e chama-se Rússia. Sobre ele, nem uma palavra. Mas todos sabem onde ir, se pretenderem resolver, com seriedade, este problema. O relatório fala de “problemas de segurança”, todos sabemos qual o principal apontado, mas o relatório não propõe, uma única vez, um entendimento, um tratado que assegure a desejada estabilidade e independência.

O relatório Draghi fala de Paz, mas nunca fala de fazer a paz com a Federação Russa. Pode alegar-se que não é a EU que está em guerra. Mas Borrel, Von Der Leyen e outros, não deixariam dizê-lo, tantas as vezes que assumiram que a Ucrânia não poderia perder, porque senão era a Europa quem perderia. Diplomacia, entendimento, propostas que tragam esperança e alegria aos povos europeus, desanuviando o ambiente de terroro nuclear que se vive… nada!

O Relatório fala também de indústria de defesa. É um dos principais pilares aí previstos, incorporando-se numa lógica segundo a qual a geopolítica já não é o que era, estando mais confrontacional e, consequentemente, para se desenvolver e crescer, a Europa precisa, não de paz, mas de segurança. Ou seja, de produzir armas. mas Draghi não demonstra como será possível à EU ter uma política defensiva autónoma, estrategicamente independente no quadro da OTAN. Não se questiona o papel da OTAN, nem da EU, enquanto existência exterior a esta aliança transatlântica. Aliás, Draghi decreta a sentença de morte do multilateralismo, mas nunca fala em multipolarismo.

Paz, Defesa, Segurança, Independência energética, acesso a mercados e cadeias de abastecimento sólidas e mais rápidas. Tudo isso poderia resultar de um entendimento euroasiático, de uma ligação Lisboa-Vladivostok ou Lisboa-Pequim. Três continentes unidos, dois terços da população mundial Matérias primas, mão de obra, mercados em abundância e conectados de forma mais rápida, por terra, mar e ar. Porque razão Draghi nunca propõe aquela que seria uma estratégia efectivamente ganhadora? Existe algum país que Draghi não queira deixar de fora? Existe, o país omnipresente no relatório.

Por fim, temos o contendor, o alvo do relatório. A preocupação é enorme em tentar não transparecer, contudo, Draghi nunca o consegue. Sente-se, pressente-se e presencia-se. A ideologia, os conceitos, a argumentação. A China, misto de oportunidade e perdição. Nota-se no relatório uma enorme dificuldade em encontrar a formulação correcta, os termos exactos em que Draghi vê a cooperação com a China. Por um lado, fala em tirar vantagem dos preços competitivos das tecnologias verdes, por outro lado fala em usá-las para a independência energética europeia, no final, diz que é preciso fazê-lo, equilibrando o terreno e defendendo os postos de trabalho europeus. Sem dúvida, de acordo… Onde estava Draghi quando a moda era deslocalizar para a China?

Draghi nunca se liberta das amarras. Se o que está em causa é o confronto entre blocos, porque razão se aponta a economia mais estatizada da China, como um obstáculo a uma cooperação mais profunda? Não era gente como Draghi que apontavam o modelo liberal como mais efectivo do que o socialista? Então porque razão a China passou a Europa? Como Draghi o admite?

Porque razão Draghi parte do princípio que essa lógica mais estatizada, mais suportada em propriedade colectiva (a própria Rússia tem um forte sector estatal estratégico) não pode ser aplicada na Europa? Quem tem de decidi-lo? Draghi? Os EUA? Ou os povos europeus? Porque razão Draghi não apresenta soluções que incorporem o que de válido tem o modelo Chinês?

E é aqui que percebemos que a Draghi faltou outra análise: a dos efeitos letais do neoliberalismo nas economias europeias. Privatizações em massa, não apenas transferiram para os seus contendores algumas das suas principais jóias industriais, como privaram os estados de capacidade para intervir, apoiar a economia, estabelecer estratégias e apontar caminhos. Um estado sem propriedade é incapaz de orientar a economia. É incapaz de apontar caminhos, é incapaz de fazê-la reverter para o interesse comum. Ao menos nisso, Draghi não esconde, os EUA não são exemplo!

No muito que diz, Draghi pode ter razão em muita coisa… O relatório vale a pena ser lido e analisado em profundidade. Mas é naquilo que cala e nas entrelinhas do que escreve que reside o seu valor acrescentado. À superfície… Nada parece ir mudar na Europa, com excepção da destruição de qualquer resquício de soberania. Nenhuma mudança profunda pode resultar de uma análise e diagnostico parcial. A construção de um Mundo Multipolar é apenas referido, não enquanto tal, mas apenas para chorar o fim da hegemonia norte americana, os BRICS não contam para a estatística e a desdolarização é uma palavra desconhecida. O relatório de Draghi não assenta numa realidade global, mas na realidade narrada segundo o Tio Sam.

Os EUA encarregaram-se de garantir que, por via de Bruxelas, a Europa continuará na sua mão. O Relatório Draghi nada mudará quanto a isso!

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