Português
José Goulão
October 19, 2024
© Photo: Public domain

A crueldade bíblica tomou o poder em Israel: “O Mein Kampf ao contrário”

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Em numerosos comentários e opiniões que proliferam a propósito da situação actual nos territórios da Palestina conhecidos como Israel existe a convicção de que o problema único é o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Isto é, uma vez que este se demita ou seja demitido, a crise ficará resolvida e tudo regressará à paz do senhor com a continuação da metódica limpeza étnica dos palestinianos.

Puro engano, piedosa ilusão. Nada voltará a ser como dantes no chamado “Estado judeu”.

A dedução é objectiva e resulta da inevitável realidade que um dia teria de chegar: a terrível batalha existencial ideológica e religiosa que se trava no interior do sionismo – a doutrina racista e supremacista em que assenta o Estado de Israel – entre os sectores seculares e os religiosos fundamentalistas; ou “entre a lei do povo” e a “lei de Deus”, nas palavras significativas, embora simplistas, de uma participante numa das recentes gigantescas manifestações em Telavive.

A “lei do povo” é a falácia em que tem assentado historicamente o Estado de Israel, desde a sua fundação como colónia ocidental na Palestina para garantir o controlo imperial em todo o Médio Oriente. Uma falácia em que propagandisticamente viveu o próprio sionismo na fase inicial após o nascimento, no final do século XIX e início do século XX, quando o fundador oficial da doutrina, o judeu austríaco e asquenaze Theodor Herzl, a proclamou como um sistema secular e de inspiração política europeia (a que hoje se chama liberal); e que tinha como tarefas mobilizadoras “o regresso (dos judeus) à Terra Prometida” porque a Palestina mais não era do que “uma terra sem povo para um povo sem terra”.

Esta é, desde o início, a contradição fatal do sionismo: entre a propaganda secular que prevaleceu mitologicamente como única até 1925; e a essência autêntica e, de facto, original da doutrina expansionista, o seu cariz religioso e fundamentalista exposto pelo conceito bíblico de “Terra Prometida” e consequente ocupação de uma “terra sem povo” ou, em termos quantitativamente mais objectivos, um território abusivamente povoado por bárbaros e incivilizados. Em boa verdade, o sionismo nasceu desde logo contaminado pela inevitabilidade religiosa, apenas taticamente escondida.

Todos os primeiros chefes do governo desde a fundação do Estado de Israel incarnaram esta dualidade inconsistente dizendo-se seculares em política e religiosos na vida pessoal, ambiguidade indispensável para garantir a fachada de respeito pelas normas das democracias ocidentais, como por exemplo a separação entre a Igreja e o Estado, imprescindível para a tentativa de credibilizar a já tão estafada proclamação como “única democracia no Médio Oriente”. Ou, como garante hoje o primeiro-ministro Netanyahu, enquanto procede à sangrenta solução final dos palestinianos, para assegurar “a defesa da civilização ocidental” na região.

Merece uma curta reflexão o facto de esses dirigentes políticos israelitas, esmagadoramente asquenazes e colonos, por serem de origem europeia, terem o cuidado de se declarar religiosos. Esta é a única premissa que assegura indubitavelmente o seu judaísmo porque o semitismo de muitos desses europeus provavelmente é residual ou nulo. Caso contrário, se desdenhassem o factor religioso pessoal, estaríamos então perante mais um traço da caricatura de antissemitismo imposta como versão oficial e que serve a Israel para acusar todo o resto do mundo de ser antissemita. Assim sendo, os próprios pais fundadores não seriam semitas nem religiosos, falsificando à partida o cariz judaico do novo Estado e denunciando à vista desarmada o seu papel exclusivo e artificial de colónia dos poderes ocidentais no Médio Oriente.

Início do fim do “sionismo secular”

A falácia fundadora do sionismo sobreviveu muitas décadas desde a instauração do Estado enquanto se desenvolvia a continuada colonização dos territórios árabes, um processo ilegal só possível graças à tolerância e cumplicidade da ONU, dos Estados Unidos e dos países envolvidos na integração europeia: primeiro nos territórios atribuídos à população árabe através do acordo de partilha aprovado em 1948 pelas Nações Unidas; a partir de 1967 e da chamada Guerra dos Seis Dias, nas regiões palestinianas de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Leste ocupadas nessa altura, permitindo a instalação de colonatos em vastas áreas roubadas pelo regime sionista à população original. Nas quais habitam agora quase 700 mil judeus fundamentalistas fanáticos oriundos de todo o mundo, a esmagadora maioria sem quaisquer raízes étnicas na Palestina.

Esta brutal e massiva violentação demográfica, desde sempre com o cariz de uma limpeza étnica, como estava escrito feriu de morte a falácia do sionismo secular. O sionismo real, fascista, ferozmente racista e segregacionista que tem no horizonte a expulsão de todos os palestinianos, tomou o poder ao longo das décadas mais recentes e aí pretende ficar eternamente “por vontade de Deus”, respeitada e cumprida por intermédio de “profetas” autodidatas e terroristas que se consideram por ele mandatados para garantirem o seu papel justiceiro na Terra aplicando à letra a mitologia aterradora do Velho Testamento.

Netanyahu é somente mais um pião deste processo de transformação do carácter do Estado, mesmo que o papel de chefe do governo desempenhado quase em exclusivo durante os últimos 30 anos lhe tenha dado um natural relevo, porém sobreavaliado em relação ao seu peso real na envolvente fundamentalista religiosa que hoje gere Israel. Herdou a missão do pai, Benzion Netanyahu, por sua vez secretário pessoal e um dos principais discípulos ideológicos de Volodymir Jabotinsky, o ucraniano que foi colaborador de Mussolini e em 1925 provocara o grande cisma entre o sionismo secular oportunisticamente proclamado à nascença e o designado “sionismo revisionista” por ele fundado. Esta variante do colonialismo extremista sob cobertura “hebraica” inspira o fanatismo político-religioso que prevalece no actual governo e tem como objectivo criar uma teocracia – o primado da “Lei de Deus”. Mantendo, naturalmente, a missão de defender a civilização ocidental no Médio Oriente. Não é de somenos o facto de esta tendência fanática ter enorme representatividade no interior do Congresso Mundial Judaico e ser apoiada sem restrições práticas pelo regime dos Estados Unidos e os organismos não democráticos que definem as políticas da União Europeia.

Vozes que antevêem a catástrofe

Ehud Barak, um dos mais experientes políticos israelitas, primeiro- ministro de um governo do início do século que praticou uma repressão selvática sobre o chamado Segundo Intifada palestiniano e foi o último chefe do Partido Trabalhista como organização política influente, tem uma opinião relevante sobre os acontecimentos em curso. “Sob o manto da guerra”, diz, “está a decorrer um golpe governamental e constitucional sem que um tiro seja disparado; se o golpe não for interrompido transformará Israel numa ditadura dentro de semanas – Netanyahu e o seu governo estão a assassinar a democracia”. O caminho proposto pelo agora dirigente “centrista” é “fechar o país por meio da desobediência civil em grande escala 24 horas por dia e sete dias por semana”.

Opinião bem mais contundente e avançada, e também alarmante, tem o general Moshe Yalon, ex-chefe do Estado Maior das Forças Armadas e ex-ministro da Defesa:

“Um culto escatológico e raivoso está a ditar a lei em Telavive, o quartel-general da construção genocida e colonial da comunidade dos colonos; este processo é completado com uma enorme milícia vigilante, ou milícias interligadas de centenas de milhares de colonos armados até aos dentes, incontroláveis e preparados para qualquer coisa, até atacar os militares e o Estado”.

Um “ex-director do Mossad” citado pelo jornal “Haaretz” põe mesmo em causa o futuro do chamado “Estado judaico” dizendo que se ganhar a forma de “um Estado racista e violento não poderá sobreviver; e provavelmente já é tarde demais”.

“Um Mein Kampf ao contrário”

Ao acompanhar a rede mediática globalista dir-se-á que o actual governo israelita é composto apenas pelo primeiro-ministro Netanyahu e pelos ministros das Finanças, Bezalel Smotrich, e o ministro da Segurança, Itamar Ben-Gvir, estes dois considerados benevolamente como “de extrema-direita” quando, na prática, mais não são do que terroristas nazis.

Smotrich é um colono chefe do Partido Nacional Religioso que nega a existência do povo palestiniano, “constituído por sub-humanos”. No cadastro tem várias acusações de atentados terroristas, inclusive contra as autoridades sionistas.

Itamar Bem-Gvir é filho de uma judia curda iraquiana que integrou o grupo terrorista Irgun, braço fundador do exército de Israel nascido nas fileiras de Mussolini e historicamente dirigido pelo ex-primeiro ministro Menahem Begin. Chefia a organização Otzmar Yehdiut, igualmente de “extrema-direita” e herdeira do movimento proibido Kach do ícone fascista Meir Kahane, um terrorista norte-americano nascido em Nova York, onde cometeu vários atentados pelos quais foi condenado a um ano de prisão, cumprido num hotel. Instalou-se depois em Israel para lutar pela expulsão de todos os palestinianos da Palestina, foi preso pelo menos 60 vezes por atentados terroristas e eleito membro do Knesset (Parlamento).

Smotrich e Bem-Gvir não integram o Conselho de Guerra, chefiado igualmente por Netanyahu, mas conseguem intervir no seu funcionamento com uma influência que já provocou a demissão de “moderados”, como o ex-primeiro-ministro Benny Ganz.

O triunvirato governamental informal tem como mentor o rabino David Liar, chefe de um movimento “clandestino” judaico que defende a construção do Terceiro Templo na Esplanada das Mesquitas (Monte do Templo para os sionistas) depois de arrasar a mesquita de Al-Aqsa e a mesquita da Cúpula do Rochedo de onde, segundo a tradição, o Profeta Maomé subiu aos céus. Este espaço religioso situado no centro da Cidade Velha de Jerusalém é o terceiro lugar sagrado do Islão, a seguir a Meca e Medina. O rabino Liar pretende igualmente incendiar todos os autocarros de Jerusalém. De acordo com a sua estratégia, o objectivo é instaurar um clima de terror susceptível de provocar a “Última Guerra”, o conceito bíblico do Armagedão. Um louco inspirando ministros loucos. Para o primeiro-ministro Netanyahu, porém, o rabino David Liar é “a unidade de elite que lidera Israel”.

Diz o general Moshe Yalom: “Tudo isto corresponde ao conceito de supremacia judaica, um Mein Kampf ao contrário, e tem influência no processo de decisão do actual governo de Israel”. O ex-chefe do Estado Maior qualifica este quadro como uma manifestação de “demência cósmica do projecto sionista” e que vai “muito além do facto de o Estado ter perdido o controlo da extrema-direita”, ao ponto de ser governado por ela.

A crueldade bíblica tomou o poder em Israel: “O Mein Kampf ao contrário”

A crueldade bíblica tomou o poder em Israel: “O Mein Kampf ao contrário”

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Em numerosos comentários e opiniões que proliferam a propósito da situação actual nos territórios da Palestina conhecidos como Israel existe a convicção de que o problema único é o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Isto é, uma vez que este se demita ou seja demitido, a crise ficará resolvida e tudo regressará à paz do senhor com a continuação da metódica limpeza étnica dos palestinianos.

Puro engano, piedosa ilusão. Nada voltará a ser como dantes no chamado “Estado judeu”.

A dedução é objectiva e resulta da inevitável realidade que um dia teria de chegar: a terrível batalha existencial ideológica e religiosa que se trava no interior do sionismo – a doutrina racista e supremacista em que assenta o Estado de Israel – entre os sectores seculares e os religiosos fundamentalistas; ou “entre a lei do povo” e a “lei de Deus”, nas palavras significativas, embora simplistas, de uma participante numa das recentes gigantescas manifestações em Telavive.

A “lei do povo” é a falácia em que tem assentado historicamente o Estado de Israel, desde a sua fundação como colónia ocidental na Palestina para garantir o controlo imperial em todo o Médio Oriente. Uma falácia em que propagandisticamente viveu o próprio sionismo na fase inicial após o nascimento, no final do século XIX e início do século XX, quando o fundador oficial da doutrina, o judeu austríaco e asquenaze Theodor Herzl, a proclamou como um sistema secular e de inspiração política europeia (a que hoje se chama liberal); e que tinha como tarefas mobilizadoras “o regresso (dos judeus) à Terra Prometida” porque a Palestina mais não era do que “uma terra sem povo para um povo sem terra”.

Esta é, desde o início, a contradição fatal do sionismo: entre a propaganda secular que prevaleceu mitologicamente como única até 1925; e a essência autêntica e, de facto, original da doutrina expansionista, o seu cariz religioso e fundamentalista exposto pelo conceito bíblico de “Terra Prometida” e consequente ocupação de uma “terra sem povo” ou, em termos quantitativamente mais objectivos, um território abusivamente povoado por bárbaros e incivilizados. Em boa verdade, o sionismo nasceu desde logo contaminado pela inevitabilidade religiosa, apenas taticamente escondida.

Todos os primeiros chefes do governo desde a fundação do Estado de Israel incarnaram esta dualidade inconsistente dizendo-se seculares em política e religiosos na vida pessoal, ambiguidade indispensável para garantir a fachada de respeito pelas normas das democracias ocidentais, como por exemplo a separação entre a Igreja e o Estado, imprescindível para a tentativa de credibilizar a já tão estafada proclamação como “única democracia no Médio Oriente”. Ou, como garante hoje o primeiro-ministro Netanyahu, enquanto procede à sangrenta solução final dos palestinianos, para assegurar “a defesa da civilização ocidental” na região.

Merece uma curta reflexão o facto de esses dirigentes políticos israelitas, esmagadoramente asquenazes e colonos, por serem de origem europeia, terem o cuidado de se declarar religiosos. Esta é a única premissa que assegura indubitavelmente o seu judaísmo porque o semitismo de muitos desses europeus provavelmente é residual ou nulo. Caso contrário, se desdenhassem o factor religioso pessoal, estaríamos então perante mais um traço da caricatura de antissemitismo imposta como versão oficial e que serve a Israel para acusar todo o resto do mundo de ser antissemita. Assim sendo, os próprios pais fundadores não seriam semitas nem religiosos, falsificando à partida o cariz judaico do novo Estado e denunciando à vista desarmada o seu papel exclusivo e artificial de colónia dos poderes ocidentais no Médio Oriente.

Início do fim do “sionismo secular”

A falácia fundadora do sionismo sobreviveu muitas décadas desde a instauração do Estado enquanto se desenvolvia a continuada colonização dos territórios árabes, um processo ilegal só possível graças à tolerância e cumplicidade da ONU, dos Estados Unidos e dos países envolvidos na integração europeia: primeiro nos territórios atribuídos à população árabe através do acordo de partilha aprovado em 1948 pelas Nações Unidas; a partir de 1967 e da chamada Guerra dos Seis Dias, nas regiões palestinianas de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Leste ocupadas nessa altura, permitindo a instalação de colonatos em vastas áreas roubadas pelo regime sionista à população original. Nas quais habitam agora quase 700 mil judeus fundamentalistas fanáticos oriundos de todo o mundo, a esmagadora maioria sem quaisquer raízes étnicas na Palestina.

Esta brutal e massiva violentação demográfica, desde sempre com o cariz de uma limpeza étnica, como estava escrito feriu de morte a falácia do sionismo secular. O sionismo real, fascista, ferozmente racista e segregacionista que tem no horizonte a expulsão de todos os palestinianos, tomou o poder ao longo das décadas mais recentes e aí pretende ficar eternamente “por vontade de Deus”, respeitada e cumprida por intermédio de “profetas” autodidatas e terroristas que se consideram por ele mandatados para garantirem o seu papel justiceiro na Terra aplicando à letra a mitologia aterradora do Velho Testamento.

Netanyahu é somente mais um pião deste processo de transformação do carácter do Estado, mesmo que o papel de chefe do governo desempenhado quase em exclusivo durante os últimos 30 anos lhe tenha dado um natural relevo, porém sobreavaliado em relação ao seu peso real na envolvente fundamentalista religiosa que hoje gere Israel. Herdou a missão do pai, Benzion Netanyahu, por sua vez secretário pessoal e um dos principais discípulos ideológicos de Volodymir Jabotinsky, o ucraniano que foi colaborador de Mussolini e em 1925 provocara o grande cisma entre o sionismo secular oportunisticamente proclamado à nascença e o designado “sionismo revisionista” por ele fundado. Esta variante do colonialismo extremista sob cobertura “hebraica” inspira o fanatismo político-religioso que prevalece no actual governo e tem como objectivo criar uma teocracia – o primado da “Lei de Deus”. Mantendo, naturalmente, a missão de defender a civilização ocidental no Médio Oriente. Não é de somenos o facto de esta tendência fanática ter enorme representatividade no interior do Congresso Mundial Judaico e ser apoiada sem restrições práticas pelo regime dos Estados Unidos e os organismos não democráticos que definem as políticas da União Europeia.

Vozes que antevêem a catástrofe

Ehud Barak, um dos mais experientes políticos israelitas, primeiro- ministro de um governo do início do século que praticou uma repressão selvática sobre o chamado Segundo Intifada palestiniano e foi o último chefe do Partido Trabalhista como organização política influente, tem uma opinião relevante sobre os acontecimentos em curso. “Sob o manto da guerra”, diz, “está a decorrer um golpe governamental e constitucional sem que um tiro seja disparado; se o golpe não for interrompido transformará Israel numa ditadura dentro de semanas – Netanyahu e o seu governo estão a assassinar a democracia”. O caminho proposto pelo agora dirigente “centrista” é “fechar o país por meio da desobediência civil em grande escala 24 horas por dia e sete dias por semana”.

Opinião bem mais contundente e avançada, e também alarmante, tem o general Moshe Yalon, ex-chefe do Estado Maior das Forças Armadas e ex-ministro da Defesa:

“Um culto escatológico e raivoso está a ditar a lei em Telavive, o quartel-general da construção genocida e colonial da comunidade dos colonos; este processo é completado com uma enorme milícia vigilante, ou milícias interligadas de centenas de milhares de colonos armados até aos dentes, incontroláveis e preparados para qualquer coisa, até atacar os militares e o Estado”.

Um “ex-director do Mossad” citado pelo jornal “Haaretz” põe mesmo em causa o futuro do chamado “Estado judaico” dizendo que se ganhar a forma de “um Estado racista e violento não poderá sobreviver; e provavelmente já é tarde demais”.

“Um Mein Kampf ao contrário”

Ao acompanhar a rede mediática globalista dir-se-á que o actual governo israelita é composto apenas pelo primeiro-ministro Netanyahu e pelos ministros das Finanças, Bezalel Smotrich, e o ministro da Segurança, Itamar Ben-Gvir, estes dois considerados benevolamente como “de extrema-direita” quando, na prática, mais não são do que terroristas nazis.

Smotrich é um colono chefe do Partido Nacional Religioso que nega a existência do povo palestiniano, “constituído por sub-humanos”. No cadastro tem várias acusações de atentados terroristas, inclusive contra as autoridades sionistas.

Itamar Bem-Gvir é filho de uma judia curda iraquiana que integrou o grupo terrorista Irgun, braço fundador do exército de Israel nascido nas fileiras de Mussolini e historicamente dirigido pelo ex-primeiro ministro Menahem Begin. Chefia a organização Otzmar Yehdiut, igualmente de “extrema-direita” e herdeira do movimento proibido Kach do ícone fascista Meir Kahane, um terrorista norte-americano nascido em Nova York, onde cometeu vários atentados pelos quais foi condenado a um ano de prisão, cumprido num hotel. Instalou-se depois em Israel para lutar pela expulsão de todos os palestinianos da Palestina, foi preso pelo menos 60 vezes por atentados terroristas e eleito membro do Knesset (Parlamento).

Smotrich e Bem-Gvir não integram o Conselho de Guerra, chefiado igualmente por Netanyahu, mas conseguem intervir no seu funcionamento com uma influência que já provocou a demissão de “moderados”, como o ex-primeiro-ministro Benny Ganz.

O triunvirato governamental informal tem como mentor o rabino David Liar, chefe de um movimento “clandestino” judaico que defende a construção do Terceiro Templo na Esplanada das Mesquitas (Monte do Templo para os sionistas) depois de arrasar a mesquita de Al-Aqsa e a mesquita da Cúpula do Rochedo de onde, segundo a tradição, o Profeta Maomé subiu aos céus. Este espaço religioso situado no centro da Cidade Velha de Jerusalém é o terceiro lugar sagrado do Islão, a seguir a Meca e Medina. O rabino Liar pretende igualmente incendiar todos os autocarros de Jerusalém. De acordo com a sua estratégia, o objectivo é instaurar um clima de terror susceptível de provocar a “Última Guerra”, o conceito bíblico do Armagedão. Um louco inspirando ministros loucos. Para o primeiro-ministro Netanyahu, porém, o rabino David Liar é “a unidade de elite que lidera Israel”.

Diz o general Moshe Yalom: “Tudo isto corresponde ao conceito de supremacia judaica, um Mein Kampf ao contrário, e tem influência no processo de decisão do actual governo de Israel”. O ex-chefe do Estado Maior qualifica este quadro como uma manifestação de “demência cósmica do projecto sionista” e que vai “muito além do facto de o Estado ter perdido o controlo da extrema-direita”, ao ponto de ser governado por ela.

A crueldade bíblica tomou o poder em Israel: “O Mein Kampf ao contrário”

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Em numerosos comentários e opiniões que proliferam a propósito da situação actual nos territórios da Palestina conhecidos como Israel existe a convicção de que o problema único é o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Isto é, uma vez que este se demita ou seja demitido, a crise ficará resolvida e tudo regressará à paz do senhor com a continuação da metódica limpeza étnica dos palestinianos.

Puro engano, piedosa ilusão. Nada voltará a ser como dantes no chamado “Estado judeu”.

A dedução é objectiva e resulta da inevitável realidade que um dia teria de chegar: a terrível batalha existencial ideológica e religiosa que se trava no interior do sionismo – a doutrina racista e supremacista em que assenta o Estado de Israel – entre os sectores seculares e os religiosos fundamentalistas; ou “entre a lei do povo” e a “lei de Deus”, nas palavras significativas, embora simplistas, de uma participante numa das recentes gigantescas manifestações em Telavive.

A “lei do povo” é a falácia em que tem assentado historicamente o Estado de Israel, desde a sua fundação como colónia ocidental na Palestina para garantir o controlo imperial em todo o Médio Oriente. Uma falácia em que propagandisticamente viveu o próprio sionismo na fase inicial após o nascimento, no final do século XIX e início do século XX, quando o fundador oficial da doutrina, o judeu austríaco e asquenaze Theodor Herzl, a proclamou como um sistema secular e de inspiração política europeia (a que hoje se chama liberal); e que tinha como tarefas mobilizadoras “o regresso (dos judeus) à Terra Prometida” porque a Palestina mais não era do que “uma terra sem povo para um povo sem terra”.

Esta é, desde o início, a contradição fatal do sionismo: entre a propaganda secular que prevaleceu mitologicamente como única até 1925; e a essência autêntica e, de facto, original da doutrina expansionista, o seu cariz religioso e fundamentalista exposto pelo conceito bíblico de “Terra Prometida” e consequente ocupação de uma “terra sem povo” ou, em termos quantitativamente mais objectivos, um território abusivamente povoado por bárbaros e incivilizados. Em boa verdade, o sionismo nasceu desde logo contaminado pela inevitabilidade religiosa, apenas taticamente escondida.

Todos os primeiros chefes do governo desde a fundação do Estado de Israel incarnaram esta dualidade inconsistente dizendo-se seculares em política e religiosos na vida pessoal, ambiguidade indispensável para garantir a fachada de respeito pelas normas das democracias ocidentais, como por exemplo a separação entre a Igreja e o Estado, imprescindível para a tentativa de credibilizar a já tão estafada proclamação como “única democracia no Médio Oriente”. Ou, como garante hoje o primeiro-ministro Netanyahu, enquanto procede à sangrenta solução final dos palestinianos, para assegurar “a defesa da civilização ocidental” na região.

Merece uma curta reflexão o facto de esses dirigentes políticos israelitas, esmagadoramente asquenazes e colonos, por serem de origem europeia, terem o cuidado de se declarar religiosos. Esta é a única premissa que assegura indubitavelmente o seu judaísmo porque o semitismo de muitos desses europeus provavelmente é residual ou nulo. Caso contrário, se desdenhassem o factor religioso pessoal, estaríamos então perante mais um traço da caricatura de antissemitismo imposta como versão oficial e que serve a Israel para acusar todo o resto do mundo de ser antissemita. Assim sendo, os próprios pais fundadores não seriam semitas nem religiosos, falsificando à partida o cariz judaico do novo Estado e denunciando à vista desarmada o seu papel exclusivo e artificial de colónia dos poderes ocidentais no Médio Oriente.

Início do fim do “sionismo secular”

A falácia fundadora do sionismo sobreviveu muitas décadas desde a instauração do Estado enquanto se desenvolvia a continuada colonização dos territórios árabes, um processo ilegal só possível graças à tolerância e cumplicidade da ONU, dos Estados Unidos e dos países envolvidos na integração europeia: primeiro nos territórios atribuídos à população árabe através do acordo de partilha aprovado em 1948 pelas Nações Unidas; a partir de 1967 e da chamada Guerra dos Seis Dias, nas regiões palestinianas de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Leste ocupadas nessa altura, permitindo a instalação de colonatos em vastas áreas roubadas pelo regime sionista à população original. Nas quais habitam agora quase 700 mil judeus fundamentalistas fanáticos oriundos de todo o mundo, a esmagadora maioria sem quaisquer raízes étnicas na Palestina.

Esta brutal e massiva violentação demográfica, desde sempre com o cariz de uma limpeza étnica, como estava escrito feriu de morte a falácia do sionismo secular. O sionismo real, fascista, ferozmente racista e segregacionista que tem no horizonte a expulsão de todos os palestinianos, tomou o poder ao longo das décadas mais recentes e aí pretende ficar eternamente “por vontade de Deus”, respeitada e cumprida por intermédio de “profetas” autodidatas e terroristas que se consideram por ele mandatados para garantirem o seu papel justiceiro na Terra aplicando à letra a mitologia aterradora do Velho Testamento.

Netanyahu é somente mais um pião deste processo de transformação do carácter do Estado, mesmo que o papel de chefe do governo desempenhado quase em exclusivo durante os últimos 30 anos lhe tenha dado um natural relevo, porém sobreavaliado em relação ao seu peso real na envolvente fundamentalista religiosa que hoje gere Israel. Herdou a missão do pai, Benzion Netanyahu, por sua vez secretário pessoal e um dos principais discípulos ideológicos de Volodymir Jabotinsky, o ucraniano que foi colaborador de Mussolini e em 1925 provocara o grande cisma entre o sionismo secular oportunisticamente proclamado à nascença e o designado “sionismo revisionista” por ele fundado. Esta variante do colonialismo extremista sob cobertura “hebraica” inspira o fanatismo político-religioso que prevalece no actual governo e tem como objectivo criar uma teocracia – o primado da “Lei de Deus”. Mantendo, naturalmente, a missão de defender a civilização ocidental no Médio Oriente. Não é de somenos o facto de esta tendência fanática ter enorme representatividade no interior do Congresso Mundial Judaico e ser apoiada sem restrições práticas pelo regime dos Estados Unidos e os organismos não democráticos que definem as políticas da União Europeia.

Vozes que antevêem a catástrofe

Ehud Barak, um dos mais experientes políticos israelitas, primeiro- ministro de um governo do início do século que praticou uma repressão selvática sobre o chamado Segundo Intifada palestiniano e foi o último chefe do Partido Trabalhista como organização política influente, tem uma opinião relevante sobre os acontecimentos em curso. “Sob o manto da guerra”, diz, “está a decorrer um golpe governamental e constitucional sem que um tiro seja disparado; se o golpe não for interrompido transformará Israel numa ditadura dentro de semanas – Netanyahu e o seu governo estão a assassinar a democracia”. O caminho proposto pelo agora dirigente “centrista” é “fechar o país por meio da desobediência civil em grande escala 24 horas por dia e sete dias por semana”.

Opinião bem mais contundente e avançada, e também alarmante, tem o general Moshe Yalon, ex-chefe do Estado Maior das Forças Armadas e ex-ministro da Defesa:

“Um culto escatológico e raivoso está a ditar a lei em Telavive, o quartel-general da construção genocida e colonial da comunidade dos colonos; este processo é completado com uma enorme milícia vigilante, ou milícias interligadas de centenas de milhares de colonos armados até aos dentes, incontroláveis e preparados para qualquer coisa, até atacar os militares e o Estado”.

Um “ex-director do Mossad” citado pelo jornal “Haaretz” põe mesmo em causa o futuro do chamado “Estado judaico” dizendo que se ganhar a forma de “um Estado racista e violento não poderá sobreviver; e provavelmente já é tarde demais”.

“Um Mein Kampf ao contrário”

Ao acompanhar a rede mediática globalista dir-se-á que o actual governo israelita é composto apenas pelo primeiro-ministro Netanyahu e pelos ministros das Finanças, Bezalel Smotrich, e o ministro da Segurança, Itamar Ben-Gvir, estes dois considerados benevolamente como “de extrema-direita” quando, na prática, mais não são do que terroristas nazis.

Smotrich é um colono chefe do Partido Nacional Religioso que nega a existência do povo palestiniano, “constituído por sub-humanos”. No cadastro tem várias acusações de atentados terroristas, inclusive contra as autoridades sionistas.

Itamar Bem-Gvir é filho de uma judia curda iraquiana que integrou o grupo terrorista Irgun, braço fundador do exército de Israel nascido nas fileiras de Mussolini e historicamente dirigido pelo ex-primeiro ministro Menahem Begin. Chefia a organização Otzmar Yehdiut, igualmente de “extrema-direita” e herdeira do movimento proibido Kach do ícone fascista Meir Kahane, um terrorista norte-americano nascido em Nova York, onde cometeu vários atentados pelos quais foi condenado a um ano de prisão, cumprido num hotel. Instalou-se depois em Israel para lutar pela expulsão de todos os palestinianos da Palestina, foi preso pelo menos 60 vezes por atentados terroristas e eleito membro do Knesset (Parlamento).

Smotrich e Bem-Gvir não integram o Conselho de Guerra, chefiado igualmente por Netanyahu, mas conseguem intervir no seu funcionamento com uma influência que já provocou a demissão de “moderados”, como o ex-primeiro-ministro Benny Ganz.

O triunvirato governamental informal tem como mentor o rabino David Liar, chefe de um movimento “clandestino” judaico que defende a construção do Terceiro Templo na Esplanada das Mesquitas (Monte do Templo para os sionistas) depois de arrasar a mesquita de Al-Aqsa e a mesquita da Cúpula do Rochedo de onde, segundo a tradição, o Profeta Maomé subiu aos céus. Este espaço religioso situado no centro da Cidade Velha de Jerusalém é o terceiro lugar sagrado do Islão, a seguir a Meca e Medina. O rabino Liar pretende igualmente incendiar todos os autocarros de Jerusalém. De acordo com a sua estratégia, o objectivo é instaurar um clima de terror susceptível de provocar a “Última Guerra”, o conceito bíblico do Armagedão. Um louco inspirando ministros loucos. Para o primeiro-ministro Netanyahu, porém, o rabino David Liar é “a unidade de elite que lidera Israel”.

Diz o general Moshe Yalom: “Tudo isto corresponde ao conceito de supremacia judaica, um Mein Kampf ao contrário, e tem influência no processo de decisão do actual governo de Israel”. O ex-chefe do Estado Maior qualifica este quadro como uma manifestação de “demência cósmica do projecto sionista” e que vai “muito além do facto de o Estado ter perdido o controlo da extrema-direita”, ao ponto de ser governado por ela.

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