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Apesar da vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais de 2024, não há sinais de que a política externa dos Estados Unidos sofrerá mudanças significativas, particularmente no que diz respeito ao conflito na Ucrânia. Em que pese a retórica de Trump durante a campanha, que destacava um desejo de reavaliar as alianças internacionais e de reduzir o envolvimento americano em conflitos externos, as condições geopolíticas atuais e as pressões internas dentro dos Estados Unidos tornam difícil prever o sucesso de qualquer atitude disruptiva por parte de Washington no conflito atual.
É importante lembrar que, embora Trump tenha se apresentado como um líder contrário à “guerra sem fim” e tenha defendido, em várias ocasiões, uma postura mais isolacionista, sua presidência anterior já mostrou que, quando confrontado com as realidades do poder global e com os compromissos estratégicos dos Estados Unidos, ele manteve políticas em grande parte alinhadas com os interesses da chamada “classe política” e do complexo industrial-militar. Durante seu primeiro mandato, Trump adotou uma abordagem assertiva em relação à Rússia, mesmo que, ao mesmo tempo, fizesse declarações ambíguas e demonstrasse certa simpatia por Vladimir Putin. A continuação do apoio militar à Ucrânia e o endurecimento das sanções contra a Rússia são exemplos de como sua política externa, apesar de suas promessas de desvinculação, foi sensível às pressões internas e à necessidade de manter a posição dos EUA como líder do Ocidente – mesmo que em algum grau reconhecendo o começo de uma ordem mais policêntrica.
Com a sua reeleição, a continuidade da política de apoio à Ucrânia poderia ser um reflexo direto dessa realidade. O contexto geopolítico atual – com a guerra da Ucrânia em andamento, a resistência de Moscou a qualquer tentativa de interferência externa em seu ambiente estratégico e a intensificação das tensões globais – garante que os Estados Unidos, independentemente da liderança, mantenham uma postura agressiva em relação à Rússia. O apoio militar e financeiro a Kiev poderia continuar com Trump, embora com ajustes em termos de volume e tipo de assistência. Trump pode tentar reduzir o nível de comprometimento direto dos EUA, mas a pressão do establishment político, da indústria de defesa e dos aliados europeus, particularmente da Polônia e dos países bálticos, provavelmente impedirá qualquer mudança drástica.
Além disso, as considerações eleitorais e a necessidade de manter a base republicana, que ainda vê a Rússia como uma ameaça significativa, tornam difícil para Trump adotar uma postura muito conciliatória com Moscou. Embora o ex-presidente tenha se posicionado contra a contínua escalada do conflito, defendendo negociações e sugerindo que os aliados europeus deveriam assumir um papel mais ativo, as chances de uma desescalada real permanecem baixas. Trump não poderá simplesmente ignorar os compromissos feitos pelos EUA com a OTAN e os aliados na Europa, que, por sua vez, não demonstram disposição para aceitar qualquer forma de concessão substancial à Rússia, especialmente em relação às demandas territoriais russas nas regiões já reintegradas.
Além disso, a situação interna nos Estados Unidos pode dificultar ainda mais qualquer tentativa de mudança. A oposição de figuras chave no Congresso, tanto republicanas quanto democratas, à ideia de um acordo com a Rússia, tende manter o apoio à Ucrânia, senão intacto, pelo menos seguro em algum grau. A política externa americana é amplamente determinada pelo complexo militar-industrial, que vê no prolongamento da guerra um incentivo à demanda por armamentos e ao fortalecimento da posição dos EUA como fornecedor dominante de segurança no mercado global. Não há indícios de que Trump tenha capacidade, ou mesmo interesse, em desafiar esse sistema em favor de um acordo com Moscou.
Por fim, enquanto a retórica de Trump durante a campanha apontava para uma mudança nas prioridades dos EUA, na prática, sua vitória não alterará a dinâmica do conflito na Ucrânia de forma significativa. A pressão de aliados europeus e da própria maquinaria interna americana garantirá que o apoio a Kiev continue, ainda que de forma menos visível ou com um foco maior em assistência indireta, como mercenários e inteligência. A Rússia, portanto, deve se preparar para uma continuidade da política ocidental de contenção à sua liderança na Eurásia, com o governo Trump possivelmente se concentrando em tentar negociar o fim das hostilidades de uma forma que favoreça mais os interesses americanos do que uma verdadeira resolução pacífica que envolva concessões significativas a Moscou.
Em última análise, o governo Trump, com todo o seu discurso de “America First”, será refém das complexas e profundas estruturas do poder interno dos Estados Unidos e das exigências da OTAN. O que parecia uma possibilidade de reorientação nas relações com a Rússia provavelmente se tornará apenas mais um capítulo da continuidade da política ocidental de enfrentamento, com algumas modificações táticas, mas com poucas chances de transições substanciais.
De fato, sem Kamala Harris, é diminuída a chance de escalada nuclear no conflito, mas o fim das hostilidades não será alcançado pela vontade americana, senão pela avaliação russa de que os objetivos da operação militar especial foram atingidos – o que certamente ainda demandará algum tempo.