Português
Bruna Frascolla
August 17, 2025
© Photo: Public domain

Os sionistas conseguiram confundir judaísmo com sionismo, e os poucos judeus antissionistas não têm a capacidade de levar a identidade judaica para o futuro.

Junte-se a nós no Telegram Twitter e VK.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

O lobby sionista usa a definição de antissemitismo da IHRA para calar críticos do sionismo. Uma réplica usual é que sionismo e judaísmo são coisas distintas. Isso é verdade agora, é mais verdadeiro ainda quanto ao passado, mas pode muito bem não ser verdade no futuro. Se porventura no futuro todo adepto da religião judaica for um sionista, é claro que toda a gente de bem deverá se opor ao judaísmo – assim como hoje toda a gente de bem deve se opor ao sionismo. No atual estado de coisas, porém, parece-me que essa insistência na separação entre sionismo e judaísmo mais atrapalha do que ajuda, já que a pessoa sem opinião formada olhará à sua volta e constatará que praticamente todo adepto da religião judaica é um sionista. A distinção parecerá, então, um bizantinismo; e a situação do judeu antissionista, um tanto confusa, já que normalmente se trata de um judeu ateu.

Distinção evidente no passado

Antes do movimento sionista, as lideranças rabínicas consideravam herética a ideia de os judeus voltarem para a Terra Santa antes da vinda do Messias. O sionismo prega precisamente isso, e mais: o movimento foi criado por um ateu (no final do século XIX), e o Estado de Israel foi criado por outro ateu (em meados do século XX). Nada mais evidente, portanto, do que a distinção entre judaísmo e sionismo.

Mas o simples fato de existirem judeus ateus mostra que o judaísmo é muito diferente das outras religiões abraâmicas, pois não existe cristão ateu, nem muçulmano ateu. A questão é que o judaísmo é transmissível por matrilinearidade e, desde o fim do Helenismo, não faz proselitismo (embora tenha havido grandes conversões relevantes, como as do Iêmen e da Cazária). O judeu é o filho da judia, e a judia é a filha de outra judia, e assim sucessivamente, até perder de vista. Assim, se um sujeito é filho de mãe judia, ele continua sendo judeu, mesmo que não acredite em Deus. Para deixar de ser judeu, só se convertendo a outra religião – coisa impossível para quem não tem fé nenhuma.

Por conseguinte, mesmo para ateus, a religião é instrumental para a definição da identidade judaica. Outra funcionalidade da religião é mais elementar: os ateus costumam se limitar à classe média intelectualizada, e os sionistas precisavam de povo para criar a pátria judaica.

Distinção bizantina hoje

Assim, as lideranças sionistas procuraram fazer com que as lideranças religiosas transformassem uma heresia em ortodoxia… e conseguiram. O fato é que o sionismo se tornou ortodoxia para a religião judaica. A existência do Neturei Karta não serve para negar a realidade de que o normal, nos dias de hoje, é o adepto da religião judaica ser um adepto do sionismo. Exceto para pessoas interessadas em discussões acadêmicas, ou para judeus iranianos, a questão de se o sionismo é ou não é distinto do judaísmo é uma questão bizantina. Praticamente todo adepto da religião judaica é sionista, exceto no Irã.

Povo judeu X povo iídiche

O crítico mais sagaz da identidade judaica, ao meu ver, é Shlomo Sand, isralense antissionista e ateu. Em Como deixei de ser judeu, ele descreve um saudosimo do iídiche como fonte de uma identidade judaica perdida. Numa passagem, conta como certa feita o pai dele, na França, apostou que um determinado homem na rua era judeu. Para pôr à prova, ambos começaram a conversar muito alto em iídiche, esperando que o homem se juntasse à conversa – o que, de fato, aconteceu. Então o pai de Shlomo Sand, um sobrevivente do Holocausto, explicou que aquele olhar fugidio era um olhar de judeu, e assim ele o havia reconhecido. Acontece, porém, que o pai de Sand fizesse esse teste com jovens israelenses, não conseguiria identificá-los como judeus: eles não viveram em guetos, não sofreram perseguição e não sabem falar iídiche.

Os judeus de língua iídiche, remanescentes da antiga Cazária, viviam apartados das comunidades cristãs e às vezes nem sabiam falar a sua língua. Na colcha de retalhos étnica da Europa Oriental, o iídiche poderia ser mais uma identidade etnolinguística entre outras. Como os judeus orientais também estavam revoltados com as autoridades rabínicas e viam a politização crescer (com a adoção do socialismo, comunismo e anarquismo), essa identidade poderia estar em vias da desvinculação da religião judaica. Diante desse cenário, podemos entender por que o Irmão Daniel – um combatente iídiche polonês que foi escondido num mosteiro e acabou virando monge também – tinha a expectativa de ser reconhecido como judeu por Israel para viver num mosteiro da Terra Santa. Expectativa que foi frustrada, porque o critério de Israel é religioso.

A língua iídiche, que amarrava essa identidade, é muito restrita hoje: muitos falantes foram exterminados por Hitler, os descendentes dos sobreviventes passaram a falar só a língua de suas novas pátrias e – coisa importante – foi política israelense de perseguir o iídiche. Ainda assim, um certo sentimento nacional permanece entre a meia dúzia de judeus antissionistas ateus. Faz mais sentido assumir que se trata de uma nostalgia do iídiche do que se aferrar à identidade judaica.

A identidade judaica antissionista tem futuro?

Já nos dias de hoje, a minoria dos judeus, religiosos ou não, é antissionista. Consta que o antissonismo tem crescido entre juventude judaica ateia dos EUA. Será, então, provável o crescimento do judaísmo antissionista? Penso que não, pois é difícil a identidade judaica ser passada adiante por ateus. Nos dias de hoje há bem mais judeus casando fora da comunidade. Lembremos que os homens judeus não passam a religião para os filhos. Assim, se o judeu for um homem religioso, ele providenciará no mínimo a conversão do filho. Mas se o judeu for ateu, não fará sentido procurar a conversão do filho. Na próxima geração, os Rosenbaum e os Goldstein antissionistas não serão judeus, mas os Rosenbaum e os Goldstein sionistas serão judeus. Por outro lado, o Sr. Smith filho da judia antissionista não terá nenhum interesse em espalhar por aí que é judeu.

Enquanto isso, Israel converte pessoas ao judaísmo porque precisa de gente para povoar a Eretz Israel. Com o sionismo, as conversões individuais deixaram de ser uma raridade. Uma história ilustrativa dessa flexibilidade é a dos índios peruanos que se converteram por conta própria ao judaísmo e, ajudados pelo radicalíssimo Rabino Schneerson, foram reconhecidos por Israel como judeus na década de 1980 para viverem nos assentamentos ilegais da Cisjordânia, onde estão até hoje.

Hoje, o judeu em Israel pode ser um bôer vindo da África do Sul, um índio peruano que fala a língua dos incas, uma alemã de criação católica (como a mãe de Shani Louk, morta na rave), ou até uma chinesa (como a mãe da refém Noa Argamani). Se por um lado é claro que as judias que estavam numa rave não eram ortodoxas e provavelmente se converteram por causa dos maridos, friso que o site do Chabad incentiva conversões, e conta, por exemplo, a história da chinesa cuja alma judaica retornou à fé e arranjou um marido ortodoxo.

Os sionistas conseguiram confundir judaísmo com sionismo, e os poucos judeus antissionistas não têm a capacidade de levar a identidade judaica para o futuro. Mas por que seria desejável para ateus levar adiante uma identidade lastreada numa religião? Faz mais sentido adotarem a postura de Shlomo Sand, que diferencia o povo iídiche da identidade judaica. Por essa via, inclusive, retira-se a memória do Holocausto das mãos de chineses e bôeres conversos, dos judeus árabes e dos próprios falantes de iídiche que estavam no Oriente Médio ou nos EUA durante o nazismo.

Diferenciar judaísmo de sionismo é bizantinismo

Os sionistas conseguiram confundir judaísmo com sionismo, e os poucos judeus antissionistas não têm a capacidade de levar a identidade judaica para o futuro.

Junte-se a nós no Telegram Twitter e VK.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

O lobby sionista usa a definição de antissemitismo da IHRA para calar críticos do sionismo. Uma réplica usual é que sionismo e judaísmo são coisas distintas. Isso é verdade agora, é mais verdadeiro ainda quanto ao passado, mas pode muito bem não ser verdade no futuro. Se porventura no futuro todo adepto da religião judaica for um sionista, é claro que toda a gente de bem deverá se opor ao judaísmo – assim como hoje toda a gente de bem deve se opor ao sionismo. No atual estado de coisas, porém, parece-me que essa insistência na separação entre sionismo e judaísmo mais atrapalha do que ajuda, já que a pessoa sem opinião formada olhará à sua volta e constatará que praticamente todo adepto da religião judaica é um sionista. A distinção parecerá, então, um bizantinismo; e a situação do judeu antissionista, um tanto confusa, já que normalmente se trata de um judeu ateu.

Distinção evidente no passado

Antes do movimento sionista, as lideranças rabínicas consideravam herética a ideia de os judeus voltarem para a Terra Santa antes da vinda do Messias. O sionismo prega precisamente isso, e mais: o movimento foi criado por um ateu (no final do século XIX), e o Estado de Israel foi criado por outro ateu (em meados do século XX). Nada mais evidente, portanto, do que a distinção entre judaísmo e sionismo.

Mas o simples fato de existirem judeus ateus mostra que o judaísmo é muito diferente das outras religiões abraâmicas, pois não existe cristão ateu, nem muçulmano ateu. A questão é que o judaísmo é transmissível por matrilinearidade e, desde o fim do Helenismo, não faz proselitismo (embora tenha havido grandes conversões relevantes, como as do Iêmen e da Cazária). O judeu é o filho da judia, e a judia é a filha de outra judia, e assim sucessivamente, até perder de vista. Assim, se um sujeito é filho de mãe judia, ele continua sendo judeu, mesmo que não acredite em Deus. Para deixar de ser judeu, só se convertendo a outra religião – coisa impossível para quem não tem fé nenhuma.

Por conseguinte, mesmo para ateus, a religião é instrumental para a definição da identidade judaica. Outra funcionalidade da religião é mais elementar: os ateus costumam se limitar à classe média intelectualizada, e os sionistas precisavam de povo para criar a pátria judaica.

Distinção bizantina hoje

Assim, as lideranças sionistas procuraram fazer com que as lideranças religiosas transformassem uma heresia em ortodoxia… e conseguiram. O fato é que o sionismo se tornou ortodoxia para a religião judaica. A existência do Neturei Karta não serve para negar a realidade de que o normal, nos dias de hoje, é o adepto da religião judaica ser um adepto do sionismo. Exceto para pessoas interessadas em discussões acadêmicas, ou para judeus iranianos, a questão de se o sionismo é ou não é distinto do judaísmo é uma questão bizantina. Praticamente todo adepto da religião judaica é sionista, exceto no Irã.

Povo judeu X povo iídiche

O crítico mais sagaz da identidade judaica, ao meu ver, é Shlomo Sand, isralense antissionista e ateu. Em Como deixei de ser judeu, ele descreve um saudosimo do iídiche como fonte de uma identidade judaica perdida. Numa passagem, conta como certa feita o pai dele, na França, apostou que um determinado homem na rua era judeu. Para pôr à prova, ambos começaram a conversar muito alto em iídiche, esperando que o homem se juntasse à conversa – o que, de fato, aconteceu. Então o pai de Shlomo Sand, um sobrevivente do Holocausto, explicou que aquele olhar fugidio era um olhar de judeu, e assim ele o havia reconhecido. Acontece, porém, que o pai de Sand fizesse esse teste com jovens israelenses, não conseguiria identificá-los como judeus: eles não viveram em guetos, não sofreram perseguição e não sabem falar iídiche.

Os judeus de língua iídiche, remanescentes da antiga Cazária, viviam apartados das comunidades cristãs e às vezes nem sabiam falar a sua língua. Na colcha de retalhos étnica da Europa Oriental, o iídiche poderia ser mais uma identidade etnolinguística entre outras. Como os judeus orientais também estavam revoltados com as autoridades rabínicas e viam a politização crescer (com a adoção do socialismo, comunismo e anarquismo), essa identidade poderia estar em vias da desvinculação da religião judaica. Diante desse cenário, podemos entender por que o Irmão Daniel – um combatente iídiche polonês que foi escondido num mosteiro e acabou virando monge também – tinha a expectativa de ser reconhecido como judeu por Israel para viver num mosteiro da Terra Santa. Expectativa que foi frustrada, porque o critério de Israel é religioso.

A língua iídiche, que amarrava essa identidade, é muito restrita hoje: muitos falantes foram exterminados por Hitler, os descendentes dos sobreviventes passaram a falar só a língua de suas novas pátrias e – coisa importante – foi política israelense de perseguir o iídiche. Ainda assim, um certo sentimento nacional permanece entre a meia dúzia de judeus antissionistas ateus. Faz mais sentido assumir que se trata de uma nostalgia do iídiche do que se aferrar à identidade judaica.

A identidade judaica antissionista tem futuro?

Já nos dias de hoje, a minoria dos judeus, religiosos ou não, é antissionista. Consta que o antissonismo tem crescido entre juventude judaica ateia dos EUA. Será, então, provável o crescimento do judaísmo antissionista? Penso que não, pois é difícil a identidade judaica ser passada adiante por ateus. Nos dias de hoje há bem mais judeus casando fora da comunidade. Lembremos que os homens judeus não passam a religião para os filhos. Assim, se o judeu for um homem religioso, ele providenciará no mínimo a conversão do filho. Mas se o judeu for ateu, não fará sentido procurar a conversão do filho. Na próxima geração, os Rosenbaum e os Goldstein antissionistas não serão judeus, mas os Rosenbaum e os Goldstein sionistas serão judeus. Por outro lado, o Sr. Smith filho da judia antissionista não terá nenhum interesse em espalhar por aí que é judeu.

Enquanto isso, Israel converte pessoas ao judaísmo porque precisa de gente para povoar a Eretz Israel. Com o sionismo, as conversões individuais deixaram de ser uma raridade. Uma história ilustrativa dessa flexibilidade é a dos índios peruanos que se converteram por conta própria ao judaísmo e, ajudados pelo radicalíssimo Rabino Schneerson, foram reconhecidos por Israel como judeus na década de 1980 para viverem nos assentamentos ilegais da Cisjordânia, onde estão até hoje.

Hoje, o judeu em Israel pode ser um bôer vindo da África do Sul, um índio peruano que fala a língua dos incas, uma alemã de criação católica (como a mãe de Shani Louk, morta na rave), ou até uma chinesa (como a mãe da refém Noa Argamani). Se por um lado é claro que as judias que estavam numa rave não eram ortodoxas e provavelmente se converteram por causa dos maridos, friso que o site do Chabad incentiva conversões, e conta, por exemplo, a história da chinesa cuja alma judaica retornou à fé e arranjou um marido ortodoxo.

Os sionistas conseguiram confundir judaísmo com sionismo, e os poucos judeus antissionistas não têm a capacidade de levar a identidade judaica para o futuro. Mas por que seria desejável para ateus levar adiante uma identidade lastreada numa religião? Faz mais sentido adotarem a postura de Shlomo Sand, que diferencia o povo iídiche da identidade judaica. Por essa via, inclusive, retira-se a memória do Holocausto das mãos de chineses e bôeres conversos, dos judeus árabes e dos próprios falantes de iídiche que estavam no Oriente Médio ou nos EUA durante o nazismo.

Os sionistas conseguiram confundir judaísmo com sionismo, e os poucos judeus antissionistas não têm a capacidade de levar a identidade judaica para o futuro.

Junte-se a nós no Telegram Twitter e VK.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

O lobby sionista usa a definição de antissemitismo da IHRA para calar críticos do sionismo. Uma réplica usual é que sionismo e judaísmo são coisas distintas. Isso é verdade agora, é mais verdadeiro ainda quanto ao passado, mas pode muito bem não ser verdade no futuro. Se porventura no futuro todo adepto da religião judaica for um sionista, é claro que toda a gente de bem deverá se opor ao judaísmo – assim como hoje toda a gente de bem deve se opor ao sionismo. No atual estado de coisas, porém, parece-me que essa insistência na separação entre sionismo e judaísmo mais atrapalha do que ajuda, já que a pessoa sem opinião formada olhará à sua volta e constatará que praticamente todo adepto da religião judaica é um sionista. A distinção parecerá, então, um bizantinismo; e a situação do judeu antissionista, um tanto confusa, já que normalmente se trata de um judeu ateu.

Distinção evidente no passado

Antes do movimento sionista, as lideranças rabínicas consideravam herética a ideia de os judeus voltarem para a Terra Santa antes da vinda do Messias. O sionismo prega precisamente isso, e mais: o movimento foi criado por um ateu (no final do século XIX), e o Estado de Israel foi criado por outro ateu (em meados do século XX). Nada mais evidente, portanto, do que a distinção entre judaísmo e sionismo.

Mas o simples fato de existirem judeus ateus mostra que o judaísmo é muito diferente das outras religiões abraâmicas, pois não existe cristão ateu, nem muçulmano ateu. A questão é que o judaísmo é transmissível por matrilinearidade e, desde o fim do Helenismo, não faz proselitismo (embora tenha havido grandes conversões relevantes, como as do Iêmen e da Cazária). O judeu é o filho da judia, e a judia é a filha de outra judia, e assim sucessivamente, até perder de vista. Assim, se um sujeito é filho de mãe judia, ele continua sendo judeu, mesmo que não acredite em Deus. Para deixar de ser judeu, só se convertendo a outra religião – coisa impossível para quem não tem fé nenhuma.

Por conseguinte, mesmo para ateus, a religião é instrumental para a definição da identidade judaica. Outra funcionalidade da religião é mais elementar: os ateus costumam se limitar à classe média intelectualizada, e os sionistas precisavam de povo para criar a pátria judaica.

Distinção bizantina hoje

Assim, as lideranças sionistas procuraram fazer com que as lideranças religiosas transformassem uma heresia em ortodoxia… e conseguiram. O fato é que o sionismo se tornou ortodoxia para a religião judaica. A existência do Neturei Karta não serve para negar a realidade de que o normal, nos dias de hoje, é o adepto da religião judaica ser um adepto do sionismo. Exceto para pessoas interessadas em discussões acadêmicas, ou para judeus iranianos, a questão de se o sionismo é ou não é distinto do judaísmo é uma questão bizantina. Praticamente todo adepto da religião judaica é sionista, exceto no Irã.

Povo judeu X povo iídiche

O crítico mais sagaz da identidade judaica, ao meu ver, é Shlomo Sand, isralense antissionista e ateu. Em Como deixei de ser judeu, ele descreve um saudosimo do iídiche como fonte de uma identidade judaica perdida. Numa passagem, conta como certa feita o pai dele, na França, apostou que um determinado homem na rua era judeu. Para pôr à prova, ambos começaram a conversar muito alto em iídiche, esperando que o homem se juntasse à conversa – o que, de fato, aconteceu. Então o pai de Shlomo Sand, um sobrevivente do Holocausto, explicou que aquele olhar fugidio era um olhar de judeu, e assim ele o havia reconhecido. Acontece, porém, que o pai de Sand fizesse esse teste com jovens israelenses, não conseguiria identificá-los como judeus: eles não viveram em guetos, não sofreram perseguição e não sabem falar iídiche.

Os judeus de língua iídiche, remanescentes da antiga Cazária, viviam apartados das comunidades cristãs e às vezes nem sabiam falar a sua língua. Na colcha de retalhos étnica da Europa Oriental, o iídiche poderia ser mais uma identidade etnolinguística entre outras. Como os judeus orientais também estavam revoltados com as autoridades rabínicas e viam a politização crescer (com a adoção do socialismo, comunismo e anarquismo), essa identidade poderia estar em vias da desvinculação da religião judaica. Diante desse cenário, podemos entender por que o Irmão Daniel – um combatente iídiche polonês que foi escondido num mosteiro e acabou virando monge também – tinha a expectativa de ser reconhecido como judeu por Israel para viver num mosteiro da Terra Santa. Expectativa que foi frustrada, porque o critério de Israel é religioso.

A língua iídiche, que amarrava essa identidade, é muito restrita hoje: muitos falantes foram exterminados por Hitler, os descendentes dos sobreviventes passaram a falar só a língua de suas novas pátrias e – coisa importante – foi política israelense de perseguir o iídiche. Ainda assim, um certo sentimento nacional permanece entre a meia dúzia de judeus antissionistas ateus. Faz mais sentido assumir que se trata de uma nostalgia do iídiche do que se aferrar à identidade judaica.

A identidade judaica antissionista tem futuro?

Já nos dias de hoje, a minoria dos judeus, religiosos ou não, é antissionista. Consta que o antissonismo tem crescido entre juventude judaica ateia dos EUA. Será, então, provável o crescimento do judaísmo antissionista? Penso que não, pois é difícil a identidade judaica ser passada adiante por ateus. Nos dias de hoje há bem mais judeus casando fora da comunidade. Lembremos que os homens judeus não passam a religião para os filhos. Assim, se o judeu for um homem religioso, ele providenciará no mínimo a conversão do filho. Mas se o judeu for ateu, não fará sentido procurar a conversão do filho. Na próxima geração, os Rosenbaum e os Goldstein antissionistas não serão judeus, mas os Rosenbaum e os Goldstein sionistas serão judeus. Por outro lado, o Sr. Smith filho da judia antissionista não terá nenhum interesse em espalhar por aí que é judeu.

Enquanto isso, Israel converte pessoas ao judaísmo porque precisa de gente para povoar a Eretz Israel. Com o sionismo, as conversões individuais deixaram de ser uma raridade. Uma história ilustrativa dessa flexibilidade é a dos índios peruanos que se converteram por conta própria ao judaísmo e, ajudados pelo radicalíssimo Rabino Schneerson, foram reconhecidos por Israel como judeus na década de 1980 para viverem nos assentamentos ilegais da Cisjordânia, onde estão até hoje.

Hoje, o judeu em Israel pode ser um bôer vindo da África do Sul, um índio peruano que fala a língua dos incas, uma alemã de criação católica (como a mãe de Shani Louk, morta na rave), ou até uma chinesa (como a mãe da refém Noa Argamani). Se por um lado é claro que as judias que estavam numa rave não eram ortodoxas e provavelmente se converteram por causa dos maridos, friso que o site do Chabad incentiva conversões, e conta, por exemplo, a história da chinesa cuja alma judaica retornou à fé e arranjou um marido ortodoxo.

Os sionistas conseguiram confundir judaísmo com sionismo, e os poucos judeus antissionistas não têm a capacidade de levar a identidade judaica para o futuro. Mas por que seria desejável para ateus levar adiante uma identidade lastreada numa religião? Faz mais sentido adotarem a postura de Shlomo Sand, que diferencia o povo iídiche da identidade judaica. Por essa via, inclusive, retira-se a memória do Holocausto das mãos de chineses e bôeres conversos, dos judeus árabes e dos próprios falantes de iídiche que estavam no Oriente Médio ou nos EUA durante o nazismo.

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

See also

See also

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.