Como os católicos e os evangélicos estão juntos e misturados na direita brasileira, a melhor alternativa mercadológica para a direita católica no Brasil é criar veículos e produtos que sejam genericamente cristãos.
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Há tempos eu vinha pensando se deveria escrever sobre a infiltração do sionismo no catolicismo por meio de influencers no Brasil, ou se isso era um assunto particularista demais. O oportuno artigo “O ex-presidente iraniano Ahmadinejad, a falecida Rainha Elizabete e as artes sombrias de Israel”, de Declan Hayes, me mostrou que o assunto é da maior pertinência, pois o sionismo busca se infiltrar até mesmo entre os católicos irlandeses. Ora, a Irlanda é católica desde quando os ingleses eram pagãos. Com a adesão da Inglaterra ao protestantismo, as barbaridades praticadas contra a Irlanda consolidaram ainda mais o catolicismo como um traço do caráter nacional irlandês, em oposição ao opositor herege.
A relação entre catolicismo e protestantismo na Irlanda é muito diferente do Brasil, onde o protestantismo de massas é uma novidade da segunda metade do século XX, e onde as relações são em geral pacíficas, sem derramamento de sangue. Houve, é verdade, o ataque iconoclasta à Padroeira do Brasil, mas a imagem foi restaurada e isso é café pequeno em comparação ao que quer que tenha ocorrido na Ilhas Britânicas, França ou Alemanha.
Assim, uma coisa é introduzir uma heresia típica dos puritanos entre despreocupados católicos brasileiros, outra é fazer isso na Irlanda. Se estão fazendo isso na Irlanda, tudo é possível!
Somando o relato de Declan Hayes à minha observação do Brasil, creio que os expedientes para a infiltração mundo afora sejam:
1) O artifício retórico que coloca o apoio incondicional a Israel como uma insígnia do direitismo;
2) O controle de empresas de comunicação com temática católica que são leigas e não têm relações institucionais com a Igreja;
3) A cópia da subcultura de coaches, comum no mundo evangélico dos EUA.
Na Irlanda, por exemplo, há um jornal chamado The Irish Catholic (O Católico Irlandês), dedicado a assuntos eclesiásticos. Após sucessivas vendas, foi parar nas mãos de um tal Garry O’Sullivan, dono de uma empresa Zion Media Limited (Mídia Sião Limitada). O’Sullivan é católico e leigo. Além desse jornal temático, há o jornal de direita Gript, que tem entre os seus editores o católico pró Israel, John McGuirk, que também trabalhou no Irish Catholic.
De um modo geral, a política hoje se divide entre esquerdistas progressistas laicistas e direitistas conservadores religiosos. Como há poucos protestantes entre os conservadores religiosos na Irlanda, a posição pró-Israel da neodireita global acaba se traduzindo, lá, num esdrúxulo conservadorismo católico pró-Israel.
No Brasil, há isso também. Continuamos um país com mais população católica do que protestante, e há católicos de esquerda e de direita. Levando-se em conta as desigualdades regionais, porém, pode-se dizer que o bolsonarismo é um fenômeno mais protestante do que católico. Se não houver grandes diferenças estatísticas, com certeza há na intensidade da adesão. Por um lado, ainda há fortes marcas da teologia da libertação nos quadros mais velhos da Igreja. Por outro, uma grande liderança de manifestações bolsonaristas é o Pastor Silas Malafaia, um tele-evangelista sionista. Se o católico de direita tende a apoiar Bolsonaro por pragmatismo, um evangélico de direita é capaz de criar um canal no Youtube só para comparar Bolsonaro ao leão de Nárnia. Porém, como Bolsonaro é católico (casado com uma evangélica sionista que fala em línguas), os pastores preferem compará-lo ao rei persa Ciro, o Grande, que foi bom para os judeus mesmo sem ser judeu.
Como os católicos e os evangélicos estão juntos e misturados na direita brasileira, a melhor alternativa mercadológica para a direita católica no Brasil é criar veículos e produtos que sejam genericamente cristãos, em vez de especificamente católicos. Nisso, cria-se o ambiente para o artifício retórico do nosso item 1.
O jornal em que trabalhei, a Gazeta do Povo, tem todo o perfil de direita cristã brasileira: encampa a luta contra o aborto e trata da questão trans – coisa que requer muita coragem no Brasil por causa do ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal. Não obstante, o jornal é 100% pró-Israel. Caso se queira buscar uma coerência internacional, anote-se que o dono do jornal é numerário da Opus Dei.
Vamos à subcultura de coaches. No Brasil, como mostrei noutro artigo, há um grande responsável pela subcultura de coaches conservadores que se pretendem católicos tradicionalistas: Olavo de Carvalho (1947 – 2022), um astrólogo formado pela seita tradicionalista do suíço Fritjof Schuon (1907 – 1998). Na internet, em especial no Instagram, há uma miríade de coaches e influencers vendendo cursos de modéstia, vida virtuosa, quatro humores, alquimia, astrologia, simbólica (sic) e “doze camadas da personalidade” (teoria da pseudociência que Olavo de Carvalho quis fundar, a astrocaracteriologia). Isso não teria ido tão longe sem complacência de membros do clero, entre os quais destaco o Pe. Paulo Ricardo. Custa alguma coisa ele dizer à sua legião de seguidores que a astrologia é rechaçada desde os tempos de Santo Agostinho?
Há originalidade nesse movimento, mas boa parte é cópia dos EUA. Ítalo Marsili, o influencer mais proeminente do olavismo (que até abriu uma faculdade de verdade!) vende no Instagram um estilo de vida “tradicional” que inclui um catolicismo estético, uma esposa dona de casa, uma montanha de filhos, bucolismo e muito, muito dinheiro. Esse pró-natalismo plutocrático não difere muito do do Vale do Silício, que defende que os portadores dos “melhores genes” (sempre muito ricos e, por autodeclaração, muito inteligentes) têm que ter muitos filhos.
Olavo de Carvalho era sionista a ponto de considerar o papa São João Paulo II um “inocente útil” por se pronunciar contra uma decisão de Ariel Sharon. Ou seja, entre o papa favorito dos anticomunistas e o primeiro ministro de Israel, mais vale a autoridade do segundo. Deixo à imaginação do leitor os ataques do guru à autoridade de Francisco.
Não bastasse isso, Olavo de Carvalho promovia a Escola Austríaca para os seus seguidores, considerando uma bobagem preocupar-se com a sua incompatibilidade com o catolicismo. Assim, somando a apologia do liberalismo mais radical, a propaganda sionista, o rechaço à autoridade papal, o estilo de vida “tradicionalista” (que inclui dona de casa, home schooling, muitos filhos e propriedade rural), criou-se, entre católicos de direita, um nicho para o marketing que já vem pronto dos EUA. Aquele estilo de negócio que começou no mundo analógico com o fundamentalista Bill Gothard e seu IBLP ganha uma miríade fragmentária, porém uniforme, de cópias. Com isso, consegue ultrapassar as barreiras da língua e da religião católica, vendendo o mesmo produto numa embalagem diferente. Os próprios pastores de igrejas avulsas, de modo geral, não deixam de ser influencers analógicos, e Candace Owens vem denunciando o esforço orquestrado para pastores falarem mal dela e de Tucker Carlson nos cultos.
Os itens 2 e 3 se retroalimentam, pois os influencers criaram empresas temáticas católicas (eu mesma tenho o Chesterton de uma das suas editoras) e, em veículos genericamente cristãos, são os porta-vozes do catolicismo, figurando ao lado de colunistas protestantes. Também nisto a questão de mercadológica importa, pois um jornal com fins lucrativos não irá preferir um monsenhor a um influencer católico com milhões de seguidores no Instagram ou centenas de milhares de espectadores no Youtube.
Concluo então que a infiltração do sionismo no catolicismo se alimenta da divisão entre esquerda e direita, bem como de estratégias mercadológicas.
Agora, um assunto mais complicado, e que ainda não está claro para mim, é a relação intelectual do segundo católico estadunidense mais proeminente no mundo – JD Vance – com os sinistros Peter Thiel e Curtis Yarvin.