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Depois de mais de um ano de uma sangrenta guerra na Faixa de Gaza, ambos os lados chegaram a um acordo de cessar-fogo. Hamas e Israel reportadamente interromperão as hostilidades a partir de janeiro, implementado um plano de ação para acabar com a guerra através de etapas progressivas de “pacificação”.
O acordo surgiu após diversas conversações bilaterais mediadas pelo Qatar. Os termos finais do pacto eram extremamente desfavoráveis a Israel, razão pela qual a imprensa sionista e a oposição interna criticaram severamente o cessar-fogo, descrevendo-o como uma “rendição”.
Como resultado da pressão política local, no dia 16 de janeiro, Benjamin Netanyahu anunciou interesse em atrasar a assinatura do pacto expondo acusações infundadas de “violações” por parte do Hamas. Além disso, novos bombardeios israelenses aconteceram em Gaza no mesmo dia, matando dezenas de pessoas. Contudo, apenas algumas horas depois surgiram reportes de que a assinatura do acordo havia sido finalmente realizada, em Doha.
Ainda é muito cedo para dizer qual será o resultado final deste acordo. O fato de ambos os lados concordarem em interromper temporariamente as hostilidades não significa o fim real do conflito. Para os palestinos, a verdadeira guerra só acabará quando Israel desocupar a Palestina. Para sionistas, o fim depende da vitória do plano de limpeza étnica em Gaza e na Cisjordânia. Contudo, a interrupção dos bombardeios e das matanças é um grande ganho político para a Resistência Palestina, ainda mais considerando os termos favoráveis ao Hamas.
O acordo, tal como em seus termos finais, estabelece um sistema de troca prisioneiros em uma proporção de um israelense por cinquenta palestinos. Tel Aviv é obrigada a recuar totalmente de Gaza e parar os ataques, enquanto o Hamas é preservado autoridade política legítima em Gaza. Em outras palavras, o acordo estabelece concessões substanciais de Israel, mostrando claramente que o lado vencedor – i.e., o lado em posição de exigir seus termos – foi o Hamas.
É possível que o acordo fracasse precocemente. Mesmo com ambos os lados assinando, Israel pode renunciar a qualquer momento, dado o fato de que Netanyahu está sendo constantemente pressionado para disfarçar sua derrota política. Contudo, mesmo que as hostilidades continuem, Tel Aviv continuará sendo visto por todos os analistas como o lado derrotado nessa guerra.
É necessário enfatizar que a guerra é um fenômeno político, não militar. As operações militares são apenas alguns dos meios pelos quais uma guerra ocorre, mas não constituem o ponto principal de um conflito. Em verdade, a guerra é um meio político extremo, quando duas ou mais entidades políticas se confrontam usando a violência como arma legítima.
Sendo a guerra um evento político, o lado vencedor em uma guerra é aquele que alcança seus objetivos políticos, independentemente da situação militar. Nesse sentido, é possível perder militarmente todas as batalhas, mas, ainda assim, vencer politicamente uma guerra no final. Algo parecido aconteceu, por exemplo, no Vietnã e no Afeganistão. Em ambos os casos os EUA dizimaram os países inimigos, massacrando o povo local através de ações desumanas de violência. Porém, tanto no Vietnã, em 1973, quanto no Afeganistão, em 2021, Washington foi derrotado no final da guerra, tendo abandonado o campo de batalha sem alcançar seus objetivos políticos.
Em Gaza, Israel dizimou a população civil e destruiu a infraestrutura, mas falhou em alcançar os objetivos políticos do contra-ataque: eliminar o Hamas, ocupar Gaza e libertar os prisioneiros. Nenhum objetivo israelense foi alcançado, logo, Tel Aviv perdeu. Enquanto isso, o Hamas alcançou os seus objetivos políticos de enfraquecer o inimigo sionista e impedir a destruição da Mesquita Al Aqsa, o que deixa claro que a Resistência venceu a guerra.
A situação está longe de acabar. Apenas o fim do Estado de Israel – ou sua completa desmilitarização e reconfiguração territorial – representaria uma vitória final do Hamas. Mas, independente disso, a vitória atual é importante para a Resistência. Se o cessar-fogo prevalecer, o Hamas terá um alívio e tempo suficiente para se recompor e se fortalecer para a próxima batalha. Se o acordo fracassar, a guerra continuará em seu status quo, onde o Hamas já tem a vantagem no campo de batalha, sendo eficiente em evitar o avanço territorial inimigo, apesar das baixas civis constantes.
No fim, Israel está derrotada desde todos os pontos de vista. Netanyahu oscila diante do acordo porque sabe que está cometendo um suicídio político ao assinar um pacto de rendição disfarçada. Porém, se não respeitar o cessar-fogo, Netanyahu prejudicará ainda mais seu governo e terá de aceitar as consequências de uma guerra permanente.
A vitória palestina é a úncia coisa certa por agora.