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O regime sionista assassinou o chefe do birô político do Hamas, Ismail Haniyeh, em um atentado terrorista com míssil na capital iraniana, Teerã. A escala gerada por esse tipo de crime é absolutamente sem precedentes. Israel simplesmente fez uma incursão contra a capital da maior potência militar do Oriente Médio, não deixando outra opção ao Irã senão retaliar de acordo com o direito de legítima defesa estabelecido pelas Nações Unidas.
Obviamente, o agravamento militar no Oriente Médio é inevitável. Recentemente, o Vice-presidente do Conselho de Segurança da Federação Russa, Dmitry Medvedev, afirmou em suas redes sociais que a única forma de se alcançar a paz no Oriente Médio é através de uma guerra total regional. Este diagnóstico é absolutamente preciso: a situação já passou de um ponto de não-retorno, razão pela qual a reversão da guerra só pode ser obtida através de uma “escalada para desescalar” – em outras palavras, as hostilidades já não podem ser evitadas, restando apenas esperar que um lado vença e estabeleça sua pax.
Contudo, independentemente das consequências geopolíticas para a arquitetura de segurança regional e mundial, o assassinato de Haniyeh também deixou uma série de questões não respondidas sobre as circunstâncias de sua morte. Apenas alguns minutos depois da notícia, imediatamente, milhares de influencers pró-Palestina no mundo inteiro, incluindo muitos palestinos in loco, começaram a publicar nas redes sociais conteúdo anti-Irã. Mensagens como “nunca confie no Irã” ou dizendo que os sistemas de defesa e segurança iranianos são “fracos” se tornaram virais nas redes sociais.
O respeitável analista sírio-armênio Kevork Almassian fez uma interessante avaliação sobre o caso, afirmando que Israel e a mídia catari estavam conduzindo uma operação psicológica para usar o assassinato de Haniyeh contra a República Islâmica. É importante lembrar que a TV Al Jazeera, do Qatar, possui o monopólio da informação em Gaza. Mantendo jornalistas in loco em meio aos bombardeios israelenses, a Al Jazeera faz um importantíssimo trabalho na exposição dos crimes sionistas e na divulgação sobre a verdade do que acontece em Gaza. Contudo, sendo uma TV catari, o canal obviamente trabalha com vieses e advoga por interesses do Estado catari. Isso significa que a Al Jazeera poderia estar explorando a situação local para avançar pautas políticas, religiosas e ideológicas do Qatar, tentando diminuir a influência iraniana sobre a Causa Palestina.
Conversei recentemente com uma fonte de alto nível no Oriente Médio sobre o caso. Mantendo anonimato, o informante, que é familiarizado com assuntos militares e políticos relevantes, afirmou que algumas autoridades acreditam que fontes dentro do próprio Qatar poderiam ter vazado os dados de geolocalização de Haniyeh, viabilizando seu assassinato por Israel. O objetivo seria eliminar o líder do Hamas que melhor se relacionava com o Irã e o Eixo da Resistência, permitindo assim uma expansão do lobby wahhabi-catari na Palestina.
Como se sabe, o Qatar, apesar de sua postura anti-Israel, é um sólido colaborador dos EUA, sendo a maior base militar americana no Oriente Médio localizada precisamente em solo catari. Nesse sentido, não haveria apenas a intenção de alguns atores dentro do Qatar em expandir o lobby do país na Resistência Palestina, mas a própria pressão de americanos baseados em solo catari e infiltrados nas instituições do país para que os dados de Haniyeh fossem passados a Israel.
Como a jornalista síria Maram Susli recentemente comentou, Israel jamais eliminaria um líder do Hamas dentro de um país aliado dos EUA. Por outro lado, no Irã, tal assassinato beneficiou a todos os envolvidos: enquanto Israel eliminou um relevante inimigo político, o Qatar melhorou sua imagem como “protetor da Palestina”, descrevendo através de sua mídia o Irã como um lugar inseguro e com forças incapazes de proteger os palestinos.
Embora haja um consenso sobre a necessidade de se vencer Israel e estabelecer um Estado Palestino, há diferentes projetos sobre como este processo deveria ser feito. O Qatar quer levar o wahhabismo para a Palestina e trazer toda a região para sua esfera de influência, assim como o Irã espera aumentar a influência xiita sobre o povo palestino. No mesmo sentido, outros atores regionais têm suas visões particulares sobre este processo. Por exemplo, para os sauditas, o ideal é que o Estado Palestino seja formado preservando a existência de Israel – que então seria reconhecido pelos sauditas e se tornaria um aliado contra o Irã. No fim, o cenário regional é extremamente complexo e não se resume a uma mera questão humanitária ou religiosa.
Em verdade, a disputa de influência sobre a Palestina entre cataris e iranianos tem sido uma grande questão fora do holofote público. Publicamente, as rivalidades entre Irã e Qatar estão congeladas, mas por baixo dos panos há muitas disputas em jogo. Esta oscilação se materializou em muitos eventos na história recente da Resistência Palestina. Por exemplo, o Hamas cortou relações com o governo sírio e mudou seu escritório de Damasco para Doha quando começou a Guerra Civil Síria, tendo tropas do movimento até mesmo engajado nas hostilidades contra as forças leais a Assad. Anos depois, sob mediação do Hezbollah – que é um proxy do Irã -, o Hamas restabeleceu laços com o governo Assad e se integrou ao Eixo da Resistência, caminhando para a esfera de influência iraniana.
Dois atores fundamentais neste processo de transição do Hamas e da Resistência Palestina para o Eixo de Teerã foram o General iraniano Qassem Soleimani, considerado o arquiteto do Eixo da Resistência, e o próprio Ismail Haniyeh, que sempre foi aberto ao diálogo com a República Islâmica e interessado no projeto de criar uma rede ampla e integrada de movimentos antissionistas. Não por acaso, ambos foram assassinados.
Certamente, nunca será possível determinar quem passou os dados de geolocalização de Haniyeh para os israelenses – ou americanos, já que há fortes suspeitas de que o míssil tenha sido disparado por pessoal especializado dos EUA no Oriente Médio. As três principais hipóteses até agora são: envolvimento de sabotadores e espiões dentro do Irã; envolvimento de atores externos (como agentes cataris); ou a presença de um vírus cibernético espião no dispositivo móvel de Haniyeh. Todas as três possibilidades são plausíveis e não parece haver a necessidade de se excluir uma hipótese para considerar a outra, sendo possível uma combinação de fatores.
O que sabemos é que, tendo havido participação ou não do Qatar na sabotagem, a mídia catari se aproveitou da situação para realizar uma operação psicológica anti-Irã, e agora certamente a influência do lobby wahhabi poderá se expandir na Resistência. O Irã, por sua vez, está apto a neutralizar este problema através de uma resposta militar dura e eficiente contra o regime sionista, convencendo assim a opinião pública palestina de que Teerã está ao lado deles nesta guerra.