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Uma contradição do capitalismo moderno é que a necessidade de um mercado consumidor global, onde praticamente toda a massa populacional está inserida, faz com que os trabalhadores adquiram tecnologia e a usem para seus fins.
Dos quase 8 bilhões de habitantes do planeta Terra, mais de 5 bilhões têm acesso regular à Internet. Ou seja, dois terços da população mundial utiliza a Internet de forma cotidiana. Nos países de capitalismo mais desenvolvido, onde o proletariado tradicionalmente é mais organizado e politizado, a taxa é ainda maior. Por exemplo, no norte da Europa, 97% da população utiliza a Internet regularmente, assim como na América do Norte. Na Europa Ocidental, esse índice é de 95%. Mesmo nos continentes historicamente explorados e oprimidos por esses primeiros, a taxa é muito alta: 9 entre 10 habitantes do leste europeu, 8 de 10 latino-americanos, 7 de 10 asiáticos e norte-africanos. Ainda que a África Oriental seja a região mais pobre do planeta, um em cada quatro habitantes usa a Internet.
É um poder jamais visto na história da humanidade nas mãos das pessoas comuns. A popularização desse poder está se desenvolvendo rapidamente. Quinze anos atrás, as pessoas tinham que ter um computador de mesa ou notebook para acessar seus sites preferidos ou conversar com os amigos. Hoje, a esmagadora maioria usa smartphones não apenas para os serviços que faziam no computador, mas também para gravar vídeos e fotos e espalhá-los pelo mundo nas redes sociais. Cerca de 60% dos usuários de Internet acessam as redes sociais, o que significa uma democratização absurda tanto da produção quanto da aquisição de conhecimento de fatos atuais e históricos.
As enormes manifestações que vêm ocorrendo na Europa, nos Estados Unidos e em várias partes do mundo nos últimos meses contra o genocídio cometido por Israel em Gaza tiveram proporções tão grandes precisamente por causa do acesso às fotos, vídeos e relatos da realidade de Gaza. E isso só ocorreu graças às redes sociais, de maneira preponderante, e aos canais de jornalismo independentes. Em grande medida, graças aos próprios palestinos que compartilham a sua cruel realidade com o mundo desde os escombros de Gaza. Se dependessem dos veículos de comunicação tradicionais, controlados pela burguesia, em que os cidadãos comuns são apenas receptores, essas pessoas não estariam sabendo a verdade sobre o genocídio e não se mobilizariam contra ele.
As manifestações multitudinárias, ocupações de universidades e sabotagens a empresas patrocinadoras do genocídio só ocorrem devido às informações que as pessoas estão recebendo, produzindo e compartilhando. Talvez a primeira grande demonstração do poder revolucionário das redes sociais tenha ocorrido no início da década de 2010, quando todo o norte da África e o Oriente Médio foram varridos por revoltas populares que tomaram tal importância graças à disseminação nas redes sociais, àquele momento ainda incipientes. Algo semelhante ocorreu em 2011 com o Occupy Wall Street nos EUA e em 2013 no Brasil.
A revolta nas ruas contra o genocídio em Gaza é o último exemplo de quão perigosas são as redes sociais para as classes dominantes a nível global. É por isso que elas têm tentado censurar publicações, perfis, acesso e mesmo banir algumas plataformas, como o Tik Tok nos Estados Unidos e o Telegram no Brasil.
Por enquanto esse apoderamento só está ocorrendo com as tecnologias de massas, baratas e individuais. Mas é inevitável que a tecnologia desenvolvida para as classes dominantes (como foram todas as invenções na história) passe para as mãos do povo. No raciocínio de Karl Marx, será quando as forças produtivas se revoltarem contra as relações de produção.
A Inteligência Artificial é apenas a mais recente inovação que deixa bem claro que a sociedade pode se livrar de seus males, como o trabalho excessivo e desnecessário da maioria para a apropriação de seus frutos pela minoria, ou como a fome, as doenças e as desgraças ambientais. Os robôs já podem fazer as tarefas manuais domésticas e profissionais de uma ampla gama de indivíduos, e até mesmo o trabalho intelectual pode ser feito pela IA. Cientistas desenvolvem mecanismos que podem possibilitar que pessoas que perderam os movimentos voltem a se mexer a partir do implante de chips e próteses integrados ao corpo que obedecem aos pensamentos cerebrais. Os enlutados podem voltar a ver seus entes queridos que se foram a partir da reprodução quase exata de suas características físicas e psíquicas através da computação e da robótica. Na China, engenheiros criaram “cidades-esponja” cujo asfalto é macio e absorve a água da chuva, acabando com as enchentes e – quem sabe? – com a dor e os ferimentos produzidos pelo impacto da queda de uma pessoa no chão.
Os houthis estão afundando navios e derrubando aviões que custam milhões de dólares no Mar Vermelho utilizando drones de menos de 2 mil dólares, que estão sendo combatidos (sem sucesso) por armas americanas que um único tiro custa 2 milhões de dólares. O Hamas também utilizou drones que podem ser comprados na Amazon para romper o sistema de segurança israelense no 7 de Outubro. Eles estão dando o exemplo a toda a população global de como a tecnologia produzida pelos inimigos da humanidade pode servir como arma para derrotar a eles próprios na esfera mais importante: a política – e na guerra como extensão da política, conforme ensinou Clausewitz.
Adolescentes cheios de espinha na cara conseguem usar seu próprio computador barato e programas piratas para hackear grandes empresas. Hackers bem capacitados podem roubar bancos com enorme facilidade. A tecnologia desenvolvida em anos recentes – geralmente por pessoas comuns em suas garagens – reduz excepcionalmente os custos de produção e aumenta exponencialmente a produtividade do trabalho.
Mas a necessidade de extração de mais-valia e, sobretudo, de manter os trabalhadores alheios ao pensamento crítico e à sua organização independente (que requerem tempo fora das obrigações laborais), impede a classe dominante de empregar devidamente a tecnologia, a robótica e a IA no dia a dia em benefício das grandes massas proletárias. Pode-se reduzir pela metade a jornada de um trabalhador, aumentando os ganhos de produção, sem precisar reduzir o seu salário. O desemprego pode ser facilmente erradicado com isso. Mas os grandes capitalistas precisam ter um exército industrial de reserva para que a competição entre os trabalhadores reduza o seu salário e sempre os pressione a manter a subserviência aos patrões.
O sistema monopolista – o imperialismo, na descrição de Vladimir Lênin – é o grande opositor da inovação e da liberdade. Um exemplo clássico é a indústria farmacêutica. Não interessa aos monopólios que a controlam produzir a cura para todas as doenças, embora a tecnologia existente já o permita, porque assim eles não venderão mais remédios. Sem doenças, sem lucro. Já as empresas de produtos eletrônicos fabricam porcarias que se tornam obsoletas em poucos anos para vender novos modelos aos clientes. Em 2016, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) publicou um estudo que mostrava que a produção mundial de comida era suficiente para alimentar toda a população global. Contudo, ao menos 735 milhões de pessoas ainda passam fome, tendo mais de 120 milhões entrado nessa cifra entre 2019 e 2022. Vivemos em um sistema que causa a fome, apesar de ter todos os meios de erradicá-la.
Há muito tempo o capitalismo deixou de conduzir ao progresso e se tornou um regime que impede esse progresso e traz o retrocesso da civilização humana. Outra comprovação disso são as tentativas cada vez mais sérias de “regulamentar” o uso das redes sociais e da IA – isso não passa de uma manobra da burguesia imperialista para impedir que o povo comum utilize livremente essa tecnologia, porque a classe dominante já sabe quais são os riscos.
As condições objetivas para a libertação do ser humano já existem em grande parte dos países, só é questão de tempo até que se desenvolvam plenamente as condições subjetivas para isso – ou seja, que os trabalhadores tomem consciência de que as atuais relações de produção capitalistas são o grande empecilho para o pleno desenvolvimento das faculdades humanas e o completo bem-estar de todos os indivíduos.
Só a superação do sistema capitalista pode retomar o desenvolvimento progressivo e libertar as forças produtivas, revolucionando as relações de produção em que os trabalhadores, ou seja, as pessoas comuns, controlem os meios de produção, os governos e a sociedade. Assim, o que vimos até aqui com relação ao desenvolvimento tecnológico terá um novo boom, com o despertar criativo e o manejo democrático e popular dos sistemas para que a tecnologia esteja a serviço do homem. A tendência é que o desenvolvimento tecnológico, puxado pelo desenvolvimento econômico, atinja imediatamente um novo patamar e eleve ao infinito a capacidade do homem de transformar a natureza. Tudo o que vemos nos filmes de ficção científica se transformará em realidade.