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Von der Leyen habituou-nos à sua enorme bravata, niilismo e desconexão com a realidade. Quem a ouve falar fica, às vezes, com a impressão que se sente como um qualquer deus criador, o qual, com a simples força do verbo, tudo transforma em matéria. Mas não é verdade, claro! Nem a economia russa ficou em cacos, mostrando, aliás, uma força invejável para qualquer uma das nações ocidentais, com os salários a crescerem em máximos de 16 anos (21,6% de crescimento face a Março do ano passado e acima da inflação, com 11,3% de crescimento real – que sonho para um Português), com o salário médio a atingir os 1,113 dólares para 2025, mas a pagarem tudo mais barato do que em qualquer país da EU.
Também não é verdade que os Russos tenham retirado semicondutores de máquinas de lavar, nem é verdade que o G7 tenha bloqueado as exportações de petróleo russo, com os seus oil caps. Com efeito, a Rússia nunca exportou tanto petróleo como hoje. A broker Úrsula também não acertou quando disse que os EUA tinham o GNL mais barato – porque raio haveria Trump de o querer baixar agora? – impelindo os países europeus a comprarem mais gás de xisto, violando, aliás, a directiva europeia sobre sustentabilidade corporativa, que aponta para a necessidade de cumprimento de regras de sustentabilidade ambiental por parte dos fornecedores. Como se sabe, o gás de xisto é extraído através do método de fracking, altamente danoso para o meio ambiente e proibido na EU. Parece que, para a presidente não eleita da comissão europeia, as directivas também se aplicam conforme a sua vontade.
Mas o último delírio da presidente da comissão europeia, consiste no anúncio de um “massive boost” (aumento massivo) – como ela gosta destes slogans propagandísticos americanizados com pretenso poder criador – das despesas europeias com armamento, as quais já têm vindo em crescendo ao longo do tempo, mas pretendendo aumentar estes gastos em mais 840 mil milhões de euros.
Propondo um plano de rearmamento da europa (Rearm Europe Plan – já estou a ver os outdoors na rua a dizer “mais uma bomba para defender a democracia”; “mais um míssil para a igualdade”), ignorando a desgraça que foram os tempos em que a europa estava armada e quanto sofrimento nos custou, von der Leyen, numa atitude tão desesperada como fanática e extremada, opta por deixar para segundo plano o desenvolvimento dos estados membros da EU e colocar todas as fichas na industria da guerra e da morte. Não tivesse sido ela a responsável, enquanto Ministra da Defesa da Alemanha, ao tempo do escândalo da venda dos submarinos Trident a Portugal, pelo negócio que levou vários dos seus intermediários à prisão. Von Der Leyen havia perdido o telemóvel, o que a ajudou a safar-se das grades. Tal como sucedeu, uma vez mais, já na Comissão Europeia, a propósito da negociata das vacinas. Existem traços de caracter que nunca desaparecem e só é pena que sejam esses traços que determinem a escolha dos mesmos para estes cargos. Para nossa perdição.
Claro que a presidente da comissão europeia poderia propor, ao invés, uma imensa actividade diplomática, um efusivo e mobilizador movimento pela paz mundial, uma colecção de propostas de desarmamento e redução dos stocks militares. Não daria certo? Talvez não, mas como governante de uma imensa população e guardiã das chaves que abrem as portas da morte, era seu dever, em primeiro lugar, fazer todos os esforços por tentar negociar, não apenas a paz, mas uma relação de união e cooperação, de toda a europa, que promovesse a prosperidade e a melhoria das condições de vida dos respectivos povos. Seria isto o exigível a qualquer governante que se diz democrata, humanista e amante das liberdades? O primeiro passo nunca poderia ser o aprofundamento da guerra.
Até poderia culpa Vladimir Putin, diaboliza-lo a níveis impensáveis, mas sempre mantendo os pés assentes no chão e assumindo a enorme responsabilidade de que diz ser depositária: a guardiã do mundo livre. Exige-se a uma “guardiã do mundo livre” que fizesse todos os esforços por manter intacta essa liberdade. Ao invés, von der Leyen de tudo tem feito para a esboroar e apagar do mapa. Ao invés de dar um exemplo de elevação e exaltação dos nossos valores civilizacionais, a comissão europeia e todos os figurantes que se passeiam pelo conselho europeu, optam por adoptar uma conduta cristalizada, recuada, isolacionista e sectária. “Daqui não me movo”, “com aquela não falo”, “com aqueles nem pensar”! A EU é o único bloco, hoje em dia, que adopta tal comportamento, à excepção de Israel com os Palestinos. O que nos deve dar muito que pensar.
Mas este nem é, sequer, o maior problema com a proposta de von der Leyen. Já nem falo da arbitrariedade, por parte de uma comissão composta por meros burocratas não eleitos, vir propor draconianos planos de rearmamento, que o conselho aprova quase unanimemente, sem críticas, com excepção de Orban. É mais do que isto. É que von der Leyen não tem competências para aprovar uma coisas destas, nem tão pouco pode obrigar os estados membros a gastar esse dinheiro, ou obrigar os estados membros a aprovar euro-bonds que permitam tal magnitude de endividamento.
Já referi noutros artigos que, em 2026, a EU e os seus estados membros já estarão muito perto dos 5% do PIB em armamento, como pretende Trump – o tal com quem eles pretendem mostrar-nos que não alinham. Com este aumento, os 5% do PIB ficariam garantidos.
A verdade, contudo, é que quando olhamos para as propostas, verificamos que o que é posto em cima da mesa é uma linha de endividamento, a que os estados-membros podem recorrer, no valor de 150 mil milhões de euros, sendo que o restante montante virá, não da “União Europeia”, mas dos próprios estados membros, para o que a EU discutirá propostas de exclusão, para efeitos das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, do aumento do investimento em armamento. Ou seja, se for para armas, os estados podem endividar-se à vontade.
A contradição com discursos passados é absolutamente desconcertante. Quando foi para atenuar os efeitos da “crise da dívida soberana”, impedindo que a agiotagem ocidental fizesse esboroar os direitos fundamentais dos cidadãos europeus, à saúde, à educação, à habitação, a comissão europeia não abriu excepções. Segundo Durão Barroso, andávamos todos a viver acima das possibilidades e tinhamos de pagar tudo e muito rápido. Ou seja, de nada valeu a Portugal ter um português na presidência da Comissão Europeia. Quem mandava era o Ministro das Finanças alemão, que queria salvar, acima de tudo, o Deutsche Bank.
Quando se trata de comprar armas e permitir que esse investimento venha diminuir a qualidade de serviços públicos essenciais, aí a EU já está disponível para criar excepções ao endividamento, de nada valendo aos portugueses ter António Costa no Conselho Europeu. De cada vez que um português esteve numa posição proeminente na EU, os portugueses – e os europeus – bem passaram a ter razões para se queixar. O problema é dos portugueses? Claro que não! O problema é do tipo de pessoas que a oligarquia escolhe para esses lugares, sempre gente desprovida de espinha dorsal ou, como von der Leyen ou Kaja Kallas, fanáticas missionárias que actuam como uma facção.
Se por aqui a proposta de von der Leyen já era uma loucura, mais loucura é quando percebemos que, afinal, nem ela pode obrigar os estados membros a gastar esse dinheiro, nem tão pouco o pode gastar ela. Os dinheiros dos Fundos Comunitários plurianuais, não podem ser gastos em armas, com excepção da pequena parcela do Fundo Europeu de Defesa. Podem ser usados em tecnologias de duplo uso, investigação e desenvolvimento, mas é só. E que não é pouco, como se viu com aquela tecnologia de reconhecimento facial desenvolvida em Israel, com fundos europeus, que ajudou a matar crianças e mulheres em Gaza.
Acresce que, é dos estados membros a decisão de gastar, ou não, o referido valor, em armas. Uma vez que esse valor virá dos orçamentos de estado, serão os próprios governos e respectivos parlamentos a decidir. Por aqui torna-se legítimo suspeitar sobre quem António José Seguro (putativo candidato a primeiro ministro do Partido “Socialista”) queria engraxar quando disse que pretender que os orçamentos de estado fossem aprovados “em Bruxelas”. Vejam o que nos espera com esta gente! Tão democratas que são eles!
Por fim, a presidente da comissão europeia também não pode obrigar os governos a retirar das rúbricas sociais para colocar na defesa, até porque, de acordo com o Tratado que institui a União Europeia, as competências desta em matéria social, são apenas subsidiárias e sempre em complementaridade, nunca podendo substituir ou sobrepor-se às políticas nacionais. Assim, este anuncio é mera propaganda desesperada e fanatismo extremista, de quem quer ainda mostrar ao mundo que tem alguma importância, quando pouca tem.
Mas se a desconexão entre tal proposta e as regras europeias e nacionais é grave; se a traição dos reais valores da democracia, da liberdade, que radicam na paz e na estabilidade, mostram a real cara desta gente; mais grave ainda é a desconexão entre a proposta e a realidade produtiva da própria União Europeia.
A União Europeia está com um índice de crescimento industrial anual, pós-Covid 19, na casa dos 1-2%, e com índices de produção industrial em queda, principalmente após a crise financeira de 2008. Esta queda dos índices de produção industrial, que estão associados também ao fraco crescimento da indústria, são agravados por políticas europeias como a Transição Verde, a Descarbonização e, mais recentemente, a crise energética provocada pela aventura Ucraniana.
Associando a isto o facto de a EU estar com graves carências de mão de obra qualificada para a industria que ainda tem, com uma população activa em rápido envelhecimento, vítima de um mercado de trabalho cada vez mais desregulado e uma cultura económica que trata as crianças como empecilhos do sucesso individual e da carreira de sucesso, a União Europeia só ultrapassa isto com mais emigração ainda. Mas a emigração em excesso, associada ao desinvestimento em serviços públicos, provoca contradições sociais enormes e muita contestação.
Das duas uma, ou a EU está preparada – como penso estar – para reprimir cada vez mais as naturais lutas sociais contra a degradação as condições de vida e de trabalho, ou aposta numa economia mais sustentável do ponto de vista social, demográfico, etc. O que demoraria mais de duas gerações a ter resultados palpáveis. Tal demora não parece ser coincidente com a urgência demonstrada por estes “líderes” europeus. A sua ansiedade é de curto prazo, apenas.
O problema demográfico ainda traz a reboque um outro: que militares irão pegar nas armas? Os filhos da von der Leyen e do António Costa? Pois… Não me parece. É que, ou alteram as regras de serviço militar, passando-as de voluntário para obrigatório, ou terão de construir exércitos de mercenários, normalmente derrotados por quem luta por causas.
Se isto não chega para se ter conta do delírio de von der Leyen, é preciso explicar que, de qualquer modo, a EU não tem capacidade industrial, humana, económica e política instalada para poder face a tal aumento das despesas militares, a não ser que o objectivo seja pagar ainda mais caro por armas que, como se vê na Ucrânia, são tão caras como fraca é a sua qualidade. Essa pode ser também uma solução aprazível, para quem espera, simplesmente, por mais um jackpot. Os mercados de capitais já mostram que as acções das empresas militares europeias estão a subir de valor, o que também deve ser o objectivo.
Em conclusão, a comissão europeia dá-nos, com este anúncio, mais uma prova da sua desconexão com o real, da sua nocividade para os povos europeus e de que está ao serviço de obscuros poderes que colidem, frontalmente, com os interesses das populações europeias e mundiais.
Temos pena, mas a União Europeia deixou de ser um exemplo para o mundo. É apenas um território onde o delírio se cruza directamente com o fanatismo. É fácil gastar o dinheiro de quem trabalha e combater com os filhos dos outros.
Até que todos percebam isto, teremos sob os nossos pescoços a lâmina da terceira guerra mundial.