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No Brasil, as eleições municipais têm a mesma função de termômetro político que as midterm dos EUA. Os brasileiros votam ao mesmo tempo para presidente da República e governador do estado; no meio do mandato, há as eleições para prefeito.
Como expliquei em maior detalhe aqui, a prefeitura para a qual todo o Brasil lança os olhos é a da maior metrópole da América Latina. Às vésperas das eleições, os institutos de pesquisa não sabiam sequer quem iria para o segundo turno; e, de fato, o resultado mostra que era imprevisível: 29,48% para Ricardo Nunes, o atual prefeito formalmente apoiado por Bolsonaro; 29,07% para Guilherme Boulos, apoiado por Lula; 28,14% para Pablo Marçal, o coach disruptivo que posso resumir dizendo que é uma espécie de Milei com extensa ficha criminal. O governador de São Paulo, Tarcísio Freitas, disse que se o Brasil fosse um país sério, Marçal estaria preso.
O governador está certo, e a declaração foi motivada por uma presepada do coach na véspera da eleição. Ele passara a campanha inteira dizendo que tinha um documento incriminador contra Guilherme Boulos, e que iria mostrá-lo somente na véspera, para o povo não se esquecer na hora de votar. Na antevéspera da eleição, ele postou no Instagram um laudo falsificado, segundo o qual Boulos teria sido internado com um surto psicótico devido ao uso de cocaína. O falso laudo tinha erros de português, foi assinado por um médico morto que não era psiquiatra e nunca tinha atuado na capital paulista. Para piorar, o dono da clínica era um amigo de Marçal que havia falsificado o diploma de medicina e tinha relações com o PCC. Em seguida, Marçal tirou a postagem do ar e ainda falsificou um print para dizer que a postagem havia sido removida pelo Instagram (o suposto print datava do dia 5, mas foi postado ainda no dia 4).
Diante disso, não deixa de ser uma má notícia que Marçal tenha tido tantos votos assim. E isso só se explica pela vontade de ruptura da população brasileira, que se fez sentir de modo amplo pelo país.
O PT e a esquerda são encarados como sistema, ao passo que a direita é encarada como antissistema. Por isso, a estratégia de Marçal incluiu fazer coisas erradas com o fito de ser punido e aparentar ser o verdadeiro antissistema, enquanto que Bolsonaro teria se vendido. Assim, mesmo que candidatos do partido de Bolsonaro tenham ganho eleições importantes pelo Brasil (ou tido desempenhos surpreendentemente bons, como Ramagem no Rio e André Fernandes em Fortaleza), daí não se segue que o ex-presidente esteja forte. Afinal, um político importante como Nikolas Ferreira, um deputado-youtuber que foi o mais votado do Brasil em 2022, apoiou Marçal em vez de Nunes. Além disso, o próprio Nunes pode ter sua vitória explicada por uma série de fatores que apenas inclui o tímido apoio de Bolsonaro.
Ser considerado sistema não seria ruim, se o governo fosse bom. O governo Lula tem sido marcado pelos esforços arrecadatórios do Ministro Haddad. Ele tenta agradar os gregos da esquerda tradicional e os troianos neoliberais aumentando o caixa por meio de impostos, mas não agrada ninguém: nem o governo se faz presente, nem o “arcabouço fiscal” parece bom o suficiente aos liberais. Para piorar, o esforço de arrecadação incluiu a regulamentação dos jogos de azar online. As tais bets se transformaram rapidamente num problema social, com crianças pobres apostando dinheiro de programa social na escola e beneficiários de Bolsa Família torrando 3 bilhões de reais em apenas um mês. Graças ao endividamento das famílias, as melhoras nos índices de emprego não se refletiram na melhora do comércio.
Mas a coisa poderia estar ainda pior para a esquerda. Nas eleições municipais, a direita antissistema tem lembrado as medidas tirânicas implementadas durante a pandemia pelos prefeitos, com o fito de que nenhum fosse reeleito. No Brasil, Bolsonaro não impôs medidas tirânicas, e o STF decidiu que os prefeitos tinham poder para tal. Infelizmente, normalizaram-se pelo país os passaportes sanitários e o estrangulamento do comércio. No entanto, um local especialmente rígido foi Araraquara, governada por Edinho Silva, nome importante do PT. Nesta eleição, ele não conseguiu fazer sucessora, e a cidade elegeu um político do PL, o partido que hospeda o bolsonarismo.
Se Lula tivesse governado na pandemia, tudo indica que o Brasil teria um Milei para chamar de seu.