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A suspensão dos serviços da X (antiga Twitter) no Brasil, assim como a ameaça de uma multa de US$ 8.000 para quem usar uma VPN para continuar utilizando a rede social, ganhou destaque mundial. Embora já houvesse relatos anteriores de atritos entre a X e o sistema político-legal brasileiro, a notícia da suspensão surpreendeu muitas pessoas, tanto no Brasil quanto no exterior.
Para estrangeiros, especialmente aqueles que se consideram “anti-imperialistas”, é muito difícil construir uma interpretação consistente desse conflito entre Musk e o Brasil por causa das expectativas que os críticos da unipolaridade desenvolveram em relação ao Brasil com o retorno de Lula.
Essas são as mesmas pessoas que ficaram chocadas com a hostilidade do Brasil em relação a Nicolás Maduro e com uma série de outras posições inconsistentes tomadas pelo governo brasileiro no cenário internacional.
Embora investigar o quão comprometido o atual governo brasileiro está com a ideia de uma ordem multipolar seja relevante, o fato é que Lula tem apenas um envolvimento marginal na suspensão da X no Brasil.
Em primeiro lugar, como essa questão está sendo enquadrada por ambos os lados da disputa? Geralmente, a questão da “X” no Brasil está sendo tratada como um conflito entre “respeito à lei” versus “liberdade de expressão”. É difícil levar esse enquadramento a sério por uma série de razões.
A X, sob Elon Musk, tem consistentemente censurado ou reduzido o alcance de contas pró-Palestina desde a visita de Musk a Israel. Se a X não é como o Facebook, Instagram, YouTube ou a mais recente BlueSky, claramente não pode ser vista como um bastião da liberdade de expressão.
Por outro lado, no entanto, a situação também é um pouco mais complexa do que simplesmente o dever da X de cumprir as leis brasileiras. Elon Musk levantou, de fato, alguns pontos preocupantes em relação ao juiz Alexandre de Moraes, que tomou decisões contrárias às normas da internet no Brasil e tentou forçar a X a cumpri-las.
Mesmo deixando de lado essas decisões sobre censura de contas em redes sociais, a condução do próprio caso da X gerou críticas no Brasil.
A raiz desse conflito está no fato de que Moraes lidera um inquérito criminal há mais de cinco anos, agora conhecido como “inquérito das fake news”, no qual ele vai além do papel usual de um juiz passivo e imparcial, investigando ativamente e julgando casos de “desinformação” que supostamente ameaçam a “democracia” e o processo eleitoral brasileiro. A retórica é muito reminiscente das narrativas orwellianas produzidas em Washington e Bruxelas.
Como o establishment político-legal e seus parceiros internacionais estão bastante satisfeitos com a postura atual do governo brasileiro na maioria das questões, os principais alvos dessas investigações são figuras ligadas à oposição.
Assim, no contexto desse inquérito, o juiz Moraes ordenou a suspensão das contas de redes sociais dos investigados. Tais decisões são juridicamente questionáveis sob a legislação brasileira. Primeiro, porque o inquérito já excedeu em muito o prazo razoável para conclusão e não parece ter um objetivo claro. Segundo, porque suspender contas de redes sociais de indivíduos sem uma condenação, em um inquérito que parece “interminável”, é inadequado. Terceiro, porque o Marco Civil da Internet do Brasil, a legislação do país sobre obrigações relacionadas à internet para empresas, estipula que uma conta em rede social só pode ser bloqueada por violações específicas de normas – e o juiz Moraes, em suas ordens para a X, nunca especificou os motivos para as suspensões.
Esses são alguns dos principais argumentos, inclusive levantados por Elon Musk, para contestar essas decisões judiciais.
A situação piorou quando Moraes supostamente ameaçou os funcionários do escritório da X no Brasil com prisão, caso não cumprissem suas decisões. Em meio a essa confusão, o Judiciário afirma que o representante da X no Brasil tem evitado receber intimações judiciais. Por outro lado, há indícios de que a equipe de Moraes enviou a intimação para o endereço de e-mail errado ao tentar notificar a X.
Ainda assim, essas ameaças explicam por que a X decidiu fechar seu escritório no Brasil. Imediatamente depois, Moraes ordenou que a X nomeasse um novo representante legal no Brasil, o que é obrigatório para empresas que operam no país.
Como a X não estabeleceu uma nova representação no Brasil, Moraes ordenou a suspensão da empresa.
A situação pareceria mais razoável se Moraes não tivesse também imposto uma multa diária de U.S.$ 8.000 a quaisquer brasileiros que usassem VPNs para continuar acessando a rede social. Nem é preciso dizer que a ordem foi imediatamente desobedecida pela maioria dos usuários brasileiros da X, e a Ordem dos Advogados do Brasil entrou com um recurso para anular a multa.
O problema com a multa é que ela lança dúvidas sobre a alegação de que esta é meramente uma consequência natural do fato de a X não ter representação legal no país em conformidade com a lei. Por que, então, impor multas a usuários comuns que não fazem parte do inquérito e nem sequer foram notificados da decisão (o que, novamente, é inconstitucional segundo a lei brasileira)?
Em seguida, Moraes ordenou o bloqueio das contas da Starlink, uma empresa com acionistas diferentes, para cobrar a multa imposta à X – mais uma vez, uma decisão que viola todo o arcabouço jurídico brasileiro.
No entanto, a questão transcende o debate jurídico e remete ao fato de que a X é um espaço utilizado com sucesso por setores da política brasileira que se opõem à “juristocracia”, bem como à influência de ONGs estrangeiras no Brasil e ao atual governo.
Plataformas como Meta, por exemplo, são absolutamente controladas pelo Deep State dos EUA e impõem restrições draconianas a qualquer um que se desvie da ortodoxia ideológica globalista. Além disso, isso pode parecer incompreensível e inacreditável para nossos parceiros em outros países do BRICS, mas o Brasil não tem uma mídia de massa anti-atlanticista e contra-hegemônica. A mídia de massa brasileira pertence a um oligopólio profundamente ligado a conglomerados de mídia dos EUA.
Nesse sentido, espaços como a X representam um “oásis” utilizado tanto pela oposição de direita quanto pela esquerda anti-imperialista.
Para entender o que Moraes e outros juízes pensam disso, basta lembrar uma declaração que ele fez há algumas semanas: “No início do século, não havia redes sociais; e éramos mais felizes”, dita sob aplausos entusiásticos dos representantes das principais redes de TV e jornais do Brasil.
Naturalmente – insistimos – Elon Musk não é exatamente uma vítima aqui. Ele está longe disso. Por exemplo, também é verdade que sua Tesla perdeu contratos para concorrentes chineses no Brasil nos últimos anos, o que o irritou profundamente. Também é verdade que ele acredita que pode obter uma maior penetração comercial no mercado brasileiro se Bolsonaro voltar ao poder – e ele usa abertamente sua grande presença na X para ocasionalmente impulsionar postagens de opositores do governo Lula.
Portanto, o caso transcende a dualidade superficial apresentada como “soberania vs. liberdade de expressão” e é mais precisamente uma expressão de uma disputa entre diferentes setores da elite brasileira, ambos com laços internacionais (lembremos que Moraes fazia parte do esquema internacional da Operação Lava Jato, cujo objetivo era destruir empresas brasileiras, prender Lula e derrubar Dilma Rousseff sob a orientação do Departamento de Justiça dos EUA), e ambos claramente hostis ao projeto de uma nova ordem multipolar.