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José Goulão
August 12, 2024
© Photo: Public domain

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O Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE), única instituição com poder para anunciar os resultados das consultas eleitorais que se realizam no país, como acontece em qualquer Estado de direito, divulgou os números praticamente finais das eleições presidenciais realizadas em 28 de Julho. Com 96,87% dos votos contados, apesar da contínua e violenta guerra cibernética lançada do estrangeiro contra o sistema informático em que assenta a estrutura eleitoral Venezuela, o presidente em exercício, Nicolás Maduro, venceu com 6 408 884 votos, correspondentes a 51,8%; na segunda posição ficou o candidato fascista Edmundo González Urrutia, proposto pela Mesa de Unidade Democrática (MUD), movimento dirigido a partir de Washington e presidido pela militante golpista Maria Corina Machado, com 5 326 104 votos, ou 43.18%.

Um pouco mais de um milhão de votos salvou a Venezuela de cair directamente nas mãos dos sectores internos e externos responsáveis pela morte de dezenas de milhares de pessoas vítimas das sanções criminosas impostas pelo Grupo dos Sete (G7), que inclui a União Europeia; sem esquecer o roubo organizado dos principais bens públicos da Venezuela, sobretudo o petróleo e toneladas de ouro depositadas de boa-fé em instituições do chamado “Ocidente civilizado” – acto de extorsão em que Portugal também participa.

Esse mesmo Ocidente, os seus poderes política e eticamente corrompidos e o aparelho transnacional de propaganda que lhes dá voz sob o pseudónimo de “comunicação social” ignoraram ostensivamente os resultados anunciados.

Com o dom profético que lhes advém de uma autoridade inquestionável para se pronunciarem sobre o que é ou não democrático neste mundo, as instituições que sequestraram o poder no mundo ocidental já tinham decidido os resultados das eleições venezuelanas muitas semanas antes de 28 de Julho. Das duas uma: ou ganhava o candidato fascista, uma espécie de substituição do desaparecido Guaidó pelo seu avozinho; ou então havia fraude eleitoral – o que sempre acontece quando as consultas populares democráticas através do mundo proporcionam números que não coincidam com os permitidos por Washington ou Bruxelas.

Maduro ganhou nas urnas; mas o vencedor proclamado pelos decisores em Washington foi o seu velho conhecido e mortífero colaborador González Urrutia. Segundo sentenciou Anthony Blinken, o secretário de Estado norte-americano em funções, “dadas as evidências esmagadoras, está claro para os Estados Unidos” – e os seus súbditos, poderíamos acrescentar – e, mais importante, para o povo venezuelano, que Edmundo González Urrutia ganhou a maioria dos votos na eleição presidencial de 28 de Julho na Venezuela”.

Magnânimo, o secretário de Estado que faz horas extra como guitarrista de rock em bares nazis de Kiev depois de copiosos jantares com os anfitriões banderistas do batalhão Azov (e seus heterónimos) fez votos para que haja “negociações” susceptíveis de permitir “uma transição pacífica de poder” em Caracas e ameaçou que “a comunidade internacional” poderá “reagir em conformidade” se isso não acontecer.

“Comunidade internacional”, na boca de Blinken, significa aquele grupinho ultraminoritário de países, englobando não mais de 15% da população mundial, que obedecem à “ordem internacional baseada em regras” decididas em Washington, mesmo nos tempos em que a Casa Branca fecha por falta temporária de inquilino.

A “legitimidade”, segundo o Ocidente

As fontes de Anthony Blinken e respectivos parceiros na NATO e na União Europeia não podiam ser mais fidedignas e objectivas.

Durante semanas, os juízes ocidentais da democracia alimentaram-se de sondagens altamente científicas produzidas por entidades independentes e, simultaneamente, propriedade de sectores comprometidos com o candidato indicado por Maria Corina Machado. Os dados não deixavam dúvidas: González Urrutia teria para cima de 70% dos votos e Maduro estava condenado a não ir além dos 30. Assim o garantiam e repetiam as isentas empresas Meganálisis e Poder Y Estratégia.

Vários outros institutos de sondagens, mais numerosos até do que as citadas fontes de euforia da comunicação social corporativa, vaticinavam, é certo, a vitória de Maduro. Números divulgados, por exemplo, pela Hinterlaces, a ICS, Datavia ou Ideadatos eram consistentes, semana após semana, na previsão da vitória do presidente em exercício, mas essas informações foram certamente sonegadas aos grandes meios de propaganda como a CNN, a BBC, New York Times, El País, Le Monde e aparentados.

Francisco Rodriguez, economista e assessor da principal candidatura de oposição, alertou que as sondagens garantindo a vitória esmagadora de Edmundo González “poderiam estar sobredimensionadas, sugerindo até a manipulação deliberada de dados”. Ninguém o escutou – afinal estava sozinho contra o mundo, onde teria ele ido buscar ideia tão inconveniente e disparatada?

No dia das eleições, as sondagens à boca das urnas difundidas pelas mesmas empresas ao serviço da MUD confirmavam os vaticínios anteriores, sempre à volta dos 70-30 para Edmundo González, que assim poderia iniciar o desfile triunfal em direcção ao palácio presidencial de Miraflores para envergar a faixa usurpada por Maduro.

O centro de contagem paralelo instalado em Miami, por certo conectado directamente com o Departamento de Estado e o próprio Blinken, ia expondo a enorme dimensão da previsível “fraude eleitoral” uma vez que os dados obtidos confirmavam a tendência apurada à boca das urnas: a vitória esmagadora de Edmundo González. O aparelho de “contagem” em Miami foi instalado segundo orientações de Majalli Meda, braço direito de Maria Corina Machado na preparação de acções conspirativas e, além disso, chefe de “Planificação Estratégica” da organização fascista Vente Venezuela.

Todos estes procedimentos, muitos deles já conhecidos durante mais de vinte anos de ataques contra a democracia venezuelana, representaram passos na estratégia habitual de rejeição dos resultados oficiais com o objectivo de proclamar uma vitória que não existiu nas urnas – tentando assim abrir as portas a uma desejada intervenção externa, de preferência militar. Foi o que pediu essa incontornável figura da credibilidade ocidental, o presidente argentino Javier Milei, logo secundado por alguém de prestígio equivalente: Elon Musk.

Uma das primeiras atitudes pré-eleitorais do fascista Edmundo González Urrutia fora a de se recusar a assinar um pacto entre todos os candidatos comprometendo-se a aceitar os resultados apurados nas urnas. Dois dos oito concorrentes não o fizeram, um deles precisamente o alter-ego de Corina Machado: esse compromisso é “um indício do enviesamento que caracteriza esta campanha eleitoral”, explicou González. Por outras palavras, as eleições antes de ser já o eram: uma fraude.

Voto a mais ou a menos, tanto faz

Ficou assim montada a realidade eleitoral virtual que permite ao secretário de Estado norte-americano falar em vitória da oposição, em “transição política” e na previsível actuação da “comunidade internacional” para fazer valer os supostos resultados, tão inventados que nem as informações divulgadas pelos megafones de Corina Machado coincidiram entre si.

Tão depressa foram anunciados os 70-30 favoráveis a González Urrutia com base no suposto e milagroso acesso da oposição fascista aos resultados de todas as assembleias de voto, que até ao presente ainda não foi possível sequer ao Conselho Nacional Eleitoral apurar, devido à guerra cibernética movida do exterior; como as informações eram parcelares e casuísticas no meio de uma dança alucinante de números sem qualquer sustentação.

Para alguns porta-vozes oficiais, esse triunfo estava certo mesmo com base em apenas a 30% das actas eleitorais. Às 23 horas de 28 de Julho, quando a notícia da esmagadora vitória de Gonzalez Urrutia por 70-30 corria mundo e lançava uma vaga de euforia histérica entre as classes políticas ocidentais e os seus órgãos de propaganda, o secretário-geral da própria MUD, Omar Bertozo, fez uma declaração prudente argumentando que “com 30% dos votos contados é precipitado calcular resultados”. Opinião que o seu candidato presidencial não ouviu ou não teve em conta porque, numa conferência de imprensa realizada mais ou menos à mesma hora, alegou que já tinha conhecimento de 40% dos resultados das assembleias de votos; enquanto, sentada na mesma mesa, a sua chefe Corina Machado se dizia até conhecedora dos números de todas as mesas de voto. Muitas horas depois, já durante a manhã de dia 29, o assessor jurídico da MUD, Perkins Rocha, admitiu que tinha conhecimento de “um número importante de actas”, embora não possuísse “dados exactos”. Nada batia aritmeticamente certo, mas havia uma certeza: Edmundo González vencera sem margem para dúvidas.

De qualquer maneira, resultados numéricos eram supérfluos. As notícias da “fraude eleitoral” e da “vitória histórica” de Edmundo González Urrutia faziam já o seu caminho onde tinham de fazer – no “civilizado mundo ocidental”. Após um par de desesperantes anos de espera, a Venezuela “elegera” um novo Guaidó.

“Não quero voto, mas que Nicolás se vá!”

Ao mesmo tempo, o braço terrorista da MUD cumpria o seu papel tentando lançar o caos nas ruas das grandes cidades.

Os chamados “comanditos” e os bandos de centenas de delinquentes que os seguem em acções de vandalismo apresentadas como “protestos populares” no Ocidente comportam-se de maneira a dar a sensação de que a Venezuela está em pé de guerra, não hesitando em destruir estruturas públicas de primeira necessidade como centenas de instalações eleitorais, centrais de energia eléctrica, universidades e escolas, centros de saúde, autocarros, estações do Metro de Caracas. Desestabilizar e espalhar o medo é o objectivo, procurando criar um clima de ingovernabilidade propício a uma intervenção externa para permitir que as “novas autoridades eleitas” entrem em funções.

Os “comanditos” são grupos de assalto organizados por Corina Machado e pelo grupo neonazi Vente Venezuela, que os definiu como “contingente cabalmente preparado para defender o voto e, inclusivamente, para enfrentar os desafios que possam surgir depois de 28 de Julho”. Os terroristas são pagos a 150 dólares por dia; não será difícil deduzir que tamanha generosidade seja garantida pelos fundos do narcotráfico colombiano, ao qual o fascismo venezuelano está desde sempre associado, como se apurou nos episódios envolvendo a figura de Juan Guaidó.

O aparecimento dos comanditos traduz uma evolução e uma agudização da estratégia de violência nas ruas, sublinham as autoridades. O presidente Nicolás Maduro considera que “o que distingue estes actos de violência dos anteriores é a inédita e alarmante velocidade com que as organizações armadas e os grupos criminosos assumiram o controlo das manifestações. Até aqui”, acrescentou, “a ‘sociedade civil’ tinha um papel no lançamento das acções, mas agora é imediatamente substituída por grupos violentos que transformam as ruas em campos de batalha”.

A evolução qualitativa da organização terrorista pode representar, segundo Maduro, a existência de uma estratégia de golpe de Estado, aliás própria de uma figura como a fascista Corina Machado, actualmente impedida de concorrer a cargos públicos pelo envolvimento em 2002 na intentona que afastou o comandante Hugo Chávez da presidência durante 48 horas, até ser libertado e reconduzido no cargo por uma insurreição popular.

Os comanditos, portanto, são a versão mais actualizada da “espontaneidade das manifestações populares contra a fraude eleitoral”, tão saudada no Ocidente como expressão da vitalidade democrática da oposição venezuelana.

A palavra de ordem mais ouvida durante as acções de terror nas ruas, entoada sob incitamento de capangas com capacetes e bastões, por vezes exibindo armas de fogo é: “Não quero voto, não quero nada; o que quero é que o Nicolás se vá”.

O que demonstra um respeito enternecedor por eleições e pelo voto popular capaz de comover o mais circunspecto e sisudo político ocidental.

Um sistema avançado e fiável

A sucessão de eleições e consultas populares na Venezuela ao longo do processo de transformação política “chavista” – e nenhum povo terá ido tantas vezes às urnas no último quarto de século – é o processo mais escrutinado à escala mundial, congregando muitos milhares de observadores internacionais, com a esmagadora maioria deles – como agora aconteceu – pronunciando-se pela transparência, a lisura e a qualidade do sistema de auscultação da vontade popular. Elogiam principalmente o funcionamento do sistema electrónico de votação acompanhado por um processo de contraprova através da justaposição do mecanismo tradicional de boletins de voto – isto é, uma dupla verificação.

Há 12 anos, o antigo presidente norte-americano James Carter não teve dúvidas em qualificar o processo eleitoral venezuelano como “o mais aperfeiçoado do mundo”. Em 28 de Julho, dezenas de cidadãos de todo o mundo, muitos deles norte-americanos pertencentes a organizações não-governamentais, apuraram que a votação decorreu de acordo com os parâmetros democráticos e segundo um protocolo de transparência muito avançado. Numerosos observadores no terreno, obviamente silenciados pelos media corporativos, declararam-se surpreendidos com o que puderam testemunhar, saindo até de Caracas convictos de que o sistema eleitoral venezuelano é muito mais credível do que o praticado nos Estados Unidos da América.

Os observadores da União Europeia não estiveram presentes, o que faz todo o sentido porque sabiam há muitos meses que iriam testemunhar “uma fraude”. Ao que parece, o eurodeputado Bugalho desconhecia a situação e acabou por receber uma proveitosa lição quando, na falta de um convite, foi aconselhado a regressar às origens, experimentando assim a dignidade com que se comportam um povo e um sistema político soberanos, uma coisa extinta em Portugal.

A persistência do povo venezuelano em manter o sistema político instaurado durante os governos do presidente Hugo Chávez não é a única razão para a histeria ocidental sempre que há eleições no país. G7, NATO, União Europeia não fazem mais do que assumir as dores do regime norte-americano perante o desafio consistente emanando de um quintalinho situado no universo onde vigora a doutrina Monroe, uma poderosa tenaz colonial e imperial.

A prática venezuelana desespera o Ocidente, incapaz de se manter nos limites de uma decência mínima, porque, nos tempos de hoje, extravasa mesmo as orientações dominantes em países e regimes não alinhados com a “democracia liberal” e nem sempre dóceis perante as exigências neoliberais.

A Venezuela tem orgulho em manter-se um país soberano, o que não é recomendável; além disso, não obedece à ordem internacional baseada em regras e continua a reger-se pelo direito internacional – o que entra nos domínios do intolerável. Acresce que, fazendo uso da independência que cultiva no cenário internacional, desenvolve relações multifacetadas e em pé de igualdade com países de todo o mundo, independentemente dos seus regimes políticos, guiando-se apenas pelo interesse nacional e a defesa do seu povo, sobretudo quando continua exposto aos crimes contra a humanidade praticados pelo sistema ocidental de poder. As sanções e as respectivas consequências, segundo relatórios compilados por Alfredo de Zayas, ex-relator da ONU para os direitos humanos, são “crimes contra a humanidade”. Dezenas de milhares de pessoas, segundo a mesma fonte, já morreram devido à fome e à falta de medicamentos provocadas pelas punições internacionais e pelo roubo de bens nacionais.

O que mais exaspera, porém, os centros de poder ocidentais é a orientação socialista, anticapitalista e anti-imperialista invocada pelo sistema político da Venezuela, integrando-se assim no desafio da multipolaridade contra a unipolaridade em desagregação. Não é coisa que se use ou seja admissível em pleno século XXI, sobretudo depois do “enterro” do socialismo no final do século XX e numa era em que o neoliberalismo e as manifestações de fascismo que lhe são inerentes se fundiram com a democracia liberal.

O comportamento ocidental em relação às decisões do povo venezuelano é um exemplo flagrante da tentação totalitária vigente nas relações internacionais a partir de um domínio colonial e imperial que, apesar do culto da violência e a guerra, se esboroa um pouco mais todos os dias.

O nazifascismo é “nosso” amigo

Abundam os exemplos de que, para tentar travar a hecatombe, as instituições de poder no Ocidente colectivo não hesitam em recorrer ao nazifascismo original ou às respectivas variantes mais ou menos “actualizadas”.

A aliança dos Estados Unidos, da NATO e da União Europeia com o nazi-banderismo de Kiev é uma realidade dos nossos dias e, em boa verdade, já ninguém leva a sério os chavões da propaganda corporativa de que “na Ucrânia não há nazis” ou de que o Azov é apenas um grupo “nacionalista” que luta pela independência da sua pátria.

Os poderes ocidentais vão assumindo, sobretudo na prática, que o essencial é derrotar e desmantelar a Rússia, quebrar o eixo fulcral da multipolaridade (observemos a pressão crescente sobre a China e as provocações cada vez mais graves contra o Irão) e preservar a todo o custo as condições e os meios, sobretudo de guerra, para eternizar a “ordem internacional baseada em regras”.

O que é válido para a Ucrânia é válido para a Venezuela. O Ocidente recorre ao fascismo para tentar derrubar o chavismo e, para tal, os períodos eleitorais são apenas parte da estratégia.

Na suas memórias, o fascista e ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança de Trump, John Bolton, confessou que esteve por detrás do atentado com drone contra a vida de Nicolás Maduro em 2018, durante um comício em Caracas.

A promoção de Guaidó a “presidente interino” resultou do namoro constante de Washington e Bruxelas com o fascismo para fazer regressar a Venezuela ao redil da submissão onde sempre deveria ter permanecido.

Olhemos agora para a figura e o currículo do novo “presidente de transição” na Venezuela – Blinken dixit – o candidato da golpista Corina Machado, Edmundo González Urrutia, esse avozinho bonacheirão que tem sempre saquinhos de sementes de girassol à mão para alimentar os papagaios que o visitam na varanda de casa, de manhã e à tardinha. “Pode passar horas a alimentá-los”, enternece-se a filha Mariana durante uma cândida reportagem da CNN sobre o novo ídolo venezuelano do Ocidente.

Durante a sua vida, Edmundo González foi um “diplomata” com aptidão e tempo para fazer horas extraordinárias. Entre 1979 e 1985 actuou como número dois da Embaixada da Venezuela em El Salvador e, juntamente com o seu número um, Leopoldo Castillo, também conhecido como “El Mata-Curas”, transformou-se em “agente da morte” para organizar missões terroristas enquadradas na trama golpista norte-americana designada “Operação Condor”.

O venerando democrata Edmundo González, representante dos “nossos valores” contra democracia venezuelana, foi um dos operacionais das acções terroristas praticadas pelo exército salvadorenho, juntamente com uma miríade de esquadrões da morte por ele estruturados, que desencadearam a mortífera guerra civil perante a ofensiva libertadora da Frente Farabundo Marti de Salvação Nacional.

Documentos secretos da CIA desclassificados em 2009 revelam que as acções da dupla venezuelana Castillo e González entre 1979 e 1985 em El Salvador são responsáveis pelo assassínio de 13195 civis, entre eles monsenhor Óscar Romero, arcebispo de San Salvador, vários padres e freiras – daí o cognome outorgado ao número um da Embaixada.

Monsenhor Romero, conhecido como “a voz dos sem voz”, teve a ousadia de proferir uma homilia dramática em 23 de Março de 1980: “Em nome de Deus e deste povo sofredor, cujos lamentos sobem aos céus todos os dias, peço-vos, suplico-vos, ordeno-vos: parem com a repressão”. No dia seguinte foi abatido a tiro durante a celebração litúrgica por um atirador de elite treinado na sinistra Escola das Américas. Durante o funeral do prelado mais de duas dezenas de pessoas foram assassinadas.

Já “libertado” do seu papel na Embaixada, mas ainda actuando como “consultor das estruturas de inteligência”, o candidato “ocidental” venezuelano Edmundo González Urrutia é identificado nos documentos da CIA como responsável pelo assassínio de seis jesuítas e dois funcionários em 16 de Novembro de 1989.

Os crimes de Edmundo González – crimes contra a humanidade à luz do direito internacional – estão por julgar tanto em Espanha como El Salvador, países de origem das vítimas do carrasco venezuelano, avozinho amante de passarinhos.

O sistema de poder ocidental sabe, sem dúvida, escolher as pessoas certas para defenderem os “nossos valores civilizacionais” através do mundo.

A vitória do avozinho assassino

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O Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE), única instituição com poder para anunciar os resultados das consultas eleitorais que se realizam no país, como acontece em qualquer Estado de direito, divulgou os números praticamente finais das eleições presidenciais realizadas em 28 de Julho. Com 96,87% dos votos contados, apesar da contínua e violenta guerra cibernética lançada do estrangeiro contra o sistema informático em que assenta a estrutura eleitoral Venezuela, o presidente em exercício, Nicolás Maduro, venceu com 6 408 884 votos, correspondentes a 51,8%; na segunda posição ficou o candidato fascista Edmundo González Urrutia, proposto pela Mesa de Unidade Democrática (MUD), movimento dirigido a partir de Washington e presidido pela militante golpista Maria Corina Machado, com 5 326 104 votos, ou 43.18%.

Um pouco mais de um milhão de votos salvou a Venezuela de cair directamente nas mãos dos sectores internos e externos responsáveis pela morte de dezenas de milhares de pessoas vítimas das sanções criminosas impostas pelo Grupo dos Sete (G7), que inclui a União Europeia; sem esquecer o roubo organizado dos principais bens públicos da Venezuela, sobretudo o petróleo e toneladas de ouro depositadas de boa-fé em instituições do chamado “Ocidente civilizado” – acto de extorsão em que Portugal também participa.

Esse mesmo Ocidente, os seus poderes política e eticamente corrompidos e o aparelho transnacional de propaganda que lhes dá voz sob o pseudónimo de “comunicação social” ignoraram ostensivamente os resultados anunciados.

Com o dom profético que lhes advém de uma autoridade inquestionável para se pronunciarem sobre o que é ou não democrático neste mundo, as instituições que sequestraram o poder no mundo ocidental já tinham decidido os resultados das eleições venezuelanas muitas semanas antes de 28 de Julho. Das duas uma: ou ganhava o candidato fascista, uma espécie de substituição do desaparecido Guaidó pelo seu avozinho; ou então havia fraude eleitoral – o que sempre acontece quando as consultas populares democráticas através do mundo proporcionam números que não coincidam com os permitidos por Washington ou Bruxelas.

Maduro ganhou nas urnas; mas o vencedor proclamado pelos decisores em Washington foi o seu velho conhecido e mortífero colaborador González Urrutia. Segundo sentenciou Anthony Blinken, o secretário de Estado norte-americano em funções, “dadas as evidências esmagadoras, está claro para os Estados Unidos” – e os seus súbditos, poderíamos acrescentar – e, mais importante, para o povo venezuelano, que Edmundo González Urrutia ganhou a maioria dos votos na eleição presidencial de 28 de Julho na Venezuela”.

Magnânimo, o secretário de Estado que faz horas extra como guitarrista de rock em bares nazis de Kiev depois de copiosos jantares com os anfitriões banderistas do batalhão Azov (e seus heterónimos) fez votos para que haja “negociações” susceptíveis de permitir “uma transição pacífica de poder” em Caracas e ameaçou que “a comunidade internacional” poderá “reagir em conformidade” se isso não acontecer.

“Comunidade internacional”, na boca de Blinken, significa aquele grupinho ultraminoritário de países, englobando não mais de 15% da população mundial, que obedecem à “ordem internacional baseada em regras” decididas em Washington, mesmo nos tempos em que a Casa Branca fecha por falta temporária de inquilino.

A “legitimidade”, segundo o Ocidente

As fontes de Anthony Blinken e respectivos parceiros na NATO e na União Europeia não podiam ser mais fidedignas e objectivas.

Durante semanas, os juízes ocidentais da democracia alimentaram-se de sondagens altamente científicas produzidas por entidades independentes e, simultaneamente, propriedade de sectores comprometidos com o candidato indicado por Maria Corina Machado. Os dados não deixavam dúvidas: González Urrutia teria para cima de 70% dos votos e Maduro estava condenado a não ir além dos 30. Assim o garantiam e repetiam as isentas empresas Meganálisis e Poder Y Estratégia.

Vários outros institutos de sondagens, mais numerosos até do que as citadas fontes de euforia da comunicação social corporativa, vaticinavam, é certo, a vitória de Maduro. Números divulgados, por exemplo, pela Hinterlaces, a ICS, Datavia ou Ideadatos eram consistentes, semana após semana, na previsão da vitória do presidente em exercício, mas essas informações foram certamente sonegadas aos grandes meios de propaganda como a CNN, a BBC, New York Times, El País, Le Monde e aparentados.

Francisco Rodriguez, economista e assessor da principal candidatura de oposição, alertou que as sondagens garantindo a vitória esmagadora de Edmundo González “poderiam estar sobredimensionadas, sugerindo até a manipulação deliberada de dados”. Ninguém o escutou – afinal estava sozinho contra o mundo, onde teria ele ido buscar ideia tão inconveniente e disparatada?

No dia das eleições, as sondagens à boca das urnas difundidas pelas mesmas empresas ao serviço da MUD confirmavam os vaticínios anteriores, sempre à volta dos 70-30 para Edmundo González, que assim poderia iniciar o desfile triunfal em direcção ao palácio presidencial de Miraflores para envergar a faixa usurpada por Maduro.

O centro de contagem paralelo instalado em Miami, por certo conectado directamente com o Departamento de Estado e o próprio Blinken, ia expondo a enorme dimensão da previsível “fraude eleitoral” uma vez que os dados obtidos confirmavam a tendência apurada à boca das urnas: a vitória esmagadora de Edmundo González. O aparelho de “contagem” em Miami foi instalado segundo orientações de Majalli Meda, braço direito de Maria Corina Machado na preparação de acções conspirativas e, além disso, chefe de “Planificação Estratégica” da organização fascista Vente Venezuela.

Todos estes procedimentos, muitos deles já conhecidos durante mais de vinte anos de ataques contra a democracia venezuelana, representaram passos na estratégia habitual de rejeição dos resultados oficiais com o objectivo de proclamar uma vitória que não existiu nas urnas – tentando assim abrir as portas a uma desejada intervenção externa, de preferência militar. Foi o que pediu essa incontornável figura da credibilidade ocidental, o presidente argentino Javier Milei, logo secundado por alguém de prestígio equivalente: Elon Musk.

Uma das primeiras atitudes pré-eleitorais do fascista Edmundo González Urrutia fora a de se recusar a assinar um pacto entre todos os candidatos comprometendo-se a aceitar os resultados apurados nas urnas. Dois dos oito concorrentes não o fizeram, um deles precisamente o alter-ego de Corina Machado: esse compromisso é “um indício do enviesamento que caracteriza esta campanha eleitoral”, explicou González. Por outras palavras, as eleições antes de ser já o eram: uma fraude.

Voto a mais ou a menos, tanto faz

Ficou assim montada a realidade eleitoral virtual que permite ao secretário de Estado norte-americano falar em vitória da oposição, em “transição política” e na previsível actuação da “comunidade internacional” para fazer valer os supostos resultados, tão inventados que nem as informações divulgadas pelos megafones de Corina Machado coincidiram entre si.

Tão depressa foram anunciados os 70-30 favoráveis a González Urrutia com base no suposto e milagroso acesso da oposição fascista aos resultados de todas as assembleias de voto, que até ao presente ainda não foi possível sequer ao Conselho Nacional Eleitoral apurar, devido à guerra cibernética movida do exterior; como as informações eram parcelares e casuísticas no meio de uma dança alucinante de números sem qualquer sustentação.

Para alguns porta-vozes oficiais, esse triunfo estava certo mesmo com base em apenas a 30% das actas eleitorais. Às 23 horas de 28 de Julho, quando a notícia da esmagadora vitória de Gonzalez Urrutia por 70-30 corria mundo e lançava uma vaga de euforia histérica entre as classes políticas ocidentais e os seus órgãos de propaganda, o secretário-geral da própria MUD, Omar Bertozo, fez uma declaração prudente argumentando que “com 30% dos votos contados é precipitado calcular resultados”. Opinião que o seu candidato presidencial não ouviu ou não teve em conta porque, numa conferência de imprensa realizada mais ou menos à mesma hora, alegou que já tinha conhecimento de 40% dos resultados das assembleias de votos; enquanto, sentada na mesma mesa, a sua chefe Corina Machado se dizia até conhecedora dos números de todas as mesas de voto. Muitas horas depois, já durante a manhã de dia 29, o assessor jurídico da MUD, Perkins Rocha, admitiu que tinha conhecimento de “um número importante de actas”, embora não possuísse “dados exactos”. Nada batia aritmeticamente certo, mas havia uma certeza: Edmundo González vencera sem margem para dúvidas.

De qualquer maneira, resultados numéricos eram supérfluos. As notícias da “fraude eleitoral” e da “vitória histórica” de Edmundo González Urrutia faziam já o seu caminho onde tinham de fazer – no “civilizado mundo ocidental”. Após um par de desesperantes anos de espera, a Venezuela “elegera” um novo Guaidó.

“Não quero voto, mas que Nicolás se vá!”

Ao mesmo tempo, o braço terrorista da MUD cumpria o seu papel tentando lançar o caos nas ruas das grandes cidades.

Os chamados “comanditos” e os bandos de centenas de delinquentes que os seguem em acções de vandalismo apresentadas como “protestos populares” no Ocidente comportam-se de maneira a dar a sensação de que a Venezuela está em pé de guerra, não hesitando em destruir estruturas públicas de primeira necessidade como centenas de instalações eleitorais, centrais de energia eléctrica, universidades e escolas, centros de saúde, autocarros, estações do Metro de Caracas. Desestabilizar e espalhar o medo é o objectivo, procurando criar um clima de ingovernabilidade propício a uma intervenção externa para permitir que as “novas autoridades eleitas” entrem em funções.

Os “comanditos” são grupos de assalto organizados por Corina Machado e pelo grupo neonazi Vente Venezuela, que os definiu como “contingente cabalmente preparado para defender o voto e, inclusivamente, para enfrentar os desafios que possam surgir depois de 28 de Julho”. Os terroristas são pagos a 150 dólares por dia; não será difícil deduzir que tamanha generosidade seja garantida pelos fundos do narcotráfico colombiano, ao qual o fascismo venezuelano está desde sempre associado, como se apurou nos episódios envolvendo a figura de Juan Guaidó.

O aparecimento dos comanditos traduz uma evolução e uma agudização da estratégia de violência nas ruas, sublinham as autoridades. O presidente Nicolás Maduro considera que “o que distingue estes actos de violência dos anteriores é a inédita e alarmante velocidade com que as organizações armadas e os grupos criminosos assumiram o controlo das manifestações. Até aqui”, acrescentou, “a ‘sociedade civil’ tinha um papel no lançamento das acções, mas agora é imediatamente substituída por grupos violentos que transformam as ruas em campos de batalha”.

A evolução qualitativa da organização terrorista pode representar, segundo Maduro, a existência de uma estratégia de golpe de Estado, aliás própria de uma figura como a fascista Corina Machado, actualmente impedida de concorrer a cargos públicos pelo envolvimento em 2002 na intentona que afastou o comandante Hugo Chávez da presidência durante 48 horas, até ser libertado e reconduzido no cargo por uma insurreição popular.

Os comanditos, portanto, são a versão mais actualizada da “espontaneidade das manifestações populares contra a fraude eleitoral”, tão saudada no Ocidente como expressão da vitalidade democrática da oposição venezuelana.

A palavra de ordem mais ouvida durante as acções de terror nas ruas, entoada sob incitamento de capangas com capacetes e bastões, por vezes exibindo armas de fogo é: “Não quero voto, não quero nada; o que quero é que o Nicolás se vá”.

O que demonstra um respeito enternecedor por eleições e pelo voto popular capaz de comover o mais circunspecto e sisudo político ocidental.

Um sistema avançado e fiável

A sucessão de eleições e consultas populares na Venezuela ao longo do processo de transformação política “chavista” – e nenhum povo terá ido tantas vezes às urnas no último quarto de século – é o processo mais escrutinado à escala mundial, congregando muitos milhares de observadores internacionais, com a esmagadora maioria deles – como agora aconteceu – pronunciando-se pela transparência, a lisura e a qualidade do sistema de auscultação da vontade popular. Elogiam principalmente o funcionamento do sistema electrónico de votação acompanhado por um processo de contraprova através da justaposição do mecanismo tradicional de boletins de voto – isto é, uma dupla verificação.

Há 12 anos, o antigo presidente norte-americano James Carter não teve dúvidas em qualificar o processo eleitoral venezuelano como “o mais aperfeiçoado do mundo”. Em 28 de Julho, dezenas de cidadãos de todo o mundo, muitos deles norte-americanos pertencentes a organizações não-governamentais, apuraram que a votação decorreu de acordo com os parâmetros democráticos e segundo um protocolo de transparência muito avançado. Numerosos observadores no terreno, obviamente silenciados pelos media corporativos, declararam-se surpreendidos com o que puderam testemunhar, saindo até de Caracas convictos de que o sistema eleitoral venezuelano é muito mais credível do que o praticado nos Estados Unidos da América.

Os observadores da União Europeia não estiveram presentes, o que faz todo o sentido porque sabiam há muitos meses que iriam testemunhar “uma fraude”. Ao que parece, o eurodeputado Bugalho desconhecia a situação e acabou por receber uma proveitosa lição quando, na falta de um convite, foi aconselhado a regressar às origens, experimentando assim a dignidade com que se comportam um povo e um sistema político soberanos, uma coisa extinta em Portugal.

A persistência do povo venezuelano em manter o sistema político instaurado durante os governos do presidente Hugo Chávez não é a única razão para a histeria ocidental sempre que há eleições no país. G7, NATO, União Europeia não fazem mais do que assumir as dores do regime norte-americano perante o desafio consistente emanando de um quintalinho situado no universo onde vigora a doutrina Monroe, uma poderosa tenaz colonial e imperial.

A prática venezuelana desespera o Ocidente, incapaz de se manter nos limites de uma decência mínima, porque, nos tempos de hoje, extravasa mesmo as orientações dominantes em países e regimes não alinhados com a “democracia liberal” e nem sempre dóceis perante as exigências neoliberais.

A Venezuela tem orgulho em manter-se um país soberano, o que não é recomendável; além disso, não obedece à ordem internacional baseada em regras e continua a reger-se pelo direito internacional – o que entra nos domínios do intolerável. Acresce que, fazendo uso da independência que cultiva no cenário internacional, desenvolve relações multifacetadas e em pé de igualdade com países de todo o mundo, independentemente dos seus regimes políticos, guiando-se apenas pelo interesse nacional e a defesa do seu povo, sobretudo quando continua exposto aos crimes contra a humanidade praticados pelo sistema ocidental de poder. As sanções e as respectivas consequências, segundo relatórios compilados por Alfredo de Zayas, ex-relator da ONU para os direitos humanos, são “crimes contra a humanidade”. Dezenas de milhares de pessoas, segundo a mesma fonte, já morreram devido à fome e à falta de medicamentos provocadas pelas punições internacionais e pelo roubo de bens nacionais.

O que mais exaspera, porém, os centros de poder ocidentais é a orientação socialista, anticapitalista e anti-imperialista invocada pelo sistema político da Venezuela, integrando-se assim no desafio da multipolaridade contra a unipolaridade em desagregação. Não é coisa que se use ou seja admissível em pleno século XXI, sobretudo depois do “enterro” do socialismo no final do século XX e numa era em que o neoliberalismo e as manifestações de fascismo que lhe são inerentes se fundiram com a democracia liberal.

O comportamento ocidental em relação às decisões do povo venezuelano é um exemplo flagrante da tentação totalitária vigente nas relações internacionais a partir de um domínio colonial e imperial que, apesar do culto da violência e a guerra, se esboroa um pouco mais todos os dias.

O nazifascismo é “nosso” amigo

Abundam os exemplos de que, para tentar travar a hecatombe, as instituições de poder no Ocidente colectivo não hesitam em recorrer ao nazifascismo original ou às respectivas variantes mais ou menos “actualizadas”.

A aliança dos Estados Unidos, da NATO e da União Europeia com o nazi-banderismo de Kiev é uma realidade dos nossos dias e, em boa verdade, já ninguém leva a sério os chavões da propaganda corporativa de que “na Ucrânia não há nazis” ou de que o Azov é apenas um grupo “nacionalista” que luta pela independência da sua pátria.

Os poderes ocidentais vão assumindo, sobretudo na prática, que o essencial é derrotar e desmantelar a Rússia, quebrar o eixo fulcral da multipolaridade (observemos a pressão crescente sobre a China e as provocações cada vez mais graves contra o Irão) e preservar a todo o custo as condições e os meios, sobretudo de guerra, para eternizar a “ordem internacional baseada em regras”.

O que é válido para a Ucrânia é válido para a Venezuela. O Ocidente recorre ao fascismo para tentar derrubar o chavismo e, para tal, os períodos eleitorais são apenas parte da estratégia.

Na suas memórias, o fascista e ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança de Trump, John Bolton, confessou que esteve por detrás do atentado com drone contra a vida de Nicolás Maduro em 2018, durante um comício em Caracas.

A promoção de Guaidó a “presidente interino” resultou do namoro constante de Washington e Bruxelas com o fascismo para fazer regressar a Venezuela ao redil da submissão onde sempre deveria ter permanecido.

Olhemos agora para a figura e o currículo do novo “presidente de transição” na Venezuela – Blinken dixit – o candidato da golpista Corina Machado, Edmundo González Urrutia, esse avozinho bonacheirão que tem sempre saquinhos de sementes de girassol à mão para alimentar os papagaios que o visitam na varanda de casa, de manhã e à tardinha. “Pode passar horas a alimentá-los”, enternece-se a filha Mariana durante uma cândida reportagem da CNN sobre o novo ídolo venezuelano do Ocidente.

Durante a sua vida, Edmundo González foi um “diplomata” com aptidão e tempo para fazer horas extraordinárias. Entre 1979 e 1985 actuou como número dois da Embaixada da Venezuela em El Salvador e, juntamente com o seu número um, Leopoldo Castillo, também conhecido como “El Mata-Curas”, transformou-se em “agente da morte” para organizar missões terroristas enquadradas na trama golpista norte-americana designada “Operação Condor”.

O venerando democrata Edmundo González, representante dos “nossos valores” contra democracia venezuelana, foi um dos operacionais das acções terroristas praticadas pelo exército salvadorenho, juntamente com uma miríade de esquadrões da morte por ele estruturados, que desencadearam a mortífera guerra civil perante a ofensiva libertadora da Frente Farabundo Marti de Salvação Nacional.

Documentos secretos da CIA desclassificados em 2009 revelam que as acções da dupla venezuelana Castillo e González entre 1979 e 1985 em El Salvador são responsáveis pelo assassínio de 13195 civis, entre eles monsenhor Óscar Romero, arcebispo de San Salvador, vários padres e freiras – daí o cognome outorgado ao número um da Embaixada.

Monsenhor Romero, conhecido como “a voz dos sem voz”, teve a ousadia de proferir uma homilia dramática em 23 de Março de 1980: “Em nome de Deus e deste povo sofredor, cujos lamentos sobem aos céus todos os dias, peço-vos, suplico-vos, ordeno-vos: parem com a repressão”. No dia seguinte foi abatido a tiro durante a celebração litúrgica por um atirador de elite treinado na sinistra Escola das Américas. Durante o funeral do prelado mais de duas dezenas de pessoas foram assassinadas.

Já “libertado” do seu papel na Embaixada, mas ainda actuando como “consultor das estruturas de inteligência”, o candidato “ocidental” venezuelano Edmundo González Urrutia é identificado nos documentos da CIA como responsável pelo assassínio de seis jesuítas e dois funcionários em 16 de Novembro de 1989.

Os crimes de Edmundo González – crimes contra a humanidade à luz do direito internacional – estão por julgar tanto em Espanha como El Salvador, países de origem das vítimas do carrasco venezuelano, avozinho amante de passarinhos.

O sistema de poder ocidental sabe, sem dúvida, escolher as pessoas certas para defenderem os “nossos valores civilizacionais” através do mundo.

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O Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE), única instituição com poder para anunciar os resultados das consultas eleitorais que se realizam no país, como acontece em qualquer Estado de direito, divulgou os números praticamente finais das eleições presidenciais realizadas em 28 de Julho. Com 96,87% dos votos contados, apesar da contínua e violenta guerra cibernética lançada do estrangeiro contra o sistema informático em que assenta a estrutura eleitoral Venezuela, o presidente em exercício, Nicolás Maduro, venceu com 6 408 884 votos, correspondentes a 51,8%; na segunda posição ficou o candidato fascista Edmundo González Urrutia, proposto pela Mesa de Unidade Democrática (MUD), movimento dirigido a partir de Washington e presidido pela militante golpista Maria Corina Machado, com 5 326 104 votos, ou 43.18%.

Um pouco mais de um milhão de votos salvou a Venezuela de cair directamente nas mãos dos sectores internos e externos responsáveis pela morte de dezenas de milhares de pessoas vítimas das sanções criminosas impostas pelo Grupo dos Sete (G7), que inclui a União Europeia; sem esquecer o roubo organizado dos principais bens públicos da Venezuela, sobretudo o petróleo e toneladas de ouro depositadas de boa-fé em instituições do chamado “Ocidente civilizado” – acto de extorsão em que Portugal também participa.

Esse mesmo Ocidente, os seus poderes política e eticamente corrompidos e o aparelho transnacional de propaganda que lhes dá voz sob o pseudónimo de “comunicação social” ignoraram ostensivamente os resultados anunciados.

Com o dom profético que lhes advém de uma autoridade inquestionável para se pronunciarem sobre o que é ou não democrático neste mundo, as instituições que sequestraram o poder no mundo ocidental já tinham decidido os resultados das eleições venezuelanas muitas semanas antes de 28 de Julho. Das duas uma: ou ganhava o candidato fascista, uma espécie de substituição do desaparecido Guaidó pelo seu avozinho; ou então havia fraude eleitoral – o que sempre acontece quando as consultas populares democráticas através do mundo proporcionam números que não coincidam com os permitidos por Washington ou Bruxelas.

Maduro ganhou nas urnas; mas o vencedor proclamado pelos decisores em Washington foi o seu velho conhecido e mortífero colaborador González Urrutia. Segundo sentenciou Anthony Blinken, o secretário de Estado norte-americano em funções, “dadas as evidências esmagadoras, está claro para os Estados Unidos” – e os seus súbditos, poderíamos acrescentar – e, mais importante, para o povo venezuelano, que Edmundo González Urrutia ganhou a maioria dos votos na eleição presidencial de 28 de Julho na Venezuela”.

Magnânimo, o secretário de Estado que faz horas extra como guitarrista de rock em bares nazis de Kiev depois de copiosos jantares com os anfitriões banderistas do batalhão Azov (e seus heterónimos) fez votos para que haja “negociações” susceptíveis de permitir “uma transição pacífica de poder” em Caracas e ameaçou que “a comunidade internacional” poderá “reagir em conformidade” se isso não acontecer.

“Comunidade internacional”, na boca de Blinken, significa aquele grupinho ultraminoritário de países, englobando não mais de 15% da população mundial, que obedecem à “ordem internacional baseada em regras” decididas em Washington, mesmo nos tempos em que a Casa Branca fecha por falta temporária de inquilino.

A “legitimidade”, segundo o Ocidente

As fontes de Anthony Blinken e respectivos parceiros na NATO e na União Europeia não podiam ser mais fidedignas e objectivas.

Durante semanas, os juízes ocidentais da democracia alimentaram-se de sondagens altamente científicas produzidas por entidades independentes e, simultaneamente, propriedade de sectores comprometidos com o candidato indicado por Maria Corina Machado. Os dados não deixavam dúvidas: González Urrutia teria para cima de 70% dos votos e Maduro estava condenado a não ir além dos 30. Assim o garantiam e repetiam as isentas empresas Meganálisis e Poder Y Estratégia.

Vários outros institutos de sondagens, mais numerosos até do que as citadas fontes de euforia da comunicação social corporativa, vaticinavam, é certo, a vitória de Maduro. Números divulgados, por exemplo, pela Hinterlaces, a ICS, Datavia ou Ideadatos eram consistentes, semana após semana, na previsão da vitória do presidente em exercício, mas essas informações foram certamente sonegadas aos grandes meios de propaganda como a CNN, a BBC, New York Times, El País, Le Monde e aparentados.

Francisco Rodriguez, economista e assessor da principal candidatura de oposição, alertou que as sondagens garantindo a vitória esmagadora de Edmundo González “poderiam estar sobredimensionadas, sugerindo até a manipulação deliberada de dados”. Ninguém o escutou – afinal estava sozinho contra o mundo, onde teria ele ido buscar ideia tão inconveniente e disparatada?

No dia das eleições, as sondagens à boca das urnas difundidas pelas mesmas empresas ao serviço da MUD confirmavam os vaticínios anteriores, sempre à volta dos 70-30 para Edmundo González, que assim poderia iniciar o desfile triunfal em direcção ao palácio presidencial de Miraflores para envergar a faixa usurpada por Maduro.

O centro de contagem paralelo instalado em Miami, por certo conectado directamente com o Departamento de Estado e o próprio Blinken, ia expondo a enorme dimensão da previsível “fraude eleitoral” uma vez que os dados obtidos confirmavam a tendência apurada à boca das urnas: a vitória esmagadora de Edmundo González. O aparelho de “contagem” em Miami foi instalado segundo orientações de Majalli Meda, braço direito de Maria Corina Machado na preparação de acções conspirativas e, além disso, chefe de “Planificação Estratégica” da organização fascista Vente Venezuela.

Todos estes procedimentos, muitos deles já conhecidos durante mais de vinte anos de ataques contra a democracia venezuelana, representaram passos na estratégia habitual de rejeição dos resultados oficiais com o objectivo de proclamar uma vitória que não existiu nas urnas – tentando assim abrir as portas a uma desejada intervenção externa, de preferência militar. Foi o que pediu essa incontornável figura da credibilidade ocidental, o presidente argentino Javier Milei, logo secundado por alguém de prestígio equivalente: Elon Musk.

Uma das primeiras atitudes pré-eleitorais do fascista Edmundo González Urrutia fora a de se recusar a assinar um pacto entre todos os candidatos comprometendo-se a aceitar os resultados apurados nas urnas. Dois dos oito concorrentes não o fizeram, um deles precisamente o alter-ego de Corina Machado: esse compromisso é “um indício do enviesamento que caracteriza esta campanha eleitoral”, explicou González. Por outras palavras, as eleições antes de ser já o eram: uma fraude.

Voto a mais ou a menos, tanto faz

Ficou assim montada a realidade eleitoral virtual que permite ao secretário de Estado norte-americano falar em vitória da oposição, em “transição política” e na previsível actuação da “comunidade internacional” para fazer valer os supostos resultados, tão inventados que nem as informações divulgadas pelos megafones de Corina Machado coincidiram entre si.

Tão depressa foram anunciados os 70-30 favoráveis a González Urrutia com base no suposto e milagroso acesso da oposição fascista aos resultados de todas as assembleias de voto, que até ao presente ainda não foi possível sequer ao Conselho Nacional Eleitoral apurar, devido à guerra cibernética movida do exterior; como as informações eram parcelares e casuísticas no meio de uma dança alucinante de números sem qualquer sustentação.

Para alguns porta-vozes oficiais, esse triunfo estava certo mesmo com base em apenas a 30% das actas eleitorais. Às 23 horas de 28 de Julho, quando a notícia da esmagadora vitória de Gonzalez Urrutia por 70-30 corria mundo e lançava uma vaga de euforia histérica entre as classes políticas ocidentais e os seus órgãos de propaganda, o secretário-geral da própria MUD, Omar Bertozo, fez uma declaração prudente argumentando que “com 30% dos votos contados é precipitado calcular resultados”. Opinião que o seu candidato presidencial não ouviu ou não teve em conta porque, numa conferência de imprensa realizada mais ou menos à mesma hora, alegou que já tinha conhecimento de 40% dos resultados das assembleias de votos; enquanto, sentada na mesma mesa, a sua chefe Corina Machado se dizia até conhecedora dos números de todas as mesas de voto. Muitas horas depois, já durante a manhã de dia 29, o assessor jurídico da MUD, Perkins Rocha, admitiu que tinha conhecimento de “um número importante de actas”, embora não possuísse “dados exactos”. Nada batia aritmeticamente certo, mas havia uma certeza: Edmundo González vencera sem margem para dúvidas.

De qualquer maneira, resultados numéricos eram supérfluos. As notícias da “fraude eleitoral” e da “vitória histórica” de Edmundo González Urrutia faziam já o seu caminho onde tinham de fazer – no “civilizado mundo ocidental”. Após um par de desesperantes anos de espera, a Venezuela “elegera” um novo Guaidó.

“Não quero voto, mas que Nicolás se vá!”

Ao mesmo tempo, o braço terrorista da MUD cumpria o seu papel tentando lançar o caos nas ruas das grandes cidades.

Os chamados “comanditos” e os bandos de centenas de delinquentes que os seguem em acções de vandalismo apresentadas como “protestos populares” no Ocidente comportam-se de maneira a dar a sensação de que a Venezuela está em pé de guerra, não hesitando em destruir estruturas públicas de primeira necessidade como centenas de instalações eleitorais, centrais de energia eléctrica, universidades e escolas, centros de saúde, autocarros, estações do Metro de Caracas. Desestabilizar e espalhar o medo é o objectivo, procurando criar um clima de ingovernabilidade propício a uma intervenção externa para permitir que as “novas autoridades eleitas” entrem em funções.

Os “comanditos” são grupos de assalto organizados por Corina Machado e pelo grupo neonazi Vente Venezuela, que os definiu como “contingente cabalmente preparado para defender o voto e, inclusivamente, para enfrentar os desafios que possam surgir depois de 28 de Julho”. Os terroristas são pagos a 150 dólares por dia; não será difícil deduzir que tamanha generosidade seja garantida pelos fundos do narcotráfico colombiano, ao qual o fascismo venezuelano está desde sempre associado, como se apurou nos episódios envolvendo a figura de Juan Guaidó.

O aparecimento dos comanditos traduz uma evolução e uma agudização da estratégia de violência nas ruas, sublinham as autoridades. O presidente Nicolás Maduro considera que “o que distingue estes actos de violência dos anteriores é a inédita e alarmante velocidade com que as organizações armadas e os grupos criminosos assumiram o controlo das manifestações. Até aqui”, acrescentou, “a ‘sociedade civil’ tinha um papel no lançamento das acções, mas agora é imediatamente substituída por grupos violentos que transformam as ruas em campos de batalha”.

A evolução qualitativa da organização terrorista pode representar, segundo Maduro, a existência de uma estratégia de golpe de Estado, aliás própria de uma figura como a fascista Corina Machado, actualmente impedida de concorrer a cargos públicos pelo envolvimento em 2002 na intentona que afastou o comandante Hugo Chávez da presidência durante 48 horas, até ser libertado e reconduzido no cargo por uma insurreição popular.

Os comanditos, portanto, são a versão mais actualizada da “espontaneidade das manifestações populares contra a fraude eleitoral”, tão saudada no Ocidente como expressão da vitalidade democrática da oposição venezuelana.

A palavra de ordem mais ouvida durante as acções de terror nas ruas, entoada sob incitamento de capangas com capacetes e bastões, por vezes exibindo armas de fogo é: “Não quero voto, não quero nada; o que quero é que o Nicolás se vá”.

O que demonstra um respeito enternecedor por eleições e pelo voto popular capaz de comover o mais circunspecto e sisudo político ocidental.

Um sistema avançado e fiável

A sucessão de eleições e consultas populares na Venezuela ao longo do processo de transformação política “chavista” – e nenhum povo terá ido tantas vezes às urnas no último quarto de século – é o processo mais escrutinado à escala mundial, congregando muitos milhares de observadores internacionais, com a esmagadora maioria deles – como agora aconteceu – pronunciando-se pela transparência, a lisura e a qualidade do sistema de auscultação da vontade popular. Elogiam principalmente o funcionamento do sistema electrónico de votação acompanhado por um processo de contraprova através da justaposição do mecanismo tradicional de boletins de voto – isto é, uma dupla verificação.

Há 12 anos, o antigo presidente norte-americano James Carter não teve dúvidas em qualificar o processo eleitoral venezuelano como “o mais aperfeiçoado do mundo”. Em 28 de Julho, dezenas de cidadãos de todo o mundo, muitos deles norte-americanos pertencentes a organizações não-governamentais, apuraram que a votação decorreu de acordo com os parâmetros democráticos e segundo um protocolo de transparência muito avançado. Numerosos observadores no terreno, obviamente silenciados pelos media corporativos, declararam-se surpreendidos com o que puderam testemunhar, saindo até de Caracas convictos de que o sistema eleitoral venezuelano é muito mais credível do que o praticado nos Estados Unidos da América.

Os observadores da União Europeia não estiveram presentes, o que faz todo o sentido porque sabiam há muitos meses que iriam testemunhar “uma fraude”. Ao que parece, o eurodeputado Bugalho desconhecia a situação e acabou por receber uma proveitosa lição quando, na falta de um convite, foi aconselhado a regressar às origens, experimentando assim a dignidade com que se comportam um povo e um sistema político soberanos, uma coisa extinta em Portugal.

A persistência do povo venezuelano em manter o sistema político instaurado durante os governos do presidente Hugo Chávez não é a única razão para a histeria ocidental sempre que há eleições no país. G7, NATO, União Europeia não fazem mais do que assumir as dores do regime norte-americano perante o desafio consistente emanando de um quintalinho situado no universo onde vigora a doutrina Monroe, uma poderosa tenaz colonial e imperial.

A prática venezuelana desespera o Ocidente, incapaz de se manter nos limites de uma decência mínima, porque, nos tempos de hoje, extravasa mesmo as orientações dominantes em países e regimes não alinhados com a “democracia liberal” e nem sempre dóceis perante as exigências neoliberais.

A Venezuela tem orgulho em manter-se um país soberano, o que não é recomendável; além disso, não obedece à ordem internacional baseada em regras e continua a reger-se pelo direito internacional – o que entra nos domínios do intolerável. Acresce que, fazendo uso da independência que cultiva no cenário internacional, desenvolve relações multifacetadas e em pé de igualdade com países de todo o mundo, independentemente dos seus regimes políticos, guiando-se apenas pelo interesse nacional e a defesa do seu povo, sobretudo quando continua exposto aos crimes contra a humanidade praticados pelo sistema ocidental de poder. As sanções e as respectivas consequências, segundo relatórios compilados por Alfredo de Zayas, ex-relator da ONU para os direitos humanos, são “crimes contra a humanidade”. Dezenas de milhares de pessoas, segundo a mesma fonte, já morreram devido à fome e à falta de medicamentos provocadas pelas punições internacionais e pelo roubo de bens nacionais.

O que mais exaspera, porém, os centros de poder ocidentais é a orientação socialista, anticapitalista e anti-imperialista invocada pelo sistema político da Venezuela, integrando-se assim no desafio da multipolaridade contra a unipolaridade em desagregação. Não é coisa que se use ou seja admissível em pleno século XXI, sobretudo depois do “enterro” do socialismo no final do século XX e numa era em que o neoliberalismo e as manifestações de fascismo que lhe são inerentes se fundiram com a democracia liberal.

O comportamento ocidental em relação às decisões do povo venezuelano é um exemplo flagrante da tentação totalitária vigente nas relações internacionais a partir de um domínio colonial e imperial que, apesar do culto da violência e a guerra, se esboroa um pouco mais todos os dias.

O nazifascismo é “nosso” amigo

Abundam os exemplos de que, para tentar travar a hecatombe, as instituições de poder no Ocidente colectivo não hesitam em recorrer ao nazifascismo original ou às respectivas variantes mais ou menos “actualizadas”.

A aliança dos Estados Unidos, da NATO e da União Europeia com o nazi-banderismo de Kiev é uma realidade dos nossos dias e, em boa verdade, já ninguém leva a sério os chavões da propaganda corporativa de que “na Ucrânia não há nazis” ou de que o Azov é apenas um grupo “nacionalista” que luta pela independência da sua pátria.

Os poderes ocidentais vão assumindo, sobretudo na prática, que o essencial é derrotar e desmantelar a Rússia, quebrar o eixo fulcral da multipolaridade (observemos a pressão crescente sobre a China e as provocações cada vez mais graves contra o Irão) e preservar a todo o custo as condições e os meios, sobretudo de guerra, para eternizar a “ordem internacional baseada em regras”.

O que é válido para a Ucrânia é válido para a Venezuela. O Ocidente recorre ao fascismo para tentar derrubar o chavismo e, para tal, os períodos eleitorais são apenas parte da estratégia.

Na suas memórias, o fascista e ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança de Trump, John Bolton, confessou que esteve por detrás do atentado com drone contra a vida de Nicolás Maduro em 2018, durante um comício em Caracas.

A promoção de Guaidó a “presidente interino” resultou do namoro constante de Washington e Bruxelas com o fascismo para fazer regressar a Venezuela ao redil da submissão onde sempre deveria ter permanecido.

Olhemos agora para a figura e o currículo do novo “presidente de transição” na Venezuela – Blinken dixit – o candidato da golpista Corina Machado, Edmundo González Urrutia, esse avozinho bonacheirão que tem sempre saquinhos de sementes de girassol à mão para alimentar os papagaios que o visitam na varanda de casa, de manhã e à tardinha. “Pode passar horas a alimentá-los”, enternece-se a filha Mariana durante uma cândida reportagem da CNN sobre o novo ídolo venezuelano do Ocidente.

Durante a sua vida, Edmundo González foi um “diplomata” com aptidão e tempo para fazer horas extraordinárias. Entre 1979 e 1985 actuou como número dois da Embaixada da Venezuela em El Salvador e, juntamente com o seu número um, Leopoldo Castillo, também conhecido como “El Mata-Curas”, transformou-se em “agente da morte” para organizar missões terroristas enquadradas na trama golpista norte-americana designada “Operação Condor”.

O venerando democrata Edmundo González, representante dos “nossos valores” contra democracia venezuelana, foi um dos operacionais das acções terroristas praticadas pelo exército salvadorenho, juntamente com uma miríade de esquadrões da morte por ele estruturados, que desencadearam a mortífera guerra civil perante a ofensiva libertadora da Frente Farabundo Marti de Salvação Nacional.

Documentos secretos da CIA desclassificados em 2009 revelam que as acções da dupla venezuelana Castillo e González entre 1979 e 1985 em El Salvador são responsáveis pelo assassínio de 13195 civis, entre eles monsenhor Óscar Romero, arcebispo de San Salvador, vários padres e freiras – daí o cognome outorgado ao número um da Embaixada.

Monsenhor Romero, conhecido como “a voz dos sem voz”, teve a ousadia de proferir uma homilia dramática em 23 de Março de 1980: “Em nome de Deus e deste povo sofredor, cujos lamentos sobem aos céus todos os dias, peço-vos, suplico-vos, ordeno-vos: parem com a repressão”. No dia seguinte foi abatido a tiro durante a celebração litúrgica por um atirador de elite treinado na sinistra Escola das Américas. Durante o funeral do prelado mais de duas dezenas de pessoas foram assassinadas.

Já “libertado” do seu papel na Embaixada, mas ainda actuando como “consultor das estruturas de inteligência”, o candidato “ocidental” venezuelano Edmundo González Urrutia é identificado nos documentos da CIA como responsável pelo assassínio de seis jesuítas e dois funcionários em 16 de Novembro de 1989.

Os crimes de Edmundo González – crimes contra a humanidade à luz do direito internacional – estão por julgar tanto em Espanha como El Salvador, países de origem das vítimas do carrasco venezuelano, avozinho amante de passarinhos.

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