Se o STF decidir favoravelmente a Érika Hilton, fortalecerá o discurso trumpista de que o Brasil vive sob uma ditadura do judiciário.
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Neste mês, aqueles que acompanham os destinos do wokismo se surpreenderam com a notícia de que uma feminista brasileira chamada Isabella Cêpa, que pode pegar 25 anos de cadeia por dizer que uma pessoa trans chamada Érika Hilton é um homem, está na Europa com o status de refugiada. Qual país? Não sabemos. Segundo o portal brasileiro Metrópoles, que ouviu Isabella Cêpa e viu o documento, ela não pode falar qual o país durante o processo, por isso o jornal limita-se a informar que é um país do Leste europeu e o trâmite foi conduzido pela Agência da União Europeia para o Asilo.
Dado o atual estado de coisas no Ocidente, surpreende mais o fato de ela ter conseguido o status de refugiada do que o fato de ela poder ser presa por dizer que uma pessoa trans é um homem. Se o país que concedeu o asilo não for a Hungria (que fica no Leste Europeu, integra a União Europeia e é um daqueles identificados com a “extrema direita”), a concessão do asilo será um choque.
Mesmo assim, a possibilidade de receber a brasileira por uma agência da União Europeia não deixa de surpreender. Talvez o que tenha aberto essa possibilidade seja não tanto a condenação por “transfobia”, mas sim a dureza da possível punição. A Inglaterra, o país que provavelmente oprime há mais tempo as mulheres com a pauta trans (inclusive colocando em presídios femininos estupradores que se autodeclaravam mulheres), não chegou a fazer tal coisa. Assim, o que causa mais espécie na história toda é a absoluta desproporcionalidade da possível pena brasileira, até segundo os parâmetros woke hegemônicos.
Os países da Grã-Bretanha têm suas próprias leis sobre o assunto porque neles o povo elege representantes woke o suficiente para elaborá-las. O Brasil, não. O Brasil até tem um partido woke puro sangue chamado PSOL; no entanto, o seu êxito geralmente se limita a cadeiras legislativas conquistadas com o voto da classe média alta dos grandes centros urbanos. Esse é o caso da pessoa deputada Érika Hilton, cujo nome de nascença é Felipe Santos. Essa pessoa se prostituiu no passado hoje tem uma cabeleira loura similar à de Paris Hilton. Além do nome, Érika Hilton divide com a herdeira da rede hoteleira o apreço por itens de luxo e maquiagem. Um recente escândalo revelou que essa pessoa contratou os próprios maquiadores como assessores parlamentares. Revoltada, a internet começou a pesquisar os preços dos itens de moda ostentados pela pessoa em situação de parlamentar e a investigar o custeio público de sua rinoplastia.
Voltemos no tempo, quando Érika ainda era uma mulher-negra-trans-periférica e, portanto, um ótimo nome para as afetações do típico paulistano “esclarecido”. No resultado das eleições municipais de 2020, noticiou-se que Érika Hilton era a mulher mais votada – e a feminista Isabella Cêpa reclamou na internet que a mulher mais votada de São Paulo era um homem. Ato contínuo, a crermos nos seus relatos veículo anglófono feminista Reduxx (por muito tempo o único a noticiar o caso) e o Metrópoles, uma editora da revista de moda Elle liderou um linchamento público e as ameaças foram tamanhas que miraram até a mãe dela. Pessoalmente, costumo duvidar desse tipo de relato; no entanto, o recente escândalo dos maquiadores mostrou que o fã clube online de Érika Hilton é bastante hostil. A editora de moda ainda acusou Isabella Cêpa de racista.
Mas a coisa ficou grave porque algum brilhante procurador de algum Ministério Público resolveu processar Isabella Cêpa e, de alguma maneira, fazer o caso dela chegar ao Supremo Tribunal Federal. Agora, um pouco de história do Brasil para entender de onde veio esse modus operandi.
Em 1985, o Brasil saía do regime militar. Este foi implementado num golpe anticomunista orquestrado pela CIA em 1964 durante a Guerra Fria, mas em 1968 houve uma espécie de contragolpe que pôs o regime num rumo nacionalista, coisa que fez com que fosse odiado pelas oligarquias liberais de São Paulo, que se concentram no jornal Estado de São Paulo e na Universidade de São Paulo. Entre eles há muitos advogados. Como o regime militar prendia (e às vezes fazia desaparecer para sempre) um monte de gente politizada, houve muito espaço para os advogados e os defensores dos direitos humanos crescerem, e isso com o vibrante apoio da imprensa que apoiou o golpe da CIA.
Pois bem: na década de 1980, já tinha passado a moda dos regimes militares e todo o mundo tinha que parecer democrático de novo. Os militares promoveram a abertura democrática. A estrela eram os bacharéis em direito, muitos dos quais foram eleitos numa Assembleia Constituinte e fizeram a Constituição de 1988, documento fundamental da Nova República, que, aos trancos e barrancos, dura até hoje.
Essa Constituição foi desenhada para dar todo o poder aos bacharéis de direito, e duas características são fundamentais para isso. A primeira é que o Ministério Público não está sujeito a nenhum dos três poderes e pode, na prática, processar todo o mundo – pois sua incumbência constitucional é a “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais […]” (art. 127).
Com base nessa coisa tão vaga, uma procuradora vegana já obrigou escolas públicas a tirarem a carne da merenda das crianças pobres, alegando que a carne é cara. Outra façanha foi impedir que uma escultura vaca com vestes típicas de baiana fosse exibida numa Cow Parade, ou que uma banda de pagode colocasse as placas “ordinárias” e “inocentes” para diferenciar os banheiros feminino e masculino no seu show. Muita criatividade foi necessária para investigar Bolsonaro por importunação de baleia. Em resumo, os bacharéis de direito que passam nos concursos públicos de procurador costumam ser wokes e seu trabalho consiste em impôr suas agendas sobre o público. Então está explicado como um procurador teve a brilhante ideia de processar Isabella Cêpa depois de uma confusão na internet.
Quanto ao Supremo, é certo que nenhuma organização que confie muito poder a intérpretes está a salvo de arbitrariedades – vide as seitas protestantes, que são milhares, e cada uma pretende interpretar o mesmo documento. Nos EUA mesmo, volta e meia as interpretações da Suprema Corte mudam e causam um grande impacto político. No entanto, o caso do Brasil é pior, porque a Constituição (art. 102) determina que o Supremo Tribunal julga criminalmente uma porção de autoridades, aí inclusas o presidente, os congressistas e… os próprios juízes da Suprema Corte. Ou seja, além de interpretar as leis que tipificam os crimes, os juízes do Supremo julgam a si próprios e àqueles que porventura queiram demovê-los de sua posição. Por isso têm plena liberdade para pintar e bordar – a tal ponto, que Alexandre de Moraes sozinho consegue criar crises diplomáticas com os Estados Unidos.
Tal como os procuradores, os juízes do STF costumam ser favoráveis a modas acadêmicas. Em 2009, governo Lula, a Procuradoria Geral da República pediu ao STF que transexuais pudessem mudar de nome sem fazer cirurgias. Em 2018, o STF decidiu favoravelmente e autorizou, na prática, que o sexo das pessoas fosse reconhecido pelo Estado com base em autodelaração.
Desde antes da Nova República, lei brasileira considera crimes o racismo e a injúria racial. Racismo é discriminar alguém (deixar de contratar, proibir o acesso etc) em função da raça. Injúria racial é ofender alguém em virtude de sua raça. Assim, quando um torcedor argentino xinga um jogador negro de macaco, ele não está cometendo crime de racismo, mas de injúria racial. Em 2019, a partir da doutrina da “omissão legislativa”, o STF resolveu que o parlamento demorou demais para legislar sobre a homofobia e a transfobia, então decidiu por conta própria que ambas são análogas ao racismo. Em 2023, com o mesmo argumento, o STF resolveu equiparar a ofensa a pessoas LGBTQIAPN+ (sic) a injúria racial. Na prática, essa segunda decisão foi muito mais danosa, porque incide sobre a liberdade de expressão. Ainda assim, nem racismo, nem injúria racial dão 25 anos de cadeia. Só Deus sabe onde arranjaram essa pena.
O caso de Isabella Cêpa é uma típica consequência da tirania judicial fomentada pela Constituição de 1988. Como tal, percorreu um labirinto e agora chega ao seu lugar natural: o Supremo Tribunal Federal. Segundo explica o portal Metrópoles, a denúncia partiu primeiro do Ministério Público de São Paulo em 2020, foi remetido para a Justiça Federal em 2022, e lá o Ministério Público Federal arquivou a denúncia. Érika Hilton recorreu da decisão à Justiça Federal e perdeu. Persistente, a pessoa recorreu da decisão, que deve ser julgada pela última instância de todas: Supremo Tribunal Federal. Alega-se que a equiparação do racismo à homofobia faz de Isabella Cêpa uma criminosa. A última novidade, publicada no dia 10 de agosto e portanto depois de Isabella Cêpa se tornar oficialmente uma refugiada, é que a Procuradoria Geral da República se opõe à sua condenação. Ou seja, a máquina da procuradoria maluca abandonou Érika Hilton, e agora se trata somente de seus advogados pessoais e da Suprema Corte.
Se o STF decidir favoravelmente a Isabella Cêpa, nós brasileiros ficaremos muito aliviados por poder dizer que mulheres não têm pênis. Se o STF decidir favoravelmente a Érika Hilton, fortalecerá o discurso trumpista de que o Brasil vive sob uma ditadura do judiciário.