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Hugo Dionísio
March 15, 2025
© Photo: Public domain

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Numa semana em que se continuam a degradar as expectativas que muitos atlanticistas tinham relativamente à aventura de Kursk, continuamos a assistir a sucessivos episódios de circo mediático à volta do conflito na Ucrânia. Entre um Trump aparentemente preocupado com uma paz “duradoura” na Ucrânia, uma “europa” que insiste em classificar a Federação Russa como “ameaça”, um Zelensky alinhado com os poderes da EU mas aparentemente mais aberto ao início de negociações, um Macron que diz falar por toda a europa e refere “não se poder confiar em Putin”, uma Von Der Leyen que insiste no aumento massivo das despesas militares e uma delegação ucraniana em Riade que, após o espectáculo degradante na Casa Branca, afinal, uns dias mais tarde, e após uma derrota decisiva na aventura de Kursk, vem aceitar uma proposta de cessar fogo imediato, todos estes episódios, superficialmente contrastantes, acabam por se encaixar de forma perfeita, complementando-se como um baralho de cartas ao serviço de Trump.

Para percebermos bem como se encaixam, a melhor forma de os tratar, é começando pelo último desses episódios: a farsa das negociações na Arábia Saudita. Não é segredo para ninguém, estejam de acordo ou não com a posição e pretensões da Federação Russa, o que é pretendido com o que se designou como “Operação Militar Especial”: desmilitarizar, desnazificar, neutralizar a Ucrânia em matéria militar, impedindo a sua integração na OTAN, e proteger as populações russas das perseguições xenófobas registadas após o golpe de estado de Euromaidan.

Não obstante, os russos nunca se furtaram a deixar linhas abertas ao diálogo, de que deram prova quando se deslocaram à Arábia Saudita para conferenciar com a delegação dos EUA. Como é seu apanágio, e bem, não estiveram com meias palavras, jogos e sinais de fumo. Foram bem claros de que não estão preparados para negociar soluções frágeis e temporárias, mas apenas entendimentos sólidos, duradouros, que tenham em conta as preocupações de segurança da Federação Russa. Esta situação não terá mudado, uma vez que a imprensa mainstream vem agora dizer que a Rússia terá feito uma lista de exigências para que possam aceitar o cessar fogo.

Não obstante, Marc Rúbio, após negociar com a delegação ucraniana um acordo para as famosas “terras raras”, assegurando a sua suposta exploração pelos EUA, disse a quem quis ouvir que os progressos seriam agora objecto de uma proposta concreta à Federação Russa. O tom era claro e visava fazer acreditar que os norte-americanos estão esperançados no resultado de todo este processo de intermediação. Estarão?

Voltemos à Federação Russa e coloquemos a seguinte questão: em que medida a proposta de cessar fogo imediato, realizada num momento em que as forças de Moscovo obtiveram uma retumbante e humilhante vitória na região de Kursk, será do agrado da delegação russa? Será que algum dos objectivos tantas vezes sublinhados pelo Kremlin está garantido? Será que, do cessar fogo imediato se pode depreender que a Ucrânia aceita todas as exigências do lado russo? E será de crer que, estando a Federação Russa numa posição de primazia no conflito, deite tudo a perder com um cessar fogo? Ainda para mais quando, ao contrário do que foi anunciado, os EUA nunca pararam de facto os fornecimentos de armas e inteligência à Ucrânia?

Aliás, como todos ouvimos na imprensa mainstream, Marc Rúbio informou os jornalistas de que os fornecimentos de armas à Ucrânia foram retomados. O que quer dizer que nunca foram de facto suspensos. O tempo entre um e outro acto, dois dias apenas, tendo em conta os prazos burocráticos necessários, tornaria impossível a materialização da suspensão. Logo, se os EUA não suspenderam o fornecimento de armas às forças de Kiev, e, pelo contrário, supostamente até o retomam, que sinal dão à Federação Russa? Um sinal de que querem negociar? De que estão de boa fé? De que estão genuinamente interessados em fazer um forcing junto de Kiev para que aceite negociar?

Não me parece e, pelo contrário, a mensagem que pode passar até será a inversa, nomeadamente que o cessar fogo servirá ao regime de Kiev para reagrupar, consolidar forças e rearmar-se. Se assim não fosse, qual o propósito, numa fase de discussão de uma proposta de cessar fogo, do reatamento de um fornecimento que nunca foi, de facto, suspendido? Que mensagem passará para a Rússia? De que os EUA querem parar a guerra, mas não querem parar o fornecimento de armas? No mínimo é contraditório e aparentemente despropositado.

Portanto, se perante esta realidade não é de todo crível que a Federação Russa aceite a proposta de cessar fogo imediato – vejamos que Lavrov já referiu por diversas vezes que o Kremlin já não se deixará ir em “ingenuidades” -, devemos questionar-nos, tendo em conta todos estes factores, se é aceitável partirmos do princípio de que a proposta norte-americana é genuína e de que são genuínas as intenções da Casa Branca. Como poderão eles, que têm acesso a toda a informação, acreditar que a Federação Russa aceitará, sem mais nem menos, uma proposta deste tipo, sem que sejam prestadas qualquer tipo de garantias e, para mais, continuando o fornecimento de armas a Kiev? Como disse um Ushakov, assessor de Putin, o Kremlin está interessado numa paz duradoura e não num “intervalo”.

A não aceitação russa será muito plausível, nomeadamente na sequência da apresentação de exigências que Kiev não estará preparada, à partida, para aceitar. Mesmo que, por razões diplomáticas, a rejeição de Moscovo seja manifestada com todos os cuidados, para não justificar ou dar razões que justifiquem o afastamento definitivo das outras partes. Tal não significa que os representantes russos não saibam o que está em cima da mesa, as reais intenções da Casa Branca e a possibilidade de, para consumo interno dos EUA, a não aceitação da proposta de cessar fogo ser utilizada para diabolizar, ainda mais, o próprio Kremlin. Algo que, nos tempos que correm, pouco preocupará russos e seus representantes.

Com efeito, não é nada de inédito se Trump e seus comparsas se dirigirem ao povo norte-americano e disserem que a Federação Russa não quer prescindir de nada, não quer ceder em nada e, logo, não está interessada em “parar imediatamente o conflito”. Se, para consumo interno dos EUA, esse discurso funciona, numa perspectiva material, olhando à relação de forças no terreno, porque razão Moscovo cederia nos seus intentos, uma vez que se encontra numa situação de primazia militar? Ainda para mais quando Moscovo sempre afirmou que não pretende apenas “um fim” do conflito, mas que este fim seja acompanhado da resolução dos problemas de fundo?

Esta posição Russa só pode parecer revoltante aos ocidentais e norte-americanos que estejam intoxicados pela propaganda que dizia no início que “a Ucrânia estava a ganhar a guerra” e “a Rússia ia ser derrotada no campo de batalha”, mais tarde que “o conflito está empatado” ou, já sob Trump, que “estão os dois lados a perder e a Rússia já perdeu um milhão de homens”. Para os que sabem, desde o primeiro dia, que este seria um conflito perdido para o ocidente, a não ser que acabasse numa situação em que perderiam todos, ou seja no armageddon nuclear, não é surpresa que o Kremlin não abdique dos seus objectivos, uma vez que, face ao estado de coisas, se não os atingir nas negociações, atinge-os no campo de batalha.

Voltemos então ao consumo interno e ao circo para confundir e convencer os povos ocidentais. Numa situação em que a Federação Russa se mantenha irredutível nas suas pretensões, o que se prevê, julgo que Trump necessitará do “acordo” das suas minerais de terras “brutas”, como um trunfo a jogar perante o seu público. Afinal, por que outra razão se daria tanta importância a um acordo, o qual, tendo em conta o conhecimento sobre reservas minerais registadas, tem uma eficácia material muito limitada? Tendo em conta que o território dominado pelo regime de Kiev não integra reservas minerais de grande importância, uma vez que as existentes naquela região estão já em posse dos russos ou em território considerado “ocupado”, aos olhos da Federação Russa, porque razão Washington daria tanta ênfase a uma mão cheia de nada?

A importância atribuída ao acordo dos minerais pela Casa Branca encontra explicação no facto de este entendimento constituir um trunfo, para jogar internamente, à disposição da nova administração presidida por Donald Trump. Como business man, para poder continuar o empreendimento ucraniano, após a previsível rejeição ou apresentação, pelos russos, de exigências que os EUA terão dificuldade em garantir, Trump necessita, pelo menos, de dois argumentos: 1. De convencer o povo norte-americano de que são os russos ou os próprios ucranianos – ou até os europeus – que não querem fazer cedências com vista a um entendimento, pois não aceitaram a “razoável, sincera e generosa” proposta do “Presidente Trump”; 2. A manutenção dos gastos com a Ucrânia está salvaguardada porque o “Presidente Trump” fez um acordo de minerais com Kiev, que garante o pagamento aos EUA, com juros, das quantias avançadas, passadas ou futuras.

Ou seja, se os russos não quiserem a paz, os ucranianos não a aceitarem, ou os europeus a boicotarem, Trump terá sempre as cartas necessárias para convencer o povo MAGA de que tudo fez para acabar a guerra, mas não conseguiu. Mas não o conseguindo, mesmo assim garante que os EUA não saem prejudicados com a situação. E assim, Trump sai do problema ucraniano, ficando nele, mas podendo dizer-se desresponsabilizado e como tendo garantido, em qualquer caso, o acesso a reservas minerais “valiosas” que compensam largamente os custos. A guerra continuará? Sim! Mas Trump poderá dizer que não é culpa sua e que, ao contrário de biden, encontrou uma forma de compensar os contribuintes pelas despesas feitas. Claro que é uma falácia, pois todos sabemos do quanto as multinacionais dos EUA se apropriaram de activos sob posse do regime de Kiev.

Se for este o caso e acredito que possa ir-se por aqui, na medida em que, pelo menos Trump quererá contar com um vasto leque de opções que lhe permitam fugir, airosamente, para um ou outro lado. Continuará, em qualquer caso, não só a vender armas à Ucrânia, como à União Europeia e a outros “aliados”, algo de que não quererá prescindir. Se o conflito parar nas condições por ele pretendidas, Trump contará com as tais reservas minerais da Ucrânia, que compensarão largamente o fim do negócio das armas à Ucrânia e todo o dinheiro que os EUA lhes emprestaram.

Este é, portanto, o papel dual da problemática do acordo mineral com Zelensky. Possibilita o reforço argumentativo em qualquer que seja a situação. O acordo mineral garante o pagamento das quantias passadas, se a guerra acabar ou os EUA dela saírem, e das quantias futuras, se a guerra continuar. Perante o povo norte-americano, Trump sairá sempre a ganhar.

Portanto, para Trump tudo parece resumir-se a garantir à sua disposição um vasto leque de opções, igualmente vantajoso e proporcionador de justificações perante o povo norte-americano. Existe, contudo, algo que pode não encaixar bem nesta estratégia. E tal dúvida reside no facto de não serem conhecidas reservas de “terras raras” na Ucrânia e, mesmo considerando outras reservas minerais, é no território que a Rússia considera seu – o Donbass – que se encontram as maiores e mais valiosas reservas. Daí que se deva questionar em que medida a intenção do cessar fogo, associada à manutenção dos fluxos de armamento para a Ucrânia e, em conjugação com o distanciamento russo relativamente à proposta de cessar fogo, não tenham na manga ainda outra opção ao dispor de Trump.

Para quem tanto gosta de falar de cartas, esta parece mesmo de jogador. Caso a Federação Russa não aceite o cessar fogo ou uma qualquer proposta de divisão das terras em disputa, garantindo aos EUA o acesso, pelo menos a parte das mais volumosas e valiosas reservas minerais da região, os EUA conseguem não apenas diabolizar ainda mais o Kremlin perante os eleitores norte-americanos, como conseguirão justificar a continuação da guerra, a venda das armas e tentar almejar – o que sabemos ser uma ilusão – a reconquista, pelo menos parcial, do Donbass, dando assim um efeito prático ao acordo de minerais que fizeram com o gangue de Zelesky.

Ou seja, o efeito prático material do acordo de minerais, a confirmarem-se as suspeitas relativamente às parcas reservas em posse de Kiev, só se verifica se a Federação Russa aceitar negociar – através de cedências negociais exigidas por Kiev – a divisão de terras em sua posse ou em vias de o serem, ou, não acontecendo – como se prevê que a Rússia não aceite – através de uma reconquista pelas forças leais a Kiev, de parte dessas terras. Sem a verificação de uma destas situações, à partida, o acordo mineral não passa de um trunfo para consumo interno. Seja como for, os EUA ganham sempre. Ganham dos Russos, se estes cederem (comprando a paz através das cedências territoriais) e dos Europeus, porque estes compram mais armas; ganham dos Ucranianos, se os russos não cederem e dos Europeus, que continuam, em qualquer das situações, no caminho da militarização.

Daí que, na prática, tenda a acreditar que Zelensky tenha comprado, dessa forma, através da promessa de proventos futuros, o apoio de que necessita para a continuação da guerra, tentando conseguir dos russos uma pausa de 30 dias no conflito, o que, não alterando grande coisa, pelo menos pararia temporariamente a máquina de guerra que o ocidente indirectamente levou a Federação Russa a construir. Também podem utilizar a rejeição do cessar fogo para tentar afastar alguns aliados da Rússia, através da propagação de informação segundo a qual seria, desta feita, a Rússia, e não a Ucrânia, a rejeitar o fim dos combates e a contenção do conflito. O que será outro trunfo ao dispor de Trump, para tentar trazer a Rússia para a mesa das negociações.

Trump espera, através destes estratagemas, poder chantagear a Federação Russa com mais sanções, isolamento internacional e armamento à Ucrânia – onde encaixa maravilhosamente a suposta retoma dos fornecimentos – para dela obter cedências territoriais, onde se encontram as reservas minerais. A Rússia deixará arrastar-se para tal situação? Não me parece, mas na mente de Trump, isto fará muito sentido. Mas em algum lado encaixa a teoria manifestada por Marc Rúbio de que “também a Rússia está a perder” e também à Rússia interessa parar o conflito, tentando transmitir que o desespero não é só de Kiev, mas também de moscovo.

Ao mesmo tempo que isto sucede e que Trump abre todas estas opções, devemos também ouvir com atenção as palavras de Peter Hegseth em Bruxelas. Se a tónica de Rubio e Trump oscila para a necessidade de parar imediatamente o conflito ucraniano, só agora se sabendo que o pretendem fazer de forma superficial e sem apresentar as garantias pelas quais os russos tanto se têm batido – embora tenham assumido por diversas vezes rejeitarem uma Ucrânia na OTAN -, a tónica de Hegseth, por outro lado, tem sido mais direccionada para a necessidade da europa assumir a sua própria defesa, assumir as responsabilidades no conflito e fazer face, ela própria, às ameaças que pairam sobre si. Não vale a pena referir que ameaças são essas.

Conjugando estes dois discursos, temos o painel completo, percebendo-se também que, o que parece constituir uma contradição entre o comportamento europeu e as pretensões de Trump, afinal, não é contradição alguma, muito pelo contrário. Tomando Trump como uma espécie de demónio que trouxe consigo o colapso militar da Ucrânia, a União Europeia, depois de andar três anos a esconder dos europeus a real situação no terreno, aproveita agora a diabolização da administração Trump como contraponto da santificação que faz do regime de Kiev. Regime esse que agora se acertou com… Trump. Fechando um círculo aparentemente “inconciliável”.

O facto é que as resistências e rejeição manifestadas pelos “líderes” da EU à estratégia seguida pela administração Trump, no que toca às negociações com a Federação Russa e à intenção – pelo menos enunciada e agora corporizada num simples “cessar-fogo” – de colocar um fim na guerra na Ucrânia, são tremendamente contraditórias com as decisões práticas tomadas pela própria EU, estando tais decisões mais alinhadas com as pretensões destes “novos” EUA, do que possa levar a acreditar o aparentemente conflituante discurso. Uma vez mais, Peter Hegseth disse, em Bruxelas, para todos ouvirem, que era tempo da Europa retirar o fardo (“unburden”) ucraniano das costas dos seus aliados atlânticos, para que estes possam enfrentar desafios ainda mais tremendos e os quais só os EUA podem e têm interesse em enfrentar.

Daí que, este circo de aparências durante o qual assistimos a uma espécie de complot contra Trump, por parte dos “dirigentes” da União Europeia, quando analisado em profundidade e para lá das aparências, permite constatar que, de alguma forma, a EU permanece alinhada com a estratégia hegemónica dos EUA – a qual não acabou sob o trumpismo. A União Europeia, perante a “deserção” dos EUA, ao invés de exigir destes as responsabilidades que lhe cabiam, logo alinhou no discurso veiculado por Peter Hegseth e, contra as pretensões dos povos europeus, voluntariamente aceitou a proposta de deserção de Washington e iniciou o cumprimento da ordem enunciada pela Casa Branca, apostando tudo numa militarização da União Europeia. Inclusive, garantindo a Trump um prémio pela “deserção”: o aumento exponencial dos gastos europeus no quadro de uma, cada vez mais obsoleta, OTAN.

Claramente, e ao contrário das aparências, a União Europeia da veemente Von Der Leyen, não apenas não choca com as pretensões de Trump, como lhe facilita, de facto, a tarefa em relação ao desastre ucraniano. Como se o seu papel fosse o de lhe facilitar a tarefa, ajudando a desviar as atenções em relação ao essencial. A EU desvia as atenções de Trump, assume o peso do fardo dos EUA, libertando-os para o seu empreendimento do pacífico. Tudo isto enquanto parece muito zangada com a nova administração, mas tudo fazendo de forma a que as suas acções convirjam com as necessidades estratégicas hegemónicas dos EUA.

A EU, assumindo o financiamento do projecto e o aumento das despesas europeias com armamento, permite a Trump a manutenção do leque de opções de que atrás falei. Se continuar dentro do conflito, Trump tem a justificação da intransigência russa, ucraniana ou europeia, se pretender sair, Trump vende armas à EU e à Ucrânia e, mesmo que o conflito acabe, Trump garante sempre, no aumento de verbas europeias para a defesa, os ganhos que poderia ir buscar ao conflito, e com juros. Garante também, caso o conflito acabe nos seus termos, uma parte dos minerais que hoje estão em posse da Federação Russa. Os EUA nunca perderão, seja qual for a alternativa. Pelo menos acredito ser esta a pretensão de Trump, pretensão essa que choca com o facto de muito dificilmente a Rússia se deixar chantagear ou arrastar para uma situação em que os ganhadores sejam os EUA, às custas da própria Rússia. Não vejo Moscovo em tal situação de desespero. Ao contrário, o desespero está do lado de Kiev e da União Europeia e será a estes que Trump retirará o escalpe.

Daí que devamos de distinguir bem entre o que a entourage de Trump diz quando refere que “o Presidente quer acabar com este problema”. Tudo tem a ver com a óptica, sendo que, o “acabar” significa não poder ser responsabilizado pelo que suceder. Daí que, atirando as culpas à Rússia, à Ucrânia, à EU ou a Biden, Trump tem à sua disposição um amplo leque de cartas, que, pelo menos na sua mente maquiavélica, lhe permite sair deste conflito, de forma airosa. Trump sai do conflito, o que não quer dizer que o conflito não continue e que os EUA não continuem a enviar para lá as suas armas. Trump, ao invés, suceda o que suceder, sairá sempre limpo do mesmo e com ganhos – mesmo que virtuais ou futuros – a apresentar aos seus apoiantes, que “justifiquem” o falhanço das negociações.

Com jogador que é, Trump quer ficar com todas as cartas na mesa. A EU, apesar do bluff, garante a Trump o acesso ao prémio final.

Os trunfos com que Trump pensa contar na questão ucraniana

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Numa semana em que se continuam a degradar as expectativas que muitos atlanticistas tinham relativamente à aventura de Kursk, continuamos a assistir a sucessivos episódios de circo mediático à volta do conflito na Ucrânia. Entre um Trump aparentemente preocupado com uma paz “duradoura” na Ucrânia, uma “europa” que insiste em classificar a Federação Russa como “ameaça”, um Zelensky alinhado com os poderes da EU mas aparentemente mais aberto ao início de negociações, um Macron que diz falar por toda a europa e refere “não se poder confiar em Putin”, uma Von Der Leyen que insiste no aumento massivo das despesas militares e uma delegação ucraniana em Riade que, após o espectáculo degradante na Casa Branca, afinal, uns dias mais tarde, e após uma derrota decisiva na aventura de Kursk, vem aceitar uma proposta de cessar fogo imediato, todos estes episódios, superficialmente contrastantes, acabam por se encaixar de forma perfeita, complementando-se como um baralho de cartas ao serviço de Trump.

Para percebermos bem como se encaixam, a melhor forma de os tratar, é começando pelo último desses episódios: a farsa das negociações na Arábia Saudita. Não é segredo para ninguém, estejam de acordo ou não com a posição e pretensões da Federação Russa, o que é pretendido com o que se designou como “Operação Militar Especial”: desmilitarizar, desnazificar, neutralizar a Ucrânia em matéria militar, impedindo a sua integração na OTAN, e proteger as populações russas das perseguições xenófobas registadas após o golpe de estado de Euromaidan.

Não obstante, os russos nunca se furtaram a deixar linhas abertas ao diálogo, de que deram prova quando se deslocaram à Arábia Saudita para conferenciar com a delegação dos EUA. Como é seu apanágio, e bem, não estiveram com meias palavras, jogos e sinais de fumo. Foram bem claros de que não estão preparados para negociar soluções frágeis e temporárias, mas apenas entendimentos sólidos, duradouros, que tenham em conta as preocupações de segurança da Federação Russa. Esta situação não terá mudado, uma vez que a imprensa mainstream vem agora dizer que a Rússia terá feito uma lista de exigências para que possam aceitar o cessar fogo.

Não obstante, Marc Rúbio, após negociar com a delegação ucraniana um acordo para as famosas “terras raras”, assegurando a sua suposta exploração pelos EUA, disse a quem quis ouvir que os progressos seriam agora objecto de uma proposta concreta à Federação Russa. O tom era claro e visava fazer acreditar que os norte-americanos estão esperançados no resultado de todo este processo de intermediação. Estarão?

Voltemos à Federação Russa e coloquemos a seguinte questão: em que medida a proposta de cessar fogo imediato, realizada num momento em que as forças de Moscovo obtiveram uma retumbante e humilhante vitória na região de Kursk, será do agrado da delegação russa? Será que algum dos objectivos tantas vezes sublinhados pelo Kremlin está garantido? Será que, do cessar fogo imediato se pode depreender que a Ucrânia aceita todas as exigências do lado russo? E será de crer que, estando a Federação Russa numa posição de primazia no conflito, deite tudo a perder com um cessar fogo? Ainda para mais quando, ao contrário do que foi anunciado, os EUA nunca pararam de facto os fornecimentos de armas e inteligência à Ucrânia?

Aliás, como todos ouvimos na imprensa mainstream, Marc Rúbio informou os jornalistas de que os fornecimentos de armas à Ucrânia foram retomados. O que quer dizer que nunca foram de facto suspensos. O tempo entre um e outro acto, dois dias apenas, tendo em conta os prazos burocráticos necessários, tornaria impossível a materialização da suspensão. Logo, se os EUA não suspenderam o fornecimento de armas às forças de Kiev, e, pelo contrário, supostamente até o retomam, que sinal dão à Federação Russa? Um sinal de que querem negociar? De que estão de boa fé? De que estão genuinamente interessados em fazer um forcing junto de Kiev para que aceite negociar?

Não me parece e, pelo contrário, a mensagem que pode passar até será a inversa, nomeadamente que o cessar fogo servirá ao regime de Kiev para reagrupar, consolidar forças e rearmar-se. Se assim não fosse, qual o propósito, numa fase de discussão de uma proposta de cessar fogo, do reatamento de um fornecimento que nunca foi, de facto, suspendido? Que mensagem passará para a Rússia? De que os EUA querem parar a guerra, mas não querem parar o fornecimento de armas? No mínimo é contraditório e aparentemente despropositado.

Portanto, se perante esta realidade não é de todo crível que a Federação Russa aceite a proposta de cessar fogo imediato – vejamos que Lavrov já referiu por diversas vezes que o Kremlin já não se deixará ir em “ingenuidades” -, devemos questionar-nos, tendo em conta todos estes factores, se é aceitável partirmos do princípio de que a proposta norte-americana é genuína e de que são genuínas as intenções da Casa Branca. Como poderão eles, que têm acesso a toda a informação, acreditar que a Federação Russa aceitará, sem mais nem menos, uma proposta deste tipo, sem que sejam prestadas qualquer tipo de garantias e, para mais, continuando o fornecimento de armas a Kiev? Como disse um Ushakov, assessor de Putin, o Kremlin está interessado numa paz duradoura e não num “intervalo”.

A não aceitação russa será muito plausível, nomeadamente na sequência da apresentação de exigências que Kiev não estará preparada, à partida, para aceitar. Mesmo que, por razões diplomáticas, a rejeição de Moscovo seja manifestada com todos os cuidados, para não justificar ou dar razões que justifiquem o afastamento definitivo das outras partes. Tal não significa que os representantes russos não saibam o que está em cima da mesa, as reais intenções da Casa Branca e a possibilidade de, para consumo interno dos EUA, a não aceitação da proposta de cessar fogo ser utilizada para diabolizar, ainda mais, o próprio Kremlin. Algo que, nos tempos que correm, pouco preocupará russos e seus representantes.

Com efeito, não é nada de inédito se Trump e seus comparsas se dirigirem ao povo norte-americano e disserem que a Federação Russa não quer prescindir de nada, não quer ceder em nada e, logo, não está interessada em “parar imediatamente o conflito”. Se, para consumo interno dos EUA, esse discurso funciona, numa perspectiva material, olhando à relação de forças no terreno, porque razão Moscovo cederia nos seus intentos, uma vez que se encontra numa situação de primazia militar? Ainda para mais quando Moscovo sempre afirmou que não pretende apenas “um fim” do conflito, mas que este fim seja acompanhado da resolução dos problemas de fundo?

Esta posição Russa só pode parecer revoltante aos ocidentais e norte-americanos que estejam intoxicados pela propaganda que dizia no início que “a Ucrânia estava a ganhar a guerra” e “a Rússia ia ser derrotada no campo de batalha”, mais tarde que “o conflito está empatado” ou, já sob Trump, que “estão os dois lados a perder e a Rússia já perdeu um milhão de homens”. Para os que sabem, desde o primeiro dia, que este seria um conflito perdido para o ocidente, a não ser que acabasse numa situação em que perderiam todos, ou seja no armageddon nuclear, não é surpresa que o Kremlin não abdique dos seus objectivos, uma vez que, face ao estado de coisas, se não os atingir nas negociações, atinge-os no campo de batalha.

Voltemos então ao consumo interno e ao circo para confundir e convencer os povos ocidentais. Numa situação em que a Federação Russa se mantenha irredutível nas suas pretensões, o que se prevê, julgo que Trump necessitará do “acordo” das suas minerais de terras “brutas”, como um trunfo a jogar perante o seu público. Afinal, por que outra razão se daria tanta importância a um acordo, o qual, tendo em conta o conhecimento sobre reservas minerais registadas, tem uma eficácia material muito limitada? Tendo em conta que o território dominado pelo regime de Kiev não integra reservas minerais de grande importância, uma vez que as existentes naquela região estão já em posse dos russos ou em território considerado “ocupado”, aos olhos da Federação Russa, porque razão Washington daria tanta ênfase a uma mão cheia de nada?

A importância atribuída ao acordo dos minerais pela Casa Branca encontra explicação no facto de este entendimento constituir um trunfo, para jogar internamente, à disposição da nova administração presidida por Donald Trump. Como business man, para poder continuar o empreendimento ucraniano, após a previsível rejeição ou apresentação, pelos russos, de exigências que os EUA terão dificuldade em garantir, Trump necessita, pelo menos, de dois argumentos: 1. De convencer o povo norte-americano de que são os russos ou os próprios ucranianos – ou até os europeus – que não querem fazer cedências com vista a um entendimento, pois não aceitaram a “razoável, sincera e generosa” proposta do “Presidente Trump”; 2. A manutenção dos gastos com a Ucrânia está salvaguardada porque o “Presidente Trump” fez um acordo de minerais com Kiev, que garante o pagamento aos EUA, com juros, das quantias avançadas, passadas ou futuras.

Ou seja, se os russos não quiserem a paz, os ucranianos não a aceitarem, ou os europeus a boicotarem, Trump terá sempre as cartas necessárias para convencer o povo MAGA de que tudo fez para acabar a guerra, mas não conseguiu. Mas não o conseguindo, mesmo assim garante que os EUA não saem prejudicados com a situação. E assim, Trump sai do problema ucraniano, ficando nele, mas podendo dizer-se desresponsabilizado e como tendo garantido, em qualquer caso, o acesso a reservas minerais “valiosas” que compensam largamente os custos. A guerra continuará? Sim! Mas Trump poderá dizer que não é culpa sua e que, ao contrário de biden, encontrou uma forma de compensar os contribuintes pelas despesas feitas. Claro que é uma falácia, pois todos sabemos do quanto as multinacionais dos EUA se apropriaram de activos sob posse do regime de Kiev.

Se for este o caso e acredito que possa ir-se por aqui, na medida em que, pelo menos Trump quererá contar com um vasto leque de opções que lhe permitam fugir, airosamente, para um ou outro lado. Continuará, em qualquer caso, não só a vender armas à Ucrânia, como à União Europeia e a outros “aliados”, algo de que não quererá prescindir. Se o conflito parar nas condições por ele pretendidas, Trump contará com as tais reservas minerais da Ucrânia, que compensarão largamente o fim do negócio das armas à Ucrânia e todo o dinheiro que os EUA lhes emprestaram.

Este é, portanto, o papel dual da problemática do acordo mineral com Zelensky. Possibilita o reforço argumentativo em qualquer que seja a situação. O acordo mineral garante o pagamento das quantias passadas, se a guerra acabar ou os EUA dela saírem, e das quantias futuras, se a guerra continuar. Perante o povo norte-americano, Trump sairá sempre a ganhar.

Portanto, para Trump tudo parece resumir-se a garantir à sua disposição um vasto leque de opções, igualmente vantajoso e proporcionador de justificações perante o povo norte-americano. Existe, contudo, algo que pode não encaixar bem nesta estratégia. E tal dúvida reside no facto de não serem conhecidas reservas de “terras raras” na Ucrânia e, mesmo considerando outras reservas minerais, é no território que a Rússia considera seu – o Donbass – que se encontram as maiores e mais valiosas reservas. Daí que se deva questionar em que medida a intenção do cessar fogo, associada à manutenção dos fluxos de armamento para a Ucrânia e, em conjugação com o distanciamento russo relativamente à proposta de cessar fogo, não tenham na manga ainda outra opção ao dispor de Trump.

Para quem tanto gosta de falar de cartas, esta parece mesmo de jogador. Caso a Federação Russa não aceite o cessar fogo ou uma qualquer proposta de divisão das terras em disputa, garantindo aos EUA o acesso, pelo menos a parte das mais volumosas e valiosas reservas minerais da região, os EUA conseguem não apenas diabolizar ainda mais o Kremlin perante os eleitores norte-americanos, como conseguirão justificar a continuação da guerra, a venda das armas e tentar almejar – o que sabemos ser uma ilusão – a reconquista, pelo menos parcial, do Donbass, dando assim um efeito prático ao acordo de minerais que fizeram com o gangue de Zelesky.

Ou seja, o efeito prático material do acordo de minerais, a confirmarem-se as suspeitas relativamente às parcas reservas em posse de Kiev, só se verifica se a Federação Russa aceitar negociar – através de cedências negociais exigidas por Kiev – a divisão de terras em sua posse ou em vias de o serem, ou, não acontecendo – como se prevê que a Rússia não aceite – através de uma reconquista pelas forças leais a Kiev, de parte dessas terras. Sem a verificação de uma destas situações, à partida, o acordo mineral não passa de um trunfo para consumo interno. Seja como for, os EUA ganham sempre. Ganham dos Russos, se estes cederem (comprando a paz através das cedências territoriais) e dos Europeus, porque estes compram mais armas; ganham dos Ucranianos, se os russos não cederem e dos Europeus, que continuam, em qualquer das situações, no caminho da militarização.

Daí que, na prática, tenda a acreditar que Zelensky tenha comprado, dessa forma, através da promessa de proventos futuros, o apoio de que necessita para a continuação da guerra, tentando conseguir dos russos uma pausa de 30 dias no conflito, o que, não alterando grande coisa, pelo menos pararia temporariamente a máquina de guerra que o ocidente indirectamente levou a Federação Russa a construir. Também podem utilizar a rejeição do cessar fogo para tentar afastar alguns aliados da Rússia, através da propagação de informação segundo a qual seria, desta feita, a Rússia, e não a Ucrânia, a rejeitar o fim dos combates e a contenção do conflito. O que será outro trunfo ao dispor de Trump, para tentar trazer a Rússia para a mesa das negociações.

Trump espera, através destes estratagemas, poder chantagear a Federação Russa com mais sanções, isolamento internacional e armamento à Ucrânia – onde encaixa maravilhosamente a suposta retoma dos fornecimentos – para dela obter cedências territoriais, onde se encontram as reservas minerais. A Rússia deixará arrastar-se para tal situação? Não me parece, mas na mente de Trump, isto fará muito sentido. Mas em algum lado encaixa a teoria manifestada por Marc Rúbio de que “também a Rússia está a perder” e também à Rússia interessa parar o conflito, tentando transmitir que o desespero não é só de Kiev, mas também de moscovo.

Ao mesmo tempo que isto sucede e que Trump abre todas estas opções, devemos também ouvir com atenção as palavras de Peter Hegseth em Bruxelas. Se a tónica de Rubio e Trump oscila para a necessidade de parar imediatamente o conflito ucraniano, só agora se sabendo que o pretendem fazer de forma superficial e sem apresentar as garantias pelas quais os russos tanto se têm batido – embora tenham assumido por diversas vezes rejeitarem uma Ucrânia na OTAN -, a tónica de Hegseth, por outro lado, tem sido mais direccionada para a necessidade da europa assumir a sua própria defesa, assumir as responsabilidades no conflito e fazer face, ela própria, às ameaças que pairam sobre si. Não vale a pena referir que ameaças são essas.

Conjugando estes dois discursos, temos o painel completo, percebendo-se também que, o que parece constituir uma contradição entre o comportamento europeu e as pretensões de Trump, afinal, não é contradição alguma, muito pelo contrário. Tomando Trump como uma espécie de demónio que trouxe consigo o colapso militar da Ucrânia, a União Europeia, depois de andar três anos a esconder dos europeus a real situação no terreno, aproveita agora a diabolização da administração Trump como contraponto da santificação que faz do regime de Kiev. Regime esse que agora se acertou com… Trump. Fechando um círculo aparentemente “inconciliável”.

O facto é que as resistências e rejeição manifestadas pelos “líderes” da EU à estratégia seguida pela administração Trump, no que toca às negociações com a Federação Russa e à intenção – pelo menos enunciada e agora corporizada num simples “cessar-fogo” – de colocar um fim na guerra na Ucrânia, são tremendamente contraditórias com as decisões práticas tomadas pela própria EU, estando tais decisões mais alinhadas com as pretensões destes “novos” EUA, do que possa levar a acreditar o aparentemente conflituante discurso. Uma vez mais, Peter Hegseth disse, em Bruxelas, para todos ouvirem, que era tempo da Europa retirar o fardo (“unburden”) ucraniano das costas dos seus aliados atlânticos, para que estes possam enfrentar desafios ainda mais tremendos e os quais só os EUA podem e têm interesse em enfrentar.

Daí que, este circo de aparências durante o qual assistimos a uma espécie de complot contra Trump, por parte dos “dirigentes” da União Europeia, quando analisado em profundidade e para lá das aparências, permite constatar que, de alguma forma, a EU permanece alinhada com a estratégia hegemónica dos EUA – a qual não acabou sob o trumpismo. A União Europeia, perante a “deserção” dos EUA, ao invés de exigir destes as responsabilidades que lhe cabiam, logo alinhou no discurso veiculado por Peter Hegseth e, contra as pretensões dos povos europeus, voluntariamente aceitou a proposta de deserção de Washington e iniciou o cumprimento da ordem enunciada pela Casa Branca, apostando tudo numa militarização da União Europeia. Inclusive, garantindo a Trump um prémio pela “deserção”: o aumento exponencial dos gastos europeus no quadro de uma, cada vez mais obsoleta, OTAN.

Claramente, e ao contrário das aparências, a União Europeia da veemente Von Der Leyen, não apenas não choca com as pretensões de Trump, como lhe facilita, de facto, a tarefa em relação ao desastre ucraniano. Como se o seu papel fosse o de lhe facilitar a tarefa, ajudando a desviar as atenções em relação ao essencial. A EU desvia as atenções de Trump, assume o peso do fardo dos EUA, libertando-os para o seu empreendimento do pacífico. Tudo isto enquanto parece muito zangada com a nova administração, mas tudo fazendo de forma a que as suas acções convirjam com as necessidades estratégicas hegemónicas dos EUA.

A EU, assumindo o financiamento do projecto e o aumento das despesas europeias com armamento, permite a Trump a manutenção do leque de opções de que atrás falei. Se continuar dentro do conflito, Trump tem a justificação da intransigência russa, ucraniana ou europeia, se pretender sair, Trump vende armas à EU e à Ucrânia e, mesmo que o conflito acabe, Trump garante sempre, no aumento de verbas europeias para a defesa, os ganhos que poderia ir buscar ao conflito, e com juros. Garante também, caso o conflito acabe nos seus termos, uma parte dos minerais que hoje estão em posse da Federação Russa. Os EUA nunca perderão, seja qual for a alternativa. Pelo menos acredito ser esta a pretensão de Trump, pretensão essa que choca com o facto de muito dificilmente a Rússia se deixar chantagear ou arrastar para uma situação em que os ganhadores sejam os EUA, às custas da própria Rússia. Não vejo Moscovo em tal situação de desespero. Ao contrário, o desespero está do lado de Kiev e da União Europeia e será a estes que Trump retirará o escalpe.

Daí que devamos de distinguir bem entre o que a entourage de Trump diz quando refere que “o Presidente quer acabar com este problema”. Tudo tem a ver com a óptica, sendo que, o “acabar” significa não poder ser responsabilizado pelo que suceder. Daí que, atirando as culpas à Rússia, à Ucrânia, à EU ou a Biden, Trump tem à sua disposição um amplo leque de cartas, que, pelo menos na sua mente maquiavélica, lhe permite sair deste conflito, de forma airosa. Trump sai do conflito, o que não quer dizer que o conflito não continue e que os EUA não continuem a enviar para lá as suas armas. Trump, ao invés, suceda o que suceder, sairá sempre limpo do mesmo e com ganhos – mesmo que virtuais ou futuros – a apresentar aos seus apoiantes, que “justifiquem” o falhanço das negociações.

Com jogador que é, Trump quer ficar com todas as cartas na mesa. A EU, apesar do bluff, garante a Trump o acesso ao prémio final.

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Numa semana em que se continuam a degradar as expectativas que muitos atlanticistas tinham relativamente à aventura de Kursk, continuamos a assistir a sucessivos episódios de circo mediático à volta do conflito na Ucrânia. Entre um Trump aparentemente preocupado com uma paz “duradoura” na Ucrânia, uma “europa” que insiste em classificar a Federação Russa como “ameaça”, um Zelensky alinhado com os poderes da EU mas aparentemente mais aberto ao início de negociações, um Macron que diz falar por toda a europa e refere “não se poder confiar em Putin”, uma Von Der Leyen que insiste no aumento massivo das despesas militares e uma delegação ucraniana em Riade que, após o espectáculo degradante na Casa Branca, afinal, uns dias mais tarde, e após uma derrota decisiva na aventura de Kursk, vem aceitar uma proposta de cessar fogo imediato, todos estes episódios, superficialmente contrastantes, acabam por se encaixar de forma perfeita, complementando-se como um baralho de cartas ao serviço de Trump.

Para percebermos bem como se encaixam, a melhor forma de os tratar, é começando pelo último desses episódios: a farsa das negociações na Arábia Saudita. Não é segredo para ninguém, estejam de acordo ou não com a posição e pretensões da Federação Russa, o que é pretendido com o que se designou como “Operação Militar Especial”: desmilitarizar, desnazificar, neutralizar a Ucrânia em matéria militar, impedindo a sua integração na OTAN, e proteger as populações russas das perseguições xenófobas registadas após o golpe de estado de Euromaidan.

Não obstante, os russos nunca se furtaram a deixar linhas abertas ao diálogo, de que deram prova quando se deslocaram à Arábia Saudita para conferenciar com a delegação dos EUA. Como é seu apanágio, e bem, não estiveram com meias palavras, jogos e sinais de fumo. Foram bem claros de que não estão preparados para negociar soluções frágeis e temporárias, mas apenas entendimentos sólidos, duradouros, que tenham em conta as preocupações de segurança da Federação Russa. Esta situação não terá mudado, uma vez que a imprensa mainstream vem agora dizer que a Rússia terá feito uma lista de exigências para que possam aceitar o cessar fogo.

Não obstante, Marc Rúbio, após negociar com a delegação ucraniana um acordo para as famosas “terras raras”, assegurando a sua suposta exploração pelos EUA, disse a quem quis ouvir que os progressos seriam agora objecto de uma proposta concreta à Federação Russa. O tom era claro e visava fazer acreditar que os norte-americanos estão esperançados no resultado de todo este processo de intermediação. Estarão?

Voltemos à Federação Russa e coloquemos a seguinte questão: em que medida a proposta de cessar fogo imediato, realizada num momento em que as forças de Moscovo obtiveram uma retumbante e humilhante vitória na região de Kursk, será do agrado da delegação russa? Será que algum dos objectivos tantas vezes sublinhados pelo Kremlin está garantido? Será que, do cessar fogo imediato se pode depreender que a Ucrânia aceita todas as exigências do lado russo? E será de crer que, estando a Federação Russa numa posição de primazia no conflito, deite tudo a perder com um cessar fogo? Ainda para mais quando, ao contrário do que foi anunciado, os EUA nunca pararam de facto os fornecimentos de armas e inteligência à Ucrânia?

Aliás, como todos ouvimos na imprensa mainstream, Marc Rúbio informou os jornalistas de que os fornecimentos de armas à Ucrânia foram retomados. O que quer dizer que nunca foram de facto suspensos. O tempo entre um e outro acto, dois dias apenas, tendo em conta os prazos burocráticos necessários, tornaria impossível a materialização da suspensão. Logo, se os EUA não suspenderam o fornecimento de armas às forças de Kiev, e, pelo contrário, supostamente até o retomam, que sinal dão à Federação Russa? Um sinal de que querem negociar? De que estão de boa fé? De que estão genuinamente interessados em fazer um forcing junto de Kiev para que aceite negociar?

Não me parece e, pelo contrário, a mensagem que pode passar até será a inversa, nomeadamente que o cessar fogo servirá ao regime de Kiev para reagrupar, consolidar forças e rearmar-se. Se assim não fosse, qual o propósito, numa fase de discussão de uma proposta de cessar fogo, do reatamento de um fornecimento que nunca foi, de facto, suspendido? Que mensagem passará para a Rússia? De que os EUA querem parar a guerra, mas não querem parar o fornecimento de armas? No mínimo é contraditório e aparentemente despropositado.

Portanto, se perante esta realidade não é de todo crível que a Federação Russa aceite a proposta de cessar fogo imediato – vejamos que Lavrov já referiu por diversas vezes que o Kremlin já não se deixará ir em “ingenuidades” -, devemos questionar-nos, tendo em conta todos estes factores, se é aceitável partirmos do princípio de que a proposta norte-americana é genuína e de que são genuínas as intenções da Casa Branca. Como poderão eles, que têm acesso a toda a informação, acreditar que a Federação Russa aceitará, sem mais nem menos, uma proposta deste tipo, sem que sejam prestadas qualquer tipo de garantias e, para mais, continuando o fornecimento de armas a Kiev? Como disse um Ushakov, assessor de Putin, o Kremlin está interessado numa paz duradoura e não num “intervalo”.

A não aceitação russa será muito plausível, nomeadamente na sequência da apresentação de exigências que Kiev não estará preparada, à partida, para aceitar. Mesmo que, por razões diplomáticas, a rejeição de Moscovo seja manifestada com todos os cuidados, para não justificar ou dar razões que justifiquem o afastamento definitivo das outras partes. Tal não significa que os representantes russos não saibam o que está em cima da mesa, as reais intenções da Casa Branca e a possibilidade de, para consumo interno dos EUA, a não aceitação da proposta de cessar fogo ser utilizada para diabolizar, ainda mais, o próprio Kremlin. Algo que, nos tempos que correm, pouco preocupará russos e seus representantes.

Com efeito, não é nada de inédito se Trump e seus comparsas se dirigirem ao povo norte-americano e disserem que a Federação Russa não quer prescindir de nada, não quer ceder em nada e, logo, não está interessada em “parar imediatamente o conflito”. Se, para consumo interno dos EUA, esse discurso funciona, numa perspectiva material, olhando à relação de forças no terreno, porque razão Moscovo cederia nos seus intentos, uma vez que se encontra numa situação de primazia militar? Ainda para mais quando Moscovo sempre afirmou que não pretende apenas “um fim” do conflito, mas que este fim seja acompanhado da resolução dos problemas de fundo?

Esta posição Russa só pode parecer revoltante aos ocidentais e norte-americanos que estejam intoxicados pela propaganda que dizia no início que “a Ucrânia estava a ganhar a guerra” e “a Rússia ia ser derrotada no campo de batalha”, mais tarde que “o conflito está empatado” ou, já sob Trump, que “estão os dois lados a perder e a Rússia já perdeu um milhão de homens”. Para os que sabem, desde o primeiro dia, que este seria um conflito perdido para o ocidente, a não ser que acabasse numa situação em que perderiam todos, ou seja no armageddon nuclear, não é surpresa que o Kremlin não abdique dos seus objectivos, uma vez que, face ao estado de coisas, se não os atingir nas negociações, atinge-os no campo de batalha.

Voltemos então ao consumo interno e ao circo para confundir e convencer os povos ocidentais. Numa situação em que a Federação Russa se mantenha irredutível nas suas pretensões, o que se prevê, julgo que Trump necessitará do “acordo” das suas minerais de terras “brutas”, como um trunfo a jogar perante o seu público. Afinal, por que outra razão se daria tanta importância a um acordo, o qual, tendo em conta o conhecimento sobre reservas minerais registadas, tem uma eficácia material muito limitada? Tendo em conta que o território dominado pelo regime de Kiev não integra reservas minerais de grande importância, uma vez que as existentes naquela região estão já em posse dos russos ou em território considerado “ocupado”, aos olhos da Federação Russa, porque razão Washington daria tanta ênfase a uma mão cheia de nada?

A importância atribuída ao acordo dos minerais pela Casa Branca encontra explicação no facto de este entendimento constituir um trunfo, para jogar internamente, à disposição da nova administração presidida por Donald Trump. Como business man, para poder continuar o empreendimento ucraniano, após a previsível rejeição ou apresentação, pelos russos, de exigências que os EUA terão dificuldade em garantir, Trump necessita, pelo menos, de dois argumentos: 1. De convencer o povo norte-americano de que são os russos ou os próprios ucranianos – ou até os europeus – que não querem fazer cedências com vista a um entendimento, pois não aceitaram a “razoável, sincera e generosa” proposta do “Presidente Trump”; 2. A manutenção dos gastos com a Ucrânia está salvaguardada porque o “Presidente Trump” fez um acordo de minerais com Kiev, que garante o pagamento aos EUA, com juros, das quantias avançadas, passadas ou futuras.

Ou seja, se os russos não quiserem a paz, os ucranianos não a aceitarem, ou os europeus a boicotarem, Trump terá sempre as cartas necessárias para convencer o povo MAGA de que tudo fez para acabar a guerra, mas não conseguiu. Mas não o conseguindo, mesmo assim garante que os EUA não saem prejudicados com a situação. E assim, Trump sai do problema ucraniano, ficando nele, mas podendo dizer-se desresponsabilizado e como tendo garantido, em qualquer caso, o acesso a reservas minerais “valiosas” que compensam largamente os custos. A guerra continuará? Sim! Mas Trump poderá dizer que não é culpa sua e que, ao contrário de biden, encontrou uma forma de compensar os contribuintes pelas despesas feitas. Claro que é uma falácia, pois todos sabemos do quanto as multinacionais dos EUA se apropriaram de activos sob posse do regime de Kiev.

Se for este o caso e acredito que possa ir-se por aqui, na medida em que, pelo menos Trump quererá contar com um vasto leque de opções que lhe permitam fugir, airosamente, para um ou outro lado. Continuará, em qualquer caso, não só a vender armas à Ucrânia, como à União Europeia e a outros “aliados”, algo de que não quererá prescindir. Se o conflito parar nas condições por ele pretendidas, Trump contará com as tais reservas minerais da Ucrânia, que compensarão largamente o fim do negócio das armas à Ucrânia e todo o dinheiro que os EUA lhes emprestaram.

Este é, portanto, o papel dual da problemática do acordo mineral com Zelensky. Possibilita o reforço argumentativo em qualquer que seja a situação. O acordo mineral garante o pagamento das quantias passadas, se a guerra acabar ou os EUA dela saírem, e das quantias futuras, se a guerra continuar. Perante o povo norte-americano, Trump sairá sempre a ganhar.

Portanto, para Trump tudo parece resumir-se a garantir à sua disposição um vasto leque de opções, igualmente vantajoso e proporcionador de justificações perante o povo norte-americano. Existe, contudo, algo que pode não encaixar bem nesta estratégia. E tal dúvida reside no facto de não serem conhecidas reservas de “terras raras” na Ucrânia e, mesmo considerando outras reservas minerais, é no território que a Rússia considera seu – o Donbass – que se encontram as maiores e mais valiosas reservas. Daí que se deva questionar em que medida a intenção do cessar fogo, associada à manutenção dos fluxos de armamento para a Ucrânia e, em conjugação com o distanciamento russo relativamente à proposta de cessar fogo, não tenham na manga ainda outra opção ao dispor de Trump.

Para quem tanto gosta de falar de cartas, esta parece mesmo de jogador. Caso a Federação Russa não aceite o cessar fogo ou uma qualquer proposta de divisão das terras em disputa, garantindo aos EUA o acesso, pelo menos a parte das mais volumosas e valiosas reservas minerais da região, os EUA conseguem não apenas diabolizar ainda mais o Kremlin perante os eleitores norte-americanos, como conseguirão justificar a continuação da guerra, a venda das armas e tentar almejar – o que sabemos ser uma ilusão – a reconquista, pelo menos parcial, do Donbass, dando assim um efeito prático ao acordo de minerais que fizeram com o gangue de Zelesky.

Ou seja, o efeito prático material do acordo de minerais, a confirmarem-se as suspeitas relativamente às parcas reservas em posse de Kiev, só se verifica se a Federação Russa aceitar negociar – através de cedências negociais exigidas por Kiev – a divisão de terras em sua posse ou em vias de o serem, ou, não acontecendo – como se prevê que a Rússia não aceite – através de uma reconquista pelas forças leais a Kiev, de parte dessas terras. Sem a verificação de uma destas situações, à partida, o acordo mineral não passa de um trunfo para consumo interno. Seja como for, os EUA ganham sempre. Ganham dos Russos, se estes cederem (comprando a paz através das cedências territoriais) e dos Europeus, porque estes compram mais armas; ganham dos Ucranianos, se os russos não cederem e dos Europeus, que continuam, em qualquer das situações, no caminho da militarização.

Daí que, na prática, tenda a acreditar que Zelensky tenha comprado, dessa forma, através da promessa de proventos futuros, o apoio de que necessita para a continuação da guerra, tentando conseguir dos russos uma pausa de 30 dias no conflito, o que, não alterando grande coisa, pelo menos pararia temporariamente a máquina de guerra que o ocidente indirectamente levou a Federação Russa a construir. Também podem utilizar a rejeição do cessar fogo para tentar afastar alguns aliados da Rússia, através da propagação de informação segundo a qual seria, desta feita, a Rússia, e não a Ucrânia, a rejeitar o fim dos combates e a contenção do conflito. O que será outro trunfo ao dispor de Trump, para tentar trazer a Rússia para a mesa das negociações.

Trump espera, através destes estratagemas, poder chantagear a Federação Russa com mais sanções, isolamento internacional e armamento à Ucrânia – onde encaixa maravilhosamente a suposta retoma dos fornecimentos – para dela obter cedências territoriais, onde se encontram as reservas minerais. A Rússia deixará arrastar-se para tal situação? Não me parece, mas na mente de Trump, isto fará muito sentido. Mas em algum lado encaixa a teoria manifestada por Marc Rúbio de que “também a Rússia está a perder” e também à Rússia interessa parar o conflito, tentando transmitir que o desespero não é só de Kiev, mas também de moscovo.

Ao mesmo tempo que isto sucede e que Trump abre todas estas opções, devemos também ouvir com atenção as palavras de Peter Hegseth em Bruxelas. Se a tónica de Rubio e Trump oscila para a necessidade de parar imediatamente o conflito ucraniano, só agora se sabendo que o pretendem fazer de forma superficial e sem apresentar as garantias pelas quais os russos tanto se têm batido – embora tenham assumido por diversas vezes rejeitarem uma Ucrânia na OTAN -, a tónica de Hegseth, por outro lado, tem sido mais direccionada para a necessidade da europa assumir a sua própria defesa, assumir as responsabilidades no conflito e fazer face, ela própria, às ameaças que pairam sobre si. Não vale a pena referir que ameaças são essas.

Conjugando estes dois discursos, temos o painel completo, percebendo-se também que, o que parece constituir uma contradição entre o comportamento europeu e as pretensões de Trump, afinal, não é contradição alguma, muito pelo contrário. Tomando Trump como uma espécie de demónio que trouxe consigo o colapso militar da Ucrânia, a União Europeia, depois de andar três anos a esconder dos europeus a real situação no terreno, aproveita agora a diabolização da administração Trump como contraponto da santificação que faz do regime de Kiev. Regime esse que agora se acertou com… Trump. Fechando um círculo aparentemente “inconciliável”.

O facto é que as resistências e rejeição manifestadas pelos “líderes” da EU à estratégia seguida pela administração Trump, no que toca às negociações com a Federação Russa e à intenção – pelo menos enunciada e agora corporizada num simples “cessar-fogo” – de colocar um fim na guerra na Ucrânia, são tremendamente contraditórias com as decisões práticas tomadas pela própria EU, estando tais decisões mais alinhadas com as pretensões destes “novos” EUA, do que possa levar a acreditar o aparentemente conflituante discurso. Uma vez mais, Peter Hegseth disse, em Bruxelas, para todos ouvirem, que era tempo da Europa retirar o fardo (“unburden”) ucraniano das costas dos seus aliados atlânticos, para que estes possam enfrentar desafios ainda mais tremendos e os quais só os EUA podem e têm interesse em enfrentar.

Daí que, este circo de aparências durante o qual assistimos a uma espécie de complot contra Trump, por parte dos “dirigentes” da União Europeia, quando analisado em profundidade e para lá das aparências, permite constatar que, de alguma forma, a EU permanece alinhada com a estratégia hegemónica dos EUA – a qual não acabou sob o trumpismo. A União Europeia, perante a “deserção” dos EUA, ao invés de exigir destes as responsabilidades que lhe cabiam, logo alinhou no discurso veiculado por Peter Hegseth e, contra as pretensões dos povos europeus, voluntariamente aceitou a proposta de deserção de Washington e iniciou o cumprimento da ordem enunciada pela Casa Branca, apostando tudo numa militarização da União Europeia. Inclusive, garantindo a Trump um prémio pela “deserção”: o aumento exponencial dos gastos europeus no quadro de uma, cada vez mais obsoleta, OTAN.

Claramente, e ao contrário das aparências, a União Europeia da veemente Von Der Leyen, não apenas não choca com as pretensões de Trump, como lhe facilita, de facto, a tarefa em relação ao desastre ucraniano. Como se o seu papel fosse o de lhe facilitar a tarefa, ajudando a desviar as atenções em relação ao essencial. A EU desvia as atenções de Trump, assume o peso do fardo dos EUA, libertando-os para o seu empreendimento do pacífico. Tudo isto enquanto parece muito zangada com a nova administração, mas tudo fazendo de forma a que as suas acções convirjam com as necessidades estratégicas hegemónicas dos EUA.

A EU, assumindo o financiamento do projecto e o aumento das despesas europeias com armamento, permite a Trump a manutenção do leque de opções de que atrás falei. Se continuar dentro do conflito, Trump tem a justificação da intransigência russa, ucraniana ou europeia, se pretender sair, Trump vende armas à EU e à Ucrânia e, mesmo que o conflito acabe, Trump garante sempre, no aumento de verbas europeias para a defesa, os ganhos que poderia ir buscar ao conflito, e com juros. Garante também, caso o conflito acabe nos seus termos, uma parte dos minerais que hoje estão em posse da Federação Russa. Os EUA nunca perderão, seja qual for a alternativa. Pelo menos acredito ser esta a pretensão de Trump, pretensão essa que choca com o facto de muito dificilmente a Rússia se deixar chantagear ou arrastar para uma situação em que os ganhadores sejam os EUA, às custas da própria Rússia. Não vejo Moscovo em tal situação de desespero. Ao contrário, o desespero está do lado de Kiev e da União Europeia e será a estes que Trump retirará o escalpe.

Daí que devamos de distinguir bem entre o que a entourage de Trump diz quando refere que “o Presidente quer acabar com este problema”. Tudo tem a ver com a óptica, sendo que, o “acabar” significa não poder ser responsabilizado pelo que suceder. Daí que, atirando as culpas à Rússia, à Ucrânia, à EU ou a Biden, Trump tem à sua disposição um amplo leque de cartas, que, pelo menos na sua mente maquiavélica, lhe permite sair deste conflito, de forma airosa. Trump sai do conflito, o que não quer dizer que o conflito não continue e que os EUA não continuem a enviar para lá as suas armas. Trump, ao invés, suceda o que suceder, sairá sempre limpo do mesmo e com ganhos – mesmo que virtuais ou futuros – a apresentar aos seus apoiantes, que “justifiquem” o falhanço das negociações.

Com jogador que é, Trump quer ficar com todas as cartas na mesa. A EU, apesar do bluff, garante a Trump o acesso ao prémio final.

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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February 22, 2025

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