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Fosse de extrema direita e o ocidente teria o maior prazer em trabalhar com ele. E esse é o melhor teste do algodão que pode haver, quando se trata de saber se um determinado candidato é, ou não, de extrema direita.
Nunca o ocidente capitalista, imperialista, neoliberal, teve qualquer problema em trabalhar com fanáticos de qualquer tipo, como muito bem se pode ver na Síria dos nossos dias. O que o ocidente não suporta, sejam eles quem forem, são líderes que não façam da independência e soberania nacionais, do interesse comum e do bem-estar social, limites à apropriação privada pelos interesses económicos e financeiros internacionais, por si protegidos.
A verdade é que o ocidente não tem problemas em trabalhar com Meloni, na Itália, como Vickers, nos Países Baixos, com Boris Johnson no reino Unido, com o actual presidente Sul Coreano ou, mesmo, com a família real saudita. Na Síria, por exemplo, deram as mãos a grupos formados a partir da Al-Qaeda, ligados à irmandade Islâmica, escola teológica que também alimenta o Hamas, derrubando um governo laico, defensor da igualdade de género, mas também da soberania nacional, nomeadamente em matéria de propriedade dos sectores estratégicos. Não faltará muito e a imprensa mainstream chorará baba e ranho por causa da opressão às mulheres Sírias.
Daí que, nada obstaria a que o ocidente também trabalhasse com Calin Georgescu. O que impediria? Não o fazem com Zelensky e os partidários da ideologia de Bandera? Afinal, o que defenderá Georgescu, para que o ocidente tenha, de forma tão veemente, utilizado a sua máquina de lawfare para, assim, tentar colocar um fim à mais que previsível eleição da sua pessoa?
A acusação de que a eleição foi ilícita porque houve manipulação do Tik-Tok e “interferência russa”, não encontrou resposta coincidente por parte da plataforma em questão, que o negou veementemente. Mas de uma assentada, os poderes que hoje dominam a Roménia e por conta dos quais uma elite oligárquica se agarra ao poder, anularam a eleição, tentando assim ganhar tempo para que, ou através de um esquema que impeça o concurso a eleições do candidato em causa, ou talvez através de uma repetição de tantas eleições quantas as necessárias, até que os resultados batam certo, como se fez nos malogrados referendos à constituição europeia em França e na Irlanda, os EUA possam, assim, descansar e construir a sua poderosa base para atacar da Federação Russa.
Esta forma de actuação brutal, incomparável e impensável há uns anos, é em si própria reveladora do estado de desespero em que se encontram os poderes que dominam a Roménia. A construção da maior base europeia da OTAN e a utilização deste país como trampolim para uma guerra nuclear, que se antevê no horizonte, tornam a Roménia um país fundamental para toda a estratégia de domínio da Europa e da Federação Russa. As eleições na Roménia poderão, assim, muito bem, acabar com uma ditadura militar expressa ou inconfessada, em nome de uma suposta “ingerência russa” inexistente. A “ingerência russa” está hoje para os países da OTAN, como o “papão comunista” estava para os fascistas ocidentais. O pretexto para extinguir a pouca democracia que resta. Com esse fim, ir-se-á também a liberdade.
Calin Georgescu não esteve com meias medidas e, ainda no início deste ano que ora finda, questionado por um jornalista sobre o que pensava do ano de eleições que se avizinhava, respondeu “este ano vai ser o ano da mudança do sistema”. Ora essa, um tipo de extrema direita a falar em “mudança do sistema” … Suspeito. Deveria ter falado de “limpar o sistema”, mas nunca de mudá-lo.
Mas, Georgescu foi mais longe, referindo que a Ucrânia é um proxy ocidental para que os EUA possam colocar a mão nas riquezas russas, que equivalem, segundo ele, a “80 trilhões de euros”, “toda a dívida mundial”. Estava dado o mote para a narrativa preferida de Washington, a do “agente do Kremlin”. Também referiu que somos governados por “psicopatas” e que esses psicopatas, “tal como os que governam a Ucrânia”, “nunca perguntaram ao povo Ucraniano” se queria esta guerra, este povo que é acima de tudo uma “vítima” desta situação.
Ainda com fôlego, Georgescu referiu que “estamos a viver o fim da era imperial e colonial ocidental”. Extrema direita? Conhecem algum partido de extrema direita europeu que reconheça que os EUA são um império e que o domínio de EUA/EU e OTAN sobre os outros países seja de natureza imperial e colonial? Eu não!
Georgescu ainda acusou o governo e políticos romenos de serem “lacaios do exterior”, de diplomaticamente a “Roménia ser um zero”. Ou seja, Georgescu não parece estar com meias medidas quanto à perda de soberania e independência nacional da Roménia (se o homem fosse a Portugal…). Mais uma coisa que não cabe na caracterização da “extrema-direita” actual, pois se existe algo que a caracteriza, esse algo é o alinhamento com a OTAN, com a EU e, especialmente, com os EUA e o que consideram ser o “ocidente” e os seus “valores”.
Este Doutor, que trabalhou no Centro Nacional para o Desenvolvimento Sustentável (NCSD) uma ONG, prestando consultoria na área das questões ambientais, foi membro fundador e director executivo do Instituto de Projectos de Inovação e Desenvolvimento (IPID), que incluía figuras proeminentes das comunidades científica e académica romena, bem como da sociedade civil. Fundou, juntamente com os principais representantes das associações empresariais, dos sindicatos, da comunidade académica e da sociedade civil, a Aliança de Profissionais para o Progresso (APP), que tinha a missão de “promover a definição de objectivos estratégicos precisos no curto, médio e longo prazo e mobilizar as competências reais que existem na Roménia”. A Aliança organizou, em cooperação com a Academia Romena, dois debates públicos sobre “Reforma do Estado” e “Desenvolvimento Social Responsável”, trabalhou como investigador para o Clube de Roma, e muito mais, o que o torna alguém que conhece, como ninguém o sistema e como tão injustamente funciona.
Ambientalista, especialista em agronomia e crítico profundo das políticas agrícolas e ambientais da EU, especialista em desenvolvimento sustentável, ex-funcionário da ONU, escritor sobre assuntos ligados ao desenvolvimento da Roménia, Georgescu, está bom de ver, tem um perfil que bate com muita coisa, mas nunca com um líder “populista, extremista, fanático” como são os da extrema direita.
Georgescu fundamenta todo o seu discurso numa ideia de progresso e justiça social, na ciência, no conhecimento, nunca usando fake-news e ideias feitas. Georgescu, ao invés, explica claramente o seu pensamento, fundamentando-o com base na ciência. O que tem isto a ver com a “extrema-direita”.
Se estas ideias, já por si, seriam suficientes para que os seus críticos o tentassem catalogar e condicionar como se tratando de “um agente do Kremlin”, um “Pró Russo”, um “agente de Putin”, o que dizer dos objectivos programáticos que encontramos nos seus canais Telegram e online em geral?
Vejamos esta tirada, num canal do movimento “Alimentos, Água, Energia”: “O projecto nacional “Alimentos, Água, Energia” do Sr. Calin Georgescu tem como base o Distributismo”. Para tal, foi criada uma página da Liga Distributista (https://www.facebook.com/distributismulatreiacale), que defende um verdadeiro programa de cooperação, distribuição, justiça social e de paz.
Um dos textos diz mesmo “é o momento em que devemos traçar um limite e mobilizar-nos para o desenvolvimento deste país, para a recuperação dos activos do Estado através da nacionalização selectiva, onde foram cometidos roubos grosseiros contra os romenos.”
Ou ainda: “A globalização e o desvio da atenção, como técnica de escravização da mente, devem parar em todos os países do mundo”. E aqui se rejeita toda a doutrina do Fórum Económico Mundial e do grande reset, com um toque Internacionalista, nada ao gosto do Tio Sam.
Mas vai mais longe: “Assistimos a uma campanha agressiva de confisco da soberania dos Estados, por parte de corporações internacionais que se alimentam de conflitos e crises, que fazem cenários com as nações do mundo, financiando simultaneamente serviços secretos, grupos terroristas e organizações capazes de desestabilizar nações.”
Ou ainda: “Todos os partidos actuais são controlados pelos serviços secretos e apenas acompanham o embolsamento de dinheiro público, a transferência de activos do Estado para propriedade privada.” Mas que raio de “extrema direita” é esta?
Defendendo a cooperação, a distribuição de riqueza, a nacionalização de activos estratégicos que possam ser utilizados pelo estado para elevar as condições de vida do povo, o projecto de Georgescu é tudo, tudo, tudo, menos um projecto de extrema direita. É anti-liberal? Sim! Suporta-se no povo Ortodoxo Cristão? Talvez! Prima pela soberania nacional? Sim! Mas não numa lógica nacionalista pura, antes numa lógica mais patriótica, preocupada com a vida e bem estar do seu povo.
Nada do que este senhor defende, e a forma como defende, é de extrema direita. Eis algumas das grandes preocupações de Georgescu: a mortalidade infantil a subir na Roménia nos últimos 15 anos; a queda da natalidade, a perda de jovens para a emigração, a redução populacional pelo envelhecimento da população, a qualidade da educação. O que é que aqui é de “extrema-direita”?
Este ataque a Georgescu levanta várias suspeitas e dá-nos várias pistas sobre o que se está a passar no leste europeu, numa verdadeira batalha, “sem metáforas”, como diz Georgescu, “da luz contra as trevas”:
- Sabendo muito bem que o projecto Georgescu é um projecto de progresso social, democrático e assente nas bases populares, os EUA não podem deixá-lo vingar, pois sendo inspirador e revolucionário, pode “infectar” os países do leste europeu, a quem a EU e os EUA prometeram muito e muito desiludiram;
- Uma personagem como Georgescu, tal como o movimento em que se apoia, é similar ao tipo de movimentos de emancipação social que se viram, um pouco por todo o mundo, mas especialmente a seguir à segunda guerra mundial na Europa de leste e em muitos locais da América Latina, até aos dias de hoje, os quais resistem à submissão ao globalismo, ao neoliberalismo, aos EUA e ao que significam;
- Uma população inspirada pelos ideais de emancipação social que Georgescu defende, tem um poder enorme, assim, os EUA têm de o estancar desde já este movimento, pois a sua afirmação fará perigar a estratégia de domínio do leste europeu, de cerco à Rússia e mesmo de contenção da China.
Toda esta acção contingente, assente em refúgios tácticos que não resolvem a contradição principal, acabará pode se revelar limitada. Existem algumas razões para em tal acreditar:
- No final de 1991, o principal chamariz usado pelo ocidente para trazer os países de leste ao alargamento baseou-se na ideia de que, entrar na União Europeia, significava receber fundos comunitários infindáveis e aceder a um nível de desenvolvimento mais elevado;
- Após a guerra fria, a União Europeia começou a vender-se como um espaço de “paz” e estabilidade, apresentando-se como uma construção que prevenia a guerra na europa.
Passados mais de trinta anos, após uma crise de 2008 que não mais findou e está em vias de se agravar, a EU vende hoje a guerra contra a Rússia, como elemento de coesão. Ora, uma coisa é vender a paz, outra é a guerra. É que ninguém quer morrer, muito menos por causas que não são as suas, como a ofensiva dos EUA/NATO contra a Federação Russa.
Por outro lado, o desvio sucessivo de fundos para: 1. A construção de um complexo militar industrial e compra de armamento; 2. A criação de ciclos de acumulação que aumentam, cada vez mais o fosso entre ricos e pobres; traz consigo toda uma realidade em que se denota a estagnação do desenvolvimento infra-estrutural e económico da EU.
A época de ouro coincidiu com uma propriedade pública forte, que garantia energia, telecomunicações e logística baratas, que foi privatizada, e coincidiu com épocas de crescimento económico muito forte, capacidade de investimento público em infra-estruturas grandiosas, crescimento resultante também da capacidade de manipular o câmbio monetário, a taxa de juro, etc… Primeiro o consenso de Washington, a seguir o pacto de estabilidade, depois o Euro e tudo o que trouxe, foram facadas mortais na capacidade dos estados europeus criarem projectos de desenvolvimento. A mais valia que desenvolveu a europa, passou a acumular-se em fundos de capital nos paraísos fiscais criados para o efeito.
Não seria então de esperar outra coisa que não fosse a desilusão pelas promessas feitas e não atendidas.
Mesmo na Lituânia, temos um partido (hoje, na coligação de centro-esquerda) chamado “Alvorada de Nemunas”, cuja defesa da soberania nacional, propriedade pública de determinados sectores económicos, críticas ao sionismo, proximidade com o campo e com a identidade nacional, a quem a imprensa mainstream também cataloga como “extrema direita”, demonstram que outras formas de poder popular democrático e progressista poderão estar a reemergir, agora que as elites, antes derrotadas pelo movimento para o socialismo, e, mais tarde novamente elevadas pelo capitalismo ocidental, estão a falhar, uma vez mais.
E não admira que estes partidos se apresentem como sendo “anti-sistema”. O “sistema” que está hoje disseminado por um amplo centro de poder, determina como sendo “de esquerda” que é “wokista, contra o fóssil, animalista ou alterações climáticas”, de “centro” quem é liberal e neoliberal, e de direita quem é “conservador e reaccionário”. Não existe lugar para a esquerda revolucionária, do progresso e da emancipação social, do trabalho, do campo, da era humanista.
Uma esquerda dessas, é tão difícil de catalogar para as mentes superficiais e perturbadas da era globalista, resultado de um retrocesso na consciência social e no estado subjectivo das forças produtivas, só pode ser comparada ao pior que se conhece. Tudo tem a ver com a incapacidade para sonhar com que foram impressas as mentes do século XXI. Esta incapacidade para sonhar é ela própria um travão à emancipação social. Logo, compara-se o desconhecido à negra extrema direita. Mas apenas na aparência, como em tudo o que se vende nesta era simplista, que rejeita o pensamento complexo.
A prová-lo, está a Roménia de Georgescu. Fosse esta esquerda, social, progressista, humanista, igual à “extrema direita”, com que a querem catalogar, e já os EUA estaria com ela a trabalhar!
Como o fizeram e fazem com todos os ditadores, mais ou menos expressos, que apoiam!