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Enquanto o mundo inteiro aguarda ansiosamente o resultado das eleições nos Estados Unidos – U.S. em questão de dias, muita gente também está esperando para ver quais serão as implicações do recente ataque de Israel ao Irã. Apesar de ter sido informado por Joe Biden de que não poderia atacar instalações militares, Israel foi contra o conselho de seu principal patrocinador e fez exatamente isso. Talvez nunca tenha havido exemplo melhor de fracasso da diplomacia ocidental do que esse incidente; criou-se situação tal que, enquanto Israel mente para seu próprio povo e para o mundo ocidental por meio de veículos de notícias que ficam mais do que felizes em contar qualquer história cabulosa acerca do que efetivamente aconteceu quando dos ataques, o Irã terá agora de analisar várias opções acerca de como responderá. Certamente porém responderá.
No entanto esse ato singular é provavelmente o mais imprudente cometido por Netanyahu até hoje. Nunca antes o Primeiro-Ministro israelense foi tão longe e tomou atitude tão arriscada, que não só leva os Estados Unidos – U.S. à beira de guerra com o Irã como ainda põe em evidência a questão existencial do próprio Israel. O próximo ataque à infraestrutura militar israelense poderá ser o golpe final que inviabilize o funcionamento de Israel como entidade militar, forçando os U.S., ou o próximo presidente, a intervir, com os críticos de Trump já apontando que ele deve uma série de favores aos sionistas que estes certamente cobrarão.
Netanyahu está desesperado para manter atiçadas as guerras em todas as frentes simplesmente para que possa continuar relevante. É contudo a respeito do próprio estado de Israel que quase não se fala, com sua economia em frangalhos. Até que ponto o próximo presidente dos U.S. irá em termos de apoio a nova guerra de Israel contra o Irã, tanto em termos de gastos militares quanto de dar novo fôlego à economia israelense, que viu 40.000 empresas falirem desde 7 de outubro de 2023 e quase um milhão de israelenses deixarem o país.
Netanyahu agora é como aquele jogador de pôquer que usou todos os seus IOUs na mesa e está com dois pares. Como pode ele acreditar poder enfrentar o Irã quando, mesmo em Gaza e no Líbano, está perdendo soldados em ritmo que deveria preocupá-lo e a seus generais? Sim, ele atacou o Hezbollah e reduziu a capacidade daquele grupo, mas nem de longe imaginou que pudesse derrotar o proxy do Irã, que ainda lança mísseis e drones contra Israel, fazendo com que os israelenses ainda hoje corram para seus abrigos antiaéreos.
A decisão de atacar o Irã certamente resultou de grande dilema político. No entanto, o ato em si saiu pela culatra em nível que nem ele próprio nem sua entourage poderiam imaginar. A maioria dos alvos não sofreu danos significativos, com percentual muito baixo dos mísseis de Israel passando pela defesa aérea do Irã, que é tão eficiente que até mesmo a força aérea de Israel ficou com medo de voar no espaço aéreo do Irã. Muitas pessoas no Ocidente serão enganadas pelo lobby de Israel e por impressionante máquina de PR de ter ocorrido grande vitória e muitos alvos terem sido destruídos, independentemente do fato de as Forças de Defesa de Israel – IDF não conseguirem fornecer um único fragmento de evidência em vídeo para apoiar essas afirmações ridículas, ao contrário do que fizeram nos casos de Gaza e do Líbano.
Contudo a verdadeira derrota para Israel sob o comando de Netanyahu ainda está por vir. O Irã agora tem todas as provas concretas de que precisa para elaborar estratégias e atacar Israel com ainda mais força do que antes. O ataque errôneo de Netanyahu contra o Irã não é medido tanto pelo pequeno dano que causou a algumas instalações de armas. E sim pelo fato de que agora o mito da força militar de Israel foi desmascarado de uma vez por todas. Durante décadas Israel alegou superioridade em relação a todos os outros países, inclusive o Irã, e isso foi considerado como certo por jornalistas ocidentais partisan que mantiveram o sonho vivo. Digno de nota, o ataque a Israel pelo Irã em 1o. de outubro mostrou até mesmo aos israelenses que seus sistemas de defesa aérea eram miseravelmente ineficazes contra os mísseis hipersônicos do Irã. Isso deveria ter sido suficiente para esfriar as cabeças quentes que circundam Netanyahu. A esta altura a mensagem que ele transmitiu nas Nações Unidas – UN, de que não há “nenhum lugar no Irã que os mísseis de Israel não possam alcançar”, deveria ter sido levada ao pé da letra e interpretada literalmente. Alcançar as instalações iranianas é uma coisa. Destruí-las de fato é outra.
Agora, com a poeira baixando e Israel aguardando a resposta do Irã, o segundo mito de que a capacidade de ataque de Israel era altamente eficaz contra as defesas aéreas do Irã também caiu por terra. Parece que agora Netanyahu desistiu, pois não tem mais blefes para jogar na mesa de pôquer. A menos, é claro, que ele esteja deliberadamente persuadindo seu próprio país a perseguir estratégia suicida em que o Irã desmoralizará completamente as forças armadas de Israel, deixando aos U.S. pouca escolha a não ser instalarem-se em grande escala. Essa suposta estratégia suicida não pode ser descartada, mas parece difícil de acreditar. A verdade é que Israel, até atacar o Irã, não sabia se seus próprios mísseis e aeronaves tinham a capacidade de penetrar o sistema de defesa aérea iraniano, fortemente apoiado pela Rússia, que em agosto enviou sistemas S-400 àquele país.
Por enquanto a imprensa israelense, só podemos supor que como ato de patriotismo desesperado, vem-se entregando a enxurrada de notícias falsas acerca da destruição dos sistemas de defesa aérea do Irã, bem como das fábricas de mísseis. A alegria porém não durará muito tempo. Estranhamente, a mesma mídia está-se tornando mais pragmática em relação às operações de Israel no Líbano, que já duram mais de um mês e, em apenas dois dias, conseguiram enviar mais de 80 sacos de corpos de volta a Israel, e já começa a aceitar narrativa crítica que questiona a decisão de cruzar a fronteira libanesa. O Jerusalem Post, em artigo de opinião, admite que a campanha está perdendo sua credibilidade por causa da quantidade de vidas perdidas de soldados das IDF. “O número de soldados mortos no sul do Líbano também parece estar aumentando em vez de diminuir ao longo do tempo”, opina. “Os ataques contra o Hezbollah, com a morte dos comandantes da Radwan em setembro e a eliminação do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, deveriam em tese ter enfraquecido o command and control do grupo”.
O artigo é notável admissão de que a estratégia de Israel foi mal concebida e mal planejada, assim como a invasão de 2006. Todavia tirar os soldados das IDF do sul do Líbano será muito mais difícil do que enviá-los para lá, já que Netanyahu enfiou o braço em vespeiro. Israel não tem como cogitar de guerra de desgaste contra o Hezbollah, pois até Netanyahu sabe que não pode vencer. Sua única forma de marcar pontos é assassínios e bombardeios contra civis no sul de Beirute, estratégia que muita gente considera terrorismo. Sua equipe de capangas militares não aprendeu a lição de que o bombardeio aéreo não é fator decisivo em guerra a grupo guerrilheiro disciplinado. Não deu certo no Iraque. Fracassou até mesmo no Vietnã. Repetindo, vemos que Israel não tem estratégia militar de longo prazo, apenas incursões de curto prazo que drenarão seus recursos e o moral de seus soldados da linha de frente.
Tradução: Murilo Otávio Paes Leme