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Bruna Frascolla
September 22, 2024
© Photo: Social media

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

O esquerdista Jones Manoel e direitista Olavo de Carvalho têm muito em comum. Ambos posam posam de intelectuais, mas, em vez de ganhar notoriedade por meio de seus escritos, ficaram famosos por meio do Youtube – uma Big Tech dos EUA que, como toda Big Tech dos EUA, tem relações promíscuas com o governo. Assim, tirando o fato de um ser de esquerda e outro ser de direita, atraem um mesmo tipo de público: a pessoa que quer passar por intelectualizada, mas não quer ler. Aí fica ouvindo um sujeito boa praça tagarelar, e quiçá até paga para ter alguma espécie de contato com ele naquelas coisas online que os incautos chamam de curso. Esse deve ser o tipo de “intelectual” empurrado pela CIA para o Brasil: forma turbas sectárias dedicadas a odiar metade do país. E assim, quem não pertence à bolha às vezes nem sabe o que é veiculado nela.

Outra coisa que une os dois é se empenharem em excomungar Aldo Rebelo dos seus respectivos cercadinhos políticos. Já perto da morte, Olavo de Carvalho queria expulsar esse comunista dos círculos da direita. Há poucas semanas, Jones Manoel publicou um vídeo de meia hora no qual condena o “nacionalismo conservador e entreguista” de Aldo Rebelo. Os nacionalistas demoraram a saber do ataque (porque Jones Manoel fala à sua bolha), e logo houve uma série de respostas também feitas no Youtube, respostas que chegaram a ter uma duração de um filme de Hollywood. Por aí vemos que a escrita é uma ótima forma de alocar o tempo.

Embora use de um ad hominem sórdido – a insinuação de que as pessoas gostem de Aldo Rebelo por ele ser um homem branco hétero –, Jones Manoel não foca tanto na pessoa de Aldo Rebelo quanto no ataque à agricultura brasileira. E como esse ataque apareceu também na entrevista do ilustre e instigante Prof. Nildo Ouriques concedida ao colega de SCF Raphael Machado e a Carlos Velasco, creio que seja um problema geral difundido pela esquerda brasileira, tanto a abertamente americanófila quanto a anti-imperialista.

As alegações da esquerda americanófila são simples: o Brasil precisa parar de plantar por causa do aquecimento global e dos “povos originários” (que é como os ongueiros passaram a chamar os índios). Não importa se a produção global de alimentos cair; a agenda é de malthusianos que amam a fome. Amam tanto a fome que inventam que os índios não podem e não devem ter lavouras modernas; devem, em vez disso, viver na idade da pedra “preservando a sua cultura”. Como Jones Manoel, a despeito da estética soviética, recebia (recebe ainda?) dinheiro da Fundação Ford, ele repetiu por alto esses tópicos.

Mas, como mantém uma aparência de alinhamento com a União Soviética, levantou outras alegações comuns na esquerda anti-imperialista que gosta da União Soviética e da Venezuela: que o Brasil deve se industrializar – logo, deve tirar a prioridade da agricultura – e que o agronegócio brasileiro é deletério para a economia nacional por se concentrar em grandes propriedades fundiárias.

Comecemos por esta última objeção. A área mais importante do país para o agronegócio exportador é a região Centro-Oeste, composta pelos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, mais o Distrito Federal. De maneira contígua, o mesmo agronegócio tem se expandido para a chamada região do MATOPIBA, acrônimo com as siglas dos estados Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, quase todos da região Nordeste. Sugiro ao leitor estrangeiro que olhe um mapa do Brasil com as divisões políticas dos estados.

O Brasil tem cinco regiões: Nordeste, Sudeste, Sul, Centro-Oeste e Norte. As duas regiões mais populosas do Brasil são o Nordeste e o Sudeste, que são banhadas pelo Oceano Atlântico e não têm fronteiras com outros países. Historicamente, o Brasil tem a sua povoação concentrada no litoral e em suas proximidades, na antiga Mata Atlântica (a cidade de São Paulo, embora não seja litorânea, foi fundada nesse bioma). Além de contar com as tribos de língua tupi, que eram abertas a alianças, casamentos e trocas com os europeus, a área da Mata Atlântica tem um solo fértil, no qual “em se plantando, tudo dá”.

O mesmo não se pode dizer de outros biomas do país. Uma grande porção do Nordeste é o semiárido, que tem uma população até densa para um local tão inóspito. Fugindo da fome, muitos cearenses foram povoar a Amazônia. Lá, por sua vez, a população se concentra às margens dos grandes rios, que servem como vias para transitar pela floresta espessa. Para se ter uma ideia de como é difícil desbravar a Amazônia, um rio tão grande, como o Rio Roosevelt, só teve o seu percurso descoberto no começo do século XX, com a Expedição Rondon-Roosevelt. A Amazônia fica na região Norte, que conta com um porto no Atlântico e tem fronteiras pouco movimentadas com os países vizinhos.

Descendo para as fronteiras com o Paraguai e a Argentina, temos as regiões Centro-Oeste e Sul. Esta última, de clima subtropical, recebeu colonos italianos e alemães no século XIX e teve muitas pequenas propriedades produtivas (somadas às de descendentes de ibéricos e índios que já estavam lá antes da imigração). Já o Centro-Oeste, onde predomina o bioma Cerrado, entrou o século XX como um local pouco povoado, que sequer tinha comunicação terrestre com o resto do Brasil, sendo necessário que o jovem Rondon descesse o Rio da Prata e fosse até Buenos Aires para pegar um navio que chegasse à antiga capital, o Rio de Janeiro.

Isso tinha uma razão de ser: as terras do Cerrado não eram férteis. Os brasileiros chegaram lá no século XVIII – tanto é que se falava português, mesmo com a distância –, mas o acesso se dava por canoas, segundo critérios sazonais, e com o objetivo de buscar ouro (as monções).

Com tudo isso, quero dizer que, grosso modo, o Brasil tinha gente mesmo ao leste e era despovoado ao oeste, em especial na área do Cerrado, e que isso tinha uma razão de ser: a terra do Cerrado não servia para nada; era uma savana onde não se podia plantar grande coisa e que, para sair de São Paulo chegar até lá sem sair do país, era necessário passar por uma área alagada cheia de cobra e jacaré. Hoje, o Cerrado é o celeiro do mundo. O que aconteceu? Uma revolução tecnológica liderada pela Embrapa, que transformou em fértil um solo estéril. Um nome importante nesse processo é o do cientista Alysson Paolinelli (1936 – 2023).

Dito isso, uma terra que demanda mais tecnologia para produzir demanda, também, mais capital. Assim, aqueles agricultores do Sul e de São Paulo que haviam mecanizado a produção foram comprando terras do Cerrado e expandindo a fronteira agrícola do Brasil – chegando até ao MATOPIBA, que é uma área de Cerrado no extremo oeste da região Nordeste. Não se tratou de uma espoliação de terras que pequenos agricultores deixaram de cultivar; tratou-se de expansão de fronteira agrícola. Essa expansão foi acompanhada do crescimento econômico e populacional em regiões de fronteira, o que é importante para a soberania do país porque na América do Sul vigora o uti possidetis para demarcação de fronteiras.

Agora fica a pergunta: se o Brasil abrisse mão da receita do agronegócio, ele se industrializaria como? Não é o contrário: com o ingresso de dólares, e agora yuans, não poderemos financiar nossa indústria? Críticas ao sistema tributário são válidas. No entanto, espero que os críticos dos subsídios brasileiros fiquem atentos ao fato de que os EUA e a Europa, que são industriais, também subsidiam os seus agricultores. Até hoje nunca vi ninguém culpar a agricultura pelo Rust Belt.

Uma falácia da esquerda ongueira repetida pelo boy da Fundação Ford é a confusão entre o grande empresário do agronegócio e o pequeno agricultor. Por certo, os grandes empresários se manifestam mais contra os entraves inventados por órgãos públicos de sempre (os relativos a meio ambiente e índios, além dos ministérios públicos) que impedem a abertura de ferrovias ou a exploração de minas de potássio. Alguns empresários grandes, gaúchos plantadores de arroz, foram, na década passada, expulsos do estado de Roraima – que, depois disso, teve a sua economia destruída e hoje vive de auxílios. Ainda assim, podemos estimar que a maioria dos agricultores punidos pelos órgãos federais são brasileiros pobres da Amazônia que cuidam da própria subsistência. É o que ficou evidente com a CPI das ONGs. Nela, o Senador Plínio Valério, do Amazonas, exibiu imagens de gente pobre tendo suas casas destruídas pelo Estado; mães impedidas de ter uma vaca para dar leite às crianças. Parecia o israelense expulsando palestinos, com a diferença de que na Amazônia se prepara um deserto humano. Esse território brasileiro está sendo “desantropizado”, para usar a expressão de Aldo Rebelo. Depois de dizer que os brasileiros pobres da região só queriam estrada para passear de carro, a misantropa Marina Silva, ministra do meio ambiente, teve que acusar o senador de racismo por usar a expressão “caixa preta”, e foi chorar abraçada com Lula diante das câmeras.

Por fim, não creio que seja uma boa ideia usar a União Soviética e a Venezuela como exemplo ao tratar de produção de alimentos. Ambos os países têm sérios problemas com produção de alimentos. A Rússia atual na certa estaria mais confortável sem o fantasma da Fome da Ucrânia, e a Venezuela, que não consegue alimentar toda a população nascida lá, depende da importação de alimentos. O chavismo merece crédito por ter um exército soberano e anti-imperialista. No entanto, quando têm que escolher entre imperialismo e inanição, as famílias ficam com a primeira opção.

A esquerda sul-americana tem um problema com a produção de alimentos?

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O esquerdista Jones Manoel e direitista Olavo de Carvalho têm muito em comum. Ambos posam posam de intelectuais, mas, em vez de ganhar notoriedade por meio de seus escritos, ficaram famosos por meio do Youtube – uma Big Tech dos EUA que, como toda Big Tech dos EUA, tem relações promíscuas com o governo. Assim, tirando o fato de um ser de esquerda e outro ser de direita, atraem um mesmo tipo de público: a pessoa que quer passar por intelectualizada, mas não quer ler. Aí fica ouvindo um sujeito boa praça tagarelar, e quiçá até paga para ter alguma espécie de contato com ele naquelas coisas online que os incautos chamam de curso. Esse deve ser o tipo de “intelectual” empurrado pela CIA para o Brasil: forma turbas sectárias dedicadas a odiar metade do país. E assim, quem não pertence à bolha às vezes nem sabe o que é veiculado nela.

Outra coisa que une os dois é se empenharem em excomungar Aldo Rebelo dos seus respectivos cercadinhos políticos. Já perto da morte, Olavo de Carvalho queria expulsar esse comunista dos círculos da direita. Há poucas semanas, Jones Manoel publicou um vídeo de meia hora no qual condena o “nacionalismo conservador e entreguista” de Aldo Rebelo. Os nacionalistas demoraram a saber do ataque (porque Jones Manoel fala à sua bolha), e logo houve uma série de respostas também feitas no Youtube, respostas que chegaram a ter uma duração de um filme de Hollywood. Por aí vemos que a escrita é uma ótima forma de alocar o tempo.

Embora use de um ad hominem sórdido – a insinuação de que as pessoas gostem de Aldo Rebelo por ele ser um homem branco hétero –, Jones Manoel não foca tanto na pessoa de Aldo Rebelo quanto no ataque à agricultura brasileira. E como esse ataque apareceu também na entrevista do ilustre e instigante Prof. Nildo Ouriques concedida ao colega de SCF Raphael Machado e a Carlos Velasco, creio que seja um problema geral difundido pela esquerda brasileira, tanto a abertamente americanófila quanto a anti-imperialista.

As alegações da esquerda americanófila são simples: o Brasil precisa parar de plantar por causa do aquecimento global e dos “povos originários” (que é como os ongueiros passaram a chamar os índios). Não importa se a produção global de alimentos cair; a agenda é de malthusianos que amam a fome. Amam tanto a fome que inventam que os índios não podem e não devem ter lavouras modernas; devem, em vez disso, viver na idade da pedra “preservando a sua cultura”. Como Jones Manoel, a despeito da estética soviética, recebia (recebe ainda?) dinheiro da Fundação Ford, ele repetiu por alto esses tópicos.

Mas, como mantém uma aparência de alinhamento com a União Soviética, levantou outras alegações comuns na esquerda anti-imperialista que gosta da União Soviética e da Venezuela: que o Brasil deve se industrializar – logo, deve tirar a prioridade da agricultura – e que o agronegócio brasileiro é deletério para a economia nacional por se concentrar em grandes propriedades fundiárias.

Comecemos por esta última objeção. A área mais importante do país para o agronegócio exportador é a região Centro-Oeste, composta pelos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, mais o Distrito Federal. De maneira contígua, o mesmo agronegócio tem se expandido para a chamada região do MATOPIBA, acrônimo com as siglas dos estados Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, quase todos da região Nordeste. Sugiro ao leitor estrangeiro que olhe um mapa do Brasil com as divisões políticas dos estados.

O Brasil tem cinco regiões: Nordeste, Sudeste, Sul, Centro-Oeste e Norte. As duas regiões mais populosas do Brasil são o Nordeste e o Sudeste, que são banhadas pelo Oceano Atlântico e não têm fronteiras com outros países. Historicamente, o Brasil tem a sua povoação concentrada no litoral e em suas proximidades, na antiga Mata Atlântica (a cidade de São Paulo, embora não seja litorânea, foi fundada nesse bioma). Além de contar com as tribos de língua tupi, que eram abertas a alianças, casamentos e trocas com os europeus, a área da Mata Atlântica tem um solo fértil, no qual “em se plantando, tudo dá”.

O mesmo não se pode dizer de outros biomas do país. Uma grande porção do Nordeste é o semiárido, que tem uma população até densa para um local tão inóspito. Fugindo da fome, muitos cearenses foram povoar a Amazônia. Lá, por sua vez, a população se concentra às margens dos grandes rios, que servem como vias para transitar pela floresta espessa. Para se ter uma ideia de como é difícil desbravar a Amazônia, um rio tão grande, como o Rio Roosevelt, só teve o seu percurso descoberto no começo do século XX, com a Expedição Rondon-Roosevelt. A Amazônia fica na região Norte, que conta com um porto no Atlântico e tem fronteiras pouco movimentadas com os países vizinhos.

Descendo para as fronteiras com o Paraguai e a Argentina, temos as regiões Centro-Oeste e Sul. Esta última, de clima subtropical, recebeu colonos italianos e alemães no século XIX e teve muitas pequenas propriedades produtivas (somadas às de descendentes de ibéricos e índios que já estavam lá antes da imigração). Já o Centro-Oeste, onde predomina o bioma Cerrado, entrou o século XX como um local pouco povoado, que sequer tinha comunicação terrestre com o resto do Brasil, sendo necessário que o jovem Rondon descesse o Rio da Prata e fosse até Buenos Aires para pegar um navio que chegasse à antiga capital, o Rio de Janeiro.

Isso tinha uma razão de ser: as terras do Cerrado não eram férteis. Os brasileiros chegaram lá no século XVIII – tanto é que se falava português, mesmo com a distância –, mas o acesso se dava por canoas, segundo critérios sazonais, e com o objetivo de buscar ouro (as monções).

Com tudo isso, quero dizer que, grosso modo, o Brasil tinha gente mesmo ao leste e era despovoado ao oeste, em especial na área do Cerrado, e que isso tinha uma razão de ser: a terra do Cerrado não servia para nada; era uma savana onde não se podia plantar grande coisa e que, para sair de São Paulo chegar até lá sem sair do país, era necessário passar por uma área alagada cheia de cobra e jacaré. Hoje, o Cerrado é o celeiro do mundo. O que aconteceu? Uma revolução tecnológica liderada pela Embrapa, que transformou em fértil um solo estéril. Um nome importante nesse processo é o do cientista Alysson Paolinelli (1936 – 2023).

Dito isso, uma terra que demanda mais tecnologia para produzir demanda, também, mais capital. Assim, aqueles agricultores do Sul e de São Paulo que haviam mecanizado a produção foram comprando terras do Cerrado e expandindo a fronteira agrícola do Brasil – chegando até ao MATOPIBA, que é uma área de Cerrado no extremo oeste da região Nordeste. Não se tratou de uma espoliação de terras que pequenos agricultores deixaram de cultivar; tratou-se de expansão de fronteira agrícola. Essa expansão foi acompanhada do crescimento econômico e populacional em regiões de fronteira, o que é importante para a soberania do país porque na América do Sul vigora o uti possidetis para demarcação de fronteiras.

Agora fica a pergunta: se o Brasil abrisse mão da receita do agronegócio, ele se industrializaria como? Não é o contrário: com o ingresso de dólares, e agora yuans, não poderemos financiar nossa indústria? Críticas ao sistema tributário são válidas. No entanto, espero que os críticos dos subsídios brasileiros fiquem atentos ao fato de que os EUA e a Europa, que são industriais, também subsidiam os seus agricultores. Até hoje nunca vi ninguém culpar a agricultura pelo Rust Belt.

Uma falácia da esquerda ongueira repetida pelo boy da Fundação Ford é a confusão entre o grande empresário do agronegócio e o pequeno agricultor. Por certo, os grandes empresários se manifestam mais contra os entraves inventados por órgãos públicos de sempre (os relativos a meio ambiente e índios, além dos ministérios públicos) que impedem a abertura de ferrovias ou a exploração de minas de potássio. Alguns empresários grandes, gaúchos plantadores de arroz, foram, na década passada, expulsos do estado de Roraima – que, depois disso, teve a sua economia destruída e hoje vive de auxílios. Ainda assim, podemos estimar que a maioria dos agricultores punidos pelos órgãos federais são brasileiros pobres da Amazônia que cuidam da própria subsistência. É o que ficou evidente com a CPI das ONGs. Nela, o Senador Plínio Valério, do Amazonas, exibiu imagens de gente pobre tendo suas casas destruídas pelo Estado; mães impedidas de ter uma vaca para dar leite às crianças. Parecia o israelense expulsando palestinos, com a diferença de que na Amazônia se prepara um deserto humano. Esse território brasileiro está sendo “desantropizado”, para usar a expressão de Aldo Rebelo. Depois de dizer que os brasileiros pobres da região só queriam estrada para passear de carro, a misantropa Marina Silva, ministra do meio ambiente, teve que acusar o senador de racismo por usar a expressão “caixa preta”, e foi chorar abraçada com Lula diante das câmeras.

Por fim, não creio que seja uma boa ideia usar a União Soviética e a Venezuela como exemplo ao tratar de produção de alimentos. Ambos os países têm sérios problemas com produção de alimentos. A Rússia atual na certa estaria mais confortável sem o fantasma da Fome da Ucrânia, e a Venezuela, que não consegue alimentar toda a população nascida lá, depende da importação de alimentos. O chavismo merece crédito por ter um exército soberano e anti-imperialista. No entanto, quando têm que escolher entre imperialismo e inanição, as famílias ficam com a primeira opção.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

O esquerdista Jones Manoel e direitista Olavo de Carvalho têm muito em comum. Ambos posam posam de intelectuais, mas, em vez de ganhar notoriedade por meio de seus escritos, ficaram famosos por meio do Youtube – uma Big Tech dos EUA que, como toda Big Tech dos EUA, tem relações promíscuas com o governo. Assim, tirando o fato de um ser de esquerda e outro ser de direita, atraem um mesmo tipo de público: a pessoa que quer passar por intelectualizada, mas não quer ler. Aí fica ouvindo um sujeito boa praça tagarelar, e quiçá até paga para ter alguma espécie de contato com ele naquelas coisas online que os incautos chamam de curso. Esse deve ser o tipo de “intelectual” empurrado pela CIA para o Brasil: forma turbas sectárias dedicadas a odiar metade do país. E assim, quem não pertence à bolha às vezes nem sabe o que é veiculado nela.

Outra coisa que une os dois é se empenharem em excomungar Aldo Rebelo dos seus respectivos cercadinhos políticos. Já perto da morte, Olavo de Carvalho queria expulsar esse comunista dos círculos da direita. Há poucas semanas, Jones Manoel publicou um vídeo de meia hora no qual condena o “nacionalismo conservador e entreguista” de Aldo Rebelo. Os nacionalistas demoraram a saber do ataque (porque Jones Manoel fala à sua bolha), e logo houve uma série de respostas também feitas no Youtube, respostas que chegaram a ter uma duração de um filme de Hollywood. Por aí vemos que a escrita é uma ótima forma de alocar o tempo.

Embora use de um ad hominem sórdido – a insinuação de que as pessoas gostem de Aldo Rebelo por ele ser um homem branco hétero –, Jones Manoel não foca tanto na pessoa de Aldo Rebelo quanto no ataque à agricultura brasileira. E como esse ataque apareceu também na entrevista do ilustre e instigante Prof. Nildo Ouriques concedida ao colega de SCF Raphael Machado e a Carlos Velasco, creio que seja um problema geral difundido pela esquerda brasileira, tanto a abertamente americanófila quanto a anti-imperialista.

As alegações da esquerda americanófila são simples: o Brasil precisa parar de plantar por causa do aquecimento global e dos “povos originários” (que é como os ongueiros passaram a chamar os índios). Não importa se a produção global de alimentos cair; a agenda é de malthusianos que amam a fome. Amam tanto a fome que inventam que os índios não podem e não devem ter lavouras modernas; devem, em vez disso, viver na idade da pedra “preservando a sua cultura”. Como Jones Manoel, a despeito da estética soviética, recebia (recebe ainda?) dinheiro da Fundação Ford, ele repetiu por alto esses tópicos.

Mas, como mantém uma aparência de alinhamento com a União Soviética, levantou outras alegações comuns na esquerda anti-imperialista que gosta da União Soviética e da Venezuela: que o Brasil deve se industrializar – logo, deve tirar a prioridade da agricultura – e que o agronegócio brasileiro é deletério para a economia nacional por se concentrar em grandes propriedades fundiárias.

Comecemos por esta última objeção. A área mais importante do país para o agronegócio exportador é a região Centro-Oeste, composta pelos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, mais o Distrito Federal. De maneira contígua, o mesmo agronegócio tem se expandido para a chamada região do MATOPIBA, acrônimo com as siglas dos estados Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, quase todos da região Nordeste. Sugiro ao leitor estrangeiro que olhe um mapa do Brasil com as divisões políticas dos estados.

O Brasil tem cinco regiões: Nordeste, Sudeste, Sul, Centro-Oeste e Norte. As duas regiões mais populosas do Brasil são o Nordeste e o Sudeste, que são banhadas pelo Oceano Atlântico e não têm fronteiras com outros países. Historicamente, o Brasil tem a sua povoação concentrada no litoral e em suas proximidades, na antiga Mata Atlântica (a cidade de São Paulo, embora não seja litorânea, foi fundada nesse bioma). Além de contar com as tribos de língua tupi, que eram abertas a alianças, casamentos e trocas com os europeus, a área da Mata Atlântica tem um solo fértil, no qual “em se plantando, tudo dá”.

O mesmo não se pode dizer de outros biomas do país. Uma grande porção do Nordeste é o semiárido, que tem uma população até densa para um local tão inóspito. Fugindo da fome, muitos cearenses foram povoar a Amazônia. Lá, por sua vez, a população se concentra às margens dos grandes rios, que servem como vias para transitar pela floresta espessa. Para se ter uma ideia de como é difícil desbravar a Amazônia, um rio tão grande, como o Rio Roosevelt, só teve o seu percurso descoberto no começo do século XX, com a Expedição Rondon-Roosevelt. A Amazônia fica na região Norte, que conta com um porto no Atlântico e tem fronteiras pouco movimentadas com os países vizinhos.

Descendo para as fronteiras com o Paraguai e a Argentina, temos as regiões Centro-Oeste e Sul. Esta última, de clima subtropical, recebeu colonos italianos e alemães no século XIX e teve muitas pequenas propriedades produtivas (somadas às de descendentes de ibéricos e índios que já estavam lá antes da imigração). Já o Centro-Oeste, onde predomina o bioma Cerrado, entrou o século XX como um local pouco povoado, que sequer tinha comunicação terrestre com o resto do Brasil, sendo necessário que o jovem Rondon descesse o Rio da Prata e fosse até Buenos Aires para pegar um navio que chegasse à antiga capital, o Rio de Janeiro.

Isso tinha uma razão de ser: as terras do Cerrado não eram férteis. Os brasileiros chegaram lá no século XVIII – tanto é que se falava português, mesmo com a distância –, mas o acesso se dava por canoas, segundo critérios sazonais, e com o objetivo de buscar ouro (as monções).

Com tudo isso, quero dizer que, grosso modo, o Brasil tinha gente mesmo ao leste e era despovoado ao oeste, em especial na área do Cerrado, e que isso tinha uma razão de ser: a terra do Cerrado não servia para nada; era uma savana onde não se podia plantar grande coisa e que, para sair de São Paulo chegar até lá sem sair do país, era necessário passar por uma área alagada cheia de cobra e jacaré. Hoje, o Cerrado é o celeiro do mundo. O que aconteceu? Uma revolução tecnológica liderada pela Embrapa, que transformou em fértil um solo estéril. Um nome importante nesse processo é o do cientista Alysson Paolinelli (1936 – 2023).

Dito isso, uma terra que demanda mais tecnologia para produzir demanda, também, mais capital. Assim, aqueles agricultores do Sul e de São Paulo que haviam mecanizado a produção foram comprando terras do Cerrado e expandindo a fronteira agrícola do Brasil – chegando até ao MATOPIBA, que é uma área de Cerrado no extremo oeste da região Nordeste. Não se tratou de uma espoliação de terras que pequenos agricultores deixaram de cultivar; tratou-se de expansão de fronteira agrícola. Essa expansão foi acompanhada do crescimento econômico e populacional em regiões de fronteira, o que é importante para a soberania do país porque na América do Sul vigora o uti possidetis para demarcação de fronteiras.

Agora fica a pergunta: se o Brasil abrisse mão da receita do agronegócio, ele se industrializaria como? Não é o contrário: com o ingresso de dólares, e agora yuans, não poderemos financiar nossa indústria? Críticas ao sistema tributário são válidas. No entanto, espero que os críticos dos subsídios brasileiros fiquem atentos ao fato de que os EUA e a Europa, que são industriais, também subsidiam os seus agricultores. Até hoje nunca vi ninguém culpar a agricultura pelo Rust Belt.

Uma falácia da esquerda ongueira repetida pelo boy da Fundação Ford é a confusão entre o grande empresário do agronegócio e o pequeno agricultor. Por certo, os grandes empresários se manifestam mais contra os entraves inventados por órgãos públicos de sempre (os relativos a meio ambiente e índios, além dos ministérios públicos) que impedem a abertura de ferrovias ou a exploração de minas de potássio. Alguns empresários grandes, gaúchos plantadores de arroz, foram, na década passada, expulsos do estado de Roraima – que, depois disso, teve a sua economia destruída e hoje vive de auxílios. Ainda assim, podemos estimar que a maioria dos agricultores punidos pelos órgãos federais são brasileiros pobres da Amazônia que cuidam da própria subsistência. É o que ficou evidente com a CPI das ONGs. Nela, o Senador Plínio Valério, do Amazonas, exibiu imagens de gente pobre tendo suas casas destruídas pelo Estado; mães impedidas de ter uma vaca para dar leite às crianças. Parecia o israelense expulsando palestinos, com a diferença de que na Amazônia se prepara um deserto humano. Esse território brasileiro está sendo “desantropizado”, para usar a expressão de Aldo Rebelo. Depois de dizer que os brasileiros pobres da região só queriam estrada para passear de carro, a misantropa Marina Silva, ministra do meio ambiente, teve que acusar o senador de racismo por usar a expressão “caixa preta”, e foi chorar abraçada com Lula diante das câmeras.

Por fim, não creio que seja uma boa ideia usar a União Soviética e a Venezuela como exemplo ao tratar de produção de alimentos. Ambos os países têm sérios problemas com produção de alimentos. A Rússia atual na certa estaria mais confortável sem o fantasma da Fome da Ucrânia, e a Venezuela, que não consegue alimentar toda a população nascida lá, depende da importação de alimentos. O chavismo merece crédito por ter um exército soberano e anti-imperialista. No entanto, quando têm que escolher entre imperialismo e inanição, as famílias ficam com a primeira opção.

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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