Português
Raphael Machado
July 22, 2024
© Photo: Public domain

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

E se eu te disser que em um determinado lugar, um grupo de narcotraficantes fortemente armados governa um território com aproximadamente 200 mil habitantes, é liderado por um sacerdote, tem as suas armas abençoadas em templos, e justifica as suas atividades criminosas com discursos e narrativas retiradas de um livro religioso?

Você provavelmente acharia que eu estou falando de algum lugar no Oriente Médio ou na África governado por mais um grupo terrorista salafi-wahhabi, o qual teria encontrado no narcotráfico a sua principal fonte de financiamento.

Mas se eu te disser que estou me referindo a um grupo supostamente cristão, então você vai me dizer que deve ser algum enredo fictício de um filme novo. E se eu disser que trata-se de um grupo de narcotraficantes evangélicos neopentecostais liderados por um pastor que batizou o seu território de “Complexo de Israel”, aí você então dirá que estou delirando.

Pois esse grupo e esse lugar existem em pleno Rio de Janeiro, Brasil.

O projeto do “Complexo de Israel” não surgiu agora. Ele é fruto do esforço concentrado de uma das lideranças do Terceiro Comando Puro (uma das principais facções criminosas do Rio de Janeiro), Álvaro Malaquias Santa Rosa, também conhecido pelas alcunhas “Aarão” e “Peixão”, a primeira como referência ao patriarca hebreu do Antigo Testamento e a segunda como referência a um dos símbolos mais importantes do Cristianismo, o peixe.

O projeto em questão começa na favela de Parada de Lucas, para dali anexar as favelas de Vigário Geral, Cidade Alta, Pica-Pau e Cinco Bocas. E se a região em questão já passou pelas mãos de inúmeras lideranças criminosas diferentes, a maioria das quais já morta, o “Peixão” tem comandado essa fração do TCP desde 2015, tornando-se gradualmente mais forte.

Esse território comandado pelo narcotráfico segue a lógica típica de modelos semelhantes: terror e violência contra quem resiste ao mando dos criminosos, suborno e cooptação de policiais corruptos para que ignorem as ações do bando e assistencialismo social para que a “comunidade” tolere ou mesmo tenha apreço pelos criminosos.

O que é inovador aí é o elemento ostensivamente religioso da ação criminosa.

As primeiras evidências de algo que poderíamos chamar de “narcopentecostalismo” envolvendo também os mesmos atores se dá em 2019, com o chamado “Bonde de Jesus”, um grupo de traficantes que realizava ataques contra templos das religiões afro-brasileiras. O grupo, liderado pelo próprio “Peixão”, identificado simultaneamente como “chefe do tráfico” e “pastor evangélico”, ia de templo em templo ordenando o fechamento, vandalizando e ameaçando os frequentadores e responsáveis de morte.

Era comum, nessas ações, que os traficantes especificamente destruíssem as estátuas e imagens das entidades cultuadas nesses templos. Antes disso, situações assim, víamos apenas esporadicamente, vindo também de neopentecostais fanáticos contra até mesmo imagens de santos católicos.

Essa iconoclastia traz à mente, quase imediatamente, imagens da iconoclastia salafistas em alguns países do Oriente Médio e Ásia Central, como o trágico caso da destruição das estátuas de Buda no Afeganistão.

A igreja na qual “Peixão” é pastor é a Assembleia de Deus Ministério de Portas Abertas, mais uma entre milhares diferentes denominações cristãs existentes no Brasil, já que o Estado não regulamenta ou mesmo supervisiona a atividade de religiões e seitas, sendo possível para qualquer um a criação de uma nova religião, seita ou denominação religiosa, o que implica o acesso a diversos benefícios, como isenção fiscal para suas atividades “religiosas”.

Em 2020, então, “Peixão” anuncia a criação do Complexo de Israel, começando a partir das favelas Parada de Lucas, Cidade Alta e Vigário Geral, e tendo como objetivo a expansão para outras favelas vizinhas. Nessa busca por expansão, a retórica é de “guerra santa”. Na invasão da favela da “Cidade Alta”, por exemplo, a retórica era de que se ia “libertar o povo da Cidade Alta”.

As forças do pastor “Peixão” têm seus próprios apelidos também, além do temporário e já superado “Bonde de Jesus”. Os seus homens, contados em algumas centenas, chamam a si mesmos também de “Exército do Deus Vivo”, “Tropa de Arão” e “Bonde da Cabala”. Bandeiras de Israel estão hasteadas em vários lugares do Complexo de Israel, bem como podemos encontrar, também, grafites nas paredes em homenagem ao Estado sionista.

Não se sabe da existência de vínculos diretos entre esse fenômeno e o lóbi sionista no Brasil, mas como já apontamos em um outro artigo para a Fundação Cultura Estratégica, a difusão do neopentecostalismo no Brasil se origina de um projeto estadunidense de suavizar o rechaço natural brasileiro pelo neoliberalismo, pelo atlantismo e pelo sionismo.

Em certo sentido, talvez deva-se considerar esse fenômeno uma inevitabilidade. O crescimento demográfico desordenado no Brasil em zonas periféricas das cidades, as favelas, deu-se precisamente em uma época de crise “vocacional” na Igreja Católica (a religião mais tradicional da formação cultural brasileira), com uma dificuldade por parte da Igreja de formar padres em quantidade suficiente para dar conta do crescimento populacional.

Mas como o homem possui anseios espirituais que precisam ser satisfeitos (e, nesse sentido, ele é, também “homo religiosus”), alguém preencheria este vácuo, e foi precisamente o protestantismo neopentecostal o segmento religioso que estava melhor preparado para preenche-lo. Com menor tempo de formação e menores formalidades, as igrejas evangélicas conseguem produzir pastores em quantidade muito maior de modo a ocupar o espaço deixado pela Igreja Católica.

Como isso conseguiu se misturar com a violência é algo mais complexo. As igrejas sempre tiveram que ter algum grau de conivência e tolerância, em relação à criminalidade, para poder de fato operar nesses territórios. Os pastores também tornaram os presídios um local de pregação, visando converter os presidiários. Muitos certamente se converteram à religião; certamente uma parte desses realmente mudou de vida. Mas muitos presidiários neopentecostais voltavam à vida de crimes, sem abandonar os cultos.

Com tanto a criminalidade quanto o neopentecostalismo já normalizados e coexistindo há décadas, talvez fosse mesmo questão de tempo até confluírem em alguma figura tanto um papel de liderança criminosa quanto o de liderança religiosa. Foi isso que permitiu o surgimento do Complexo de Israel.

E talvez fosse, também, questão de tempo até que essa fórmula perigosa resultasse em perseguição religiosa também contra os católicos, tal como anos atrás já havia acometido os seguidores das religiões afro-brasileiras.

Nesse mês, porém, deu-se isso, com o narcotraficante evangélico ordenando o fechamento e fim das atividades das paróquias católicas que ainda atuavam no Complexo de Israel, proibindo a realização de missas, batizados, casamentos e festas. Três paróquias católicas foram afetadas, as de Santa Edwiges, Santa Cecília e Nossa Senhora da Conceição e Justino, as quais tiveram os seus padres e fiéis ameaçados de morte.

A polícia respondeu, nos últimos dias, com uma operação policial de larga escala na região. Mas considerando o histórico brasileiro de combate ao crime organizado, é difícil crer que essas medidas conseguirão liquidar de forma permanente o Complexo de Israel.

Fenômenos bizarros como esse do narcopentecostalismo talvez sejam facilitados pelo fato de que o Brasil ainda não tem nenhuma política pública específica ou órgão estatal especializado para supervisionar as atividades religiosas.

Ignorar as religiões como se fossem atividades puramente privadas e não tivessem repercussões sérias na esfera pública impede o Estado de se antecipar ao surgimento de seitas perigosas, o que propicia fenômenos como o narcopentecostalismo. No mesmo sentido, geram preocupações notícias dos últimos anos indicativas de que também haveria um certo crescimento, ainda que modesto, do salafismo em favelas brasileiras.

O casamento entre narcotráfico e sionismo evangélico no Brasil

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

E se eu te disser que em um determinado lugar, um grupo de narcotraficantes fortemente armados governa um território com aproximadamente 200 mil habitantes, é liderado por um sacerdote, tem as suas armas abençoadas em templos, e justifica as suas atividades criminosas com discursos e narrativas retiradas de um livro religioso?

Você provavelmente acharia que eu estou falando de algum lugar no Oriente Médio ou na África governado por mais um grupo terrorista salafi-wahhabi, o qual teria encontrado no narcotráfico a sua principal fonte de financiamento.

Mas se eu te disser que estou me referindo a um grupo supostamente cristão, então você vai me dizer que deve ser algum enredo fictício de um filme novo. E se eu disser que trata-se de um grupo de narcotraficantes evangélicos neopentecostais liderados por um pastor que batizou o seu território de “Complexo de Israel”, aí você então dirá que estou delirando.

Pois esse grupo e esse lugar existem em pleno Rio de Janeiro, Brasil.

O projeto do “Complexo de Israel” não surgiu agora. Ele é fruto do esforço concentrado de uma das lideranças do Terceiro Comando Puro (uma das principais facções criminosas do Rio de Janeiro), Álvaro Malaquias Santa Rosa, também conhecido pelas alcunhas “Aarão” e “Peixão”, a primeira como referência ao patriarca hebreu do Antigo Testamento e a segunda como referência a um dos símbolos mais importantes do Cristianismo, o peixe.

O projeto em questão começa na favela de Parada de Lucas, para dali anexar as favelas de Vigário Geral, Cidade Alta, Pica-Pau e Cinco Bocas. E se a região em questão já passou pelas mãos de inúmeras lideranças criminosas diferentes, a maioria das quais já morta, o “Peixão” tem comandado essa fração do TCP desde 2015, tornando-se gradualmente mais forte.

Esse território comandado pelo narcotráfico segue a lógica típica de modelos semelhantes: terror e violência contra quem resiste ao mando dos criminosos, suborno e cooptação de policiais corruptos para que ignorem as ações do bando e assistencialismo social para que a “comunidade” tolere ou mesmo tenha apreço pelos criminosos.

O que é inovador aí é o elemento ostensivamente religioso da ação criminosa.

As primeiras evidências de algo que poderíamos chamar de “narcopentecostalismo” envolvendo também os mesmos atores se dá em 2019, com o chamado “Bonde de Jesus”, um grupo de traficantes que realizava ataques contra templos das religiões afro-brasileiras. O grupo, liderado pelo próprio “Peixão”, identificado simultaneamente como “chefe do tráfico” e “pastor evangélico”, ia de templo em templo ordenando o fechamento, vandalizando e ameaçando os frequentadores e responsáveis de morte.

Era comum, nessas ações, que os traficantes especificamente destruíssem as estátuas e imagens das entidades cultuadas nesses templos. Antes disso, situações assim, víamos apenas esporadicamente, vindo também de neopentecostais fanáticos contra até mesmo imagens de santos católicos.

Essa iconoclastia traz à mente, quase imediatamente, imagens da iconoclastia salafistas em alguns países do Oriente Médio e Ásia Central, como o trágico caso da destruição das estátuas de Buda no Afeganistão.

A igreja na qual “Peixão” é pastor é a Assembleia de Deus Ministério de Portas Abertas, mais uma entre milhares diferentes denominações cristãs existentes no Brasil, já que o Estado não regulamenta ou mesmo supervisiona a atividade de religiões e seitas, sendo possível para qualquer um a criação de uma nova religião, seita ou denominação religiosa, o que implica o acesso a diversos benefícios, como isenção fiscal para suas atividades “religiosas”.

Em 2020, então, “Peixão” anuncia a criação do Complexo de Israel, começando a partir das favelas Parada de Lucas, Cidade Alta e Vigário Geral, e tendo como objetivo a expansão para outras favelas vizinhas. Nessa busca por expansão, a retórica é de “guerra santa”. Na invasão da favela da “Cidade Alta”, por exemplo, a retórica era de que se ia “libertar o povo da Cidade Alta”.

As forças do pastor “Peixão” têm seus próprios apelidos também, além do temporário e já superado “Bonde de Jesus”. Os seus homens, contados em algumas centenas, chamam a si mesmos também de “Exército do Deus Vivo”, “Tropa de Arão” e “Bonde da Cabala”. Bandeiras de Israel estão hasteadas em vários lugares do Complexo de Israel, bem como podemos encontrar, também, grafites nas paredes em homenagem ao Estado sionista.

Não se sabe da existência de vínculos diretos entre esse fenômeno e o lóbi sionista no Brasil, mas como já apontamos em um outro artigo para a Fundação Cultura Estratégica, a difusão do neopentecostalismo no Brasil se origina de um projeto estadunidense de suavizar o rechaço natural brasileiro pelo neoliberalismo, pelo atlantismo e pelo sionismo.

Em certo sentido, talvez deva-se considerar esse fenômeno uma inevitabilidade. O crescimento demográfico desordenado no Brasil em zonas periféricas das cidades, as favelas, deu-se precisamente em uma época de crise “vocacional” na Igreja Católica (a religião mais tradicional da formação cultural brasileira), com uma dificuldade por parte da Igreja de formar padres em quantidade suficiente para dar conta do crescimento populacional.

Mas como o homem possui anseios espirituais que precisam ser satisfeitos (e, nesse sentido, ele é, também “homo religiosus”), alguém preencheria este vácuo, e foi precisamente o protestantismo neopentecostal o segmento religioso que estava melhor preparado para preenche-lo. Com menor tempo de formação e menores formalidades, as igrejas evangélicas conseguem produzir pastores em quantidade muito maior de modo a ocupar o espaço deixado pela Igreja Católica.

Como isso conseguiu se misturar com a violência é algo mais complexo. As igrejas sempre tiveram que ter algum grau de conivência e tolerância, em relação à criminalidade, para poder de fato operar nesses territórios. Os pastores também tornaram os presídios um local de pregação, visando converter os presidiários. Muitos certamente se converteram à religião; certamente uma parte desses realmente mudou de vida. Mas muitos presidiários neopentecostais voltavam à vida de crimes, sem abandonar os cultos.

Com tanto a criminalidade quanto o neopentecostalismo já normalizados e coexistindo há décadas, talvez fosse mesmo questão de tempo até confluírem em alguma figura tanto um papel de liderança criminosa quanto o de liderança religiosa. Foi isso que permitiu o surgimento do Complexo de Israel.

E talvez fosse, também, questão de tempo até que essa fórmula perigosa resultasse em perseguição religiosa também contra os católicos, tal como anos atrás já havia acometido os seguidores das religiões afro-brasileiras.

Nesse mês, porém, deu-se isso, com o narcotraficante evangélico ordenando o fechamento e fim das atividades das paróquias católicas que ainda atuavam no Complexo de Israel, proibindo a realização de missas, batizados, casamentos e festas. Três paróquias católicas foram afetadas, as de Santa Edwiges, Santa Cecília e Nossa Senhora da Conceição e Justino, as quais tiveram os seus padres e fiéis ameaçados de morte.

A polícia respondeu, nos últimos dias, com uma operação policial de larga escala na região. Mas considerando o histórico brasileiro de combate ao crime organizado, é difícil crer que essas medidas conseguirão liquidar de forma permanente o Complexo de Israel.

Fenômenos bizarros como esse do narcopentecostalismo talvez sejam facilitados pelo fato de que o Brasil ainda não tem nenhuma política pública específica ou órgão estatal especializado para supervisionar as atividades religiosas.

Ignorar as religiões como se fossem atividades puramente privadas e não tivessem repercussões sérias na esfera pública impede o Estado de se antecipar ao surgimento de seitas perigosas, o que propicia fenômenos como o narcopentecostalismo. No mesmo sentido, geram preocupações notícias dos últimos anos indicativas de que também haveria um certo crescimento, ainda que modesto, do salafismo em favelas brasileiras.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

E se eu te disser que em um determinado lugar, um grupo de narcotraficantes fortemente armados governa um território com aproximadamente 200 mil habitantes, é liderado por um sacerdote, tem as suas armas abençoadas em templos, e justifica as suas atividades criminosas com discursos e narrativas retiradas de um livro religioso?

Você provavelmente acharia que eu estou falando de algum lugar no Oriente Médio ou na África governado por mais um grupo terrorista salafi-wahhabi, o qual teria encontrado no narcotráfico a sua principal fonte de financiamento.

Mas se eu te disser que estou me referindo a um grupo supostamente cristão, então você vai me dizer que deve ser algum enredo fictício de um filme novo. E se eu disser que trata-se de um grupo de narcotraficantes evangélicos neopentecostais liderados por um pastor que batizou o seu território de “Complexo de Israel”, aí você então dirá que estou delirando.

Pois esse grupo e esse lugar existem em pleno Rio de Janeiro, Brasil.

O projeto do “Complexo de Israel” não surgiu agora. Ele é fruto do esforço concentrado de uma das lideranças do Terceiro Comando Puro (uma das principais facções criminosas do Rio de Janeiro), Álvaro Malaquias Santa Rosa, também conhecido pelas alcunhas “Aarão” e “Peixão”, a primeira como referência ao patriarca hebreu do Antigo Testamento e a segunda como referência a um dos símbolos mais importantes do Cristianismo, o peixe.

O projeto em questão começa na favela de Parada de Lucas, para dali anexar as favelas de Vigário Geral, Cidade Alta, Pica-Pau e Cinco Bocas. E se a região em questão já passou pelas mãos de inúmeras lideranças criminosas diferentes, a maioria das quais já morta, o “Peixão” tem comandado essa fração do TCP desde 2015, tornando-se gradualmente mais forte.

Esse território comandado pelo narcotráfico segue a lógica típica de modelos semelhantes: terror e violência contra quem resiste ao mando dos criminosos, suborno e cooptação de policiais corruptos para que ignorem as ações do bando e assistencialismo social para que a “comunidade” tolere ou mesmo tenha apreço pelos criminosos.

O que é inovador aí é o elemento ostensivamente religioso da ação criminosa.

As primeiras evidências de algo que poderíamos chamar de “narcopentecostalismo” envolvendo também os mesmos atores se dá em 2019, com o chamado “Bonde de Jesus”, um grupo de traficantes que realizava ataques contra templos das religiões afro-brasileiras. O grupo, liderado pelo próprio “Peixão”, identificado simultaneamente como “chefe do tráfico” e “pastor evangélico”, ia de templo em templo ordenando o fechamento, vandalizando e ameaçando os frequentadores e responsáveis de morte.

Era comum, nessas ações, que os traficantes especificamente destruíssem as estátuas e imagens das entidades cultuadas nesses templos. Antes disso, situações assim, víamos apenas esporadicamente, vindo também de neopentecostais fanáticos contra até mesmo imagens de santos católicos.

Essa iconoclastia traz à mente, quase imediatamente, imagens da iconoclastia salafistas em alguns países do Oriente Médio e Ásia Central, como o trágico caso da destruição das estátuas de Buda no Afeganistão.

A igreja na qual “Peixão” é pastor é a Assembleia de Deus Ministério de Portas Abertas, mais uma entre milhares diferentes denominações cristãs existentes no Brasil, já que o Estado não regulamenta ou mesmo supervisiona a atividade de religiões e seitas, sendo possível para qualquer um a criação de uma nova religião, seita ou denominação religiosa, o que implica o acesso a diversos benefícios, como isenção fiscal para suas atividades “religiosas”.

Em 2020, então, “Peixão” anuncia a criação do Complexo de Israel, começando a partir das favelas Parada de Lucas, Cidade Alta e Vigário Geral, e tendo como objetivo a expansão para outras favelas vizinhas. Nessa busca por expansão, a retórica é de “guerra santa”. Na invasão da favela da “Cidade Alta”, por exemplo, a retórica era de que se ia “libertar o povo da Cidade Alta”.

As forças do pastor “Peixão” têm seus próprios apelidos também, além do temporário e já superado “Bonde de Jesus”. Os seus homens, contados em algumas centenas, chamam a si mesmos também de “Exército do Deus Vivo”, “Tropa de Arão” e “Bonde da Cabala”. Bandeiras de Israel estão hasteadas em vários lugares do Complexo de Israel, bem como podemos encontrar, também, grafites nas paredes em homenagem ao Estado sionista.

Não se sabe da existência de vínculos diretos entre esse fenômeno e o lóbi sionista no Brasil, mas como já apontamos em um outro artigo para a Fundação Cultura Estratégica, a difusão do neopentecostalismo no Brasil se origina de um projeto estadunidense de suavizar o rechaço natural brasileiro pelo neoliberalismo, pelo atlantismo e pelo sionismo.

Em certo sentido, talvez deva-se considerar esse fenômeno uma inevitabilidade. O crescimento demográfico desordenado no Brasil em zonas periféricas das cidades, as favelas, deu-se precisamente em uma época de crise “vocacional” na Igreja Católica (a religião mais tradicional da formação cultural brasileira), com uma dificuldade por parte da Igreja de formar padres em quantidade suficiente para dar conta do crescimento populacional.

Mas como o homem possui anseios espirituais que precisam ser satisfeitos (e, nesse sentido, ele é, também “homo religiosus”), alguém preencheria este vácuo, e foi precisamente o protestantismo neopentecostal o segmento religioso que estava melhor preparado para preenche-lo. Com menor tempo de formação e menores formalidades, as igrejas evangélicas conseguem produzir pastores em quantidade muito maior de modo a ocupar o espaço deixado pela Igreja Católica.

Como isso conseguiu se misturar com a violência é algo mais complexo. As igrejas sempre tiveram que ter algum grau de conivência e tolerância, em relação à criminalidade, para poder de fato operar nesses territórios. Os pastores também tornaram os presídios um local de pregação, visando converter os presidiários. Muitos certamente se converteram à religião; certamente uma parte desses realmente mudou de vida. Mas muitos presidiários neopentecostais voltavam à vida de crimes, sem abandonar os cultos.

Com tanto a criminalidade quanto o neopentecostalismo já normalizados e coexistindo há décadas, talvez fosse mesmo questão de tempo até confluírem em alguma figura tanto um papel de liderança criminosa quanto o de liderança religiosa. Foi isso que permitiu o surgimento do Complexo de Israel.

E talvez fosse, também, questão de tempo até que essa fórmula perigosa resultasse em perseguição religiosa também contra os católicos, tal como anos atrás já havia acometido os seguidores das religiões afro-brasileiras.

Nesse mês, porém, deu-se isso, com o narcotraficante evangélico ordenando o fechamento e fim das atividades das paróquias católicas que ainda atuavam no Complexo de Israel, proibindo a realização de missas, batizados, casamentos e festas. Três paróquias católicas foram afetadas, as de Santa Edwiges, Santa Cecília e Nossa Senhora da Conceição e Justino, as quais tiveram os seus padres e fiéis ameaçados de morte.

A polícia respondeu, nos últimos dias, com uma operação policial de larga escala na região. Mas considerando o histórico brasileiro de combate ao crime organizado, é difícil crer que essas medidas conseguirão liquidar de forma permanente o Complexo de Israel.

Fenômenos bizarros como esse do narcopentecostalismo talvez sejam facilitados pelo fato de que o Brasil ainda não tem nenhuma política pública específica ou órgão estatal especializado para supervisionar as atividades religiosas.

Ignorar as religiões como se fossem atividades puramente privadas e não tivessem repercussões sérias na esfera pública impede o Estado de se antecipar ao surgimento de seitas perigosas, o que propicia fenômenos como o narcopentecostalismo. No mesmo sentido, geram preocupações notícias dos últimos anos indicativas de que também haveria um certo crescimento, ainda que modesto, do salafismo em favelas brasileiras.

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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