A primavera é a estação do florescimento. Inclusive para o povo árabe e islâmico, que está cada vez mais unido na sua luta revolucionária pela libertação nacional.
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O Arab Center for Research and Policy Studies entrevistou 8 mil pessoas entre 12 de dezembro de 2023 e 5 de janeiro de 2024 em 16 países árabes (Mauritânia, Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Egito, Sudão, Iêmen, Omã, Catar, Kuwait, Arábia Saudita, Iraque, Jordânia, Líbano, bem como a Cisjordânia) e revelou no início de janeiro que 89% consideram legítimos os ataques de 7 de outubro e apenas 5% os consideram ilegítimos.
- Ainda, 69% expressam apoio ao Hamas, 94% consideram a posição dos EUA sobre o conflito como negativa e 79%, 78% e 75% consideram as posições de França, Reino Unido e Alemanha negativas, respectivamente. Além disso, 76% disseram que sua opinião sobre os EUA após o genocídio em Gaza se tornou mais negativa e 81% não acham que os EUA apoiam realmente o estabelecimento de um Estado Palestino;
- 51% acham que os EUA são a principal ameaça para sua segurança, enquanto 26% consideram que é Israel;
- 92% acham que a questão palestina é um problema de todos os árabes, não só dos palestinos. Esse é o maior índice desde que as pesquisas de opinião começaram, em 2011. No final de 2022, o percentual era de 76%. No Marrocos, o índice aumentou de 59% em 2022 para 95% agora, no Egito de 75% para 94%, no Sudão de 68% para 91% e na Arábia Saudita de 69% para 95%;
- 89% dos árabes rejeitam o reconhecimento de Israel como Estado, enquanto em 2022 eram 84%, e só 4% apoiam esse reconhecimento. Na Arábia Saudita, esse índice aumentou de 38% em 2022 para 68% agora, no Marrocos de 67% para 78% e no Sudão de 72% para 81%.
A partir desses dados, pode-se garantir com segurança que: 1) há um apoio imenso entre os árabes à luta armada contra Israel; 2) eles consideram as potências imperialistas como inimigas e 3) acreditam em uma luta unificada contra o imperialismo e o sionismo.
Agora, analisemos um pouco mais de perto a situação objetiva e subjetiva em alguns países-chave.
A ambivalência de Erdogan
A Turquia não é um país árabe, por isso não aparece na pesquisa acima. Mas um levantamento realizado em outubro, ou seja, quando a “barbárie terrorista” do Hamas ainda estava mais em evidência do que a verdadeira barbárie terrorista, a de Israel, mostrou que pouco mais de 11% dos turcos apoiavam o Hamas. Embora isso pareça pouco para um país muçulmano, é preciso lembrar que mal havia começado o novo genocídio e que a Turquia tem um longo histórico de alinhamento com o Ocidente (sendo inclusive membro da OTAN) e com Israel (foi o primeiro país muçulmano a reconhecer Israel como Estado, um ano após sua criação, em 1949). Mesmo assim, esse índice é quase quatro vezes maior do que o de turcos que apoiam Israel. Desde então, houve enormes manifestações anti-israelenses e anti-americanas em frente a instalações militares americanas e da OTAN.
O pesquisador Asli Aydintasbas, em entrevista para o Centro Israel-Gaza de Política do Oriente Médio, diz que o povo turco tem “total simpatia” para com os palestinos e cita uma pesquisa do instituto Metropoll, que informa que dois terços dos turcos não consideram o Hamas como uma organização terrorista. Segundo ele, ninguém mais critica o Hamas pelos ataques de 7 de outubro e os cidadãos comuns enxergam claramente quem são os opressores e quem são os oprimidos nesse conflito, ao mesmo tempo em que cresce o repúdio aos EUA como patrocinador dos genocidas israelenses.
Recep Tayyip Erdogan sabe que se não apresentar um apoio público (ainda que somente de modo propagandístico) ao povo palestino, vai perder apoio dentro da Turquia. Por isso o grande apoio do governo turco à propaganda anti-israelense, que lhe confere um aumento de popularidade visando as eleições municipais deste ano e um maior poder de barganha em negociações com o Ocidente. Mas ao mesmo tempo que tenta se beneficiar da relativa ebulição entre o povo turco, sua propaganda a incentiva e se não tomar ações concretas a favor dos palestinos e contra EUA e Israel, pode ser engolido caso as massas se radicalizem.
Arábia Saudita e EAU na corda bamba
A pesquisa mencionada no começo deste artigo aponta que, em apenas um ano, a percepção do povo saudita de que a questão palestina também lhe diz respeito aumentou em 26%, chegando a ser a opinião de 95% dos sauditas. Ao mesmo tempo, a rejeição ao reconhecimento do Estado de Israel subiu 30%, sendo a opinião de ⅔ da população do reino.
A monarquia saudita está tomando muito cuidado na situação atual, não está segura de apoiar as ações da coalizão EUA-Reino Unido no Mar Vermelho contra os houthis e de sabotar o bloqueio através do transporte terrestre, devido à total impopularidade dessas medidas internamente. Uma pesquisa do Washington Institute é ainda mais reveladora da saia justa em que se encontra Mohammed Bin Salman: 96% dos sauditas querem o rompimento imediato das relações com Israel e 91% acham que a Tempestade de al-Aqsa “é uma vitória para os palestinos, os árabes e os muçulmanos”.
Além disso, MBS equilibra-se em uma corda bamba, pressionado externamente de dois lados contra Israel (as nações árabes e os seus novos aliados BRICS) e de um lado contra a Palestina (pelos EUA e Israel, dos quais continua sendo muito próxima).
Por ser uma tirania absoluta, a pressão popular interna não fica exposta em manifestações de massas ou ampla propaganda militante, como em alguns países da região. Mas não restam dúvidas de que essa pressão sobre o regime existe, e há também uma alta probabilidade de reorganização silenciosa da Irmandade Muçulmana dentro do país (onde ela é proibida e perseguida) diante do fortíssimo sentimento pró-palestino do povo saudita.
Em uma situação semelhante se encontram os Emirados Árabes Unidos, que também consideram a Irmandade Muçulmana um grupo terrorista e onde ela pode ser um fator de desestabilização do regime reacionário.
Os EAU são um fantoche dos EUA na região e têm trabalhado para sabotar o bloqueio econômico a Israel no Mar Vermelho, mas ao mesmo tempo agora são membros dos BRICS e sofrem pressão interna de sua população, que apoia a Palestina. Os EAU pediram um cessar-fogo imediato aos EUA na ONU, alegando que a continuidade da guerra vai expandir o “extremismo e o terrorismo” no Oriente Médio – o que demonstra sua preocupação com uma revolta interna.
A Foreign Affairs afirma que as relações de Israel com os EAU e o Bahrein estão sendo afetadas e os estados árabes que passaram para o lado de Israel são um alvo indireto da Operação Tempestade de al-Aqsa, pois não há como ficar do lado da Palestina sendo aliado de Israel, principalmente para um árabe. A publicação indica que o genocídio em Gaza faz com que a opinião pública nesses dois países desconfie de seus governos, e poucas pessoas nesses dois países estão contra o Hamas.
Uma possível desintegração da ditadura de al-Sisi
Abdel Fatah al-Sisi é responsável pelo regime mais reacionário que o Egito já teve desde a independência do Império Britânico. Um dos principais objetivos da ditadura militar brutal que usurpou o poder em 2013, esmagando um governo democrático e popular nascido da Primavera Árabe em 2011, é precisamente impedir que voltem a ocorrer protestos populares iguais aos que derrubaram o fantoche americano-israelense Hosni Mubarak.
Al-Sisi eliminou a oposição, tanto a Irmandade Muçulmana como a secular, através de ondas de prisões arbitrárias e execuções extrajudiciais. A Irmandade Muçulmana sempre contou com enorme popularidade no país, particularmente a partir do momento em que os sucessores de Gamal Abdel Nasser se venderam para Israel nos Acordos de Camp David.
A ditadura egípcia é inimiga da Resistência Palestina, pois, além de o Egito ser um fantoche de Israel, o Hamas é o braço palestino da Irmandade Muçulmana. O governo egípcio é um dos mais reacionários de toda a região e inconciliável com os povos que lutam pela libertação do jugo imperialista e sionista.
Os egípcios não podem suportar uma opressão brutal por uma ditadura militar fantoche de EUA e Israel. Maged Mandour, autor do livro “Egypt under el-Sisi: A Nation on the Edge”,
afirma, em um artigo para o Middle East Monitor, que uma nova revolta popular (que tanto al-Sisi queria evitar) é “algo cada vez mais provável em meio ao agravamento da crise econômica” e essa revolta poderia conduzir mesmo à “desintegração do aparato repressivo do regime”, que é o seu principal pilar de sustentação.
A dívida do Egito com o FMI é a segunda maior do mundo, atrás apenas da dívida argentina. No país sul-americano, a população já quer derrubar a protoditadura de Javier Milei devido à sua política abertamente entreguista. No Egito, soma-se ao entreguismo econômico e à ditadura militar a colaboração com Israel no genocídio aos palestinos, contrariando a opinião de 94% dos egípcios, que veem a luta palestina como uma luta comum a eles próprios – um aumento de quase 20% em um ano.
Barenitas se enfurecem com seu governo
O governo do Bahrein teve a pachorra de ser o único país árabe a participar oficialmente das operações ocidentais no Mar Vermelho contra os houthis e os palestinos. Não é difícil imaginar que isso gerou um sentimento de revolta na população. Como também é uma ditadura, por enquanto essa revolta ainda não se expressou em exortações públicas para derrubar o regime títere dos EUA e de Israel, mas não significa que isso seja impossível de acontecer.
Manifestações de rua em apoio à Palestina ocorrem frequentemente, contrariando a política governamental. Nelas, condena-se a normalização de relações com Israel, exige-se a expulsão do embaixador israelense e o fechamento de sua embaixada, o fim da presença militar da quinta frota da marinha americana, bem como demonstra-se apoio ao Hezbollah e aos houthis.
Sentindo a pressão popular, deputados também começaram a pressionar o governo pelo fim das relações diplomáticas com Israel. A postura do regime diante do genocídio em Gaza é uma “traição à causa palestina”, disse um dos líderes da Sociedade Nacional Islâmica al-Wefaq, a principal organização opositora.
Uma revolução internacional
No Oriente Médio, os EUA mantêm bases militares em toda uma massa de terra que liga a Turquia, ao norte, o Egito, ao oeste, o Iraque ao leste e Omã ao sul, totalizando 12 países (incluindo a Palestina Ocupada). Elas já estão sendo atacadas diariamente no Iraque e na Síria. A resistência iraquiana também atacou uma base na Jordânia, eliminando três soldados americanos. Os governos iraquiano (em maior grau) e jordaniano (em grau menor), bem como o sírio, assim, estão sofrendo enorme pressão para expulsar as tropas americanas.
Se as forças do Eixo da Resistência começarem a atacar também as bases americanas nos outros países (onde a opinião pública é radicalmente anti-americana e pró-palestina), isso pode forçar os governos desses países a se comprometerem com uma retirada das tropas americanas, como está ocorrendo no Iraque. E, assim como no Iraque, isso enfraqueceria esses mesmos governos, que são sustentados em grande medida pelo poder imperialista.
Ao mesmo tempo em que os governos colaboradores do imperialismo e do sionismo são impopulares e sofrem grande pressão de seus povos, esses mesmos povos também são influenciados pelos exemplos heróicos do Eixo da Resistência.
A popularidade dos houthis, que já era grande, só aumentou desde o início do bloqueio do Mar Vermelho. O povo está armado e nas ruas, e depois dessa etapa da guerra eles deverão focar na tomada do restante do Iêmen. Eles controlam só 30% do país, mas é onde vive a maioria da população iemenita. Nos outros países os houthis também se tornaram muito populares e os grupos que reivindicarem a luta dos houthis tendem a agrupar mais adeptos. O internacionalismo dos houthis realmente comove, tanto nas ações como nas palavras: “o sangue iemenita não é mais valioso que o sangue palestino”, disse o ministro da Informação de Sanaa, Dhaif Allah al-Shami, em uma declaração que expressa o nobre sentimento revolucionário em contraposição às traições dos governos árabes à causa palestina.
Sayyed Abdul Malik al-Houthi, líder do Ansarullah, desaprovou a colaboração dos regimes árabes e muçulmanos com o inimigo e chamou à união pela Palestina. No mesmo sentido, o porta-voz das Brigadas al-Quds, da Jihad Islâmica Palestina, também reprovou esse colaboracionismo: “o que dirão a Deus quando lhes perguntar por que fizeram isso?”
Os árabes e muçulmanos se consideram uma única e grande nação. Trata-se realmente de uma divisão artificial realizada por Inglaterra e França após a I Guerra Mundial. São um povo que foi dividido para que as potências coloniais pudessem reinar sobre eles, para enfraquecê-los. Mas o sentimento de união e pertencimento a uma só nação não foi aniquilado, pelo contrário: está se fortalecendo. Os governos árabes cometem um grave erro ao não atenderem às reivindicações de seu povo para ir em socorro aos palestinos. Ecoa, com força, por toda a grande nação islâmica o chamado internacionalista dos heróicos revolucionários houthis, que se tornaram ídolos populares em toda a região, de sacrificar a própria vida para defender a Palestina. A tendência é a de que surjam ou se popularizem movimentos revolucionários como o Ansarullah ou o Hamas em todos os países árabes.
O porta-voz das brigadas do Hezbollah iraquiano, Jaafar al-Husseini, disse à al-Mayadeen que o Eixo da Resistência se tornou mais coeso e tem uma visão e um trabalho claros, que não permitirão que Israel e seus aliados toquem em nenhum país muçulmano, que durante os próximos anos esse eixo se ampliará para a Ásia Oriental e o Cáucaso e que a batalha contra os americanos continuará após a Tempestade de al-Aqsa.
É um levantamento armado da população daquela enorme região contra as forças de ocupação imperialistas. Tudo isso é reflexo de duas grandes revoluções nacionais: a de 1979 no Irã, que mesmo após 45 anos evidencia a sua importância e influência, e a de 2021 no Afeganistão, onde as tropas imperialistas foram expulsas por obra do levante popular. No Afeganistão e no Iêmen, cuja revolução prolongada por dez anos derrotou a coalizão anglo-saudita, o povo continua com armas na mão. Essa é uma vantagem decisiva que os povos do Oriente Médio e da Ásia Central têm para o resto do mundo: em vários países eles estão armados.
EUA e Europa estão com medo de uma guerra ampliada tanto quanto de insurreições populares. Por isso pressionam Israel a reduzir o morticínio, embora a indústria bélica insista na guerra. E essa insistência pode custar caro demais.
William Burns, diretor da CIA, na edição mais recente da Foreign Affairs, não deixa dúvida sobre isso: “eu passei grande parte das últimas quatro décadas trabalhando no Oriente Médio ou com questões relativas ao Oriente Médio, e eu raramente o vi mais complicado ou explosivo [como agora]”
A primavera começa em março no Oriente Médio e Norte da África. É a estação do florescimento. Inclusive para o povo árabe e islâmico, que está cada vez mais unido na sua luta revolucionária pela libertação nacional.