Português
Eduardo Vasco
December 25, 2025
© Photo: Public domain

A burguesia engana a todos com o mito de que o Estado democrático está acima das classes sociais e mesmo de que ele atua a favor dos oprimidos contra os opressores, quando na verdade o Estado é o maior dos opressores.

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Nos últimos anos de sua vida, Engels dedicou boa parte de sua atividade política à crítica das posições revisionistas dentro da social democracia alemã. No centro daqueles desvios estava uma concepção antimarxista do Estado, à qual Engels se referiu como uma “fé supersticiosa no Estado”.

Os dirigentes socialistas vinham há duas décadas construindo o mais poderoso de todos os partidos operários em condições favoráveis e de relativa legalidade – apesar de ter vigorado por mais de dez anos a lei antissocialista. Bismarck, o responsável pela lei contra os socialistas, apresentando-se como um árbitro das classes sociais ante o medo da poderosa social democracia e o rápido desenvolvimento do capitalismo na Alemanha, chegou mesmo a conceder reformas sociais que levaram alguns a acreditar no conceito falacioso de “socialismo de Estado”. O progresso econômico ocorrido na Alemanha, somado às liberdades políticas, criava uma camada crescentemente acomodada entre os trabalhadores, que se distanciava socialmente da massa de operários, aproximando-se economicamente da pequena burguesia e passando a adotar o seu estilo de vida e suas ideias. Engels batizou essa camada superior do proletariado de “aristocracia operária”.

Sobre essa fé supersticiosa no Estado (da qual Marx já havia feito referência em 1875, ao chamá-la de “fé servil” no Estado), Engels explicava, em 1891:

Segundo a concepção filosófica, o Estado é a “realização da ideia”, ou seja, traduzido em linguagem filosófica, o reino de Deus sobre a terra, o terreno em que se tornam ou devem tornar-se realidade a eterna verdade e a eterna justiça. Surge daí uma veneração supersticiosa do Estado e de tudo o que com ele se relaciona, veneração supersticiosa que se vai implantando na consciência com tanto maior facilidade quando as pessoas se habituam, desde a infância, a pensar que os assuntos e interesses comuns a toda a sociedade não podem ser regulados nem defendidos senão como tem sido feito até então, isto é, por meio do Estado e de seus bem pagos funcionários. E já se crê ter sido dado um passo enormemente audaz ao libertar-se da fé na monarquia hereditária e manifestar entusiasmo pela República democrática. Em realidade, o Estado não é mais do que uma máquina para a opressão de uma classe por outra, tanto na República democrática como sob a monarquia; e, no melhor dos casos, um mal que se transmite hereditariamente ao proletariado triunfante em sua luta pela dominação de classe. Como fez a Comuna, o proletariado vitorioso não pode deixar de amputar imediatamente, na medida do possível, os aspectos mais nocivos desse mal, até que uma futura geração, formada em circunstâncias sociais novas e livres, possa desfazer-se de todo desse velho traste do Estado.

Dez anos antes, quando apenas despontava como um brilhante discípulo de Marx e Engels e estava longe o dia em que ele próprio se tornaria o grande expoente do revisionismo, Kautsky polemizava com a ideia de que “é tarefa do Estado proteger o fraco contra o forte”. Afirma que essa ideia deriva da teoria anticientífica e refutada historicamente do contrato (sobretudo de Hobbes e Rousseau), ou seja, de que o Estado é fruto de um contrato, de um acordo entre os indivíduos para que a guerra natural de todos contra todos não leve à opressão do fraco pelo forte. Correntes que ainda contavam com certa influência entre os trabalhadores, como a de Louis Blanc, pensavam: “o governo tem que cuidar de todo o ‘povo’, ele tem que estar acima dos partidos e das classes, proteger o partido mais fraco e a classe mais fraca da exploração do mais forte.” E Kautsky respondia: “essa teoria é muito adorável, ela tem apenas um erro: ela é falsa.” O dever do Estado é o exato oposto daquilo que é suplicado pelos ingênuos utopistas: sua tarefa se resume em proteger o forte do fraco. Não se trata de uma opinião ou de um desejo, mas da constatação de uma realidade. O Estado mais democrático, no qual os fracos conseguiram reduzir o máximo possível o seu poder e os fortes têm de se submeter a um controle relativo pelos fracos, continua sendo o aparato de proteção dos fortes contra os fracos, o seu instrumento de opressão e exploração. Portanto, completava Kautsky: “esperar do Estado que ele implemente essa equalização [essa igualdade entre as classes] significa esperar que ele se suicide voluntariamente.”

Mas a fé supersticiosa no Estado era tão forte que tragou toda a velha social democracia, não apenas a alemã, mas a internacional. As condições materiais da evolução do capitalismo levaram à cooptação da social democracia, ao abandono da perspectiva revolucionária e mesmo à adoção de uma política abertamente contrarrevolucionária, capitalista e imperialista. Finalmente, ela foi superada com a crise e a guerra – e com o rebento da revolução proletária, tão desacreditada por ela.

Mais de cem anos depois, a decomposição do modo de produção capitalista e a degradação das formas políticas criadas pela burguesia, com a segunda guerra mundial, o fascismo e o neoliberalismo – além da traição do stalinismo, que elevou a um novo nível o culto ao Estado, inclusive ao Estado burguês – proporcionam a manutenção daquela aristocracia operária e da revisão do marxismo. Uma esquerda pequeno-burguesa (quando não burguesa), integrada às diversas camadas do Estado, carreirista, carguista, dependente das benesses dos patrões e de suas instituições, insiste naquelas mesmas concepções que provam-se a cada dia equivocadas e nocivas.

A razão disso está no fato de que, apesar de todos os esforços e contribuições inigualáveis de Marx, Engels, Lênin e Trótski, o marxismo não conseguiu fixar um predomínio ideológico no seio da classe operária, onde sempre dominaram, com a exceção de curtíssimos períodos de tempo, as concepções utópicas e reformistas. Ainda mais em uma época de refluxo das lutas operárias (precedido pela decapitação da nata da vanguarda revolucionária por Stálin), o que predomina são as direções pequeno-burguesas, que se tornaram há muito um mero apêndice da burguesia e do imperialismo – embora muitas delas jurem de pés juntos que são marxistas.

Daí o completo fracasso da esquerda brasileira (e internacional) em atender aos interesses dos trabalhadores e de todos os setores oprimidos. A fé supersticiosa no Estado, da qual toda a esquerda está impregnada, a leva a acompanhar cegamente a burguesia e o imperialismo, a ser uma massa de manobra para a aplicação da política dos capitalistas contra o povo. E, o que é o mais grave de tudo, em uma época de polarização social com o acirramento da luta de classes devido à intensificação da crise capitalista, a aparecer cada vez mais diante dos trabalhadores e das massas oprimidas como um ser estranho e contrário às suas necessidades e às suas reivindicações.

Nos últimos tempos, essa traição acentuada à classe a qual diz defender se dá pelo seguidismo ao imperialismo sob a forma da pretensa luta pela democracia. Hoje a democracia é o ícone sagrado da religião estatal – ou o “reino milenar”, como já notara Marx sobre o pensamento dos democratas vulgares. Esquece-se que o Estado não passa da máquina – a mais forte de todas, a máquina por excelência – da opressão da classe dominante sobre as classes oprimidas. Mais grave ainda: esquece-se que a época do imperialismo, a época da degeneração e da decadência do próprio sistema capitalista, é precisamente a antítese da democracia – mesmo da democracia burguesa, da democracia que serviu de alavanca para o próprio desenvolvimento da produção capitalista.

O que há no Brasil nos últimos anos – o Brasil, um país que nunca soube o que é democracia – é o desmantelamento dos parcos direitos e liberdades democráticos que foram conquistados pelo povo brasileiro, sobretudo devido à luta da classe operária, ao longo de mais de um século de combates contra o Estado e contra a burguesia. A destruição desse arremedo de democracia é realizada sob o exato pretexto da defesa da democracia.

Estamos diante da maior farsa jamais montada pela burguesia e pelo imperialismo – não podemos ter o menor pingo de dúvida de que trata-se de uma manobra produzida pelo capital imperialista. E a principal correia de transmissão pela qual o imperialismo executa tamanho estelionato contra o povo brasileiro é precisamente a ala esquerda do regime: os setores imperialistas com um verniz democrático, que têm como aliados a pequena burguesia “progressista” e a camada superior da classe operária, os mais profundos defensores da burguesia que os próprios burgueses, como diria Lênin.

A burguesia engana a todos com o mito de que o Estado democrático está acima das classes sociais e mesmo de que ele atua a favor dos oprimidos contra os opressores, quando na verdade o Estado é o maior dos opressores. Essa é uma armadilha que capturou a quase totalidade da esquerda brasileira, há muito domesticada pela burguesia e por seu aparato estatal.

O pequeno-burguês, devido à sua situação econômica e a todas as condições da sua vida, é o menos capaz de assimilar essa verdade e conserva até ilusões de que a república democrática significaria uma “democracia pura”, um “Estado popular livre”, um poder do povo fora das classes ou acima das classes, uma manifestação pura da vontade de todo o povo, etc., etc.

Essas palavras escritas por Lênin em 1918 não caem como uma luva no Brasil atual?

O capitalismo, que não encontra mais saída para suas crises, como a de 2008, e entra em um novo turbilhão de contradições políticas e sociais nesta terceira década do século XXI, não apenas não pode ser representado por um regime democrático, como demonstra que nem mesmo a paródia da democracia é compatível com sua atual fase de degeneração. O reflexo da decadência e da crise imperialista na política não pode ser nenhum senão o fechamento do regime, o endurecimento das leis, o atropelo das próprias leis e, finalmente, o estabelecimento da ditadura.

À medida que a burguesia reverte as frágeis leis conquistadas pela sociedade para limitar o poder do Estado, e, assim, amplia o poder de atuação e intervenção do Estado sobre os cidadãos, o que está se produzindo no Brasil não é o fortalecimento da democracia, mas sim o seu contrário: a imposição de uma ditadura que controla, monitora, vigia, censura, processa, prende e proíbe uma série de direitos e liberdades individuais dos cidadãos – uma ditadura judicial e policial, que mostra nas favelas a verdadeira face do Estado, uma ditadura crescente que não é incompatível (muito pelo contrário) com a ditadura militar pura e simples. É o resultado político necessário do capitalismo em crise: somente um Estado que se eleva (em aparência) acima das classes, uma burocracia todo-poderosa que se apresenta como árbitra dos conflitos sociais, poderia fazer frente à polarização política, produto do aumento das contradições entre as classes em luta.

Os trabalhadores são levados ao engano pela burguesia com a ajuda daqueles que se apresentam como seus representantes – e que, com a degeneração do regime político, degeneram-se junto com ele. As direções e os representantes oficiais da esquerda já não são mais revolucionários ou reformistas. Tornaram-se fiéis. O Estado para eles é uma religião a ser defendida cega e incondicionalmente. Um Estado que não é democrático em nenhum sentido – uma esquerda que, fiel a essa máquina de oprimir o povo, revela-se antidemocrática.

Diante da confusão e dos sérios equívocos disseminados diariamente, das ilusões nas instituições do Estado e das consequências que daí serão geradas (a pavimentação do caminho para o fascismo), é necessário ter uma compreensão correta do que é o Estado e do que é a democracia. É necessário retomar a concepção e a doutrina do marxismo sobre o Estado, a democracia e a luta de classes e aplicá-las no sentido de apresentar aos trabalhadores e ao povo oprimido o caminho verdadeiramente democrático, libertário e emancipador, que não pode ser nenhum outro senão o caminho da revolução proletária e do socialismo.

A fé supersticiosa da esquerda nas instituições antidemocráticas do Estado brasileiro

A burguesia engana a todos com o mito de que o Estado democrático está acima das classes sociais e mesmo de que ele atua a favor dos oprimidos contra os opressores, quando na verdade o Estado é o maior dos opressores.

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Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Nos últimos anos de sua vida, Engels dedicou boa parte de sua atividade política à crítica das posições revisionistas dentro da social democracia alemã. No centro daqueles desvios estava uma concepção antimarxista do Estado, à qual Engels se referiu como uma “fé supersticiosa no Estado”.

Os dirigentes socialistas vinham há duas décadas construindo o mais poderoso de todos os partidos operários em condições favoráveis e de relativa legalidade – apesar de ter vigorado por mais de dez anos a lei antissocialista. Bismarck, o responsável pela lei contra os socialistas, apresentando-se como um árbitro das classes sociais ante o medo da poderosa social democracia e o rápido desenvolvimento do capitalismo na Alemanha, chegou mesmo a conceder reformas sociais que levaram alguns a acreditar no conceito falacioso de “socialismo de Estado”. O progresso econômico ocorrido na Alemanha, somado às liberdades políticas, criava uma camada crescentemente acomodada entre os trabalhadores, que se distanciava socialmente da massa de operários, aproximando-se economicamente da pequena burguesia e passando a adotar o seu estilo de vida e suas ideias. Engels batizou essa camada superior do proletariado de “aristocracia operária”.

Sobre essa fé supersticiosa no Estado (da qual Marx já havia feito referência em 1875, ao chamá-la de “fé servil” no Estado), Engels explicava, em 1891:

Segundo a concepção filosófica, o Estado é a “realização da ideia”, ou seja, traduzido em linguagem filosófica, o reino de Deus sobre a terra, o terreno em que se tornam ou devem tornar-se realidade a eterna verdade e a eterna justiça. Surge daí uma veneração supersticiosa do Estado e de tudo o que com ele se relaciona, veneração supersticiosa que se vai implantando na consciência com tanto maior facilidade quando as pessoas se habituam, desde a infância, a pensar que os assuntos e interesses comuns a toda a sociedade não podem ser regulados nem defendidos senão como tem sido feito até então, isto é, por meio do Estado e de seus bem pagos funcionários. E já se crê ter sido dado um passo enormemente audaz ao libertar-se da fé na monarquia hereditária e manifestar entusiasmo pela República democrática. Em realidade, o Estado não é mais do que uma máquina para a opressão de uma classe por outra, tanto na República democrática como sob a monarquia; e, no melhor dos casos, um mal que se transmite hereditariamente ao proletariado triunfante em sua luta pela dominação de classe. Como fez a Comuna, o proletariado vitorioso não pode deixar de amputar imediatamente, na medida do possível, os aspectos mais nocivos desse mal, até que uma futura geração, formada em circunstâncias sociais novas e livres, possa desfazer-se de todo desse velho traste do Estado.

Dez anos antes, quando apenas despontava como um brilhante discípulo de Marx e Engels e estava longe o dia em que ele próprio se tornaria o grande expoente do revisionismo, Kautsky polemizava com a ideia de que “é tarefa do Estado proteger o fraco contra o forte”. Afirma que essa ideia deriva da teoria anticientífica e refutada historicamente do contrato (sobretudo de Hobbes e Rousseau), ou seja, de que o Estado é fruto de um contrato, de um acordo entre os indivíduos para que a guerra natural de todos contra todos não leve à opressão do fraco pelo forte. Correntes que ainda contavam com certa influência entre os trabalhadores, como a de Louis Blanc, pensavam: “o governo tem que cuidar de todo o ‘povo’, ele tem que estar acima dos partidos e das classes, proteger o partido mais fraco e a classe mais fraca da exploração do mais forte.” E Kautsky respondia: “essa teoria é muito adorável, ela tem apenas um erro: ela é falsa.” O dever do Estado é o exato oposto daquilo que é suplicado pelos ingênuos utopistas: sua tarefa se resume em proteger o forte do fraco. Não se trata de uma opinião ou de um desejo, mas da constatação de uma realidade. O Estado mais democrático, no qual os fracos conseguiram reduzir o máximo possível o seu poder e os fortes têm de se submeter a um controle relativo pelos fracos, continua sendo o aparato de proteção dos fortes contra os fracos, o seu instrumento de opressão e exploração. Portanto, completava Kautsky: “esperar do Estado que ele implemente essa equalização [essa igualdade entre as classes] significa esperar que ele se suicide voluntariamente.”

Mas a fé supersticiosa no Estado era tão forte que tragou toda a velha social democracia, não apenas a alemã, mas a internacional. As condições materiais da evolução do capitalismo levaram à cooptação da social democracia, ao abandono da perspectiva revolucionária e mesmo à adoção de uma política abertamente contrarrevolucionária, capitalista e imperialista. Finalmente, ela foi superada com a crise e a guerra – e com o rebento da revolução proletária, tão desacreditada por ela.

Mais de cem anos depois, a decomposição do modo de produção capitalista e a degradação das formas políticas criadas pela burguesia, com a segunda guerra mundial, o fascismo e o neoliberalismo – além da traição do stalinismo, que elevou a um novo nível o culto ao Estado, inclusive ao Estado burguês – proporcionam a manutenção daquela aristocracia operária e da revisão do marxismo. Uma esquerda pequeno-burguesa (quando não burguesa), integrada às diversas camadas do Estado, carreirista, carguista, dependente das benesses dos patrões e de suas instituições, insiste naquelas mesmas concepções que provam-se a cada dia equivocadas e nocivas.

A razão disso está no fato de que, apesar de todos os esforços e contribuições inigualáveis de Marx, Engels, Lênin e Trótski, o marxismo não conseguiu fixar um predomínio ideológico no seio da classe operária, onde sempre dominaram, com a exceção de curtíssimos períodos de tempo, as concepções utópicas e reformistas. Ainda mais em uma época de refluxo das lutas operárias (precedido pela decapitação da nata da vanguarda revolucionária por Stálin), o que predomina são as direções pequeno-burguesas, que se tornaram há muito um mero apêndice da burguesia e do imperialismo – embora muitas delas jurem de pés juntos que são marxistas.

Daí o completo fracasso da esquerda brasileira (e internacional) em atender aos interesses dos trabalhadores e de todos os setores oprimidos. A fé supersticiosa no Estado, da qual toda a esquerda está impregnada, a leva a acompanhar cegamente a burguesia e o imperialismo, a ser uma massa de manobra para a aplicação da política dos capitalistas contra o povo. E, o que é o mais grave de tudo, em uma época de polarização social com o acirramento da luta de classes devido à intensificação da crise capitalista, a aparecer cada vez mais diante dos trabalhadores e das massas oprimidas como um ser estranho e contrário às suas necessidades e às suas reivindicações.

Nos últimos tempos, essa traição acentuada à classe a qual diz defender se dá pelo seguidismo ao imperialismo sob a forma da pretensa luta pela democracia. Hoje a democracia é o ícone sagrado da religião estatal – ou o “reino milenar”, como já notara Marx sobre o pensamento dos democratas vulgares. Esquece-se que o Estado não passa da máquina – a mais forte de todas, a máquina por excelência – da opressão da classe dominante sobre as classes oprimidas. Mais grave ainda: esquece-se que a época do imperialismo, a época da degeneração e da decadência do próprio sistema capitalista, é precisamente a antítese da democracia – mesmo da democracia burguesa, da democracia que serviu de alavanca para o próprio desenvolvimento da produção capitalista.

O que há no Brasil nos últimos anos – o Brasil, um país que nunca soube o que é democracia – é o desmantelamento dos parcos direitos e liberdades democráticos que foram conquistados pelo povo brasileiro, sobretudo devido à luta da classe operária, ao longo de mais de um século de combates contra o Estado e contra a burguesia. A destruição desse arremedo de democracia é realizada sob o exato pretexto da defesa da democracia.

Estamos diante da maior farsa jamais montada pela burguesia e pelo imperialismo – não podemos ter o menor pingo de dúvida de que trata-se de uma manobra produzida pelo capital imperialista. E a principal correia de transmissão pela qual o imperialismo executa tamanho estelionato contra o povo brasileiro é precisamente a ala esquerda do regime: os setores imperialistas com um verniz democrático, que têm como aliados a pequena burguesia “progressista” e a camada superior da classe operária, os mais profundos defensores da burguesia que os próprios burgueses, como diria Lênin.

A burguesia engana a todos com o mito de que o Estado democrático está acima das classes sociais e mesmo de que ele atua a favor dos oprimidos contra os opressores, quando na verdade o Estado é o maior dos opressores. Essa é uma armadilha que capturou a quase totalidade da esquerda brasileira, há muito domesticada pela burguesia e por seu aparato estatal.

O pequeno-burguês, devido à sua situação econômica e a todas as condições da sua vida, é o menos capaz de assimilar essa verdade e conserva até ilusões de que a república democrática significaria uma “democracia pura”, um “Estado popular livre”, um poder do povo fora das classes ou acima das classes, uma manifestação pura da vontade de todo o povo, etc., etc.

Essas palavras escritas por Lênin em 1918 não caem como uma luva no Brasil atual?

O capitalismo, que não encontra mais saída para suas crises, como a de 2008, e entra em um novo turbilhão de contradições políticas e sociais nesta terceira década do século XXI, não apenas não pode ser representado por um regime democrático, como demonstra que nem mesmo a paródia da democracia é compatível com sua atual fase de degeneração. O reflexo da decadência e da crise imperialista na política não pode ser nenhum senão o fechamento do regime, o endurecimento das leis, o atropelo das próprias leis e, finalmente, o estabelecimento da ditadura.

À medida que a burguesia reverte as frágeis leis conquistadas pela sociedade para limitar o poder do Estado, e, assim, amplia o poder de atuação e intervenção do Estado sobre os cidadãos, o que está se produzindo no Brasil não é o fortalecimento da democracia, mas sim o seu contrário: a imposição de uma ditadura que controla, monitora, vigia, censura, processa, prende e proíbe uma série de direitos e liberdades individuais dos cidadãos – uma ditadura judicial e policial, que mostra nas favelas a verdadeira face do Estado, uma ditadura crescente que não é incompatível (muito pelo contrário) com a ditadura militar pura e simples. É o resultado político necessário do capitalismo em crise: somente um Estado que se eleva (em aparência) acima das classes, uma burocracia todo-poderosa que se apresenta como árbitra dos conflitos sociais, poderia fazer frente à polarização política, produto do aumento das contradições entre as classes em luta.

Os trabalhadores são levados ao engano pela burguesia com a ajuda daqueles que se apresentam como seus representantes – e que, com a degeneração do regime político, degeneram-se junto com ele. As direções e os representantes oficiais da esquerda já não são mais revolucionários ou reformistas. Tornaram-se fiéis. O Estado para eles é uma religião a ser defendida cega e incondicionalmente. Um Estado que não é democrático em nenhum sentido – uma esquerda que, fiel a essa máquina de oprimir o povo, revela-se antidemocrática.

Diante da confusão e dos sérios equívocos disseminados diariamente, das ilusões nas instituições do Estado e das consequências que daí serão geradas (a pavimentação do caminho para o fascismo), é necessário ter uma compreensão correta do que é o Estado e do que é a democracia. É necessário retomar a concepção e a doutrina do marxismo sobre o Estado, a democracia e a luta de classes e aplicá-las no sentido de apresentar aos trabalhadores e ao povo oprimido o caminho verdadeiramente democrático, libertário e emancipador, que não pode ser nenhum outro senão o caminho da revolução proletária e do socialismo.

A burguesia engana a todos com o mito de que o Estado democrático está acima das classes sociais e mesmo de que ele atua a favor dos oprimidos contra os opressores, quando na verdade o Estado é o maior dos opressores.

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Nos últimos anos de sua vida, Engels dedicou boa parte de sua atividade política à crítica das posições revisionistas dentro da social democracia alemã. No centro daqueles desvios estava uma concepção antimarxista do Estado, à qual Engels se referiu como uma “fé supersticiosa no Estado”.

Os dirigentes socialistas vinham há duas décadas construindo o mais poderoso de todos os partidos operários em condições favoráveis e de relativa legalidade – apesar de ter vigorado por mais de dez anos a lei antissocialista. Bismarck, o responsável pela lei contra os socialistas, apresentando-se como um árbitro das classes sociais ante o medo da poderosa social democracia e o rápido desenvolvimento do capitalismo na Alemanha, chegou mesmo a conceder reformas sociais que levaram alguns a acreditar no conceito falacioso de “socialismo de Estado”. O progresso econômico ocorrido na Alemanha, somado às liberdades políticas, criava uma camada crescentemente acomodada entre os trabalhadores, que se distanciava socialmente da massa de operários, aproximando-se economicamente da pequena burguesia e passando a adotar o seu estilo de vida e suas ideias. Engels batizou essa camada superior do proletariado de “aristocracia operária”.

Sobre essa fé supersticiosa no Estado (da qual Marx já havia feito referência em 1875, ao chamá-la de “fé servil” no Estado), Engels explicava, em 1891:

Segundo a concepção filosófica, o Estado é a “realização da ideia”, ou seja, traduzido em linguagem filosófica, o reino de Deus sobre a terra, o terreno em que se tornam ou devem tornar-se realidade a eterna verdade e a eterna justiça. Surge daí uma veneração supersticiosa do Estado e de tudo o que com ele se relaciona, veneração supersticiosa que se vai implantando na consciência com tanto maior facilidade quando as pessoas se habituam, desde a infância, a pensar que os assuntos e interesses comuns a toda a sociedade não podem ser regulados nem defendidos senão como tem sido feito até então, isto é, por meio do Estado e de seus bem pagos funcionários. E já se crê ter sido dado um passo enormemente audaz ao libertar-se da fé na monarquia hereditária e manifestar entusiasmo pela República democrática. Em realidade, o Estado não é mais do que uma máquina para a opressão de uma classe por outra, tanto na República democrática como sob a monarquia; e, no melhor dos casos, um mal que se transmite hereditariamente ao proletariado triunfante em sua luta pela dominação de classe. Como fez a Comuna, o proletariado vitorioso não pode deixar de amputar imediatamente, na medida do possível, os aspectos mais nocivos desse mal, até que uma futura geração, formada em circunstâncias sociais novas e livres, possa desfazer-se de todo desse velho traste do Estado.

Dez anos antes, quando apenas despontava como um brilhante discípulo de Marx e Engels e estava longe o dia em que ele próprio se tornaria o grande expoente do revisionismo, Kautsky polemizava com a ideia de que “é tarefa do Estado proteger o fraco contra o forte”. Afirma que essa ideia deriva da teoria anticientífica e refutada historicamente do contrato (sobretudo de Hobbes e Rousseau), ou seja, de que o Estado é fruto de um contrato, de um acordo entre os indivíduos para que a guerra natural de todos contra todos não leve à opressão do fraco pelo forte. Correntes que ainda contavam com certa influência entre os trabalhadores, como a de Louis Blanc, pensavam: “o governo tem que cuidar de todo o ‘povo’, ele tem que estar acima dos partidos e das classes, proteger o partido mais fraco e a classe mais fraca da exploração do mais forte.” E Kautsky respondia: “essa teoria é muito adorável, ela tem apenas um erro: ela é falsa.” O dever do Estado é o exato oposto daquilo que é suplicado pelos ingênuos utopistas: sua tarefa se resume em proteger o forte do fraco. Não se trata de uma opinião ou de um desejo, mas da constatação de uma realidade. O Estado mais democrático, no qual os fracos conseguiram reduzir o máximo possível o seu poder e os fortes têm de se submeter a um controle relativo pelos fracos, continua sendo o aparato de proteção dos fortes contra os fracos, o seu instrumento de opressão e exploração. Portanto, completava Kautsky: “esperar do Estado que ele implemente essa equalização [essa igualdade entre as classes] significa esperar que ele se suicide voluntariamente.”

Mas a fé supersticiosa no Estado era tão forte que tragou toda a velha social democracia, não apenas a alemã, mas a internacional. As condições materiais da evolução do capitalismo levaram à cooptação da social democracia, ao abandono da perspectiva revolucionária e mesmo à adoção de uma política abertamente contrarrevolucionária, capitalista e imperialista. Finalmente, ela foi superada com a crise e a guerra – e com o rebento da revolução proletária, tão desacreditada por ela.

Mais de cem anos depois, a decomposição do modo de produção capitalista e a degradação das formas políticas criadas pela burguesia, com a segunda guerra mundial, o fascismo e o neoliberalismo – além da traição do stalinismo, que elevou a um novo nível o culto ao Estado, inclusive ao Estado burguês – proporcionam a manutenção daquela aristocracia operária e da revisão do marxismo. Uma esquerda pequeno-burguesa (quando não burguesa), integrada às diversas camadas do Estado, carreirista, carguista, dependente das benesses dos patrões e de suas instituições, insiste naquelas mesmas concepções que provam-se a cada dia equivocadas e nocivas.

A razão disso está no fato de que, apesar de todos os esforços e contribuições inigualáveis de Marx, Engels, Lênin e Trótski, o marxismo não conseguiu fixar um predomínio ideológico no seio da classe operária, onde sempre dominaram, com a exceção de curtíssimos períodos de tempo, as concepções utópicas e reformistas. Ainda mais em uma época de refluxo das lutas operárias (precedido pela decapitação da nata da vanguarda revolucionária por Stálin), o que predomina são as direções pequeno-burguesas, que se tornaram há muito um mero apêndice da burguesia e do imperialismo – embora muitas delas jurem de pés juntos que são marxistas.

Daí o completo fracasso da esquerda brasileira (e internacional) em atender aos interesses dos trabalhadores e de todos os setores oprimidos. A fé supersticiosa no Estado, da qual toda a esquerda está impregnada, a leva a acompanhar cegamente a burguesia e o imperialismo, a ser uma massa de manobra para a aplicação da política dos capitalistas contra o povo. E, o que é o mais grave de tudo, em uma época de polarização social com o acirramento da luta de classes devido à intensificação da crise capitalista, a aparecer cada vez mais diante dos trabalhadores e das massas oprimidas como um ser estranho e contrário às suas necessidades e às suas reivindicações.

Nos últimos tempos, essa traição acentuada à classe a qual diz defender se dá pelo seguidismo ao imperialismo sob a forma da pretensa luta pela democracia. Hoje a democracia é o ícone sagrado da religião estatal – ou o “reino milenar”, como já notara Marx sobre o pensamento dos democratas vulgares. Esquece-se que o Estado não passa da máquina – a mais forte de todas, a máquina por excelência – da opressão da classe dominante sobre as classes oprimidas. Mais grave ainda: esquece-se que a época do imperialismo, a época da degeneração e da decadência do próprio sistema capitalista, é precisamente a antítese da democracia – mesmo da democracia burguesa, da democracia que serviu de alavanca para o próprio desenvolvimento da produção capitalista.

O que há no Brasil nos últimos anos – o Brasil, um país que nunca soube o que é democracia – é o desmantelamento dos parcos direitos e liberdades democráticos que foram conquistados pelo povo brasileiro, sobretudo devido à luta da classe operária, ao longo de mais de um século de combates contra o Estado e contra a burguesia. A destruição desse arremedo de democracia é realizada sob o exato pretexto da defesa da democracia.

Estamos diante da maior farsa jamais montada pela burguesia e pelo imperialismo – não podemos ter o menor pingo de dúvida de que trata-se de uma manobra produzida pelo capital imperialista. E a principal correia de transmissão pela qual o imperialismo executa tamanho estelionato contra o povo brasileiro é precisamente a ala esquerda do regime: os setores imperialistas com um verniz democrático, que têm como aliados a pequena burguesia “progressista” e a camada superior da classe operária, os mais profundos defensores da burguesia que os próprios burgueses, como diria Lênin.

A burguesia engana a todos com o mito de que o Estado democrático está acima das classes sociais e mesmo de que ele atua a favor dos oprimidos contra os opressores, quando na verdade o Estado é o maior dos opressores. Essa é uma armadilha que capturou a quase totalidade da esquerda brasileira, há muito domesticada pela burguesia e por seu aparato estatal.

O pequeno-burguês, devido à sua situação econômica e a todas as condições da sua vida, é o menos capaz de assimilar essa verdade e conserva até ilusões de que a república democrática significaria uma “democracia pura”, um “Estado popular livre”, um poder do povo fora das classes ou acima das classes, uma manifestação pura da vontade de todo o povo, etc., etc.

Essas palavras escritas por Lênin em 1918 não caem como uma luva no Brasil atual?

O capitalismo, que não encontra mais saída para suas crises, como a de 2008, e entra em um novo turbilhão de contradições políticas e sociais nesta terceira década do século XXI, não apenas não pode ser representado por um regime democrático, como demonstra que nem mesmo a paródia da democracia é compatível com sua atual fase de degeneração. O reflexo da decadência e da crise imperialista na política não pode ser nenhum senão o fechamento do regime, o endurecimento das leis, o atropelo das próprias leis e, finalmente, o estabelecimento da ditadura.

À medida que a burguesia reverte as frágeis leis conquistadas pela sociedade para limitar o poder do Estado, e, assim, amplia o poder de atuação e intervenção do Estado sobre os cidadãos, o que está se produzindo no Brasil não é o fortalecimento da democracia, mas sim o seu contrário: a imposição de uma ditadura que controla, monitora, vigia, censura, processa, prende e proíbe uma série de direitos e liberdades individuais dos cidadãos – uma ditadura judicial e policial, que mostra nas favelas a verdadeira face do Estado, uma ditadura crescente que não é incompatível (muito pelo contrário) com a ditadura militar pura e simples. É o resultado político necessário do capitalismo em crise: somente um Estado que se eleva (em aparência) acima das classes, uma burocracia todo-poderosa que se apresenta como árbitra dos conflitos sociais, poderia fazer frente à polarização política, produto do aumento das contradições entre as classes em luta.

Os trabalhadores são levados ao engano pela burguesia com a ajuda daqueles que se apresentam como seus representantes – e que, com a degeneração do regime político, degeneram-se junto com ele. As direções e os representantes oficiais da esquerda já não são mais revolucionários ou reformistas. Tornaram-se fiéis. O Estado para eles é uma religião a ser defendida cega e incondicionalmente. Um Estado que não é democrático em nenhum sentido – uma esquerda que, fiel a essa máquina de oprimir o povo, revela-se antidemocrática.

Diante da confusão e dos sérios equívocos disseminados diariamente, das ilusões nas instituições do Estado e das consequências que daí serão geradas (a pavimentação do caminho para o fascismo), é necessário ter uma compreensão correta do que é o Estado e do que é a democracia. É necessário retomar a concepção e a doutrina do marxismo sobre o Estado, a democracia e a luta de classes e aplicá-las no sentido de apresentar aos trabalhadores e ao povo oprimido o caminho verdadeiramente democrático, libertário e emancipador, que não pode ser nenhum outro senão o caminho da revolução proletária e do socialismo.

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December 22, 2025

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