As informações do Painel de Especialistas da ONU são fornecidas pelas agências de inteligência e desinformação dos Estados Unidos.
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O documentário “Sala 39: o caixa eletrônico da Coreia do Norte”, produzido pela DW, é um exemplo de como funciona a tradicional indústria de mentiras e manipulações do imperialismo contra os países que ele quer dominar e cujos governos lhe opõem resistência, em especial a República Popular Democrática da Coreia.
A peça propagandística que se passa por informativa apresenta-se como uma “investigação” sobre um suposto órgão do governo norte-coreano para conseguir dinheiro de fora do país a fim de sustentar a “ditadura militar e familiar” de Kim Jong Un.
A principal fonte de informações sobre a “Sala 39” é o Painel de Especialistas do Comitê de Sanções à RPDC do Conselho de Segurança das Nações Unidas, uma entidade formada por funcionários governamentais dos países-membros do Conselho de Segurança mais Japão e Coreia do Sul. Como já destrinchamos aqui na SCF, de “especialistas” aquelas pessoas não têm nada.
“Por sua própria segurança, trabalham em segredo. Só o seu diretor, Hugh Griffiths, aparece nas câmeras”, afirma o documentário. O próprio Griffiths já havia trabalhado para governos de países da União Europeia, para a Comissão Europeia e para agências do governo dos Estados Unidos, incluindo o Departamento de Estado, quando da exibição do documentário. Vejamos as “autoridades” “especializadas” em Coreia do Norte que dão veracidade à narrativa da DW:
- Youngwan Kim, representante da Coreia do Sul no Painel. Ex-funcionário do Ministério de Relações Exteriores, do Ministério da Unificação, do Escritório para a Coordenação de Política Governamental, do Escritório do Primeiro-Ministro e do Gabinete de Segurança Nacional e Política Externa do Escritório do Primeiro-Ministro da Coreia do Sul. Assumiu postos diplomáticos em Nova Iorque, Washington D.C. e Los Angeles.
- Benoît Camguilhem, funcionário do Ministério da Defesa e da Secretaria Geral de Defesa e Segurança Nacional da França.
- Stephanie Kleine-Ahlbrandt, trabalhou no USIP, no Conselho de Relações Exteriores dos EUA e foi destacada pelo Departamento de Estado para a Missão da OSCE na Bósnia e Herzegovina, além de ter trabalhado com a ONU e com think tanks ligados a governos ocidentais.
- Katsuhisa Furukawa, estudou em Harvard e trabalhou no Conselho de Relações Exteriores dos EUA, apesar de ser o representante japonês no Painel.
Como já comprovei em outra ocasião, as informações do Painel de Especialistas da ONU são fornecidas pelas agências de inteligência e desinformação dos Estados Unidos, em primeiro lugar, e, em segundo lugar, da Coreia do Sul e do Japão. Em geral, o Painel se alimenta de notícias produzidas pelos governos e veículos de comunicação hostis à Coreia do Norte. A “segurança” que eles precisam não é para se proteger de supostas retaliações da “ditadura” coreana, mas para manterem-se intocáveis, inquestionáveis, longe do escrutínio público, como verdadeiros burocratas. No entanto, o documentário os apresenta como se estivessem correndo perigo e fossem ameaçados por Kim Jong Un.
A DW, em determinado momento, menciona a fome ocorrida na década de 1990 no país, após o colapso da União Soviético e dos regimes aliados da Coreia do Norte, deixando-a isolada. A fome, relata a reportagem, teria matado entre um e três milhões de norte-coreanos. A culpa? Claro, do sistema econômico e estatal planificado (viva o livre mercado que não existe nem no Ocidente!) Diz-se que, desde então, o povo, principalmente do campo, tenta fazer negócios e trabalhar por conta própria no mercado negro. Mas os “especialistas” em sanções nada falam sobre o efeito causado por essas mesmas sanções sobre a economia da Coreia – aliás, até mesmo em seus relatórios isso é ignorado ou a discussão adiada. Em 2022, Rosemary DiCarlo, subsecretária-geral das Nações Unidas de Política e Assuntos de Paz, apontou que ainda persistiam as dificuldades de entidades humanitárias fazerem transações bancárias, desde as medidas tomadas em 2017. Mas isso, pelo visto, não importa…
Aí vem outra espécie de “especialista” para denunciar as operações de suposto roubo de ativos internacionais da Coreia do Norte: Simon Choi, consultor do Ministério de Relações Exteriores e dos serviços de inteligência da Coreia do Sul. Ele acusa a RPDC de hackear a Coreia do Sul e o mundo inteiro para conseguir dinheiro para que Kim Jong Un compre carros de luxo e desenvolva armas nucleares. Mas um alto funcionário do governo inimigo da RPDC, ligado à espionagem e desinformação de Seul, é mesmo uma fonte confiável para falar qualquer coisa sobre a Coreia do Norte em um documentário que se apresenta como “imparcial”? Já passou pela cabeça do diretor da DW produzir um documentário pretensamente “imparcial” cujas fontes especializadas em Coreia do Sul seriam os membros da inteligência norte-coreana?
Por fim, a outra categoria de fonte de informação especializada em Coreia do Norte: desertores que agora trabalham para o governo sul-coreano. É o caso de Koh Young Hwan, que saiu da RPDC em 1991 e atualmente é funcionário do Instituto de Segurança Nacional, órgão do governo da Coreia do Sul que emprega muitos desertores para colher informações sobre o Norte. Isto é, o senhor Hwan se transformou em agente de espionagem da Coreia do Sul. Fora ele, dois desertores anônimos que também trabalham para Seul.
As fontes “especializadas” e “imparciais” dão a frágil fachada “profissional” ao documentário, para que a narrativa dramatizada mostre como o povo norte-coreano sofre nas mãos da “ditadura despótica”. “Nenhum outro país explora sua população de forma tão sistemática como a Coreia do Norte”, diz a narração, citando os trabalhadores norte-coreanos empregados no exterior que seriam supostamente “tratados como escravos” que não recebem seu salário, pois vai tudo para o governo. É a “escravidão moderna”, em que os trabalhadores norte-coreanos no exterior são vigiados 24 horas por dia (aí vemos como a Coreia do Norte é, não um “país ultrapassado”, como o próprio filme conta, mas sim uma potências imperialista, onipresente no mundo todo, que controla os serviços de segurança até mesmo de países como a Rússia e os Emirados Árabes!). Para garantir essa exploração escravagista, o “regime” retém as famílias dos trabalhadores, chantageando-os para que não desertem e continuem enriquecendo Kim Jong Un com seu trabalho escravo!
(Quem não se lembra da campanha da Veja e da imprensa brasileira no governo Dilma contra a chegada dos médicos cubanos? O discurso era o mesmo: seriam escravos da família Castro, cujo salário iria todo para o governo…)
O documentário da DW, na verdade, reflete toda a hipocrisia da propaganda dos governos capitalistas. Inverte-se a realidade: em um país governado pelos trabalhadores (a Coreia), os trabalhadores são os mais explorados do mundo, enquanto que nos países governados pelos patrões (como a Alemanha, da DW), os trabalhadores não são explorados. De onde vem o lucro da Volkswagen, da BMW e da Audi? De onde vem os impostos que sustentam a própria DW, rede de TV do governo alemão? Eles vêm do céu? E a Alemanha da DW, como país imperialista, não explora apenas os seus próprios trabalhadores para enriquecer os seus capitalistas: saquearam a Grécia, ajudaram a destruir a Líbia e mantêm uma ditadura sobre toda a União Europeia justamente para salvar e engordar o bolso da burguesia alemã! É no mínimo irônico que uma rede de propaganda do governo alemão venha acusar a Coreia do Norte de manter campos de trabalhos forçados…
“Um país onde os trabalhadores não têm direitos, onde uma vida humana não tem valor”, diz o documentário. Pergunte ao operário alemão e ele lhe dirá que se está falando sobre o seu próprio país, e não sobre a Coreia do Norte. Mas o fantasma norte-coreano é evocado para que os trabalhadores alemães tenham medo do comunismo, e também para desviar a atenção e atrair a indignação da classe média para outra coisa que não seja a miséria crescente na Alemanha e nos países capitalistas.
Um membro do Instituto de Pesquisa Econômica de Pyongyang é entrevistado apenas para que o narrador diga que ele é “autorizado pelo regime” para responder às perguntas da reportagem e transmitir o lado norte-coreano – que, como sempre, é exibido como mentiroso, enganador e propagandístico.
Mas o que não é “Sala 39: o caixa eletrônico da Coreia do Norte” senão uma pura peça de propaganda contra um inimigo do imperialismo que precisa ser invadido para ser espoliado? Praticamente todos os entrevistados, as “fontes especializadas” não passam de burocratas daqueles mesmos governos cuja função é mentir e justificar agressões contra a RPDC. Não passam de propagandistas – ouvidos pela própria rede de propaganda estatal (não é só Kim Jong Un que promove propaganda estatal!) do regime alemão.