Só se desilude quem se iludiu! E só se iludiu quem não esteve atento aos sinais, aos factos, aos fundamentos.
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Só se desilude quem se iludiu! E só se iludiu quem não esteve atento aos sinais, aos factos, aos fundamentos.
Após o condenável e não provocado ataque ao Irão por parte do estado de Israel, ainda na ressaca do evento, assistimos à habitual farsa perpetrada pelos ideólogos do regime em que vivemos, questionando o possível envolvimento por parte dos EUA e de Trump. Como se Israel existisse sem os EUA, operasse sem os EUA e sobrevivesse sem os EUA. A fuga das altas patentes militares para o Chipre bem demonstra o tipo de projecto artificial que é Israel e quem o comanda, de facto.
Era como se todos os secretos e assumidos admiradores de Trump não quisessem crer que o homem que haviam tolerado, normalizado, eleido, apoiado e incentivado, tivesse adicionado mais uma, às duas guerras que já envolvem, directa ou indirectamente, os EUA. “Ele havia dito que não queria guerra”, “ele disse que as negociações iam bem e que no domingo haveria uma nova ronda de negociações”. Como eram os hesitantes argumentos apresentados.
Passadas algumas horas e conhecidas as próprias declarações de Netanyahu a respeito, já não haviam dúvidas: os EUA não apenas sabiam de tudo, como haviam participado activamente na “operação”. Foi um descalabro de mensagens, nas redes sociais e em muita imprensa designada de “independente”, dando conta da desilusão, sentindo-se enganados por Trump. O mais caricato de tudo, talvez, é que muitos destes “desiludidos” são pessoas que se apresentam como anti-imperialistas, fazendo parte do exército informativo anti-NATO, anti-ocidental, pró-russo.
Já não era de hoje que havia detectado uma certa tendência, por parte de muitos canais “independentes”, para confundirem a ideologia individualista identitária, promovida pelo Partido Democrata dos EUA, George Soros e as suas franjas ideológicas, bem como da ala mais liberal do próprio Partido Republicano, como se tratando da corrente ideológica principal do projecto hegemónico ocidental. Daí a ilusão com Trump.
A ideia de que, uma vez removida esta corrente ideológica, tudo voltaria ao normal, nomeadamente a uma linha política mais racional, menos histérica, errática e fanática, fez muito terreno entre a imprensa independente. Não tardou muito a que, quem estivesse mais atento, visse a verdadeira face da confusão gerada: o neofascismo e o reaccionarismo mais atrozes. A identificação da ideologia identitária com a “esquerda”, resumindo toda a “esquerda” a uma espécie de seita “wokista”, teoria construída no seio ideológico do imperialismo estado-unidense, como instrumento de desarme cognitivo das novas gerações, denunciava de forma inequívoca a tendência.
Feito esse caminho tornou-se muito fácil ao reaccionarismo, ao revanchismo ultra-conservador e neofascista, representativo de algumas das facções económicas mais agressivas dos EUA e do ocidente, entre elas a sionista, hoje em perigo com a deslocação do centro de poder do ocidente para oriente, proceder à cooptação das mentes. Identificando o neofascismo com o tradicionalismo, a família, a nação e a pátria, por oposição à doutrina hegemónica e globalista supostamente representada pela “esquerda”, tornou-se fácil a alienação de grande parte, da menos avisada e ideologicamente mais impreparada, comunidade “independente”.
Ao entrarem no jogo ideológico do poder ocidental, cujas regras são estabelecidas nos Think Thank em Washington, e que determinam que o espectro político começa e acaba na forma como se olha para as questões individuais, identitárias, religiosas e culturais, muitos entraram também na ilusão de que Trump e o Trumpismo, de facto, poderia constituir uma lufada de ar fresco. Um furacão de incorrecção política que tudo abanaria e permitiria reconstruir o edifício social sob bases diferentes. Foi como trazer o futebol para a política. Eu sou daqui e tu és dali, mas todos separados sob uma imutável construção económico-social.
Houve até quem anunciasse que Trump e o Trumpismo prescindiam do imperialismo estado-unidense e retornavam às “esferas de influência”, evitando guerras eternas e intervenções externas. Confiar em Trump tem destes riscos. Até chegaram ao ponto de confundir o “desmantelamento” de grande parte dos projectos USAID, com o suposto final do soft power e do deep state. O DOGE de Elon Musk era visto como uma espécie de comissariado do povo norte americano, perseguindo o corrupto despesismo que tanto custava ao contribuinte. Dos EUA e de gente insuspeita vieram ainda teorias realistas que apresentavam Trump como um suposto Business Man e, como tal, pragmático. Dois multimilionários aliados e arvorados em esperanças da humanidade… E tantos que acreditaram! Como se alguém se tornasse multimilionário a preocupar-se com o outro!
É claro que não são despiciendos os “ataques” do centrão ideológico ao movimento trumpista. Aliás, tais ataques, senão foram propositados, pelo menos foram estrategicamente certeiros. Parabéns aos cérebros que os conceberam e parabéns aos que, não tendo cérebro, os deixaram acontecer. Sabemos quem vocês são!
Os atentados contra Trump, o lawfare a que o Partido Democrata dos EUA jogou a mão; na União Europeia, o ataque a Viktor Orban; a aparente (apenas aparente) diabolização de Erdogan e Modi; o lawfare contra Le Pen ou as ameaças de ilegalização da AfD; trataram-se de movimentos que tornaram tudo mais difícil de compreender. Era como se os virtuosos e reais defensores do nosso modo de vida, da cultura, religião, estivessem sob ataque cerrado por parte dos perigosos “progressistas” liberais da “esquerda” woke, globalistas e imperialistas. Era como se, desta feita, o reaccionarismo que antes tinha produzido o fascismo, viesse agora para salvar a humanidade.
Se adicionarmos a esta retórica a da imigração de “portas abertas”, atacada por Trump, cujas políticas tantas vezes são elogiadas por gente ligada à imprensa independente proveniente do sul global e, em especial, da própria Federação Russa, sem contar com o capital de penetração junto das massas mais inconscientes do ocidente, desavindas com os governos “liberais” e “de esquerda” – os sionistas dizem que Macron é de “esquerda” –, os quais supostamente se dizem “democratas”, “moderados” e “tolerantes”, mas acabam a promover a guerra e a desinvestir nos serviços públicos que servem a maioria da população, todos estes factores terão contribuído para os enganos e desenganos.
Contudo, um caso houve que poderia ter contribuído para um certo abrir de olhos. Esse caso era o da Roménia. É verdade que Calin Georgescu foi impedido de concorrer e viu uma vitória eleitoral anulada. Georgescu apresentou-se como religioso, defensor dos valores tradicionais do povo romeno, da pátria romena e dos mais pobres. Trazia consigo também um dos vectores que o centrão “moderado” – no futuro a história descreverá este centrão como o “radical centrismo” – mais abomina: as relações económicas com a Federação Russa e a pretensão de paz na Ucrânia. Mas a este adicionava outros dois que raramente encontramos nos programas do Trumpismo europeu: o questionamento da NATO.
Se, por aqui, já se poderiam antever algumas diferenças, maiores ainda constatamos quando os apoiantes de Georgescu falavam em patriotismo, em uma Roménia que é estrangulada pela União Europeia e até de coisas como a redistribuição justa da riqueza e o controlo público de sectores fundamentais. Ora, nenhuma destas bandeiras é assumida pelo Trumpismo Europeu ou norte-americano, o que, por si só, deveria fazer franzir muitas sobrancelhas quando analisadas as propostas de partidos como o Chega, AfD, Vox ou Frente Nacional. Nenhum dos partidos do trumpismo preconizava uma mudança no sistema de relações económicas e, por isso mesmo, é que no final, a EU permitiu a George Simeon o concurso eleitoral que não havia permitido a Georgescu.
Em suma, os desiludidos do Trumpismo só se deixaram iludir por questões acessórias, meros apetrechos propagandísticos e muito pouco relevantes para a tarefa de transformação de um mundo tremendamente injusto, desequilibrado e desregulado, responsável pela destruição do modo de vida dos povos europeus e ocidentalizados. Mais grave ainda é quando Trump e o Trumpismo usaram estes apetrechos ideológicos para esconder as suas reais pretensões relativamente, essas sim, às questões essenciais.
Um dos maiores logros deste processo de ilusão, que tanto penetrou nas trincheiras sociais da média independente ligada aos BRICS, foi o da imigração. Nem por um momento esta gente percebeu que o ataque à imigração e aos imigrantes era, acima de tudo, um ataque ao sul global, aos modos de vida alternativos existentes no sul global, aos aliados do sul global.
Quando a EU, sob o reaccionarismo trumpista deriva para a Islamofobia, é preciso perceber o que se esconde por detrás disto. O que se esconde é o mais visceral e atroz racismo anti asiático. Ver a India de Modi apoiar o Israel de Netanyahu, um verdadeiro supremacista ocidental, que considera todos os outros povos inferiores e cuja corrente política é próxima da que, no ocidente, defende a perseguição, discriminação – mas nunca prescindindo da exploração – dos imigrantes asiáticos, é uma tragédia e uma falta de amor próprio absolutamente indesculpável.
E o que dizer do apoio de grande parte do Trumpismo europeu a Israel, ao sionismo e, inclusive, ao genocídio em Gaza? Não serão estes os mesmos que depois atacam, pela europa fora, os imigrantes indianos, paquistaneses, bengalis, muçulmanos, persas e outros?
Será que é assim tão difícil de encontrar a conexão sionista que se esconde por detrás de um Zelensky? E não se trata da mesma conexão que se esconde por detrás de Viktor Orban? Ou de Macron, Von Der Leyen ou Kaja Kallas? Não responderá Trump também a essa conexão, nomeadamente quando apoiou o ataque ao Irão e ameaça agora entrar na guerra?
A verdade é que todos quanto se iludiram a respeito de Trump, se deixaram iludir por razões absolutamente epidérmicas, nuns casos, como as políticas identitárias, e xenófobas, noutros. Compreender as causas da imigração e as causas do impacto que teve nos países ocidentais era uma obrigação daqueles que se movimentam nestas águas de geopolítica e abrem canais da média independente. Como desligar a onda migratória da destruição dos países do próximo oriente? Quem e que organizações, correntes políticas, legitimaram a destruição e países como a Líbia, Síria, Iraque, Iémen, Afeganistão ou Líbano? Não terão sido as mesmas que, com as mesmas ou outras roupagens, apoiam Israel, o genocídio e o ataque ao Irão, só porque o Irão, por ser o que é, é condenado a não possuir o que outros têm?
Como desligar a onda migratória para a Europa, através do mediterrâneo, das políticas da União Europeia, do patronato europeu que as exigiu, dos respeitáveis “empresários” ocidentais que, com uma mão financiam o espectro político situacionista – do radicalismo centrista ao trumpismo – e com outra pagam às redes de imigração ilegal para que encham os seus cofres com PIB humano importado, de preferência com salários de miséria?
Não serão estes trumpistas, bem como os centristas, todos sem excepção, defensores das políticas neoliberais, lavradas no consenso de Washington, que preconizam impostos para os trabalhadores e bolas fiscais para os ricos, privatizações e apoio a monopólios privados, políticas de austeridade e destruição de serviços públicos, contenção de salários e desregulação laboral, que tornaram toda a nossa existência mais instável, vulnerável a choques demográficos? E quem atira a culpa aos imigrantes não são os mesmos que culpam os trabalhadores por fazerem greve e exercerem direitos sindicais e exigirem melhor redistribuição da riqueza? Não são os Milei, os Bolsonaros, as Melonis ou os Orban que, com as suas “reformas laborais” emagrecem os direitos dos trabalhadores e destroem o modo de vida da maioria da população?
Como andar na Geopolítica sem conseguir identificar que quem defende o estado de Israel e o sionismo, quem defende a agressão ao Irão, são também aqueles que defendem a “contenção da China”, a não ser que beneficiem com o seu crescimento; o desmantelamento da Rússia ou a sua desconexão com a China, para que se possam destruir as duas; a contenção dos BRICS ou a manutenção do dólar como moeda de reserva? São também os que defendem a NATO, a supremacia e hegemonia religiosa, cultural, tecnológica e financeira dos EUA e do ocidente, sobre o resto do mundo, e, mesmo quando dizem querer a paz, tal só se deve a oportunismo de circunstância, pois falham em defendê-la em relação à Palestina e ao Próximo Oriente? E que dizer das coincidências em termos de políticas sociais, do papel do estado na redistribuição da riqueza…
E depois de convergirem em todas estas questões essenciais, existe quem considere que a diferença se faz em questões menores como quem abre as portas da imigração e quem as quer fechar ou quem diz defender as políticas identitárias e quem diz atacá-las? Já viram a EU sancionar algum estado membro por querer fechar as portas da imigração? Ameaça, sim, mas nada faz, como não faz quando se tratam das questões identitárias. Mas quando Viktor Orban continua a querer comprar gás à federação Russa, aí sim. Mas porque é a Rússia que passa a estar em causa. E Orban só o está, por causa da sua política relativamente á Rússia, como Robert Fico e Vucic, ambos de partidos designados de “centro esquerda”. Cedessem em relação à Federação Russa e, “esquerda ou direita”, tudo jogaria em casa.
Quem nunca se deixou cair na ilusão foi Vladimir Putin. Foi interessante assistir a supostos apoiantes de Vladimir Putin caírem no conto trumpista. Para Vladimir Putin a agressão ocidental à Federação Russa, mascarada ou não sob ilusória uma bandeira Ucraniana, foi sempre vista como uma agressão ao sul global, uma agressão imperialista, neocolonial, perpetrada pelas potências centrais destes poderes em direcção às nações em vias de desenvolvimento.
Para Vadimir Putin a guerra travada com o ocidente sempre foi uma batalha pelo desenvolvimento e pela afirmação da pátria russa, o direito a existir nos termos que para si definir, no respeito pela diversidade de povos e crenças que comporta. Para que os países mais desenvolvidos possam manter os seus privilégios, é imperioso que os outros não se desenvolvam, que não ameacem a “superioridade” civilizacional do ocidente. Putin nunca teve dúvidas disto e muito menos Xi Jinping ou Ali Khamenei. Todos sabem, por experiência própria, que sem luta não existe desenvolvimento, que não existe libertação da submissão. Este é, pelo menos, o seu discurso. Crescer implica dor, para mais quando o crescimento é feito à custa das gorduras de outros.
A agressão Israelo-americana – quem criou a impunidade sionista senão os EUA? – é, acima de tudo, uma agressão contra o desenvolvimento do Irão. Todos sabem que o Irão não tem, nem quer ter bombas atómicas, como sabiam que Saddam não possuía armas de destruição em massa. Mas Israel, pela natureza violenta da sua existência, não pode deixar emergir uma potência regional como o Irão, amplamente maior e com mais recursos. O fim do isolamento iraniano através da entrada nos BRICS e na Organização de Cooperação de Xangai, as parcerias estratégicas com a Federação Russa e a China, ditaram este ataque. O Irão havia reunido as condições para o desenvolvimento.
As sucessivas listas de convidados da Federação Russa demonstram bem de que lado este país se encontra e que consciência os seus dirigentes têm da situação. Se existe algo em comum entre todos os ocidentais que abominam a Federação Russa, sejam eles trumpistas ou radical centristas, é que todos odeiam Cuba, a Venezuela, a Coreia do Norte, a Palestina (uns fingindo mais que outros), o Burkina Faso, Nicarágua e por aí fora. Mais do que a própria China, a Rússia de Putin é hoje o maior ponto de concentração de nações anti-imperialistas e críticas do núcleo do poder ocidental. O que Trump pensa desta gente, e dos BRICS?
Melhor: quais os interesses que se escondem por detrás de Trump e o trumpismo? Não serão os interesses do complexo militar industrial, da indústria extractivista do petróleo e gás, da especulação imobiliária? E que interesses são estes, senão os interesses hegemónicos, seja que estratégia adoptem? Como poderiam tantos ter caído na ideia de que Trump não passava de um supremacista, nacionalista, neofascista e hegemonista norte-americano?
Escrevi muito sobre a coincidência das várias partes ocidentais quanto às questões fundamentais: hegemonia, dólar, supremacia civilizacional. Escrevi também muito sobre as danças que os europeus supostamente não trumpistas dariam até que coincidissem, no final, com Trump. Tal como Vladimir Putin também havia referido. Nada na acção dos europeus desmonta, coloca em causa, obstaculiza, o que quer que Trump queira fazer. Apesar da retórica, da ilusão.
Elon Musk foi um dos que demonstrou a sua infantilidade política. Como é que alguém que vendia carros eléctricos feitos na China recorrendo a mão de obra migrante, considerou que Trump era o candidato adequado?
Louvemos quem, apesar de todas as manobras, consegue manter a sanidade e discernir o fundamental do acessório!