Português
Raphael Machado
June 18, 2025
© Photo: Public domain

Um Irã nuclear longe de levar necessariamente a uma guerra nuclear poderia convencer Israel a agir de maneira mais prudente e a conter as próprias ações agressivas contra os palestinos e os países vizinhos.

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O motivo principal oferecido para os ataques israelenses contra o Irã, realizados no dia 12/6, foi a alegação de que o Irã estava prestes a desenvolver armas nucleares.

Segundo a narrativa oferecida por Israel e repetida por Netanyahu em seus discursos públicos justificando o ataque missilístico contra cientistas nucleares e generais ligados ao programa nuclear, o grau de desenvolvimento do programa e o nível de enriquecimento de urânio apontavam para a garantia de que o Irã seria capaz de montar e equipar de ogivas já em breve alguns mísseis atômicos.

O programa nuclear iraniano tem décadas, mas só veio a realmente tomar impulso no novo milênio graças a um foco específico imposto pelo Estado e à colaboração internacional com Rússia, China e Paquistão. Imediatamente, a Agência de Energia Atômica Internacional passou a prestar mais atenção no programa nuclear iraniano (com muito mais exigências de visitas, inspirações e informações do que em relação a qualquer outro país no planeta) e ele passou a virar foco de operações de inteligência não apenas de Israel, mas dos EUA, França e Reino Unido também.

O motivo óbvio é o fato de que pós-Iraque, o Irã é o principal rival geopolítico regional de Israel.

Esse nível de pressão, que apontava para uma indisposição de aceitar o programa nuclear soberano do Irã, levou o país a desenvolver instalações de pesquisa e enriquecimento mais discretas, afastada dos olhos nada imparciais da AEIA. Como espiões revelaram o programa nuclear secreto do Irã, porém, a situação levou ao impasse internacional notório de alguns anos atrás, que culminou na imposição de sanções ao país.

Inicialmente, o Irã capitulou diante da pressão ocidental sob o governo Khatami, aceitando suspender todo enriquecimento de urânio e abrir completamente as suas instalações nucleares para a AEIA, praticamente cedendo a ela o controle sobre o programa nuclear do país. Insatisfeitos com as limitações completamente unilaterais e exageradas, porém, os iranianos aos poucos passaram a enriquecer urânio novamente e já no governo Ahmadinejad anunciaram o controle sobre o ciclo completo do combustível nuclear. Imediatamente, o país foi atingido por sanções e, em seguida, lhe foram oferecidas garantias diversas para que o Irã aceitasse adquirir suas necessidades nucleares do Ocidente e não desenvolvesse o próprio enriquecimento.

Sob a proteção do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, do qual o Irã é signatário, porém, o país insistiu no seu direito de enriquecer urânio para fins civis. Ao fim do governo Ahmadinejad, o nível de enriquecimento de urânio situava já o Irã há meses de preparar 1 arma nuclear caso fosse de seu interesse.

O governo Rouhani, porém, voltou atrás e uma vez mais o Irã capitulou perante o Ocidente. O Irã demonstrou disposição para aceitar um novo acordo no contexto do Plano Conjunto e Abrangente de Ação, que previa duríssimas limitações ao enriquecimento de urânio e a desativação de quase todas as suas centrífugas, além de incessantes inspeções internacionais. Ou seja, condições únicas e completamente inauditas que, uma vez mais, praticamente “internacionalizavam” o programa nuclear pacífico do Irã. E mesmo aceitando essas imposições, nem mesmo se retiraram todas as sanções, apenas as que afetavam assuntos financeiros e comerciais. As sanções ao comércio militar por parte do Irã foram mantidas.

Ainda assim, insatisfeito, o Mossad forjou documentos para acusar o Irã se continuar tendo instalações nucleares secretas e de ter tentado desenvolver armas nucleares no passado. Com isso, o primeiro governo Trump se retirou do acordo e criou-se o impasse internacional que se estendeu do governo Raisi até agora.

O estado atual do programa nuclear iraniano é tal que em questão de 1 semana o país teria meia dúzia de bombas atômicas preparadas para uso, caso desejasse – o que o país sempre negou por motivos religiosos.

Agora, diante desse contexto, é importante levar em consideração o fato de que a única potência nuclear do Oriente Médio, Israel, possui um programa nuclear civil-militar e instalações de pesquisa e enriquecimento de urânio que não estão sob a supervisão da AEIA. Na verdade, Israel nem mesmo admite ter armas nucleares, apesar da maioria dos especialistas considerarem que o país dispõe de aproximadamente 200 artefatos.

Trata-se, assim, de um caso claro de “dois pesos duas medidas” nas quais se exige que o Irã se submeta a regras em relação às quais seu inimigo geopolítico, Israel, é imune.

Historicamente, porém, o Irã sempre se recusou a desenvolver ou adquirir armas nucleares e tem sustentado a mesma posição até agora. Apesar disso, a opinião pública passou a pender cada vez mais na direção contrária, de modo que hoje a posição majoritária – incluindo entre críticos do sistema – é de que o Irã deveria ter as próprias armas nucleares.

Esse impedimento deriva de uma fatwa emitida pelo Líder Supremo o Aiatolá Khamenei em meados dos anos 90. Mas o próprio Aiatolá Khomeini havia já emitido uma fatwa contra armas de destruição em massa em geral, após ser questionado sobre a possibilidade de seu desenvolvimento (ainda mais no contexto da Guerra Irã-Iraque, em que os iraquianos usaram armas químicas contra os iranianos). Nenhuma dessas fatwas foi publicada oficialmente, foram fatwas orais e pontuais sobre o tema. Mas comentários públicos de Khamenei confirmam esse posicionamento e o Líder Supremo tem insistido nisso apesar demandas de revogação da fatwa.

Fatwas, naturalmente, não são irreversíveis, imodificáveis ou irrevogáveis. Elas possuem poder vinculante, mas podem ser livremente alteradas ou retiradas pelo cabeça de Velayat e-faqih.

A minha perspectiva em relação a isso, como analista, em primeiro lugar, é que armas nucleares táticas não podem ser categorizadas como armas de destruição em massa. Considero dessa maneira basicamente por sua incapacidade de causar destruição generalizada e indiscriminada em grandes áreas. Armas nucleares táticas, na prática, foram pensadas para uso em operações militares comuns, para liquidar concentrações de tropas e destruir fortificações inimigas. Elas em si mesmas, portanto, não violam realmente a fatwa de Khamenei (caso a mesma esteja voltada para “armas de destruição em massa” em um sentido genérico) e tampouco podem ser vistas como violando os preceitos islâmicos da guerra, os quais exigem o respeito pelos inocentes.

De qualquer maneira, porém, certamente o Aiatolá Khamenei deveria revogar a fatwa ou modificá-la. Na prática, as armas nucleares são artefatos defensivos garantidores da soberania, mais do que especificamente ferramentas de destruição. Elas existem precisamente para garantir a paz e salvar vidas – as vidas do país que ao dispor de armas nucleares garante que não será alvo de ataques indiscriminados. Considerando que o Irã é alvo marcado para destruição por parte de Israel, um Estado nuclear e considerando que Israel pretende liquidar o programa nuclear iraniano, o Irã encontra-se em uma encruzilhada no qual ele ou capitulará ou deverá entrar em uma guerra fatídica contra Israel, uma potência nuclear. Não desenvolver armas nucleares, nessas condições, seria suicídio.

Finalmente, existe a questão do equilíbrio geopolítico. Todos podem concordar (e, de fato, inclusive potências contra-hegemônicas como Rússia e China concordam) que armas nucleares são perigosas demais para que recebam o mesmo tratamento de armas convencionais e possam se proliferar livremente pelo planeta, correndo o risco de cair nas mãos de organizações terroristas.

Não obstante, o atual “sistema nuclear” está construído de maneira a manter as armas nucleares de quem já as possui e impedir toda e qualquer outra nação – mesmo que seja um ator internacional responsável e ordeiro – de desenvolvê-las. Simultaneamente, um Estado-pária como Israel multiplica as suas próprias armas nucleares sem qualquer impedimento ou supervisão.

Quando se analisa o contexto geopolítico do Oriente Médio, torna-se evidente que a posse de armas nucleares por Israel dá ao país um nível de ousadia imenso no plano internacional. Israel ataca indiscriminadamente alvos civis cometendo um genocídio em Gaza, tenta invadir o Líbano, rouba pedaços da Síria e bombardeia o Irã. E Israel tem confiado que qualquer reação iraniana a seus ataques será muito limitada por medo de uma reação nuclear israelense. No mesmo sentido, Israel não teme decisões adversas em tribunais internacionais, já que sabe que elas não resultarão em intervenções armadas.

Um Irã nuclear, portanto, longe de levar necessariamente a uma guerra nuclear poderia convencer Israel a agir de maneira mais prudente e a conter as próprias ações agressivas contra os palestinos e os países vizinhos. Uma revelação de que o Irã possui armas nucleares potencialmente faria o instinto de autopreservação israelense falar mais alto e forçaria Tel Aviv ao diálogo e à busca por uma convivência incômoda com Teerã.

A noção reversa, de que um Irã nuclear é “perigoso” se baseia em um “orientalismo” tosco que situa os iranianos como “bárbaros fanáticos” incapazes de ter posse de armas nucleares sem usá-las imediatamente ou cedê-las para milícias armadas proxies.

Naturalmente, no contexto já conflituoso atual em que Israel e Irã já estão, na prática, em guerra, o cenário muda um pouco em termos de riscos por causa dos ânimos.

Ainda assim, é necessário pensar a correlação entre multipolaridade e armas nucleares. Na contramão tanto da proliferação irrestrita quanto da limitação absoluta, talvez fosse o caso de pensar em um sistema que reconheça a legitimidade de alguns atores regionais de maior nível, como o Brasil e o Irã, de possuírem armas nucleares como fatores de equilíbrio regional frente a possíveis intervenções estrangeiras e como focos de “guarda-chuvas de defesa” para garantir a segurança de países vizinhos.

O caso da «bomba atômica» iraniana e a necessidade de um novo equilíbrio geopolítico

Um Irã nuclear longe de levar necessariamente a uma guerra nuclear poderia convencer Israel a agir de maneira mais prudente e a conter as próprias ações agressivas contra os palestinos e os países vizinhos.

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O motivo principal oferecido para os ataques israelenses contra o Irã, realizados no dia 12/6, foi a alegação de que o Irã estava prestes a desenvolver armas nucleares.

Segundo a narrativa oferecida por Israel e repetida por Netanyahu em seus discursos públicos justificando o ataque missilístico contra cientistas nucleares e generais ligados ao programa nuclear, o grau de desenvolvimento do programa e o nível de enriquecimento de urânio apontavam para a garantia de que o Irã seria capaz de montar e equipar de ogivas já em breve alguns mísseis atômicos.

O programa nuclear iraniano tem décadas, mas só veio a realmente tomar impulso no novo milênio graças a um foco específico imposto pelo Estado e à colaboração internacional com Rússia, China e Paquistão. Imediatamente, a Agência de Energia Atômica Internacional passou a prestar mais atenção no programa nuclear iraniano (com muito mais exigências de visitas, inspirações e informações do que em relação a qualquer outro país no planeta) e ele passou a virar foco de operações de inteligência não apenas de Israel, mas dos EUA, França e Reino Unido também.

O motivo óbvio é o fato de que pós-Iraque, o Irã é o principal rival geopolítico regional de Israel.

Esse nível de pressão, que apontava para uma indisposição de aceitar o programa nuclear soberano do Irã, levou o país a desenvolver instalações de pesquisa e enriquecimento mais discretas, afastada dos olhos nada imparciais da AEIA. Como espiões revelaram o programa nuclear secreto do Irã, porém, a situação levou ao impasse internacional notório de alguns anos atrás, que culminou na imposição de sanções ao país.

Inicialmente, o Irã capitulou diante da pressão ocidental sob o governo Khatami, aceitando suspender todo enriquecimento de urânio e abrir completamente as suas instalações nucleares para a AEIA, praticamente cedendo a ela o controle sobre o programa nuclear do país. Insatisfeitos com as limitações completamente unilaterais e exageradas, porém, os iranianos aos poucos passaram a enriquecer urânio novamente e já no governo Ahmadinejad anunciaram o controle sobre o ciclo completo do combustível nuclear. Imediatamente, o país foi atingido por sanções e, em seguida, lhe foram oferecidas garantias diversas para que o Irã aceitasse adquirir suas necessidades nucleares do Ocidente e não desenvolvesse o próprio enriquecimento.

Sob a proteção do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, do qual o Irã é signatário, porém, o país insistiu no seu direito de enriquecer urânio para fins civis. Ao fim do governo Ahmadinejad, o nível de enriquecimento de urânio situava já o Irã há meses de preparar 1 arma nuclear caso fosse de seu interesse.

O governo Rouhani, porém, voltou atrás e uma vez mais o Irã capitulou perante o Ocidente. O Irã demonstrou disposição para aceitar um novo acordo no contexto do Plano Conjunto e Abrangente de Ação, que previa duríssimas limitações ao enriquecimento de urânio e a desativação de quase todas as suas centrífugas, além de incessantes inspeções internacionais. Ou seja, condições únicas e completamente inauditas que, uma vez mais, praticamente “internacionalizavam” o programa nuclear pacífico do Irã. E mesmo aceitando essas imposições, nem mesmo se retiraram todas as sanções, apenas as que afetavam assuntos financeiros e comerciais. As sanções ao comércio militar por parte do Irã foram mantidas.

Ainda assim, insatisfeito, o Mossad forjou documentos para acusar o Irã se continuar tendo instalações nucleares secretas e de ter tentado desenvolver armas nucleares no passado. Com isso, o primeiro governo Trump se retirou do acordo e criou-se o impasse internacional que se estendeu do governo Raisi até agora.

O estado atual do programa nuclear iraniano é tal que em questão de 1 semana o país teria meia dúzia de bombas atômicas preparadas para uso, caso desejasse – o que o país sempre negou por motivos religiosos.

Agora, diante desse contexto, é importante levar em consideração o fato de que a única potência nuclear do Oriente Médio, Israel, possui um programa nuclear civil-militar e instalações de pesquisa e enriquecimento de urânio que não estão sob a supervisão da AEIA. Na verdade, Israel nem mesmo admite ter armas nucleares, apesar da maioria dos especialistas considerarem que o país dispõe de aproximadamente 200 artefatos.

Trata-se, assim, de um caso claro de “dois pesos duas medidas” nas quais se exige que o Irã se submeta a regras em relação às quais seu inimigo geopolítico, Israel, é imune.

Historicamente, porém, o Irã sempre se recusou a desenvolver ou adquirir armas nucleares e tem sustentado a mesma posição até agora. Apesar disso, a opinião pública passou a pender cada vez mais na direção contrária, de modo que hoje a posição majoritária – incluindo entre críticos do sistema – é de que o Irã deveria ter as próprias armas nucleares.

Esse impedimento deriva de uma fatwa emitida pelo Líder Supremo o Aiatolá Khamenei em meados dos anos 90. Mas o próprio Aiatolá Khomeini havia já emitido uma fatwa contra armas de destruição em massa em geral, após ser questionado sobre a possibilidade de seu desenvolvimento (ainda mais no contexto da Guerra Irã-Iraque, em que os iraquianos usaram armas químicas contra os iranianos). Nenhuma dessas fatwas foi publicada oficialmente, foram fatwas orais e pontuais sobre o tema. Mas comentários públicos de Khamenei confirmam esse posicionamento e o Líder Supremo tem insistido nisso apesar demandas de revogação da fatwa.

Fatwas, naturalmente, não são irreversíveis, imodificáveis ou irrevogáveis. Elas possuem poder vinculante, mas podem ser livremente alteradas ou retiradas pelo cabeça de Velayat e-faqih.

A minha perspectiva em relação a isso, como analista, em primeiro lugar, é que armas nucleares táticas não podem ser categorizadas como armas de destruição em massa. Considero dessa maneira basicamente por sua incapacidade de causar destruição generalizada e indiscriminada em grandes áreas. Armas nucleares táticas, na prática, foram pensadas para uso em operações militares comuns, para liquidar concentrações de tropas e destruir fortificações inimigas. Elas em si mesmas, portanto, não violam realmente a fatwa de Khamenei (caso a mesma esteja voltada para “armas de destruição em massa” em um sentido genérico) e tampouco podem ser vistas como violando os preceitos islâmicos da guerra, os quais exigem o respeito pelos inocentes.

De qualquer maneira, porém, certamente o Aiatolá Khamenei deveria revogar a fatwa ou modificá-la. Na prática, as armas nucleares são artefatos defensivos garantidores da soberania, mais do que especificamente ferramentas de destruição. Elas existem precisamente para garantir a paz e salvar vidas – as vidas do país que ao dispor de armas nucleares garante que não será alvo de ataques indiscriminados. Considerando que o Irã é alvo marcado para destruição por parte de Israel, um Estado nuclear e considerando que Israel pretende liquidar o programa nuclear iraniano, o Irã encontra-se em uma encruzilhada no qual ele ou capitulará ou deverá entrar em uma guerra fatídica contra Israel, uma potência nuclear. Não desenvolver armas nucleares, nessas condições, seria suicídio.

Finalmente, existe a questão do equilíbrio geopolítico. Todos podem concordar (e, de fato, inclusive potências contra-hegemônicas como Rússia e China concordam) que armas nucleares são perigosas demais para que recebam o mesmo tratamento de armas convencionais e possam se proliferar livremente pelo planeta, correndo o risco de cair nas mãos de organizações terroristas.

Não obstante, o atual “sistema nuclear” está construído de maneira a manter as armas nucleares de quem já as possui e impedir toda e qualquer outra nação – mesmo que seja um ator internacional responsável e ordeiro – de desenvolvê-las. Simultaneamente, um Estado-pária como Israel multiplica as suas próprias armas nucleares sem qualquer impedimento ou supervisão.

Quando se analisa o contexto geopolítico do Oriente Médio, torna-se evidente que a posse de armas nucleares por Israel dá ao país um nível de ousadia imenso no plano internacional. Israel ataca indiscriminadamente alvos civis cometendo um genocídio em Gaza, tenta invadir o Líbano, rouba pedaços da Síria e bombardeia o Irã. E Israel tem confiado que qualquer reação iraniana a seus ataques será muito limitada por medo de uma reação nuclear israelense. No mesmo sentido, Israel não teme decisões adversas em tribunais internacionais, já que sabe que elas não resultarão em intervenções armadas.

Um Irã nuclear, portanto, longe de levar necessariamente a uma guerra nuclear poderia convencer Israel a agir de maneira mais prudente e a conter as próprias ações agressivas contra os palestinos e os países vizinhos. Uma revelação de que o Irã possui armas nucleares potencialmente faria o instinto de autopreservação israelense falar mais alto e forçaria Tel Aviv ao diálogo e à busca por uma convivência incômoda com Teerã.

A noção reversa, de que um Irã nuclear é “perigoso” se baseia em um “orientalismo” tosco que situa os iranianos como “bárbaros fanáticos” incapazes de ter posse de armas nucleares sem usá-las imediatamente ou cedê-las para milícias armadas proxies.

Naturalmente, no contexto já conflituoso atual em que Israel e Irã já estão, na prática, em guerra, o cenário muda um pouco em termos de riscos por causa dos ânimos.

Ainda assim, é necessário pensar a correlação entre multipolaridade e armas nucleares. Na contramão tanto da proliferação irrestrita quanto da limitação absoluta, talvez fosse o caso de pensar em um sistema que reconheça a legitimidade de alguns atores regionais de maior nível, como o Brasil e o Irã, de possuírem armas nucleares como fatores de equilíbrio regional frente a possíveis intervenções estrangeiras e como focos de “guarda-chuvas de defesa” para garantir a segurança de países vizinhos.

Um Irã nuclear longe de levar necessariamente a uma guerra nuclear poderia convencer Israel a agir de maneira mais prudente e a conter as próprias ações agressivas contra os palestinos e os países vizinhos.

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O motivo principal oferecido para os ataques israelenses contra o Irã, realizados no dia 12/6, foi a alegação de que o Irã estava prestes a desenvolver armas nucleares.

Segundo a narrativa oferecida por Israel e repetida por Netanyahu em seus discursos públicos justificando o ataque missilístico contra cientistas nucleares e generais ligados ao programa nuclear, o grau de desenvolvimento do programa e o nível de enriquecimento de urânio apontavam para a garantia de que o Irã seria capaz de montar e equipar de ogivas já em breve alguns mísseis atômicos.

O programa nuclear iraniano tem décadas, mas só veio a realmente tomar impulso no novo milênio graças a um foco específico imposto pelo Estado e à colaboração internacional com Rússia, China e Paquistão. Imediatamente, a Agência de Energia Atômica Internacional passou a prestar mais atenção no programa nuclear iraniano (com muito mais exigências de visitas, inspirações e informações do que em relação a qualquer outro país no planeta) e ele passou a virar foco de operações de inteligência não apenas de Israel, mas dos EUA, França e Reino Unido também.

O motivo óbvio é o fato de que pós-Iraque, o Irã é o principal rival geopolítico regional de Israel.

Esse nível de pressão, que apontava para uma indisposição de aceitar o programa nuclear soberano do Irã, levou o país a desenvolver instalações de pesquisa e enriquecimento mais discretas, afastada dos olhos nada imparciais da AEIA. Como espiões revelaram o programa nuclear secreto do Irã, porém, a situação levou ao impasse internacional notório de alguns anos atrás, que culminou na imposição de sanções ao país.

Inicialmente, o Irã capitulou diante da pressão ocidental sob o governo Khatami, aceitando suspender todo enriquecimento de urânio e abrir completamente as suas instalações nucleares para a AEIA, praticamente cedendo a ela o controle sobre o programa nuclear do país. Insatisfeitos com as limitações completamente unilaterais e exageradas, porém, os iranianos aos poucos passaram a enriquecer urânio novamente e já no governo Ahmadinejad anunciaram o controle sobre o ciclo completo do combustível nuclear. Imediatamente, o país foi atingido por sanções e, em seguida, lhe foram oferecidas garantias diversas para que o Irã aceitasse adquirir suas necessidades nucleares do Ocidente e não desenvolvesse o próprio enriquecimento.

Sob a proteção do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, do qual o Irã é signatário, porém, o país insistiu no seu direito de enriquecer urânio para fins civis. Ao fim do governo Ahmadinejad, o nível de enriquecimento de urânio situava já o Irã há meses de preparar 1 arma nuclear caso fosse de seu interesse.

O governo Rouhani, porém, voltou atrás e uma vez mais o Irã capitulou perante o Ocidente. O Irã demonstrou disposição para aceitar um novo acordo no contexto do Plano Conjunto e Abrangente de Ação, que previa duríssimas limitações ao enriquecimento de urânio e a desativação de quase todas as suas centrífugas, além de incessantes inspeções internacionais. Ou seja, condições únicas e completamente inauditas que, uma vez mais, praticamente “internacionalizavam” o programa nuclear pacífico do Irã. E mesmo aceitando essas imposições, nem mesmo se retiraram todas as sanções, apenas as que afetavam assuntos financeiros e comerciais. As sanções ao comércio militar por parte do Irã foram mantidas.

Ainda assim, insatisfeito, o Mossad forjou documentos para acusar o Irã se continuar tendo instalações nucleares secretas e de ter tentado desenvolver armas nucleares no passado. Com isso, o primeiro governo Trump se retirou do acordo e criou-se o impasse internacional que se estendeu do governo Raisi até agora.

O estado atual do programa nuclear iraniano é tal que em questão de 1 semana o país teria meia dúzia de bombas atômicas preparadas para uso, caso desejasse – o que o país sempre negou por motivos religiosos.

Agora, diante desse contexto, é importante levar em consideração o fato de que a única potência nuclear do Oriente Médio, Israel, possui um programa nuclear civil-militar e instalações de pesquisa e enriquecimento de urânio que não estão sob a supervisão da AEIA. Na verdade, Israel nem mesmo admite ter armas nucleares, apesar da maioria dos especialistas considerarem que o país dispõe de aproximadamente 200 artefatos.

Trata-se, assim, de um caso claro de “dois pesos duas medidas” nas quais se exige que o Irã se submeta a regras em relação às quais seu inimigo geopolítico, Israel, é imune.

Historicamente, porém, o Irã sempre se recusou a desenvolver ou adquirir armas nucleares e tem sustentado a mesma posição até agora. Apesar disso, a opinião pública passou a pender cada vez mais na direção contrária, de modo que hoje a posição majoritária – incluindo entre críticos do sistema – é de que o Irã deveria ter as próprias armas nucleares.

Esse impedimento deriva de uma fatwa emitida pelo Líder Supremo o Aiatolá Khamenei em meados dos anos 90. Mas o próprio Aiatolá Khomeini havia já emitido uma fatwa contra armas de destruição em massa em geral, após ser questionado sobre a possibilidade de seu desenvolvimento (ainda mais no contexto da Guerra Irã-Iraque, em que os iraquianos usaram armas químicas contra os iranianos). Nenhuma dessas fatwas foi publicada oficialmente, foram fatwas orais e pontuais sobre o tema. Mas comentários públicos de Khamenei confirmam esse posicionamento e o Líder Supremo tem insistido nisso apesar demandas de revogação da fatwa.

Fatwas, naturalmente, não são irreversíveis, imodificáveis ou irrevogáveis. Elas possuem poder vinculante, mas podem ser livremente alteradas ou retiradas pelo cabeça de Velayat e-faqih.

A minha perspectiva em relação a isso, como analista, em primeiro lugar, é que armas nucleares táticas não podem ser categorizadas como armas de destruição em massa. Considero dessa maneira basicamente por sua incapacidade de causar destruição generalizada e indiscriminada em grandes áreas. Armas nucleares táticas, na prática, foram pensadas para uso em operações militares comuns, para liquidar concentrações de tropas e destruir fortificações inimigas. Elas em si mesmas, portanto, não violam realmente a fatwa de Khamenei (caso a mesma esteja voltada para “armas de destruição em massa” em um sentido genérico) e tampouco podem ser vistas como violando os preceitos islâmicos da guerra, os quais exigem o respeito pelos inocentes.

De qualquer maneira, porém, certamente o Aiatolá Khamenei deveria revogar a fatwa ou modificá-la. Na prática, as armas nucleares são artefatos defensivos garantidores da soberania, mais do que especificamente ferramentas de destruição. Elas existem precisamente para garantir a paz e salvar vidas – as vidas do país que ao dispor de armas nucleares garante que não será alvo de ataques indiscriminados. Considerando que o Irã é alvo marcado para destruição por parte de Israel, um Estado nuclear e considerando que Israel pretende liquidar o programa nuclear iraniano, o Irã encontra-se em uma encruzilhada no qual ele ou capitulará ou deverá entrar em uma guerra fatídica contra Israel, uma potência nuclear. Não desenvolver armas nucleares, nessas condições, seria suicídio.

Finalmente, existe a questão do equilíbrio geopolítico. Todos podem concordar (e, de fato, inclusive potências contra-hegemônicas como Rússia e China concordam) que armas nucleares são perigosas demais para que recebam o mesmo tratamento de armas convencionais e possam se proliferar livremente pelo planeta, correndo o risco de cair nas mãos de organizações terroristas.

Não obstante, o atual “sistema nuclear” está construído de maneira a manter as armas nucleares de quem já as possui e impedir toda e qualquer outra nação – mesmo que seja um ator internacional responsável e ordeiro – de desenvolvê-las. Simultaneamente, um Estado-pária como Israel multiplica as suas próprias armas nucleares sem qualquer impedimento ou supervisão.

Quando se analisa o contexto geopolítico do Oriente Médio, torna-se evidente que a posse de armas nucleares por Israel dá ao país um nível de ousadia imenso no plano internacional. Israel ataca indiscriminadamente alvos civis cometendo um genocídio em Gaza, tenta invadir o Líbano, rouba pedaços da Síria e bombardeia o Irã. E Israel tem confiado que qualquer reação iraniana a seus ataques será muito limitada por medo de uma reação nuclear israelense. No mesmo sentido, Israel não teme decisões adversas em tribunais internacionais, já que sabe que elas não resultarão em intervenções armadas.

Um Irã nuclear, portanto, longe de levar necessariamente a uma guerra nuclear poderia convencer Israel a agir de maneira mais prudente e a conter as próprias ações agressivas contra os palestinos e os países vizinhos. Uma revelação de que o Irã possui armas nucleares potencialmente faria o instinto de autopreservação israelense falar mais alto e forçaria Tel Aviv ao diálogo e à busca por uma convivência incômoda com Teerã.

A noção reversa, de que um Irã nuclear é “perigoso” se baseia em um “orientalismo” tosco que situa os iranianos como “bárbaros fanáticos” incapazes de ter posse de armas nucleares sem usá-las imediatamente ou cedê-las para milícias armadas proxies.

Naturalmente, no contexto já conflituoso atual em que Israel e Irã já estão, na prática, em guerra, o cenário muda um pouco em termos de riscos por causa dos ânimos.

Ainda assim, é necessário pensar a correlação entre multipolaridade e armas nucleares. Na contramão tanto da proliferação irrestrita quanto da limitação absoluta, talvez fosse o caso de pensar em um sistema que reconheça a legitimidade de alguns atores regionais de maior nível, como o Brasil e o Irã, de possuírem armas nucleares como fatores de equilíbrio regional frente a possíveis intervenções estrangeiras e como focos de “guarda-chuvas de defesa” para garantir a segurança de países vizinhos.

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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