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Alastair Crooke
May 23, 2025
© Photo: Public domain

A nova era marca o fim da “velha política”: os rótulos Vermelho vs Azul; Direita vs Esquerda perdem relevância.

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Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Até mesmo a necessidade de transição – só para esclarecer – só recentemente começou a ser reconhecida nos EUA.

No entanto, para a liderança europeia e para os beneficiários da financeirização que lamentam com arrogância a “tempestade” imprudentemente desencadeada por Trump no mundo, suas teses econômicas básicas são ridicularizadas como noções bizarras completamente divorciadas da “realidade” econômica.

Isso é completamente falso.

Conforme aponta o economista grego Yanis Varoufakis , a realidade da situação ocidental e a necessidade de transição foram claramente explicadas por Paul Volcker, antigo presidente do Federal Reserve, já em 2005.

O duro “fato” do paradigma econômico globalista liberal já era evidente naquela época:

O que mantém o sistema globalista unido é um fluxo massivo e crescente de capital estrangeiro, que chega a mais de US$ 2 bilhões por dia útil – e continua crescendo. Não há sensação de tensão. Como nação, não tomamos empréstimos nem imploramos conscientemente. Não estamos sequer oferecendo taxas de juros atrativas, nem precisamos oferecer proteção aos nossos credores contra o risco de uma desvalorização do dólar.

“É tudo bastante confortável para nós. Enchemos nossas lojas e garagens com produtos do exterior, e a concorrência tem sido uma forte restrição aos nossos preços internos. Certamente ajudou a manter as taxas de juros excepcionalmente baixas, apesar da perda de nossas economias e do rápido crescimento.”

E tem sido confortável também para os nossos parceiros comerciais e para aqueles que fornecem o capital. Alguns, como a China [e a Europa, especialmente a Alemanha], têm dependido fortemente dos nossos mercados internos em expansão. E, na maior parte, os Bancos Centrais dos países emergentes têm se mostrado dispostos a reter cada vez mais dólares, que são, afinal, o que há de mais próximo que o mundo tem de uma moeda verdadeiramente internacional.

A dificuldade é que esse padrão aparentemente confortável não pode continuar indefinidamente” .

Exatamente. E Trump está em vias de explodir o sistema comercial mundial para restaurá-lo. Os liberais ocidentais, que hoje rangem os dentes e lamentam o advento da “economia trumpiana”, estão simplesmente negando que Trump tenha ao menos reconhecido a realidade americana mais importante – ou seja, que o padrão não pode continuar indefinidamente e que o consumismo movido a dívidas já passou da data de validade.

Lembre-se de que a maioria dos participantes do sistema financeiro ocidental não conheceu nada além do “mundo confortável” de Volcker durante toda a sua vida. Não é de se admirar que tenham dificuldade em pensar além de sua velada represália.

Isso não significa, é claro, que a solução de Trump para o problema funcionará. Possivelmente, a forma particular de reequilíbrio estrutural de Trump pode até piorar a situação.

No entanto, a reestruturação, de alguma forma, é claramente inevitável. Caso contrário, tudo se resume a uma escolha entre uma falência lenta ou uma rápida e desordenada.

O sistema globalista impulsionado pelo dólar funcionou bem inicialmente – pelo menos da perspectiva dos EUA. Os EUA exportaram seu excesso de capacidade industrial pós-Segunda Guerra Mundial para uma Europa recém-dolarizada, que consumiu o excedente. E a Europa também se beneficiou de ter seu próprio ambiente macroeconômico (modelos impulsionados pela exportação, garantidos pelo mercado americano).

A crise atual começou, no entanto, quando o paradigma se inverteu — quando os EUA entraram em sua era de déficits orçamentários estruturais insustentáveis, e quando a financeirização levou Wall Street a construir sua pirâmide invertida de “ativos” derivativos, apoiada em um pequeno pivô de ativos reais.

A realidade nua e crua da crise do desequilíbrio estrutural já é suficientemente grave. Mas a crise geoestratégica ocidental vai muito além da simples contradição estrutural dos fluxos de capital e de um dólar “forte” corroendo o coração do setor manufatureiro americano. Porque está ligada, também, ao colapso concomitante das ideologias centrais que sustentam o globalismo liberal.

É por causa dessa profunda devoção ocidental à ideologia (bem como ao “conforto” Volker proporcionado pelo sistema) que desencadeou tamanha torrente de raiva e escárnio direto em relação aos planos de “reequilíbrio” de Trump. Quase nenhum economista ocidental tem uma palavra positiva a dizer – e, no entanto, nenhuma estrutura alternativa plausível é apresentada. A paixão deles por Trump apenas sublinha que a teoria econômica ocidental também está falida.

O que quer dizer que a crise geoestratégica mais profunda no Ocidente consiste tanto no colapso da ideologia arquetípica quanto de uma ordem de elite paralítica.

Durante trinta anos, Wall Street vendeu uma fantasia (a dívida não importava)… e essa ilusão simplesmente se despedaçou.

Sim, alguns entendem que o paradigma econômico ocidental de consumismo hiperfinanceirizado e baseado em dívidas já esgotou suas possibilidades e que a mudança é inevitável. Mas o Ocidente está tão fortemente envolvido no modelo econômico “anglo” que, em sua maioria, os economistas permanecem paralisados na teia de aranha. “Não há alternativa” (TINA: There Is No Alternative – nota da tradutora) é a frase de efeito.

A espinha dorsal ideológica do modelo econômico americano reside, em primeiro lugar, em “O Caminho da Servidão”, de Friedrich von Hayek, que foi entendido como significando que qualquer envolvimento governamental na gestão da economia era uma violação da “liberdade” – e equivalente ao socialismo. E, em segundo lugar, após a união hayekiana com a Escola Monetária de Chicago, na pessoa de Milton Friedman, que escreveria a “edição americana” de “O Caminho da Servidão” (que (ironicamente) veio a ser chamado de “Capitalismo e Liberdade”), o arquétipo foi estabelecido.

O economista Philip Pilkington escreve que a ilusão de Hayek de que mercados são iguais a “liberdade” e, portanto, estavam em consonância com a corrente libertária americana profundamente enraizada “se tornou tão difundida a ponto de todo o discurso ficar completamente saturado”:

“Em companhia educada e em público, você certamente pode ser de Esquerda ou de Direita, mas sempre será, de alguma forma, neoliberal; caso contrário, você simplesmente não terá permissão para participar do discurso”.

“Cada país pode ter suas próprias peculiaridades… mas, em princípios gerais, eles seguem um padrão semelhante: o neoliberalismo liderado pela dívida é, antes de tudo, uma teoria de como reestruturar o Estado para garantir o sucesso dos mercados – e de seu participante mais importante: as corporações modernas”.

Então, aqui está o ponto fundamental: a crise do globalismo liberal não é apenas uma questão de reequilibrar uma estrutura falida. De qualquer forma, o desequilíbrio é inevitável quando todas as economias buscam, juntas e simultaneamente, o modelo anglo-saxão “aberto”, voltado para a exportação.

Não, o maior problema é que o mito arquetípico de indivíduos (e oligarcas) buscando sua própria maximização de utilidade separada e individual — graças à mão oculta da mágica do mercado — é tal que, no agregado, seus esforços combinados serão em benefício da comunidade como um todo (Adam Smith) também entrou em colapso.

Na verdade, a ideologia à qual o Ocidente apega-se tão tenazmente – a de que a motivação humana é utilitária (e somente utilitária) – é uma ilusão. Como filósofos da ciência como Hans Albert apontaram, a teoria da maximização da utilidade exclui, a priori, o mapeamento do mundo real, tornando-a, portanto, intestável.

Paradoxalmente, Trump, no entanto, é, sem dúvida, o chefe de todos os maximizadores utilitaristas! Será ele, então, o profeta de um retorno à era dos magnatas americanos aventureiros do século XIX, ou será ele o adepto de uma reformulação mais fundamental?

Em termos simples, o Ocidente não pode fazer a transição para uma estrutura econômica alternativa (como um modelo “fechado” de circulação interna) precisamente porque está tão fortemente investido ideologicamente nos fundamentos filosóficos do atual — que questionar essas raízes parece equivaler a uma traição aos valores europeus e aos valores libertários fundamentais da América (extraídos da Revolução Francesa).

A realidade é que hoje a visão ocidental dos seus alegados “valores” atenienses está tão desacreditada quanto sua teoria econômica no resto do mundo, bem como entre uma parcela significativa de suas próprias populações raivosas e descontentes!

Portanto, a questão principal é a seguinte: não busquem nas elites europeias uma visão coerente sobre a Ordem Mundial emergente. Elas estão em colapso e preocupadas em tentar se salvar em meio à decadência da esfera ocidental e ao medo de retaliações de seus eleitorados.

Esta nova era, no entanto, também marca o fim da “velha política”: os rótulos Vermelho vs. Azul; Direita vs. Esquerda perdem relevância. Novas identidades e agrupamentos políticos já estão sendo formados, mesmo que seus contornos ainda não estejam definidos.

 Tradução: Comunidad Saker Latinoamericana

A «transição» para uma nova ordem mundial está além da maioria no Ocidente

A nova era marca o fim da “velha política”: os rótulos Vermelho vs Azul; Direita vs Esquerda perdem relevância.

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Até mesmo a necessidade de transição – só para esclarecer – só recentemente começou a ser reconhecida nos EUA.

No entanto, para a liderança europeia e para os beneficiários da financeirização que lamentam com arrogância a “tempestade” imprudentemente desencadeada por Trump no mundo, suas teses econômicas básicas são ridicularizadas como noções bizarras completamente divorciadas da “realidade” econômica.

Isso é completamente falso.

Conforme aponta o economista grego Yanis Varoufakis , a realidade da situação ocidental e a necessidade de transição foram claramente explicadas por Paul Volcker, antigo presidente do Federal Reserve, já em 2005.

O duro “fato” do paradigma econômico globalista liberal já era evidente naquela época:

O que mantém o sistema globalista unido é um fluxo massivo e crescente de capital estrangeiro, que chega a mais de US$ 2 bilhões por dia útil – e continua crescendo. Não há sensação de tensão. Como nação, não tomamos empréstimos nem imploramos conscientemente. Não estamos sequer oferecendo taxas de juros atrativas, nem precisamos oferecer proteção aos nossos credores contra o risco de uma desvalorização do dólar.

“É tudo bastante confortável para nós. Enchemos nossas lojas e garagens com produtos do exterior, e a concorrência tem sido uma forte restrição aos nossos preços internos. Certamente ajudou a manter as taxas de juros excepcionalmente baixas, apesar da perda de nossas economias e do rápido crescimento.”

E tem sido confortável também para os nossos parceiros comerciais e para aqueles que fornecem o capital. Alguns, como a China [e a Europa, especialmente a Alemanha], têm dependido fortemente dos nossos mercados internos em expansão. E, na maior parte, os Bancos Centrais dos países emergentes têm se mostrado dispostos a reter cada vez mais dólares, que são, afinal, o que há de mais próximo que o mundo tem de uma moeda verdadeiramente internacional.

A dificuldade é que esse padrão aparentemente confortável não pode continuar indefinidamente” .

Exatamente. E Trump está em vias de explodir o sistema comercial mundial para restaurá-lo. Os liberais ocidentais, que hoje rangem os dentes e lamentam o advento da “economia trumpiana”, estão simplesmente negando que Trump tenha ao menos reconhecido a realidade americana mais importante – ou seja, que o padrão não pode continuar indefinidamente e que o consumismo movido a dívidas já passou da data de validade.

Lembre-se de que a maioria dos participantes do sistema financeiro ocidental não conheceu nada além do “mundo confortável” de Volcker durante toda a sua vida. Não é de se admirar que tenham dificuldade em pensar além de sua velada represália.

Isso não significa, é claro, que a solução de Trump para o problema funcionará. Possivelmente, a forma particular de reequilíbrio estrutural de Trump pode até piorar a situação.

No entanto, a reestruturação, de alguma forma, é claramente inevitável. Caso contrário, tudo se resume a uma escolha entre uma falência lenta ou uma rápida e desordenada.

O sistema globalista impulsionado pelo dólar funcionou bem inicialmente – pelo menos da perspectiva dos EUA. Os EUA exportaram seu excesso de capacidade industrial pós-Segunda Guerra Mundial para uma Europa recém-dolarizada, que consumiu o excedente. E a Europa também se beneficiou de ter seu próprio ambiente macroeconômico (modelos impulsionados pela exportação, garantidos pelo mercado americano).

A crise atual começou, no entanto, quando o paradigma se inverteu — quando os EUA entraram em sua era de déficits orçamentários estruturais insustentáveis, e quando a financeirização levou Wall Street a construir sua pirâmide invertida de “ativos” derivativos, apoiada em um pequeno pivô de ativos reais.

A realidade nua e crua da crise do desequilíbrio estrutural já é suficientemente grave. Mas a crise geoestratégica ocidental vai muito além da simples contradição estrutural dos fluxos de capital e de um dólar “forte” corroendo o coração do setor manufatureiro americano. Porque está ligada, também, ao colapso concomitante das ideologias centrais que sustentam o globalismo liberal.

É por causa dessa profunda devoção ocidental à ideologia (bem como ao “conforto” Volker proporcionado pelo sistema) que desencadeou tamanha torrente de raiva e escárnio direto em relação aos planos de “reequilíbrio” de Trump. Quase nenhum economista ocidental tem uma palavra positiva a dizer – e, no entanto, nenhuma estrutura alternativa plausível é apresentada. A paixão deles por Trump apenas sublinha que a teoria econômica ocidental também está falida.

O que quer dizer que a crise geoestratégica mais profunda no Ocidente consiste tanto no colapso da ideologia arquetípica quanto de uma ordem de elite paralítica.

Durante trinta anos, Wall Street vendeu uma fantasia (a dívida não importava)… e essa ilusão simplesmente se despedaçou.

Sim, alguns entendem que o paradigma econômico ocidental de consumismo hiperfinanceirizado e baseado em dívidas já esgotou suas possibilidades e que a mudança é inevitável. Mas o Ocidente está tão fortemente envolvido no modelo econômico “anglo” que, em sua maioria, os economistas permanecem paralisados na teia de aranha. “Não há alternativa” (TINA: There Is No Alternative – nota da tradutora) é a frase de efeito.

A espinha dorsal ideológica do modelo econômico americano reside, em primeiro lugar, em “O Caminho da Servidão”, de Friedrich von Hayek, que foi entendido como significando que qualquer envolvimento governamental na gestão da economia era uma violação da “liberdade” – e equivalente ao socialismo. E, em segundo lugar, após a união hayekiana com a Escola Monetária de Chicago, na pessoa de Milton Friedman, que escreveria a “edição americana” de “O Caminho da Servidão” (que (ironicamente) veio a ser chamado de “Capitalismo e Liberdade”), o arquétipo foi estabelecido.

O economista Philip Pilkington escreve que a ilusão de Hayek de que mercados são iguais a “liberdade” e, portanto, estavam em consonância com a corrente libertária americana profundamente enraizada “se tornou tão difundida a ponto de todo o discurso ficar completamente saturado”:

“Em companhia educada e em público, você certamente pode ser de Esquerda ou de Direita, mas sempre será, de alguma forma, neoliberal; caso contrário, você simplesmente não terá permissão para participar do discurso”.

“Cada país pode ter suas próprias peculiaridades… mas, em princípios gerais, eles seguem um padrão semelhante: o neoliberalismo liderado pela dívida é, antes de tudo, uma teoria de como reestruturar o Estado para garantir o sucesso dos mercados – e de seu participante mais importante: as corporações modernas”.

Então, aqui está o ponto fundamental: a crise do globalismo liberal não é apenas uma questão de reequilibrar uma estrutura falida. De qualquer forma, o desequilíbrio é inevitável quando todas as economias buscam, juntas e simultaneamente, o modelo anglo-saxão “aberto”, voltado para a exportação.

Não, o maior problema é que o mito arquetípico de indivíduos (e oligarcas) buscando sua própria maximização de utilidade separada e individual — graças à mão oculta da mágica do mercado — é tal que, no agregado, seus esforços combinados serão em benefício da comunidade como um todo (Adam Smith) também entrou em colapso.

Na verdade, a ideologia à qual o Ocidente apega-se tão tenazmente – a de que a motivação humana é utilitária (e somente utilitária) – é uma ilusão. Como filósofos da ciência como Hans Albert apontaram, a teoria da maximização da utilidade exclui, a priori, o mapeamento do mundo real, tornando-a, portanto, intestável.

Paradoxalmente, Trump, no entanto, é, sem dúvida, o chefe de todos os maximizadores utilitaristas! Será ele, então, o profeta de um retorno à era dos magnatas americanos aventureiros do século XIX, ou será ele o adepto de uma reformulação mais fundamental?

Em termos simples, o Ocidente não pode fazer a transição para uma estrutura econômica alternativa (como um modelo “fechado” de circulação interna) precisamente porque está tão fortemente investido ideologicamente nos fundamentos filosóficos do atual — que questionar essas raízes parece equivaler a uma traição aos valores europeus e aos valores libertários fundamentais da América (extraídos da Revolução Francesa).

A realidade é que hoje a visão ocidental dos seus alegados “valores” atenienses está tão desacreditada quanto sua teoria econômica no resto do mundo, bem como entre uma parcela significativa de suas próprias populações raivosas e descontentes!

Portanto, a questão principal é a seguinte: não busquem nas elites europeias uma visão coerente sobre a Ordem Mundial emergente. Elas estão em colapso e preocupadas em tentar se salvar em meio à decadência da esfera ocidental e ao medo de retaliações de seus eleitorados.

Esta nova era, no entanto, também marca o fim da “velha política”: os rótulos Vermelho vs. Azul; Direita vs. Esquerda perdem relevância. Novas identidades e agrupamentos políticos já estão sendo formados, mesmo que seus contornos ainda não estejam definidos.

 Tradução: Comunidad Saker Latinoamericana

A nova era marca o fim da “velha política”: os rótulos Vermelho vs Azul; Direita vs Esquerda perdem relevância.

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Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Até mesmo a necessidade de transição – só para esclarecer – só recentemente começou a ser reconhecida nos EUA.

No entanto, para a liderança europeia e para os beneficiários da financeirização que lamentam com arrogância a “tempestade” imprudentemente desencadeada por Trump no mundo, suas teses econômicas básicas são ridicularizadas como noções bizarras completamente divorciadas da “realidade” econômica.

Isso é completamente falso.

Conforme aponta o economista grego Yanis Varoufakis , a realidade da situação ocidental e a necessidade de transição foram claramente explicadas por Paul Volcker, antigo presidente do Federal Reserve, já em 2005.

O duro “fato” do paradigma econômico globalista liberal já era evidente naquela época:

O que mantém o sistema globalista unido é um fluxo massivo e crescente de capital estrangeiro, que chega a mais de US$ 2 bilhões por dia útil – e continua crescendo. Não há sensação de tensão. Como nação, não tomamos empréstimos nem imploramos conscientemente. Não estamos sequer oferecendo taxas de juros atrativas, nem precisamos oferecer proteção aos nossos credores contra o risco de uma desvalorização do dólar.

“É tudo bastante confortável para nós. Enchemos nossas lojas e garagens com produtos do exterior, e a concorrência tem sido uma forte restrição aos nossos preços internos. Certamente ajudou a manter as taxas de juros excepcionalmente baixas, apesar da perda de nossas economias e do rápido crescimento.”

E tem sido confortável também para os nossos parceiros comerciais e para aqueles que fornecem o capital. Alguns, como a China [e a Europa, especialmente a Alemanha], têm dependido fortemente dos nossos mercados internos em expansão. E, na maior parte, os Bancos Centrais dos países emergentes têm se mostrado dispostos a reter cada vez mais dólares, que são, afinal, o que há de mais próximo que o mundo tem de uma moeda verdadeiramente internacional.

A dificuldade é que esse padrão aparentemente confortável não pode continuar indefinidamente” .

Exatamente. E Trump está em vias de explodir o sistema comercial mundial para restaurá-lo. Os liberais ocidentais, que hoje rangem os dentes e lamentam o advento da “economia trumpiana”, estão simplesmente negando que Trump tenha ao menos reconhecido a realidade americana mais importante – ou seja, que o padrão não pode continuar indefinidamente e que o consumismo movido a dívidas já passou da data de validade.

Lembre-se de que a maioria dos participantes do sistema financeiro ocidental não conheceu nada além do “mundo confortável” de Volcker durante toda a sua vida. Não é de se admirar que tenham dificuldade em pensar além de sua velada represália.

Isso não significa, é claro, que a solução de Trump para o problema funcionará. Possivelmente, a forma particular de reequilíbrio estrutural de Trump pode até piorar a situação.

No entanto, a reestruturação, de alguma forma, é claramente inevitável. Caso contrário, tudo se resume a uma escolha entre uma falência lenta ou uma rápida e desordenada.

O sistema globalista impulsionado pelo dólar funcionou bem inicialmente – pelo menos da perspectiva dos EUA. Os EUA exportaram seu excesso de capacidade industrial pós-Segunda Guerra Mundial para uma Europa recém-dolarizada, que consumiu o excedente. E a Europa também se beneficiou de ter seu próprio ambiente macroeconômico (modelos impulsionados pela exportação, garantidos pelo mercado americano).

A crise atual começou, no entanto, quando o paradigma se inverteu — quando os EUA entraram em sua era de déficits orçamentários estruturais insustentáveis, e quando a financeirização levou Wall Street a construir sua pirâmide invertida de “ativos” derivativos, apoiada em um pequeno pivô de ativos reais.

A realidade nua e crua da crise do desequilíbrio estrutural já é suficientemente grave. Mas a crise geoestratégica ocidental vai muito além da simples contradição estrutural dos fluxos de capital e de um dólar “forte” corroendo o coração do setor manufatureiro americano. Porque está ligada, também, ao colapso concomitante das ideologias centrais que sustentam o globalismo liberal.

É por causa dessa profunda devoção ocidental à ideologia (bem como ao “conforto” Volker proporcionado pelo sistema) que desencadeou tamanha torrente de raiva e escárnio direto em relação aos planos de “reequilíbrio” de Trump. Quase nenhum economista ocidental tem uma palavra positiva a dizer – e, no entanto, nenhuma estrutura alternativa plausível é apresentada. A paixão deles por Trump apenas sublinha que a teoria econômica ocidental também está falida.

O que quer dizer que a crise geoestratégica mais profunda no Ocidente consiste tanto no colapso da ideologia arquetípica quanto de uma ordem de elite paralítica.

Durante trinta anos, Wall Street vendeu uma fantasia (a dívida não importava)… e essa ilusão simplesmente se despedaçou.

Sim, alguns entendem que o paradigma econômico ocidental de consumismo hiperfinanceirizado e baseado em dívidas já esgotou suas possibilidades e que a mudança é inevitável. Mas o Ocidente está tão fortemente envolvido no modelo econômico “anglo” que, em sua maioria, os economistas permanecem paralisados na teia de aranha. “Não há alternativa” (TINA: There Is No Alternative – nota da tradutora) é a frase de efeito.

A espinha dorsal ideológica do modelo econômico americano reside, em primeiro lugar, em “O Caminho da Servidão”, de Friedrich von Hayek, que foi entendido como significando que qualquer envolvimento governamental na gestão da economia era uma violação da “liberdade” – e equivalente ao socialismo. E, em segundo lugar, após a união hayekiana com a Escola Monetária de Chicago, na pessoa de Milton Friedman, que escreveria a “edição americana” de “O Caminho da Servidão” (que (ironicamente) veio a ser chamado de “Capitalismo e Liberdade”), o arquétipo foi estabelecido.

O economista Philip Pilkington escreve que a ilusão de Hayek de que mercados são iguais a “liberdade” e, portanto, estavam em consonância com a corrente libertária americana profundamente enraizada “se tornou tão difundida a ponto de todo o discurso ficar completamente saturado”:

“Em companhia educada e em público, você certamente pode ser de Esquerda ou de Direita, mas sempre será, de alguma forma, neoliberal; caso contrário, você simplesmente não terá permissão para participar do discurso”.

“Cada país pode ter suas próprias peculiaridades… mas, em princípios gerais, eles seguem um padrão semelhante: o neoliberalismo liderado pela dívida é, antes de tudo, uma teoria de como reestruturar o Estado para garantir o sucesso dos mercados – e de seu participante mais importante: as corporações modernas”.

Então, aqui está o ponto fundamental: a crise do globalismo liberal não é apenas uma questão de reequilibrar uma estrutura falida. De qualquer forma, o desequilíbrio é inevitável quando todas as economias buscam, juntas e simultaneamente, o modelo anglo-saxão “aberto”, voltado para a exportação.

Não, o maior problema é que o mito arquetípico de indivíduos (e oligarcas) buscando sua própria maximização de utilidade separada e individual — graças à mão oculta da mágica do mercado — é tal que, no agregado, seus esforços combinados serão em benefício da comunidade como um todo (Adam Smith) também entrou em colapso.

Na verdade, a ideologia à qual o Ocidente apega-se tão tenazmente – a de que a motivação humana é utilitária (e somente utilitária) – é uma ilusão. Como filósofos da ciência como Hans Albert apontaram, a teoria da maximização da utilidade exclui, a priori, o mapeamento do mundo real, tornando-a, portanto, intestável.

Paradoxalmente, Trump, no entanto, é, sem dúvida, o chefe de todos os maximizadores utilitaristas! Será ele, então, o profeta de um retorno à era dos magnatas americanos aventureiros do século XIX, ou será ele o adepto de uma reformulação mais fundamental?

Em termos simples, o Ocidente não pode fazer a transição para uma estrutura econômica alternativa (como um modelo “fechado” de circulação interna) precisamente porque está tão fortemente investido ideologicamente nos fundamentos filosóficos do atual — que questionar essas raízes parece equivaler a uma traição aos valores europeus e aos valores libertários fundamentais da América (extraídos da Revolução Francesa).

A realidade é que hoje a visão ocidental dos seus alegados “valores” atenienses está tão desacreditada quanto sua teoria econômica no resto do mundo, bem como entre uma parcela significativa de suas próprias populações raivosas e descontentes!

Portanto, a questão principal é a seguinte: não busquem nas elites europeias uma visão coerente sobre a Ordem Mundial emergente. Elas estão em colapso e preocupadas em tentar se salvar em meio à decadência da esfera ocidental e ao medo de retaliações de seus eleitorados.

Esta nova era, no entanto, também marca o fim da “velha política”: os rótulos Vermelho vs. Azul; Direita vs. Esquerda perdem relevância. Novas identidades e agrupamentos políticos já estão sendo formados, mesmo que seus contornos ainda não estejam definidos.

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The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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