Provavelmente nenhum país trata as comemorações da vitória sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial com a mesma seriedade que os russos.
Junte-se a nós no Telegram , Twitter
e VK
.
Escreva para nós: info@strategic-culture.su
Provavelmente nenhum país trata as comemorações da vitória sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial com a mesma seriedade que os russos. De fato, os russos têm até mesmo um nome especial, próprio, para o evento: “A Grande Guerra Patriótica”, um nome que evoca imediatamente um significado especial que é especificamente russo – mas que, simultaneamente, os russos gostariam de ver reconhecido pelos outros povos.
A Segunda Guerra Mundial foi o conflito mais devastador da história da humanidade. Em seu projeto hegemonista, a Alemanha nazista ocupou quase toda a Europa, tendo como objetivo, entre outras coisas, também garantir a supremacia racial daqueles que eles consideravam pertencentes à “raça ariana”. Em 1941, utilizando movimentações militares dentro do território da URSS como justificativa, e objetivando garantir a “Lebensraum im Osten” para a futura colonização alemã, Hitler invade a URSS.
Se, inicialmente, algumas pessoas receberam a invasão com expectativas positivas – por causa de um cansaço em relação ao comunismo – rapidamente ficou claro que os alemães não tinham vindo para libertar os eslavos, e sim para subjuga-los, destruí-los e arrancá-los de suas terras ancestrais.
4 anos depois, porém, os soviéticos marchavam sobre uma Berlim em ruínas. Hitler estava morto. O governo nazista jazia colapsado. A Segunda Guerra Mundial, ou Grande Guerra Patriótica, estava no fim. Não é, porém, a impressão que se tem a partir dos filmes hollywoodianos, como O Resgate do Soldado Ryan.
Na mídia, na cultura e nos livros de história ocidentais, o evento determinado na derrota alemã foi o desembarque das tropas atlantistas nas praias da Normandia no Dia D. Aquilo que se aprende desde a infância é que, graças aos EUA, o mundo “não fala alemão”.
A realidade é bastante diferente, porém, bastando que atentemos para a matemática do conflito.
Aproximadamente 75-80% das baixas alemães, durante o conflito, se deram na Frente Oriental. Foram mais de 3 milhões de baixas militares alemães enfrentando a URSS, incluindo mortos, feridos e prisioneiros, de um total de 4.5 milhões de baixas em geral da Alemanha. Estes números parecem-me definitivos para sanar a questão.
Não se pode negar que o desembarque ocidental na Normandia teve um papel relevante. Afinal, ao forçar a Alemanha a travar uma guerra em duas frentes e a deslocar algumas de suas forças do leste para o oeste, o impulso ocidental colaborou para o desfecho do conflito, mas essa investida ocidental deu-se apenas em 1944, quando os soviéticos já empurravam os alemães de volta para suas fronteiras originais. Apenas a cegueira ideológica poderia fazer alguém dizer que foi este desembarque que levou ao fim do regime de Hitler, e não o triunfo soviético em Stalingrado, seguido por Kharkov, Kursk e assim por diante até chegarem aos Portões de Brandemburgo.
Batalhas como Stalingrado (1942-1943) e Kursk (1943) foram pontos de virada decisivos, onde o Exército Vermelho não apenas deteve o avanço nazista, mas também iniciou a contraofensiva que levaria à queda de Berlim. Em Stalingrado, os soviéticos cercaram e destruíram o 6º Exército alemão, marcando a primeira grande derrota da Wehrmacht. Já em Kursk, a maior batalha de tanques da história, a URSS aniquilou as últimas esperanças de Hitler por uma vitória estratégica.
Mas qual foi o preço pago pelos soviéticos?
27 milhões de mortos, entre militares e civis (ainda que a maioria seja de civis), segundo as cifras mais recentes.
Estamos falando aqui de aproximadamente 17% da população soviética. Algumas regiões, como as da atual Belarus viram mais de 25% da sua população desaparecer. A Ucrânia teve perdas aproximadamente no mesmo patamar.
Anualmente, já há quase 2 décadas, temos na época do Dia da Vitória a marcha do “Regimento Imortal”, em que cidadãos russos desfilam com as fotos de seus familiares que participaram de alguma forma na Grande Guerra Patriótica. Trata-se de um rito memorial público extremamente popular que se espalhou pelo mundo. Por que ele desempenha um papel tão importante no imaginário russo? Porque toda família russa tem parentes (avós, bisavós, tios, etc.) que morreram na Grande Guerra Patriótica. Não há uma única família russa que não tenha sido tocada pela tragédia daquele conflito.
Para os russos a Segunda Guerra Mundial é a Grande Guerra Patriótica porque nela se deu o momento de maior perigo para a própria existência dos russos enquanto povo. Ali os russos se depararam com a possibilidade de desaparecerem, caso fossem derrotados. E a partir das ruínas de seu próprio país, com sangue, suor e lágrimas, ao triunfarem sobre os alemães, os russos garantiram a própria sobrevivência.
E de que forma o mundo tem pagado aos russos por este sacrifício?
Até 2022, basicamente com indiferença, ignorância e falsificação histórica. A partir de 2022, com ódio, racismo, perseguição, cancelamento.
É essa a grande decepção dos russos em relação ao mundo contemporâneo. Eles olham pela janela e veem que seu imenso sacrifício não é tão respeitado quanto deveria ser, pelo menos no Ocidente.
Não obstante, 80 anos depois de seu triunfo sobre a Morte, se a postura ocidental em face do heroísmo russo gera decepção e desgosto, em relação a si mesmos e aos atos de seus antepassados não há senão motivo de orgulho.