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O mundo católico esteve em uma situação de tensão e expectativa nas últimas semanas por causa da situação convalescente do Papa Francisco, que parecia estar piorando dia após dia e indicava uma inevitabilidade de sua sucessão próxima. Não obstante, sua condição melhorou repentinamente e, por enquanto, afastou-se a grande questão de “quem será o próximo Papa?”.
Ainda assim, o Papa tem 88 anos de idade e sua saúde segue debilitada, como não poderia deixar de ser. De modo que se afastou-se a imediatez da questão da sucessão papal, ela ainda paira no horizonte próximo da Cristandade católica.
Agora, poderíamos nos perguntar: “E que importa a eleição do Papa?”. Bem, em um diálogo sobre a Polônia entre Stálin e Churchill, o líder soviético perguntou “E quantas divisões o Papa tem?”, indicando um desinteresse por levar em consideração o Papa como ator na geopolítica. Data vênia, discordaríamos dessa posição. Ao contrário, nos parece que o Papa ainda é um ator relevante na geopolítica.
Realmente, estamos longe da era da ordem jurídica medieval, na qual as figuras do Imperador e do Papa atuavam como eixos demarcadores do limite de uma civitas cristã, dentro da qual se almejava preservar um certo grau de estabilidade e paz por sobre os reinos e nações. Mas seria um equívoco descartar completamente o potencial político do Vaticano.
Em primeiro lugar, o Vaticano conta com uma “população” virtual de 1,3 bilhão de pessoas, a totalidade dos católicos do mundo, os quais são influenciados pelas palavras do Papa em vários graus, dos mais absolutos aos mais sutis. Outras religiões não desfrutam do mesmo grau de centralização que o Catolicismo, de modo que entre as lideranças religiosas do mundo, a mais poderosa é, naturalmente, o Papa, o Patriarca de Roma.
Isso significa que o Papado possui uma influência natural sobre resultados eleitorais em várias partes do mundo (algo que todo ibero-americano sabe muito bem), sobre políticas públicas, bem como sobre serviços sociais diversos. É claro que tudo isso se dá de forma usualmente sutil, pelo menos nos tempos atuais. Mas a influência está aí.
Essa realidade tem dado ao Vaticano um poder diplomático invejável. Sabe-se, por exemplo, da influência de João Paulo II na aceleração do colapso do sistema comunista na Polônia, mas inclusive nos anos recentes, o Vaticano tem conduzido a sua própria diplomacia voltada para a transição multipolar, com destaque para as relações com a China, a reaproximação com a Igreja Ortodoxa Russa, a mão estendida para Cuba, e muito mais importante: os apelos para que a Europa recupere um papel construtivo nas relações internacionais com o apoio do Papado para mediar o conflito ucraniano.
E a prova de que a atuação internacional do Vaticano tem relevância e recebe atenção de líderes mundiais está, inclusive, na abdicação de Bento XVI. Naturalmente, é complicado especular sobre esses temas, mas já há uma boa bibliografia indicativa de que a saída de cena de Bento XVI adveio de uma pressão avassaladora vinda dos EUA e de um profundo cansaço do Papa no esforço de resistir à pressão – pressão provocada pelo pivô do Vaticano na direção da Rússia e pelas declarações indicativas de uma intenção de uma aliança Vaticano-Moscou para combater o niilismo promovido (era esse o entendimento de Bento XVI) pelos EUA.
É por isso que apesar, de fato, do Papa não dispor de divisões blindadas ou mesmo de armas nucleares, o Vaticano ainda é um dos maiores centros de soft power do planeta, bem como possui elevada capacidade de desempenhar operações sutis de guerra não convencional.
A reflexão sobre “quem sucederá o Papa”, portanto, permanece relevante mesmo agora.
Essa questão estando resolvida, portanto, resta analisar quem poderiam ser o sucessor do Papa Francisco caso ele faleça nos próximos anos.
Em primeiro lugar, é necessário recordar que é muito improvável que se vote por um candidato com mais de 80 anos. Os cardeais com essa idade, inclusive, não podem mais votar, o que exclui praticamente todos os candidatos do último conclave, e também reduz as chances do guineense Robert Sarah, um favorito dos tradicionalistas e conservadores.
Ademais, é necessário levar em consideração que o Vaticano gira em torno, fundamentalmente, da disputa entre conservadores e progressistas, com um setor centrista tentando sustentar um certo equilíbrio entre as tendências.
Por essa linha de pensamento, aquelas figuras que são as “ideologicamente” mais próximas do Papa Francisco entre os cardeais atuais em condições de serem eleitos são o italiano Matteo Zuppi e o filipino Luis Tagle.
Zuppi foi indicado para o Colégio de Cardeais precisamente pelo Papa Francisco e também é ao Papa Francisco que ele deve todos os seus cargos e nomeações e ele pode ser considerado o seu preferido para a sucessão. Chances razoáveis ele tem, já que como presidente da Conferência dos Episcopal Italiana Zuppi seria o representante de um grupo de cardeais que corresponderia a 20% do eleitorado. Na prática, ele é ainda “mais progressista” que Francisco, tendo posições muito fortes em defesa da imigração, bem como em defesa de abençoar casais LGBT na Igreja, mas as suas realizações (e, portanto, sua reputação no Colégio de Cardeais) são mínimas.
É importante, ademais, apontar que Zuppi é o emissário especial do Papa Francisco para a questão ucraniana, tendo visitado Volodymyr Zelensky…sem oferecer uma visita equivalente a Vladimir Putin. Assim, apesar do esforço do Papa Francisco por reivindicar um papel de mediador do conflito, o seu encarregado da questão parece ter um pequeno pendor para o lado ucraniano.
Luis Tagle, por sua vez, seria o primeiro Papa asiático e, de fato, tem sido interpretado como o “Bergoglio da Ásia” e essa, em tese, seria a sua vantagem. A Ásia é, afinal, o futuro da Igreja Católica (junto com a África), de modo que um Papa asiático seria um bom símbolo desse futuro. E Tagle, de fato, parece contar com os favores de Francisco: diferentemente de Zuppi, favorito do Papa, mas sem cargos importantes, Tagle é Pro-Prefeito do Dicastério para Evangelização, Presidente da Comissão Interdicasterial para Religiosos Consagrados, Presidente da Federação Católica Bíblica, e assim por diante.
Ele, porém, não é tão progressista quanto Zuppi, já que assume uma posição mais firme contra o aborto e é mais ambíguo no que concerne a bênção a casais LGBT. Não obstante, o fato dele ser tão jovem (para os padrões papais) pesa contra sua eleição. É que tendo a mesma idade que João Paulo II ao ascender ao Papado, seria previsível um excessivamente longo mandato papal para Tagle – o que seria insuportável para aqueles que estão já saturados com o estilo do Papa Francisco ou que creem na necessidade de uma virada “à direita” para preservar o equilíbrio da Igreja.
Quanto ao campo conservador, os seus preferidos são o alemão Gerhard Müller e o húngaro Peter Erdo.
Müller, que pertence à era Bento XVI e é Cardeal-Prefeito Emérito da Congregação para a Doutrina da Fé, tem um longo histórico de ocupação de cargos no Vaticano, como no Dicastério para Textos Legislativos e inúmeros outros cargos, onde apesar de seu conservadorismo ele parece se concentrar na garantia da continuidade histórica da Igreja. Suas posições, porém, são as mais radicalmente opostas às do Papa Francisco e dos progressistas em todas as questões: da possibilidade de ordenar mulheres como diáconos à bênção a casais LGBT, passando pelo discurso climático, pela comunhão para divorciados e até mesmo a questão do Acordo China-Vaticano. Ele é, ainda, mais pró-ucraniano que o já pró-ucraniano progressista Zuppi.
Com posições tão polarizantes – que envolvem até acusações de heresia contra o Papa Francisco – a probabilidade de que ele consiga os votos necessários é mínima.
O húngaro Peter Erdo parece uma alternativa conservadora mais palatável que Müller. Outrora um dos cardeais mais jovens dos últimos séculos, Erdo é um forte aliado de Viktor Orban e pode ser considerado um dos responsáveis pela restauração da Cristandade na Hungria, após décadas de ateísmo obrigatório. Erdo, ademais, possui uma posição no diálogo interreligioso que aponta para o fortalecimento de laços com a Igreja Ortodoxa Russa e uma postura mais aberta para o diálogo com a China. Ao mesmo tempo em que ele é crítico da imigração em massa e da “abertura” para casais LGBT e divorciados, Erdo é leal ao Papa Francisco evitando confrontá-lo diretamente.
Mas o candidato atualmente mais forte para suceder Papa Francisco não é nem um dos progressistas, nem um dos conservadores, mas o próprio pilar do “centrismo” no Vaticano, o Cardeal Pietro Parolin.
Parolin é o Secretário de Estado do Vaticano desde 2013, ou seja, o seu Ministro de Relações Exteriores. Antes disso ele foi Núncio Apostólico na Venezuela, sendo um dos principais responsáveis pela restauração de abalados laços entre Caracas e o Vaticano. Nessa posição, os seus feitos são inúmeros e admiráveis. Parolin não apenas restaurou laços com Cuba, como mediou conversas entre Cuba e os EUA. Em 2017, enquanto a Rússia era demonizada pelo Ocidente, Parolin visitou Moscou, o primeiro Secretário de Estado do Vaticano a fazê-lo em duas décadas. Ele, ademais, foi o arquiteto do Acordo Vaticano-China sobre a indicação de bispos chineses, ajudando a construir a moldura adequada para dar continuidade e fortalecer o labor católico na China, enquanto simultaneamente respeitando as demandas securitárias do Estado chinês. Até com o Talibã Parolin buscou uma ponte, com o fim de tentar influenciar a organização a ser mais moderada em seu retorno ao poder.
No que concerne a Rússia, a sua posição é mais neutra que a de Zuppi e Müller, inclusive pelo fato de que, historicamente, Parolin foi o responsável por dar continuidade à geopolítica “russófila” inaugurada no Vaticano por Bento XVI.
Tudo isso enquanto o Cardeal Parolin assume posturas conservadoras, porém moderadas, nas questões morais que têm gerado polêmica e polarização dentro da Igreja Católica.
Na medida em que boa parte do Colégio de Cardeais parece não querer uma continuidade absoluta com Francisco na sucessão papal, ao mesmo tempo que prefeririam evitar um Papa conservador excessivamente polarizante, Parolin parece ser o candidato do “compromisso” entre as várias facções do Vaticano.
O italiano, está, então, bem posicionado para o Papado, bem como suficientemente bem alinhado com a virada multipolar na geopolítica planetária.