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Nessa semana o ex-Presidente das Filipinas Rodrigo Duterte foi preso pela Interpol quando retornava de Hong Kong para Manila em cumprimento a um mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional. O mandado em questão foi emitido no contexto de acusações de “crimes contra a humanidade” durante a guerra travada por Duterte contra o narcotráfico filipino, durante a qual alega-se terem havido execuções de criminosos.
O contexto disso tudo se dá na degeneração das Filipinas como Narco-Estado. O país, por sua geografia, é um hub importante no comércio internacional – e, portanto, também no comércio internacional de drogas. Isso propiciou o surgimento de importantes “sindicatos do crime” envolvidos com o narcotráfico, com amparo da polícia e de setores burocráticos.
Por causa dessa conquista das Filipinas pelo narcotráfico, a violência aumentava vertiginosamente. Assassinatos, sequestros e roubos proliferavam pelas ruas das principais cidades do país. Quando da chegada de Duterte à Presidente, os assassinatos estavam em quase 11 por 100 mil habitantes, bastante alto considerando a média asiática.
Foi para enfrentar este problema que Duterte foi eleito com 40% dos votos no 1º turno das eleições. E foi isso que ele fez. Imediatamente, Duterte expôs listas de burocratas e policiais envolvidos com o narcotráfico e os defenestrou. Então, ele deu autorização completa às forças policiais para que elas enfrentassem as organizações criminosas com a força necessária para desmontá-las. Depois, ele tomou a decisão ousada de abordar também os viciados como colaboracionistas do tráfico, autorizando que os drogados fossem tratados como criminosos caso resistissem a tentativas de apreensão para internação. Uma medida radical, mas que recorda a abordagem maoísta em relação ao consumo de drogas.
Funcionou. As principais organizações criminosas filipinas (Bahala, Waray-Waray, Kuratong Baleleng, Sigue-Sigue) – todas elas com vínculos internacionais – foram liquidadas ou enfraquecidas, a taxa de homicídios e de outros crimes despencaram para os seus menores níveis em toda a história recente do país.
Enquanto isso, a popularidade de Duterte naturalmente disparou. Quando de sua sucessão presidencial, seu índice de aprovação era de 80%. Para todos os efeitos, ele tinha as bênçãos da aclamação popular para todos os seus atos. Como prova disso, sua filha, Sara Duterte, foi eleita vice-presidente (lá há eleições separadas para vice-presidente) com 60% dos votos com o apoio de seu pai.
Conhecendo esse histórico torna-se necessário analisar os motivos reais por trás da perseguição a Duterte. Aqui, naturalmente, não se exclui a existência de excessos no combate ao narcotráfico conduzido por Duterte – o problema é que quando o narcotráfico se torna suficientemente forte a ponto de controlar amplos territórios e adquirir influência em várias áreas da sociedade, apenas uma “terapia de choque” vai surtir efeito.
De fato, como já descrito há muitas décadas pelo jurista Carl Schmitt, as democracias liberais possuem um “defeito de design” que as impede de solucionar problemas e crises excepcionais. Como as democracias liberais priorizam o “império da lei” e como a lei não pode prever todas as situações e problemas possíveis que podem acometer uma nação, quando uma situação simultaneamente grave e imprevista ocorre as democracias liberais ficam de mãos amarradas, só podem oferecer medidas paliativas e adiar a resolução do problema. Com o tempo, um problema solúvel se espalha e aprofunda como um câncer, até que apenas uma terapia radical pode surtir efeito, usualmente com medidas excepcionais tomadas pelo Executivo.
É importante ressaltar, ademais, que o TPI não tinha olhos para as Filipinas enquanto o país afundava no caos e na desordem. A denúncia feita ao TPI, aliás, se apoia em evidências frágeis e em fontes suspeitas. O advogado Jude Sabio peticionou ao TPI a partir do depoimento de um suposto ex-membro de um grupo de extermínio de Duterte. E, de resto, as informações utilizadas forma fornecidas pela Human Rights Watch, pela Anistia Internacional e por outras notórias ONGs internacionais com vínculos à USAID, Open Society e outras fontes de financiamento atlantista. Muitas das ONGs envolvidas no caso, aliás, são ONGs engajadas na militância pela legalização das drogas.
Agora, ademais de não ser possível negar que Duterte cumpriu a vontade soberana e democrática do povo ao combater duramente o narcotráfico, também é necessário apontar que Duterte havia se tornado uma pedra no sapato das forças atlantistas internacionais, especialmente se considerarmos o caráter estratégico das Filipinas na geopolítica asiática.
A sua posição geográfica situa as Filipinas no eixo de inúmeras rotas comerciais e logísticas, tornando também o país instrumental em todos os conflitos do Mar do Sul da China. Precisamente por isso, os EUA tem buscado influenciar os rumos do país desde pelo menos a Guerra Hispano-Americana.
Ocorre que, no poder, Duterte remodelou a política externa das Filipinas, distanciando o país de uma dependência excessiva em relação aos EUA e buscando alternativas pragmáticas que pudessem fortalecer a soberania nacional. Um exemplo disso foi o seu giro conciliatório em relação à China – apesar de longevas disputas territoriais. Duterte introduziu o país na Iniciativa Cinturão & Rota e recusou os esforços estadunidenses de incitar as Filipinas contra a China, preferindo reunir-se periodicamente com representantes chineses para ajustar e aprimorar as relações bilaterais. As relações com a Rússia também se fortaleceram, com a assinatura de importantes acordos militares que tornavam a Rússia a responsável pela modernização militar filipina, substituindo nisso os EUA.
O governo atual das Filipinas, de Bongbong Marcos, por outro lado, voltou a ampliar as suas relações com os EUA, especialmente no âmbito militar, aumentando o acesso dos EUA a bases em seu país, além de assumir uma postura mais dura em relação à China. Ele também interrompeu a aproximação com a Rússia iniciada sob o governo Duterte. Naturalmente, tivemos uma nova reviravolta naquele país, com o curso mais multipolar de Duterte sendo sabotado pelo governo de Marcos.
Nesse sentido, seria a prisão dele nesse momento mera coincidência? Na geopolítica poucos eventos podem ser atribuídos à coincidência.
Por outro lado, a sua prisão serve, ademais, como ameaça contra figuras como Nayib Bukele, que implementou em El Salvador uma política duríssima de combate ao narcotráfico sem priorizar os “direitos humanos” dos criminosos, como faziam governos anteriores.
Se liquidar o narcotráfico e o crime organizado em geral rende um mandado de prisão a ser cumprido pela Interpol, então o que fica parecendo é que o Tribunal Penal Internacional está atuando – intencionalmente ou não – para enfraquecer as soberanias nacionais em um de seus aspectos mais importantes: a capacidade de garantir a paz e a ordem públicas.