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Para além da questão ucraniana e da crítica à imigração ilegal, a outra marca principal do trumpismo é a defesa de medidas econômicas protecionistas como ferramentas de reindustrialização, geração de emprego e recuperação da prosperidade econômica.
Em um sentido concreto, Donald Trump, desde que foi empossado em seu cargo, tem feito várias promessas de imposição de tarifas alfandegárias mais altas – e de fato já começou a impor algumas. Os EUA impuseram tarifas de 10% a todas as importações chinesas (com isenção para remessas inferiores a $800), bem como de 25% às importações canadenses e mexicanas.
É sabido que essas tarifas alfandegárias culminarão em preços mais altos para o destinatário estadunidense – e não se pode descontar tampouco o risco de desabastecimento de alguns produtos – mas na teoria, essas tarifas servirão como incentivo para que os empresários estadunidenses invistam na produção de inúmeros bens que são, hoje, importados. Deve-se aqui recordar que os EUA foram uma nação industrial até à era neoliberal inaugurada por Reagan, quando o fenômeno da fuga de fábricas para o Terceiro Mundo transformou a sociedade estadunidense em uma sociedade de consumo e serviços.
Diante desse cenário, levantam-se muitas objeções ao protecionismo estadunidense, principalmente a partir do establishment dos economistas acadêmicos, crentes fidelíssimos no “livre-mercado”. Mas apesar dos EUA terem se consagrado como o pilar ideológico do liberalismo, no âmbito econômico eles costumeiramente lançaram mão do protecionismo como ferramenta de garantia das empresas nacionais.
Uma das primeiras medidas protecionistas na história do país, por exemplo, foi a Tarifa de 1789, aprovada durante o governo de George Washington. Essa tarifa, que impunha taxas sobre a importação de bens estrangeiros, tinha como objetivo principal gerar receita para o governo federal, mas também serviu para proteger as indústrias nascentes dos EUA da concorrência britânica. Alexander Hamilton, o primeiro Secretário do Tesouro dos EUA, foi um dos principais defensores do protecionismo nesse período. Hamilton argumentou que o governo deveria adotar políticas para promover a industrialização, incluindo tarifas protecionistas, subsídios e investimentos em infraestrutura.
Essa perspectiva econômica passou a ser chamada de hamiltonianismo e ela deu tão certo que influenciou o alemão Friedrich List a desenvolver a sua própria teoria econômica nacionalista, a qual por sua vez influenciou a industrialização bismarckiana.
Ao longo do século XIX, o protecionismo se consolidou como uma política central dos EUA, especialmente durante o período conhecido como a “Era dos Sistemas Americanos”. Henry Clay, um dos principais líderes políticos da época, defendia um sistema econômico que combinava tarifas protecionistas, investimentos em infraestrutura e um banco nacional para fortalecer a economia dos EUA.
A Tarifa de 1816 foi um marco importante nesse processo. Ela estabeleceu taxas mais altas sobre produtos manufaturados importados, especialmente têxteis e ferro, para proteger as indústrias domésticas. Essa tarifa foi seguida por outras medidas protecionistas, como a Tarifa de 1828, conhecida como a “Tarifa das Abominações”, que aumentou ainda mais as taxas sobre importações. Embora controversa, essa tarifa refletia o crescente apoio ao protecionismo no Norte industrializado, em contraste com a oposição do Sul agrícola, que dependia de importações baratas e exportações de algodão.
Durante a Guerra Civil (1861-1865), o protecionismo se intensificou. O governo federal, dominado pelos republicanos do Norte, aprovou uma série de tarifas altas para financiar o esforço de guerra e proteger as indústrias do Norte. Após a guerra, o protecionismo continuou a ser uma política central, com tarifas como a Tarifa McKinley de 1890, que elevou as taxas sobre importações para níveis recordes.
No início do século XX, o protecionismo continuou a ser uma característica marcante da política econômica dos EUA. Enquanto a Tarifa Payne-Aldrich manteve taxas altas, a Tarifa Underwood-Simmons, aprovada durante o governo de Woodrow Wilson, reduziu algumas tarifas, refletindo uma tendência temporária em direção ao livre comércio.
No entanto, o protecionismo retornou com força após a Primeira Guerra Mundial. A Tarifa Fordney-McCumber de 1922 elevou as taxas sobre importações para proteger as indústrias dos EUA da concorrência europeia no pós-guerra. Essa tarifa foi seguida pela Tarifa Smoot-Hawley de 1930, uma das mais altas da história dos EUA.
Especialmente a partir de Roosevelt e ainda mais a partir da Segunda Guerra Mundial é que começa a dominar nos EUA de forma inequívoca o discurso do livre-comércio. A essa altura, porém, a indústria dos EUA já estava em uma situação suficientemente vantajosa perante a maioria de seus competidores e podia se dar ao luxo de derrubar barreiras alfandegárias.
O que essa reflexão histórica demonstra, porém, é que o protecionismo econômico trumpista possui raízes na própria história do desenvolvimento dos EUA e não se trata de uma invenção, mesmo que o protecionismo seja rechaçado como “heterodoxo” pelos economistas liberais que dominam esse setor no establishment acadêmico.
O objetivo de Trump é duplo com isso: 1) Convencer empresas estrangeiras que dependem do mercado estadunidense a transferirem unidades de produção para o país para não precisarem lidar com as tarifas de importação; 2) Criar um ambiente favorável (reduzindo a competição com empresas estrangeiras) para a criação de empresas estadunidenses que possam empreender uma substituição de importações em inúmeros setores.
Todos esses objetivos são racionais e as tarifas são uma ferramenta historicamente utilizada para alcança-los, mas raramente elas funcionam sozinhas. Em geral, elas acompanham outras medidas, como subsídios para setores que se pretende fomentar. E, no sentido contrário, muitos dos subsídios estatais estão sob escrutínio no governo Trump, incluindo aí os dirigidos ao setor estratégico dos semicondutores. Nesse sentido, é possível que os resultados da política tarifária trompista não sejam tão grandes quanto os alcançados pelos presidentes do século XIX.
A partir de fora dos EUA, por sua vez, onde teremos muitos países sendo alvos de tarifas alfandegárias mais elevadas, essa nova tendência pode ser vantajosa na medida em que forçará os vários países do mundo a dependerem menos de suas relações comerciais com os EUA, reforçando a transição multipolar. Simultaneamente, que o núcleo do liberalismo esteja agora adotando medidas econômicas protecionistas representa também um duro golpe ideológico contra as elites liberais dos países afetados pelo imperialismo e pela exploração capitalista internacional.