Português
Raphael Machado
October 21, 2024
© Photo: Public domain

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

As eleições locais brasileiras, cujo primeiro turno se deu em 6 de outubro, são importantes como elementos preditivos das principais tendências políticas do país. Existe uma correspondência parcial entre os resultados nessas eleições que se dão no nível municipal e os resultados eleitorais que poderão ser encontrados nas eleições gerais, que se dão sempre 2 anos depois.

No caso dessas eleições de 2024 é possível afirmar que, de fato, ela confirma tendências das eleições gerais de 2022 e permite já deduzir possíveis padrões de 2026.

Em primeiro lugar, o fenômeno político-eleitoral mais óbvio das eleições locais é o fortalecimento do “Centrão”, o centro político, de forma praticamente sem precedentes. É claro que o centro tem sido determinante na política brasileira pelo menos desde o fim da ditadura militar, com os partidos centristas (capitaneados pelo MDB [Movimento Democrático Brasileiro]) quase sempre atuando como “fiel da balança” para todos os governos sucessivos.

Partidos de centro como o PSD (Partido Social-Democrata), o MDB, o PP (Partido Progressista) e outros menores, agora comandarão mais de 55% das cidades brasileiras, enquanto até então comandavam aproximadamente 45% e 10 anos atrás o Centrão comandava aproximadamente 40% das cidades brasileiras.

Mas é importante apontar para uma dimensão específica da ascensão desse Centrão. Nas cidades em que esse fenômeno se passou, o Centrão quase sempre esteve associado à direita bolsonarista – ou mais especificamente àquilo que poderíamos chamar de “ala pragmática” do bolsonarismo, a qual hoje conta com o apoio do próprio Bolsonaro.

Após ser derrotado nas eleições gerais de 2022, o bolsonarismo, que sempre teve tendências entrópicas e niilistas, tendeu a se fragmentar e, de fato, rachou em pelo menos duas partes: a de um bolsonarismo intransigente (ou mesmo “esquizofrênico”), dado a crer em teorias conspiratórias sobre uma “ameaça comunista” vinda da Rússia e da China, bastante influenciada pelo já falecido pensador neoconservador Olavo de Carvalho; e a de um bolsonarismo pragmático (outrora rechaçado pelo próprio Bolsonaro), disposto a transigir, a dialogar com os partidos centristas e, em algumas ocasiões, até com a esquerda em troca de benefícios políticos tangíveis.

É esse segundo setor do bolsonarismo que veio se consolidando ao longo de 2023 e 2024 e que conseguiu construir alianças em várias cidades com as forças centristas, como foi o caso na própria cidade de São Paulo, onde o prefeito Ricardo Nunes, do MDB, está sendo apoiado por Jair Bolsonaro em sua busca pela reeleição. Aliás, em São Paulo, o 2º turno será disputado por essa aliança entre centro e bolsonarismo pragmático contra o candidato Guilherme Boulos, da esquerda liberal, apoiado pelo Presidente Lula. E em 3º lugar no 1º turno ficou precisamente um representante desse bolsonarismo intransigente, Pablo Marçal.

Na maioria das capitais brasileiras, porém, a esquerda esteve ausente da disputa pelo 1º lugar, com a maioria das capitais disputadas entre diferentes setores do Centrão e das direitas – que além das facções do bolsonarismo incluem também a direita liberal.

Essa direita liberal tem estado representada no Brasil pelo PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira). Ao longo dos anos 90 e da primeira década do novo milênio, era o PSDB quem representava a ala “direita” da democracia liberal brasileira. Mas nos últimos anos o PSDB tem encolhido, indicando até mesmo a possibilidade de desaparecer, o que é reforçado pelos resultados eleitorais locais desse ano.

Se em 2008, o PSDB parecia ser o 2º partido mais forte localmente, comandando 776 cidades, e o 3º a nível nacional, agora o PSDB vai dirigir apenas 273 cidades.

Uma primeira conclusão, portanto, é que as forças políticas mais importantes das primeiras décadas da Nova República estão em decadência – tanto a direita liberal quanto a esquerda liberal estão perdendo a sua capacidade de mobilização política, bem como o seu protagonismo.

Aqui, porém, não haveria nenhuma novidade. Se nas eleições de 2002, o PT conquistou a presidência pela primeira vez tendo como única aliança importante o PL (da era pré-Bolsonaro), nas eleições de 2022 além do PT necessitar do apoio de uma série de outros partidos (PV, PSOL, PSB, Solidariedade, Avante, etc.) se apoiou no apoio da mídia de massa, do Judiciário, do sistema financeiro e de vários outros atores importantes.

Na hora de construir o governo, por sua vez, construiu uma “frente ampla” que ia dos socialistas até os neoliberais, com o Centrão e a direita liberal ocupando vários cargos em ministérios e secretarias. O PT tornou-se, portanto, incapaz de “andar com as próprias pernas”, o que também tem se expressado em uma grande dificuldade de mobilizar a população e de transmitir entusiasmo pelas próprias pautas.

Naturalmente, é um fato que o PT ganhou algumas prefeituras em comparação com 2020 (66 para sermos mais específicos), mas se compararmos com 2016 ainda estamos diante de uma queda de 6 prefeituras, e se compararmos com 2012 são quase 400 prefeituras a menos.

Mas essa análise do PT como partido individual não basta, e é necessário percebê-lo no contexto da esquerda brasileira como um todo. Neste campo, apenas o PT e o PSB (Partido Socialista Brasileiro) tiveram crescimento nessas eleições locais, e o crescimento do PSB também não compensou o seu encolhimento em relação a anos anteriores. Não obstante, todos os outros partidos da esquerda brasileira encolheram: PDT (Partido Democrático Trabalhista), PCdoB (Partido Comunista do Brasil), PV (Partido Verde) e PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) afundaram vertiginosamente e, na prática, correm mesmo risco de desaparecer.

O que explica esse colapso geral da esquerda com um parco crescimento do PT e do PSB? Em primeiro lugar, que a única maneira, hoje, do PT crescer fora de eleições majoritárias é pela absorção dos partidos menores da esquerda. Ele parece ter pedido capacidade de disputar votos centristas ou apolíticos. Nesse sentido, o cenário político da esquerda brasileira tornou-se um jogo de soma zero.

A prova disso é que ao longo dos últimos 4 anos, de fato, o PT conseguiu retirar vários políticos importantes dos partidos menores de esquerda para filiá-los, como é o caso de Marcelo Freixo, no Rio de Janeiro. Os partidos que mais perderam votos são, precisamente, os que mais perderam militantes e líderes políticos para o PT – e nem com isso o PT conseguiu compensar o encolhimento pelo qual passou nos últimos anos.

Para o PT é uma grande crise, por mais que o partido, agora, tende transparecer tranquilidade. Se o partido comandado pela liderança brasileira mais carismática do último meio século não consegue nem mesmo se manter de pé sem precisar “parasitar” outros partidos, é sinal de que ele padece de uma grave condição, que pode se provar terminal.

Imaginemos, então, o cenário político brasileiro após o falecimento de Lula (que já tem, recordemos, 78 anos de idade…). A realidade é que Lula não conseguiu constituir um “herdeiro político” que seja minimamente semelhante a ele. O próprio PT, aliás, é um partido de facções em constante disputa, unificados, porém, pela personalidade carismática do Presidente Lula.

Haverá, então, dois caminhos possíveis para o PT: 1) sobreviver e se reconstituir através da absorção desses partidos menores da esquerda que ele já tenta absorver; 2) se desintegrar em 2 ou 3 partidos, conforme as lideranças burocráticas das várias facções busquem hegemonizar a própria autoridade.

Simultaneamente, conforme o PT vai absorvendo quadros e militantes de partidos como o PSOL e o PCdoB ele vai, também, passando por uma modificação qualitativa. Para além das diferenças entre facções internas, o grande “racha” interno do PT é entre gerações: os militantes mais velhos, representantes do que poderíamos chamar de “Velha Esquerda” (mas já no contexto do liberalismo político, abraçado pelo PT desde sua fundação), e os mais jovens, pertencentes à “Nova Esquerda”. De um modo geral, se Lula é a figura maior e simbólica da “Velha Esquerda” brasileira, os partidos menores que cada vez mais compõem o PT (e a própria juventude do PT) pertencem hegemonicamente aos setores mais liberais, progressistas e “europeus” da esquerda.

Sendo esta a análise do cenário eleitoral e do futuro próximo, é necessário “apresentar” as perspectivas políticas brasileiras para os atores internacionais que tem sido parceiros do Brasil.

Aqui estamos nos referindo especificamente àqueles países que possuem expectativas em relação ao Brasil no que concerne os processos contra-hegemônicos de construção de uma ordem mundial multipolar – os quais se espantaram diversas vezes com algumas das opções “inexplicáveis” do Brasil desde o retorno de Lula.

Tem sido tradicional para alguns importantes atores geopolíticos internacionais apostar, no cenário europeu, nas relações com a direita soberanista, enquanto no cenário ibero-americano apostam na esquerda anti-imperialista. Cuba, Venezuela e Nicarágua, para mencionar apenas alguns, têm sido parceiros confiáveis, por exemplo, da Rússia, da China, do Irã e da Síria. E mesmo nos países governados por forças políticas alinhadas ao atlantismo ou com cenário político inconstante, são os partidos “de esquerda” que têm sido interlocutores importantes dos setores contra-hegemônicos internacionais.

No caso do Brasil, porém, será cada vez menos possível contar com isso, tanto por motivos quantitativos, quanto por motivos qualitativos. Já os explicamos, mas revisando: a esquerda está encolhendo e perdendo capacidade de mobilização no Brasil; boa parte da esquerda remanescente brasileira possui uma orientação pró-ocidental, por causa de um sentimento de “fraternidade” apoiado na adesão ao wokismo. As lideranças políticas jovens da esquerda brasileira são, majoritariamente, educadas na Europa Ocidental e América do Norte, e são convictamente liberais em todas as questões políticas, culturais, morais e geopolíticas.

A realidade dos fatos é de que os padrões apontam para um Brasil cada vez mais dominado politicamente pelas forças centristas e direitistas, de modo que será com representantes dessas forças que outros países terão que lidar.

Nesse sentido, países como a Rússia têm muito mais a ganhar reforçando o diálogo no âmbito do conservadorismo moral, da religião e das tradições culturais (além, claro, dos setores econômicos e energéticos tradicionais) para gerar um maior grau de empatia com as forças políticas ascendentes no Brasil, do que insistindo em apelos simbólicos ao período soviético ou a eventos e personagens ibero-americanos do período da Guerra Fria.

De um modo geral, as forças políticas ascendentes no Brasil buscam pontes que permitam desvendar o segredo de como uma nação em decadência pode se reerguer, resgatando as próprias tradições, protegendo a família e garantindo um desenvolvimento econômico-industrial soberano.

Na medida em que Washington produz uma propaganda que visa convencer os conservadores brasileiros de que a Rússia ainda é “comunista, materialista e ateia”, é pela contraposição dessa propaganda que as forças contra-hegemônicas e multipolaristas conseguirão cultivar relações de longo prazo com o Brasil.

As eleições locais no Brasil e a perspectiva de um futuro pós-Lula para as potências multipolaristas

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As eleições locais brasileiras, cujo primeiro turno se deu em 6 de outubro, são importantes como elementos preditivos das principais tendências políticas do país. Existe uma correspondência parcial entre os resultados nessas eleições que se dão no nível municipal e os resultados eleitorais que poderão ser encontrados nas eleições gerais, que se dão sempre 2 anos depois.

No caso dessas eleições de 2024 é possível afirmar que, de fato, ela confirma tendências das eleições gerais de 2022 e permite já deduzir possíveis padrões de 2026.

Em primeiro lugar, o fenômeno político-eleitoral mais óbvio das eleições locais é o fortalecimento do “Centrão”, o centro político, de forma praticamente sem precedentes. É claro que o centro tem sido determinante na política brasileira pelo menos desde o fim da ditadura militar, com os partidos centristas (capitaneados pelo MDB [Movimento Democrático Brasileiro]) quase sempre atuando como “fiel da balança” para todos os governos sucessivos.

Partidos de centro como o PSD (Partido Social-Democrata), o MDB, o PP (Partido Progressista) e outros menores, agora comandarão mais de 55% das cidades brasileiras, enquanto até então comandavam aproximadamente 45% e 10 anos atrás o Centrão comandava aproximadamente 40% das cidades brasileiras.

Mas é importante apontar para uma dimensão específica da ascensão desse Centrão. Nas cidades em que esse fenômeno se passou, o Centrão quase sempre esteve associado à direita bolsonarista – ou mais especificamente àquilo que poderíamos chamar de “ala pragmática” do bolsonarismo, a qual hoje conta com o apoio do próprio Bolsonaro.

Após ser derrotado nas eleições gerais de 2022, o bolsonarismo, que sempre teve tendências entrópicas e niilistas, tendeu a se fragmentar e, de fato, rachou em pelo menos duas partes: a de um bolsonarismo intransigente (ou mesmo “esquizofrênico”), dado a crer em teorias conspiratórias sobre uma “ameaça comunista” vinda da Rússia e da China, bastante influenciada pelo já falecido pensador neoconservador Olavo de Carvalho; e a de um bolsonarismo pragmático (outrora rechaçado pelo próprio Bolsonaro), disposto a transigir, a dialogar com os partidos centristas e, em algumas ocasiões, até com a esquerda em troca de benefícios políticos tangíveis.

É esse segundo setor do bolsonarismo que veio se consolidando ao longo de 2023 e 2024 e que conseguiu construir alianças em várias cidades com as forças centristas, como foi o caso na própria cidade de São Paulo, onde o prefeito Ricardo Nunes, do MDB, está sendo apoiado por Jair Bolsonaro em sua busca pela reeleição. Aliás, em São Paulo, o 2º turno será disputado por essa aliança entre centro e bolsonarismo pragmático contra o candidato Guilherme Boulos, da esquerda liberal, apoiado pelo Presidente Lula. E em 3º lugar no 1º turno ficou precisamente um representante desse bolsonarismo intransigente, Pablo Marçal.

Na maioria das capitais brasileiras, porém, a esquerda esteve ausente da disputa pelo 1º lugar, com a maioria das capitais disputadas entre diferentes setores do Centrão e das direitas – que além das facções do bolsonarismo incluem também a direita liberal.

Essa direita liberal tem estado representada no Brasil pelo PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira). Ao longo dos anos 90 e da primeira década do novo milênio, era o PSDB quem representava a ala “direita” da democracia liberal brasileira. Mas nos últimos anos o PSDB tem encolhido, indicando até mesmo a possibilidade de desaparecer, o que é reforçado pelos resultados eleitorais locais desse ano.

Se em 2008, o PSDB parecia ser o 2º partido mais forte localmente, comandando 776 cidades, e o 3º a nível nacional, agora o PSDB vai dirigir apenas 273 cidades.

Uma primeira conclusão, portanto, é que as forças políticas mais importantes das primeiras décadas da Nova República estão em decadência – tanto a direita liberal quanto a esquerda liberal estão perdendo a sua capacidade de mobilização política, bem como o seu protagonismo.

Aqui, porém, não haveria nenhuma novidade. Se nas eleições de 2002, o PT conquistou a presidência pela primeira vez tendo como única aliança importante o PL (da era pré-Bolsonaro), nas eleições de 2022 além do PT necessitar do apoio de uma série de outros partidos (PV, PSOL, PSB, Solidariedade, Avante, etc.) se apoiou no apoio da mídia de massa, do Judiciário, do sistema financeiro e de vários outros atores importantes.

Na hora de construir o governo, por sua vez, construiu uma “frente ampla” que ia dos socialistas até os neoliberais, com o Centrão e a direita liberal ocupando vários cargos em ministérios e secretarias. O PT tornou-se, portanto, incapaz de “andar com as próprias pernas”, o que também tem se expressado em uma grande dificuldade de mobilizar a população e de transmitir entusiasmo pelas próprias pautas.

Naturalmente, é um fato que o PT ganhou algumas prefeituras em comparação com 2020 (66 para sermos mais específicos), mas se compararmos com 2016 ainda estamos diante de uma queda de 6 prefeituras, e se compararmos com 2012 são quase 400 prefeituras a menos.

Mas essa análise do PT como partido individual não basta, e é necessário percebê-lo no contexto da esquerda brasileira como um todo. Neste campo, apenas o PT e o PSB (Partido Socialista Brasileiro) tiveram crescimento nessas eleições locais, e o crescimento do PSB também não compensou o seu encolhimento em relação a anos anteriores. Não obstante, todos os outros partidos da esquerda brasileira encolheram: PDT (Partido Democrático Trabalhista), PCdoB (Partido Comunista do Brasil), PV (Partido Verde) e PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) afundaram vertiginosamente e, na prática, correm mesmo risco de desaparecer.

O que explica esse colapso geral da esquerda com um parco crescimento do PT e do PSB? Em primeiro lugar, que a única maneira, hoje, do PT crescer fora de eleições majoritárias é pela absorção dos partidos menores da esquerda. Ele parece ter pedido capacidade de disputar votos centristas ou apolíticos. Nesse sentido, o cenário político da esquerda brasileira tornou-se um jogo de soma zero.

A prova disso é que ao longo dos últimos 4 anos, de fato, o PT conseguiu retirar vários políticos importantes dos partidos menores de esquerda para filiá-los, como é o caso de Marcelo Freixo, no Rio de Janeiro. Os partidos que mais perderam votos são, precisamente, os que mais perderam militantes e líderes políticos para o PT – e nem com isso o PT conseguiu compensar o encolhimento pelo qual passou nos últimos anos.

Para o PT é uma grande crise, por mais que o partido, agora, tende transparecer tranquilidade. Se o partido comandado pela liderança brasileira mais carismática do último meio século não consegue nem mesmo se manter de pé sem precisar “parasitar” outros partidos, é sinal de que ele padece de uma grave condição, que pode se provar terminal.

Imaginemos, então, o cenário político brasileiro após o falecimento de Lula (que já tem, recordemos, 78 anos de idade…). A realidade é que Lula não conseguiu constituir um “herdeiro político” que seja minimamente semelhante a ele. O próprio PT, aliás, é um partido de facções em constante disputa, unificados, porém, pela personalidade carismática do Presidente Lula.

Haverá, então, dois caminhos possíveis para o PT: 1) sobreviver e se reconstituir através da absorção desses partidos menores da esquerda que ele já tenta absorver; 2) se desintegrar em 2 ou 3 partidos, conforme as lideranças burocráticas das várias facções busquem hegemonizar a própria autoridade.

Simultaneamente, conforme o PT vai absorvendo quadros e militantes de partidos como o PSOL e o PCdoB ele vai, também, passando por uma modificação qualitativa. Para além das diferenças entre facções internas, o grande “racha” interno do PT é entre gerações: os militantes mais velhos, representantes do que poderíamos chamar de “Velha Esquerda” (mas já no contexto do liberalismo político, abraçado pelo PT desde sua fundação), e os mais jovens, pertencentes à “Nova Esquerda”. De um modo geral, se Lula é a figura maior e simbólica da “Velha Esquerda” brasileira, os partidos menores que cada vez mais compõem o PT (e a própria juventude do PT) pertencem hegemonicamente aos setores mais liberais, progressistas e “europeus” da esquerda.

Sendo esta a análise do cenário eleitoral e do futuro próximo, é necessário “apresentar” as perspectivas políticas brasileiras para os atores internacionais que tem sido parceiros do Brasil.

Aqui estamos nos referindo especificamente àqueles países que possuem expectativas em relação ao Brasil no que concerne os processos contra-hegemônicos de construção de uma ordem mundial multipolar – os quais se espantaram diversas vezes com algumas das opções “inexplicáveis” do Brasil desde o retorno de Lula.

Tem sido tradicional para alguns importantes atores geopolíticos internacionais apostar, no cenário europeu, nas relações com a direita soberanista, enquanto no cenário ibero-americano apostam na esquerda anti-imperialista. Cuba, Venezuela e Nicarágua, para mencionar apenas alguns, têm sido parceiros confiáveis, por exemplo, da Rússia, da China, do Irã e da Síria. E mesmo nos países governados por forças políticas alinhadas ao atlantismo ou com cenário político inconstante, são os partidos “de esquerda” que têm sido interlocutores importantes dos setores contra-hegemônicos internacionais.

No caso do Brasil, porém, será cada vez menos possível contar com isso, tanto por motivos quantitativos, quanto por motivos qualitativos. Já os explicamos, mas revisando: a esquerda está encolhendo e perdendo capacidade de mobilização no Brasil; boa parte da esquerda remanescente brasileira possui uma orientação pró-ocidental, por causa de um sentimento de “fraternidade” apoiado na adesão ao wokismo. As lideranças políticas jovens da esquerda brasileira são, majoritariamente, educadas na Europa Ocidental e América do Norte, e são convictamente liberais em todas as questões políticas, culturais, morais e geopolíticas.

A realidade dos fatos é de que os padrões apontam para um Brasil cada vez mais dominado politicamente pelas forças centristas e direitistas, de modo que será com representantes dessas forças que outros países terão que lidar.

Nesse sentido, países como a Rússia têm muito mais a ganhar reforçando o diálogo no âmbito do conservadorismo moral, da religião e das tradições culturais (além, claro, dos setores econômicos e energéticos tradicionais) para gerar um maior grau de empatia com as forças políticas ascendentes no Brasil, do que insistindo em apelos simbólicos ao período soviético ou a eventos e personagens ibero-americanos do período da Guerra Fria.

De um modo geral, as forças políticas ascendentes no Brasil buscam pontes que permitam desvendar o segredo de como uma nação em decadência pode se reerguer, resgatando as próprias tradições, protegendo a família e garantindo um desenvolvimento econômico-industrial soberano.

Na medida em que Washington produz uma propaganda que visa convencer os conservadores brasileiros de que a Rússia ainda é “comunista, materialista e ateia”, é pela contraposição dessa propaganda que as forças contra-hegemônicas e multipolaristas conseguirão cultivar relações de longo prazo com o Brasil.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

As eleições locais brasileiras, cujo primeiro turno se deu em 6 de outubro, são importantes como elementos preditivos das principais tendências políticas do país. Existe uma correspondência parcial entre os resultados nessas eleições que se dão no nível municipal e os resultados eleitorais que poderão ser encontrados nas eleições gerais, que se dão sempre 2 anos depois.

No caso dessas eleições de 2024 é possível afirmar que, de fato, ela confirma tendências das eleições gerais de 2022 e permite já deduzir possíveis padrões de 2026.

Em primeiro lugar, o fenômeno político-eleitoral mais óbvio das eleições locais é o fortalecimento do “Centrão”, o centro político, de forma praticamente sem precedentes. É claro que o centro tem sido determinante na política brasileira pelo menos desde o fim da ditadura militar, com os partidos centristas (capitaneados pelo MDB [Movimento Democrático Brasileiro]) quase sempre atuando como “fiel da balança” para todos os governos sucessivos.

Partidos de centro como o PSD (Partido Social-Democrata), o MDB, o PP (Partido Progressista) e outros menores, agora comandarão mais de 55% das cidades brasileiras, enquanto até então comandavam aproximadamente 45% e 10 anos atrás o Centrão comandava aproximadamente 40% das cidades brasileiras.

Mas é importante apontar para uma dimensão específica da ascensão desse Centrão. Nas cidades em que esse fenômeno se passou, o Centrão quase sempre esteve associado à direita bolsonarista – ou mais especificamente àquilo que poderíamos chamar de “ala pragmática” do bolsonarismo, a qual hoje conta com o apoio do próprio Bolsonaro.

Após ser derrotado nas eleições gerais de 2022, o bolsonarismo, que sempre teve tendências entrópicas e niilistas, tendeu a se fragmentar e, de fato, rachou em pelo menos duas partes: a de um bolsonarismo intransigente (ou mesmo “esquizofrênico”), dado a crer em teorias conspiratórias sobre uma “ameaça comunista” vinda da Rússia e da China, bastante influenciada pelo já falecido pensador neoconservador Olavo de Carvalho; e a de um bolsonarismo pragmático (outrora rechaçado pelo próprio Bolsonaro), disposto a transigir, a dialogar com os partidos centristas e, em algumas ocasiões, até com a esquerda em troca de benefícios políticos tangíveis.

É esse segundo setor do bolsonarismo que veio se consolidando ao longo de 2023 e 2024 e que conseguiu construir alianças em várias cidades com as forças centristas, como foi o caso na própria cidade de São Paulo, onde o prefeito Ricardo Nunes, do MDB, está sendo apoiado por Jair Bolsonaro em sua busca pela reeleição. Aliás, em São Paulo, o 2º turno será disputado por essa aliança entre centro e bolsonarismo pragmático contra o candidato Guilherme Boulos, da esquerda liberal, apoiado pelo Presidente Lula. E em 3º lugar no 1º turno ficou precisamente um representante desse bolsonarismo intransigente, Pablo Marçal.

Na maioria das capitais brasileiras, porém, a esquerda esteve ausente da disputa pelo 1º lugar, com a maioria das capitais disputadas entre diferentes setores do Centrão e das direitas – que além das facções do bolsonarismo incluem também a direita liberal.

Essa direita liberal tem estado representada no Brasil pelo PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira). Ao longo dos anos 90 e da primeira década do novo milênio, era o PSDB quem representava a ala “direita” da democracia liberal brasileira. Mas nos últimos anos o PSDB tem encolhido, indicando até mesmo a possibilidade de desaparecer, o que é reforçado pelos resultados eleitorais locais desse ano.

Se em 2008, o PSDB parecia ser o 2º partido mais forte localmente, comandando 776 cidades, e o 3º a nível nacional, agora o PSDB vai dirigir apenas 273 cidades.

Uma primeira conclusão, portanto, é que as forças políticas mais importantes das primeiras décadas da Nova República estão em decadência – tanto a direita liberal quanto a esquerda liberal estão perdendo a sua capacidade de mobilização política, bem como o seu protagonismo.

Aqui, porém, não haveria nenhuma novidade. Se nas eleições de 2002, o PT conquistou a presidência pela primeira vez tendo como única aliança importante o PL (da era pré-Bolsonaro), nas eleições de 2022 além do PT necessitar do apoio de uma série de outros partidos (PV, PSOL, PSB, Solidariedade, Avante, etc.) se apoiou no apoio da mídia de massa, do Judiciário, do sistema financeiro e de vários outros atores importantes.

Na hora de construir o governo, por sua vez, construiu uma “frente ampla” que ia dos socialistas até os neoliberais, com o Centrão e a direita liberal ocupando vários cargos em ministérios e secretarias. O PT tornou-se, portanto, incapaz de “andar com as próprias pernas”, o que também tem se expressado em uma grande dificuldade de mobilizar a população e de transmitir entusiasmo pelas próprias pautas.

Naturalmente, é um fato que o PT ganhou algumas prefeituras em comparação com 2020 (66 para sermos mais específicos), mas se compararmos com 2016 ainda estamos diante de uma queda de 6 prefeituras, e se compararmos com 2012 são quase 400 prefeituras a menos.

Mas essa análise do PT como partido individual não basta, e é necessário percebê-lo no contexto da esquerda brasileira como um todo. Neste campo, apenas o PT e o PSB (Partido Socialista Brasileiro) tiveram crescimento nessas eleições locais, e o crescimento do PSB também não compensou o seu encolhimento em relação a anos anteriores. Não obstante, todos os outros partidos da esquerda brasileira encolheram: PDT (Partido Democrático Trabalhista), PCdoB (Partido Comunista do Brasil), PV (Partido Verde) e PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) afundaram vertiginosamente e, na prática, correm mesmo risco de desaparecer.

O que explica esse colapso geral da esquerda com um parco crescimento do PT e do PSB? Em primeiro lugar, que a única maneira, hoje, do PT crescer fora de eleições majoritárias é pela absorção dos partidos menores da esquerda. Ele parece ter pedido capacidade de disputar votos centristas ou apolíticos. Nesse sentido, o cenário político da esquerda brasileira tornou-se um jogo de soma zero.

A prova disso é que ao longo dos últimos 4 anos, de fato, o PT conseguiu retirar vários políticos importantes dos partidos menores de esquerda para filiá-los, como é o caso de Marcelo Freixo, no Rio de Janeiro. Os partidos que mais perderam votos são, precisamente, os que mais perderam militantes e líderes políticos para o PT – e nem com isso o PT conseguiu compensar o encolhimento pelo qual passou nos últimos anos.

Para o PT é uma grande crise, por mais que o partido, agora, tende transparecer tranquilidade. Se o partido comandado pela liderança brasileira mais carismática do último meio século não consegue nem mesmo se manter de pé sem precisar “parasitar” outros partidos, é sinal de que ele padece de uma grave condição, que pode se provar terminal.

Imaginemos, então, o cenário político brasileiro após o falecimento de Lula (que já tem, recordemos, 78 anos de idade…). A realidade é que Lula não conseguiu constituir um “herdeiro político” que seja minimamente semelhante a ele. O próprio PT, aliás, é um partido de facções em constante disputa, unificados, porém, pela personalidade carismática do Presidente Lula.

Haverá, então, dois caminhos possíveis para o PT: 1) sobreviver e se reconstituir através da absorção desses partidos menores da esquerda que ele já tenta absorver; 2) se desintegrar em 2 ou 3 partidos, conforme as lideranças burocráticas das várias facções busquem hegemonizar a própria autoridade.

Simultaneamente, conforme o PT vai absorvendo quadros e militantes de partidos como o PSOL e o PCdoB ele vai, também, passando por uma modificação qualitativa. Para além das diferenças entre facções internas, o grande “racha” interno do PT é entre gerações: os militantes mais velhos, representantes do que poderíamos chamar de “Velha Esquerda” (mas já no contexto do liberalismo político, abraçado pelo PT desde sua fundação), e os mais jovens, pertencentes à “Nova Esquerda”. De um modo geral, se Lula é a figura maior e simbólica da “Velha Esquerda” brasileira, os partidos menores que cada vez mais compõem o PT (e a própria juventude do PT) pertencem hegemonicamente aos setores mais liberais, progressistas e “europeus” da esquerda.

Sendo esta a análise do cenário eleitoral e do futuro próximo, é necessário “apresentar” as perspectivas políticas brasileiras para os atores internacionais que tem sido parceiros do Brasil.

Aqui estamos nos referindo especificamente àqueles países que possuem expectativas em relação ao Brasil no que concerne os processos contra-hegemônicos de construção de uma ordem mundial multipolar – os quais se espantaram diversas vezes com algumas das opções “inexplicáveis” do Brasil desde o retorno de Lula.

Tem sido tradicional para alguns importantes atores geopolíticos internacionais apostar, no cenário europeu, nas relações com a direita soberanista, enquanto no cenário ibero-americano apostam na esquerda anti-imperialista. Cuba, Venezuela e Nicarágua, para mencionar apenas alguns, têm sido parceiros confiáveis, por exemplo, da Rússia, da China, do Irã e da Síria. E mesmo nos países governados por forças políticas alinhadas ao atlantismo ou com cenário político inconstante, são os partidos “de esquerda” que têm sido interlocutores importantes dos setores contra-hegemônicos internacionais.

No caso do Brasil, porém, será cada vez menos possível contar com isso, tanto por motivos quantitativos, quanto por motivos qualitativos. Já os explicamos, mas revisando: a esquerda está encolhendo e perdendo capacidade de mobilização no Brasil; boa parte da esquerda remanescente brasileira possui uma orientação pró-ocidental, por causa de um sentimento de “fraternidade” apoiado na adesão ao wokismo. As lideranças políticas jovens da esquerda brasileira são, majoritariamente, educadas na Europa Ocidental e América do Norte, e são convictamente liberais em todas as questões políticas, culturais, morais e geopolíticas.

A realidade dos fatos é de que os padrões apontam para um Brasil cada vez mais dominado politicamente pelas forças centristas e direitistas, de modo que será com representantes dessas forças que outros países terão que lidar.

Nesse sentido, países como a Rússia têm muito mais a ganhar reforçando o diálogo no âmbito do conservadorismo moral, da religião e das tradições culturais (além, claro, dos setores econômicos e energéticos tradicionais) para gerar um maior grau de empatia com as forças políticas ascendentes no Brasil, do que insistindo em apelos simbólicos ao período soviético ou a eventos e personagens ibero-americanos do período da Guerra Fria.

De um modo geral, as forças políticas ascendentes no Brasil buscam pontes que permitam desvendar o segredo de como uma nação em decadência pode se reerguer, resgatando as próprias tradições, protegendo a família e garantindo um desenvolvimento econômico-industrial soberano.

Na medida em que Washington produz uma propaganda que visa convencer os conservadores brasileiros de que a Rússia ainda é “comunista, materialista e ateia”, é pela contraposição dessa propaganda que as forças contra-hegemônicas e multipolaristas conseguirão cultivar relações de longo prazo com o Brasil.

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