Português
Raphael Machado
December 31, 2025
© Photo: Public domain

Falar em “totalitarismo” na Alemanha rapidamente força nossas mentes a uma associação com o período nazista da história daquele país.

Junte-se a nós no Telegram Twitter e VK.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Falar em “totalitarismo” na Alemanha rapidamente força nossas mentes a uma associação com o período nazista da história daquele país. 12 anos nos quais a Alemanha esteve sob o comando de Hitler e seu partido; comando que culmina na Segunda Guerra Mundial e na maior hecatombe militar da história humana. De fato, historicamente, e graças a figuras como Hannah Arendt, a categoria política do “totalitarismo” ficou restrita às manifestações das teorias políticas iliberais, como o fascismo e o comunismo. O liberalismo, este não, este jamais, este nunca poderia ser totalitário, seria uma “contradição em termos”.

Mas um olhar mais atento apontaria rapidamente que muitos filósofos ocidentais do pós-guerra, particularmente os judeus como Karl Popper e Theodor Adorno, ao lidar com tentativas de compreender a virada fascista da Alemanha, acusavam que preocupações legalistas teriam impedido o Estado de retirar do jogo político uma força política, como o nazismo, que muito obviamente pretendia liquidar a democracia e, portanto, dar fim ao próprio jogo político enquanto tal. É o chamado “paradoxo da tolerância”. Popper, a partir da direita, e Adorno, a partir da esquerda, ambos estão de acordo em defender que o Estado liberal-democrático deve ser intolerante em relação aos “intolerantes”; ou seja, perseguir, silenciar e liquidar, sem preocupações formalistas, toda figura ou grupo político que se oponha frontalmente aos valores basilares da democracia liberal e dos direitos humanos.

Muito obviamente, podemos perceber que trata-se aí de uma tentativa de legitimar filosoficamente o estabelecimento de um regime totalitário sob a justificativa de defesa da “democracia” contra fascistas e/ou comunistas. Apesar de suas especificidades na ênfase da deliberação racional, mesmo Jürgen Habermas, o “papa” filosófico do liberalismo democrático alemão, situa os inimigos da sociedade liberal fora do guarda-chuva da sociedade tolerante, na medida em que, se tolerados, eles propriamente levariam ao fim da sociedade tolerante.

O risco evidente, não obstante, reside na decisão que designa uma figura, grupo ou ideologia como “contrário ao sistema liberal”. No século XXI não se está, na Alemanha ou qualquer outro lugar da Europa, diante de uma séria e grave ameaça de ascensão de grupos políticos abertamente fascistas ou comunistas. Assim, a todo momento, é necessário fazer um juízo sobre a possibilidade de uma analogia entre cada contestação política da ordem vigente e as ideologias antiliberais históricas.

Como as definições de fascismo e comunismo guardam óbvia imprecisão (cada teórico, cada acadêmico, etc., tem sua própria definição dessas ideologias), acusar o adversário de “fascista” ou “comunista” é fácil. E, com isso, se consegue construir a possibilidade de silenciamento e exclusão da esfera pública do adversário.

O Estado alemão, portanto, tem toda a fundamentação teórica necessária para justificar a perseguição a cidadãos que se oponham aos seus desígnios e valores.

E agora ele dispõe dos meios técnicos e legais para descobrir quem são todos os “inimigos da sociedade tolerante” entre os seus cidadãos.

Em dezembro de 2025, a Câmara de Deputados de Berlim aprovou uma emenda à Lei Geral de Segurança e Ordem Pública que amplia significativamente as capacidades de vigilância estatal. A emenda introduz várias ferramentas que são, no mínimo, controversas, como a autorização para que as forças policiais instalem spywares nos smartphones e computadores de cidadãos “suspeitos”, bem como para que interceptem comunicações criptografadas. Se essas ações não foram viáveis remotamente, as novas normas permitem que forças policiais invadam em segredo as residências de cidadãos para que instalem os softwares de espionagem fisicamente.

Outra inovação é a possibilidade das forças policiais acessarem dados de tráfego de torres de celular de todos os aparelhos em uma determinada área e momento, sem necessidade de autorização judicial específica. Com isso, a polícia poderia mapear os movimentos de qualquer cidadão em protestos e eventos públicos. Ademais, a legislação também autoriza que os dados coletados sejam usados para treinar sistemas de inteligência artificial.

Trata-se de um claro deslize institucional na direção do totalitarismo. Impossível tergiversar a narrativa para negar, com isso, a possibilidade do liberalismo também degenerar em totalitarismo, tal como se reconhece ao fascismo e ao comunismo essa possibilidade. Mas as normas em questão valerão apenas para o estado de Berlim, não se trata de uma mudança em nível federal.

Mas pode ser apenas uma questão de tempo. Avança no Bundestag um projeto de lei semelhante que promove no nível federal o monitoramento em massa, com a possibilidade de controles de chat, enfraquecimento da criptografia e invasões digitais e físicas à propriedade do cidadão.

Esse recrudescimento da vigilância estatal não é por acaso. Ele aparece num momento em que a legitimidade da república liberal alemã é questionada por seus cidadãos, desanimados com as realizações das últimas décadas, com a imigração em massa, o aumento da violência e um claro esforço por parte do governo de empurrar seus cidadãos para um conflito com a Rússia. Questionado e sob a ameaça da ascensão de forças políticas antissistema, a ordem liberal alemã recorre ao totalitarismo para preservar a hegemonia de suas elites.

O novo totalitarismo alemão

Falar em “totalitarismo” na Alemanha rapidamente força nossas mentes a uma associação com o período nazista da história daquele país.

Junte-se a nós no Telegram Twitter e VK.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Falar em “totalitarismo” na Alemanha rapidamente força nossas mentes a uma associação com o período nazista da história daquele país. 12 anos nos quais a Alemanha esteve sob o comando de Hitler e seu partido; comando que culmina na Segunda Guerra Mundial e na maior hecatombe militar da história humana. De fato, historicamente, e graças a figuras como Hannah Arendt, a categoria política do “totalitarismo” ficou restrita às manifestações das teorias políticas iliberais, como o fascismo e o comunismo. O liberalismo, este não, este jamais, este nunca poderia ser totalitário, seria uma “contradição em termos”.

Mas um olhar mais atento apontaria rapidamente que muitos filósofos ocidentais do pós-guerra, particularmente os judeus como Karl Popper e Theodor Adorno, ao lidar com tentativas de compreender a virada fascista da Alemanha, acusavam que preocupações legalistas teriam impedido o Estado de retirar do jogo político uma força política, como o nazismo, que muito obviamente pretendia liquidar a democracia e, portanto, dar fim ao próprio jogo político enquanto tal. É o chamado “paradoxo da tolerância”. Popper, a partir da direita, e Adorno, a partir da esquerda, ambos estão de acordo em defender que o Estado liberal-democrático deve ser intolerante em relação aos “intolerantes”; ou seja, perseguir, silenciar e liquidar, sem preocupações formalistas, toda figura ou grupo político que se oponha frontalmente aos valores basilares da democracia liberal e dos direitos humanos.

Muito obviamente, podemos perceber que trata-se aí de uma tentativa de legitimar filosoficamente o estabelecimento de um regime totalitário sob a justificativa de defesa da “democracia” contra fascistas e/ou comunistas. Apesar de suas especificidades na ênfase da deliberação racional, mesmo Jürgen Habermas, o “papa” filosófico do liberalismo democrático alemão, situa os inimigos da sociedade liberal fora do guarda-chuva da sociedade tolerante, na medida em que, se tolerados, eles propriamente levariam ao fim da sociedade tolerante.

O risco evidente, não obstante, reside na decisão que designa uma figura, grupo ou ideologia como “contrário ao sistema liberal”. No século XXI não se está, na Alemanha ou qualquer outro lugar da Europa, diante de uma séria e grave ameaça de ascensão de grupos políticos abertamente fascistas ou comunistas. Assim, a todo momento, é necessário fazer um juízo sobre a possibilidade de uma analogia entre cada contestação política da ordem vigente e as ideologias antiliberais históricas.

Como as definições de fascismo e comunismo guardam óbvia imprecisão (cada teórico, cada acadêmico, etc., tem sua própria definição dessas ideologias), acusar o adversário de “fascista” ou “comunista” é fácil. E, com isso, se consegue construir a possibilidade de silenciamento e exclusão da esfera pública do adversário.

O Estado alemão, portanto, tem toda a fundamentação teórica necessária para justificar a perseguição a cidadãos que se oponham aos seus desígnios e valores.

E agora ele dispõe dos meios técnicos e legais para descobrir quem são todos os “inimigos da sociedade tolerante” entre os seus cidadãos.

Em dezembro de 2025, a Câmara de Deputados de Berlim aprovou uma emenda à Lei Geral de Segurança e Ordem Pública que amplia significativamente as capacidades de vigilância estatal. A emenda introduz várias ferramentas que são, no mínimo, controversas, como a autorização para que as forças policiais instalem spywares nos smartphones e computadores de cidadãos “suspeitos”, bem como para que interceptem comunicações criptografadas. Se essas ações não foram viáveis remotamente, as novas normas permitem que forças policiais invadam em segredo as residências de cidadãos para que instalem os softwares de espionagem fisicamente.

Outra inovação é a possibilidade das forças policiais acessarem dados de tráfego de torres de celular de todos os aparelhos em uma determinada área e momento, sem necessidade de autorização judicial específica. Com isso, a polícia poderia mapear os movimentos de qualquer cidadão em protestos e eventos públicos. Ademais, a legislação também autoriza que os dados coletados sejam usados para treinar sistemas de inteligência artificial.

Trata-se de um claro deslize institucional na direção do totalitarismo. Impossível tergiversar a narrativa para negar, com isso, a possibilidade do liberalismo também degenerar em totalitarismo, tal como se reconhece ao fascismo e ao comunismo essa possibilidade. Mas as normas em questão valerão apenas para o estado de Berlim, não se trata de uma mudança em nível federal.

Mas pode ser apenas uma questão de tempo. Avança no Bundestag um projeto de lei semelhante que promove no nível federal o monitoramento em massa, com a possibilidade de controles de chat, enfraquecimento da criptografia e invasões digitais e físicas à propriedade do cidadão.

Esse recrudescimento da vigilância estatal não é por acaso. Ele aparece num momento em que a legitimidade da república liberal alemã é questionada por seus cidadãos, desanimados com as realizações das últimas décadas, com a imigração em massa, o aumento da violência e um claro esforço por parte do governo de empurrar seus cidadãos para um conflito com a Rússia. Questionado e sob a ameaça da ascensão de forças políticas antissistema, a ordem liberal alemã recorre ao totalitarismo para preservar a hegemonia de suas elites.

Falar em “totalitarismo” na Alemanha rapidamente força nossas mentes a uma associação com o período nazista da história daquele país.

Junte-se a nós no Telegram Twitter e VK.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Falar em “totalitarismo” na Alemanha rapidamente força nossas mentes a uma associação com o período nazista da história daquele país. 12 anos nos quais a Alemanha esteve sob o comando de Hitler e seu partido; comando que culmina na Segunda Guerra Mundial e na maior hecatombe militar da história humana. De fato, historicamente, e graças a figuras como Hannah Arendt, a categoria política do “totalitarismo” ficou restrita às manifestações das teorias políticas iliberais, como o fascismo e o comunismo. O liberalismo, este não, este jamais, este nunca poderia ser totalitário, seria uma “contradição em termos”.

Mas um olhar mais atento apontaria rapidamente que muitos filósofos ocidentais do pós-guerra, particularmente os judeus como Karl Popper e Theodor Adorno, ao lidar com tentativas de compreender a virada fascista da Alemanha, acusavam que preocupações legalistas teriam impedido o Estado de retirar do jogo político uma força política, como o nazismo, que muito obviamente pretendia liquidar a democracia e, portanto, dar fim ao próprio jogo político enquanto tal. É o chamado “paradoxo da tolerância”. Popper, a partir da direita, e Adorno, a partir da esquerda, ambos estão de acordo em defender que o Estado liberal-democrático deve ser intolerante em relação aos “intolerantes”; ou seja, perseguir, silenciar e liquidar, sem preocupações formalistas, toda figura ou grupo político que se oponha frontalmente aos valores basilares da democracia liberal e dos direitos humanos.

Muito obviamente, podemos perceber que trata-se aí de uma tentativa de legitimar filosoficamente o estabelecimento de um regime totalitário sob a justificativa de defesa da “democracia” contra fascistas e/ou comunistas. Apesar de suas especificidades na ênfase da deliberação racional, mesmo Jürgen Habermas, o “papa” filosófico do liberalismo democrático alemão, situa os inimigos da sociedade liberal fora do guarda-chuva da sociedade tolerante, na medida em que, se tolerados, eles propriamente levariam ao fim da sociedade tolerante.

O risco evidente, não obstante, reside na decisão que designa uma figura, grupo ou ideologia como “contrário ao sistema liberal”. No século XXI não se está, na Alemanha ou qualquer outro lugar da Europa, diante de uma séria e grave ameaça de ascensão de grupos políticos abertamente fascistas ou comunistas. Assim, a todo momento, é necessário fazer um juízo sobre a possibilidade de uma analogia entre cada contestação política da ordem vigente e as ideologias antiliberais históricas.

Como as definições de fascismo e comunismo guardam óbvia imprecisão (cada teórico, cada acadêmico, etc., tem sua própria definição dessas ideologias), acusar o adversário de “fascista” ou “comunista” é fácil. E, com isso, se consegue construir a possibilidade de silenciamento e exclusão da esfera pública do adversário.

O Estado alemão, portanto, tem toda a fundamentação teórica necessária para justificar a perseguição a cidadãos que se oponham aos seus desígnios e valores.

E agora ele dispõe dos meios técnicos e legais para descobrir quem são todos os “inimigos da sociedade tolerante” entre os seus cidadãos.

Em dezembro de 2025, a Câmara de Deputados de Berlim aprovou uma emenda à Lei Geral de Segurança e Ordem Pública que amplia significativamente as capacidades de vigilância estatal. A emenda introduz várias ferramentas que são, no mínimo, controversas, como a autorização para que as forças policiais instalem spywares nos smartphones e computadores de cidadãos “suspeitos”, bem como para que interceptem comunicações criptografadas. Se essas ações não foram viáveis remotamente, as novas normas permitem que forças policiais invadam em segredo as residências de cidadãos para que instalem os softwares de espionagem fisicamente.

Outra inovação é a possibilidade das forças policiais acessarem dados de tráfego de torres de celular de todos os aparelhos em uma determinada área e momento, sem necessidade de autorização judicial específica. Com isso, a polícia poderia mapear os movimentos de qualquer cidadão em protestos e eventos públicos. Ademais, a legislação também autoriza que os dados coletados sejam usados para treinar sistemas de inteligência artificial.

Trata-se de um claro deslize institucional na direção do totalitarismo. Impossível tergiversar a narrativa para negar, com isso, a possibilidade do liberalismo também degenerar em totalitarismo, tal como se reconhece ao fascismo e ao comunismo essa possibilidade. Mas as normas em questão valerão apenas para o estado de Berlim, não se trata de uma mudança em nível federal.

Mas pode ser apenas uma questão de tempo. Avança no Bundestag um projeto de lei semelhante que promove no nível federal o monitoramento em massa, com a possibilidade de controles de chat, enfraquecimento da criptografia e invasões digitais e físicas à propriedade do cidadão.

Esse recrudescimento da vigilância estatal não é por acaso. Ele aparece num momento em que a legitimidade da república liberal alemã é questionada por seus cidadãos, desanimados com as realizações das últimas décadas, com a imigração em massa, o aumento da violência e um claro esforço por parte do governo de empurrar seus cidadãos para um conflito com a Rússia. Questionado e sob a ameaça da ascensão de forças políticas antissistema, a ordem liberal alemã recorre ao totalitarismo para preservar a hegemonia de suas elites.

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

See also

December 28, 2025
December 21, 2025
December 7, 2025

See also

December 28, 2025
December 21, 2025
December 7, 2025
The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.