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Eduardo Vasco
December 17, 2025
© Photo: Public domain

Em razão dos 30 anos da assinatura do Acordo de Dayton. A história se repete?

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O documentário A morte da Iugoslávia é uma demonstração paradigmática do profissionalismo da maior rede de TV do mundo para praticar aquilo para o qual foi criada: manipular os conflitos internacionais. Dividida em seis episódios, a série foi produzida imediatamente após a assinatura do Acordo de Dayton, em novembro de 1995. O vasto arquivo de imagens de vídeo, fotos e gravações de áudio, algumas delas inéditas; entrevistas exclusivas, filmagens de câmeras de segurança, das forças armadas, de cinegrafistas amadores e até produções por computação gráfica, como mapas geográficos, indicam que só uma verdadeira indústria da propaganda imperialista pode realizar algo desse tamanho.

O documentário apresenta as características tradicionais de um produto jornalístico, com entrevistas com os principais agentes da guerra na antiga Iugoslávia, difundindo diversos pontos de vista, partes investigativas, objetividade e imparcialidade (a priori), atualidade (uma vez que foi veiculado ainda no fervor das tensões imediatamente após a guerra). Entretanto, apesar de A morte da Iugoslávia aparentar ser um documentário imparcial, neutro, que não favorece nenhum lado do conflito, uma análise mais detalhada revela a manipulação. Algumas vezes tácita e outras vezes enfática, a tomada de posicionamento é feita tanto por meio da voice over como também pela seleção das falas dos entrevistados, da montagem, das imagens e da angulação, do direcionamento tomado em algumas partes do documentário.

O discurso do filme apresenta frequentemente os dirigentes sérvios, especialmente Slobodan Milosevic, como culpados pelas guerras. A responsabilidade pelo surgimento das tensões étnicas é colocada quase que exclusivamente sobre o líder sérvio. “O presidente sérvio, Slobodan Milosevic, foi o primeiro a inflamar o seu povo”, afirma a voice over no início do segundo episódio. Uma ilustração disso é a cena inicial do documentário. Ela mostra imagens aéreas de Belgrado, transmitidas pela TV iugoslava, onde uma multidão de sérvios se reúne para um comício de Milosevic, em 1988. Teclas de piano dão o tom de suspense e temor do ato.

A câmera posicionada de baixo para cima (contra-plongée) e seu discurso do alto do palanque apresentam Milosevic como o grande líder dos sérvios, inflamando seu nacionalismo para a batalha que virá, enquanto a massa de pessoas grita “Slobo, Slobo, Slobo”. Ao mesmo tempo, a voice over afirma que ele é acusado como responsável por todas as guerras na Iugoslávia, pelos quais foi absolvido mais tarde. Esses minutos iniciais servem como discurso persuasivo para apresentar Milosevic como culpado de antemão pelas atrocidades que serão relatadas ao longo do documentário. A partir daí, a tendência do público é ver Milosevic de forma preconceituosa e seus depoimentos não servirão para mais nada senão confirmar esses estereótipos.

Ao longo do documentário, as autoridades do governo central da Iugoslávia são vistas como as agressoras das outras repúblicas e dos outros grupos étnicos, mesmo que seja sutil essa representação. São os repressores, belicistas, manipuladores, instigadores, conspiradores, opressores.

Durante toda a série coloca-se os sérvios na posição de “vilões”, algumas vezes de forma branda, outras de forma mais enfática. Seus discursos nacionalistas inflamados são mostrados algumas vezes, mas isso não é feito em nenhum momento com os nacionalistas croatas ou bósnios, que também cometeram crimes. Os separatistas sérvios são extremistas, mas os croatas e bósnios não, apesar de suas autoridades envolvidas nas guerras serem ultranacionalistas e mesmo fascistas, como o presidente croata Franjo Tudjman. O documentário não questiona os interesses por trás da divisão da Iugoslávia.

O discurso do documentário também procura sempre ligar Milosevic aos grupos extremistas. Por exemplo, quando a voice over afirma que os servo-croatas queriam expulsar os croatas dos territórios em que eram maioria, para se unirem à Iugoslávia. “Para isso, aliados extremistas do presidente Milosevic se preparam para provocar um conflito entre sérvios e croatas.” Também fala em forças militares de Milosevic e autoridades extremistas próximas a Tudjman, presidente da Croácia.

Milosevic ainda é descrito como o comandante dos crimes cometidos pelas milícias servo-bósnias lideradas por Radovan Karadzic. O quarto episódio da série começa com palavras de defesa de Milosevic, falando que não apoia hostilidades. A forma como a declaração aparece, de repente, no início do episódio, passa a impressão de que ele está se defendendo de um crime que realmente cometeu. Aparecem imagens de destruição na Bósnia e a voice over afirma que o político sempre disse que não se envolveu nas atrocidades na Bósnia mas que as testemunhas contra ele dizem o contrário. Em outro momento, no quinto episódio, o documentário ressalta que Milosevic era “o homem por trás dos servo bósnios”. Mas a data descrita é abril de 1993, quando o líder iugoslavo já havia rompido com os extremistas de Karadzic, como foi constatado pelo Tribunal de Haia. Mesmo dois anos após esse rompimento, Milosevic ainda é tachado como “financiador” de Karadzic, no sexto episódio.

O que se entende é que Milosevic e Karadzic mantêm estreitas relações, o que leva a crer que o presidente iugoslavo esteve envolvido nos crimes do líder extremista. Além disso, muitas vezes os servo-bósnios são chamados apenas de sérvios, o que confunde a audiência e o público acaba imaginando que a Sérvia é a grande vilã, responsável pelos crimes dos servo-bósnios que, como observado, àquela altura atuavam independentes de Belgrado.

A Eslovênia, primeira república a se separar da Iugoslávia, é vista como uma região moderna, democrática, ocidentalizada, civilizada, onde há mais liberdade do que nas outras regiões da federação. O nacionalismo esloveno não aparece em ocasião alguma, seus dirigentes políticos são pacíficos opositores do autoritarismo de Belgrado e somente querem a independência de seu povo.

A Croácia, segunda república a declarar independência da Iugoslávia, também é apresentada como uma região próspera, democrática e liberal. O problema é que, segundo o documentário dá a entender, os croatas de origem sérvia queriam permanecer na Iugoslávia e então eles causaram as tensões.

De acordo com as palavras da narração, “as ameaças sérvias provocaram respostas do povo da Croácia”. Pelo que se entende, a minoria sérvia apoiada pelo governo iugoslavo de Milosevic foi a responsável pelo início dessa guerra, porque “Milosevic queria incendiar o resto da Croácia”, conforme narra a voice over. Em outra ocasião, o documentário afirma que as autoridades croatas “temiam que a Sérvia, maior república da Iugoslávia, os esmagasse”.

Em certos momentos, a voice over afirma que as ações do governo e do exército iugoslavos contaram com apoio da imprensa sérvia. No entanto, não fala que o noticiário imperialista do qual faz parte a BBC preparou a futura intervenção nos Bálcãs. E mais: o próprio discurso do documentário indica uma ineficiência da ONU no combate aos sérvios e servo-bósnios e sugere uma intervenção armada do Ocidente na região. Quando a intervenção da OTAN ocorre, o documentário não adota uma postura minimamente questionadora das possíveis consequências que essa ação teria para a população civil iugoslava.

A comunidade internacional, principalmente os EUA, é apresentada como mediadora diplomática. Em nenhum momento os interesses geopolíticos e econômicos nem as operações secretas por trás das negociações são questionados. A propina oferecida pelo primeiro-ministro da Itália ao presidente de Montenegro para que votasse pelo desmembramento da Iugoslávia não é tratada com a mínima preocupação.

Ao longo de toda a série, o Ocidente é retratado como civilizado e sua intervenção nos Bálcãs é para “botar ordem na casa”, porque os incivilizados iugoslavos não conseguem se entender. Os EUA são apresentados sempre como diplomáticos, democráticos, humanistas, conciliadores, agindo de boa-fé e tentam ensinar os bons modos aos bárbaros eslavos, principalmente aos sérvios.

Trinta anos depois, esse mesmo discurso da BBC se repete. A “ameaça russa”, essa barbárie eslava, contamina seus aliados da Europa Oriental. Dentre eles, o presidente sérvio Aleksandar Vucic, apresentado como um autocrata pró-russo, uma espécie de herdeiro de Milosevic. E os servo-bósnios seriam os responsáveis pelas tensões que ameaçam a volta da guerra na Bósnia, com Milorad Dodik sendo visto como sucessor de Karadzic pelos mais histéricos propagandistas do imperialismo. Como antes, são estes últimos que, no final das contas, estão pavimentando o caminho para a guerra.

Como a BBC manipulou a história das guerras na Iugoslávia

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O documentário A morte da Iugoslávia é uma demonstração paradigmática do profissionalismo da maior rede de TV do mundo para praticar aquilo para o qual foi criada: manipular os conflitos internacionais. Dividida em seis episódios, a série foi produzida imediatamente após a assinatura do Acordo de Dayton, em novembro de 1995. O vasto arquivo de imagens de vídeo, fotos e gravações de áudio, algumas delas inéditas; entrevistas exclusivas, filmagens de câmeras de segurança, das forças armadas, de cinegrafistas amadores e até produções por computação gráfica, como mapas geográficos, indicam que só uma verdadeira indústria da propaganda imperialista pode realizar algo desse tamanho.

O documentário apresenta as características tradicionais de um produto jornalístico, com entrevistas com os principais agentes da guerra na antiga Iugoslávia, difundindo diversos pontos de vista, partes investigativas, objetividade e imparcialidade (a priori), atualidade (uma vez que foi veiculado ainda no fervor das tensões imediatamente após a guerra). Entretanto, apesar de A morte da Iugoslávia aparentar ser um documentário imparcial, neutro, que não favorece nenhum lado do conflito, uma análise mais detalhada revela a manipulação. Algumas vezes tácita e outras vezes enfática, a tomada de posicionamento é feita tanto por meio da voice over como também pela seleção das falas dos entrevistados, da montagem, das imagens e da angulação, do direcionamento tomado em algumas partes do documentário.

O discurso do filme apresenta frequentemente os dirigentes sérvios, especialmente Slobodan Milosevic, como culpados pelas guerras. A responsabilidade pelo surgimento das tensões étnicas é colocada quase que exclusivamente sobre o líder sérvio. “O presidente sérvio, Slobodan Milosevic, foi o primeiro a inflamar o seu povo”, afirma a voice over no início do segundo episódio. Uma ilustração disso é a cena inicial do documentário. Ela mostra imagens aéreas de Belgrado, transmitidas pela TV iugoslava, onde uma multidão de sérvios se reúne para um comício de Milosevic, em 1988. Teclas de piano dão o tom de suspense e temor do ato.

A câmera posicionada de baixo para cima (contra-plongée) e seu discurso do alto do palanque apresentam Milosevic como o grande líder dos sérvios, inflamando seu nacionalismo para a batalha que virá, enquanto a massa de pessoas grita “Slobo, Slobo, Slobo”. Ao mesmo tempo, a voice over afirma que ele é acusado como responsável por todas as guerras na Iugoslávia, pelos quais foi absolvido mais tarde. Esses minutos iniciais servem como discurso persuasivo para apresentar Milosevic como culpado de antemão pelas atrocidades que serão relatadas ao longo do documentário. A partir daí, a tendência do público é ver Milosevic de forma preconceituosa e seus depoimentos não servirão para mais nada senão confirmar esses estereótipos.

Ao longo do documentário, as autoridades do governo central da Iugoslávia são vistas como as agressoras das outras repúblicas e dos outros grupos étnicos, mesmo que seja sutil essa representação. São os repressores, belicistas, manipuladores, instigadores, conspiradores, opressores.

Durante toda a série coloca-se os sérvios na posição de “vilões”, algumas vezes de forma branda, outras de forma mais enfática. Seus discursos nacionalistas inflamados são mostrados algumas vezes, mas isso não é feito em nenhum momento com os nacionalistas croatas ou bósnios, que também cometeram crimes. Os separatistas sérvios são extremistas, mas os croatas e bósnios não, apesar de suas autoridades envolvidas nas guerras serem ultranacionalistas e mesmo fascistas, como o presidente croata Franjo Tudjman. O documentário não questiona os interesses por trás da divisão da Iugoslávia.

O discurso do documentário também procura sempre ligar Milosevic aos grupos extremistas. Por exemplo, quando a voice over afirma que os servo-croatas queriam expulsar os croatas dos territórios em que eram maioria, para se unirem à Iugoslávia. “Para isso, aliados extremistas do presidente Milosevic se preparam para provocar um conflito entre sérvios e croatas.” Também fala em forças militares de Milosevic e autoridades extremistas próximas a Tudjman, presidente da Croácia.

Milosevic ainda é descrito como o comandante dos crimes cometidos pelas milícias servo-bósnias lideradas por Radovan Karadzic. O quarto episódio da série começa com palavras de defesa de Milosevic, falando que não apoia hostilidades. A forma como a declaração aparece, de repente, no início do episódio, passa a impressão de que ele está se defendendo de um crime que realmente cometeu. Aparecem imagens de destruição na Bósnia e a voice over afirma que o político sempre disse que não se envolveu nas atrocidades na Bósnia mas que as testemunhas contra ele dizem o contrário. Em outro momento, no quinto episódio, o documentário ressalta que Milosevic era “o homem por trás dos servo bósnios”. Mas a data descrita é abril de 1993, quando o líder iugoslavo já havia rompido com os extremistas de Karadzic, como foi constatado pelo Tribunal de Haia. Mesmo dois anos após esse rompimento, Milosevic ainda é tachado como “financiador” de Karadzic, no sexto episódio.

O que se entende é que Milosevic e Karadzic mantêm estreitas relações, o que leva a crer que o presidente iugoslavo esteve envolvido nos crimes do líder extremista. Além disso, muitas vezes os servo-bósnios são chamados apenas de sérvios, o que confunde a audiência e o público acaba imaginando que a Sérvia é a grande vilã, responsável pelos crimes dos servo-bósnios que, como observado, àquela altura atuavam independentes de Belgrado.

A Eslovênia, primeira república a se separar da Iugoslávia, é vista como uma região moderna, democrática, ocidentalizada, civilizada, onde há mais liberdade do que nas outras regiões da federação. O nacionalismo esloveno não aparece em ocasião alguma, seus dirigentes políticos são pacíficos opositores do autoritarismo de Belgrado e somente querem a independência de seu povo.

A Croácia, segunda república a declarar independência da Iugoslávia, também é apresentada como uma região próspera, democrática e liberal. O problema é que, segundo o documentário dá a entender, os croatas de origem sérvia queriam permanecer na Iugoslávia e então eles causaram as tensões.

De acordo com as palavras da narração, “as ameaças sérvias provocaram respostas do povo da Croácia”. Pelo que se entende, a minoria sérvia apoiada pelo governo iugoslavo de Milosevic foi a responsável pelo início dessa guerra, porque “Milosevic queria incendiar o resto da Croácia”, conforme narra a voice over. Em outra ocasião, o documentário afirma que as autoridades croatas “temiam que a Sérvia, maior república da Iugoslávia, os esmagasse”.

Em certos momentos, a voice over afirma que as ações do governo e do exército iugoslavos contaram com apoio da imprensa sérvia. No entanto, não fala que o noticiário imperialista do qual faz parte a BBC preparou a futura intervenção nos Bálcãs. E mais: o próprio discurso do documentário indica uma ineficiência da ONU no combate aos sérvios e servo-bósnios e sugere uma intervenção armada do Ocidente na região. Quando a intervenção da OTAN ocorre, o documentário não adota uma postura minimamente questionadora das possíveis consequências que essa ação teria para a população civil iugoslava.

A comunidade internacional, principalmente os EUA, é apresentada como mediadora diplomática. Em nenhum momento os interesses geopolíticos e econômicos nem as operações secretas por trás das negociações são questionados. A propina oferecida pelo primeiro-ministro da Itália ao presidente de Montenegro para que votasse pelo desmembramento da Iugoslávia não é tratada com a mínima preocupação.

Ao longo de toda a série, o Ocidente é retratado como civilizado e sua intervenção nos Bálcãs é para “botar ordem na casa”, porque os incivilizados iugoslavos não conseguem se entender. Os EUA são apresentados sempre como diplomáticos, democráticos, humanistas, conciliadores, agindo de boa-fé e tentam ensinar os bons modos aos bárbaros eslavos, principalmente aos sérvios.

Trinta anos depois, esse mesmo discurso da BBC se repete. A “ameaça russa”, essa barbárie eslava, contamina seus aliados da Europa Oriental. Dentre eles, o presidente sérvio Aleksandar Vucic, apresentado como um autocrata pró-russo, uma espécie de herdeiro de Milosevic. E os servo-bósnios seriam os responsáveis pelas tensões que ameaçam a volta da guerra na Bósnia, com Milorad Dodik sendo visto como sucessor de Karadzic pelos mais histéricos propagandistas do imperialismo. Como antes, são estes últimos que, no final das contas, estão pavimentando o caminho para a guerra.

Em razão dos 30 anos da assinatura do Acordo de Dayton. A história se repete?

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Escreva para nós: info@strategic-culture.su

O documentário A morte da Iugoslávia é uma demonstração paradigmática do profissionalismo da maior rede de TV do mundo para praticar aquilo para o qual foi criada: manipular os conflitos internacionais. Dividida em seis episódios, a série foi produzida imediatamente após a assinatura do Acordo de Dayton, em novembro de 1995. O vasto arquivo de imagens de vídeo, fotos e gravações de áudio, algumas delas inéditas; entrevistas exclusivas, filmagens de câmeras de segurança, das forças armadas, de cinegrafistas amadores e até produções por computação gráfica, como mapas geográficos, indicam que só uma verdadeira indústria da propaganda imperialista pode realizar algo desse tamanho.

O documentário apresenta as características tradicionais de um produto jornalístico, com entrevistas com os principais agentes da guerra na antiga Iugoslávia, difundindo diversos pontos de vista, partes investigativas, objetividade e imparcialidade (a priori), atualidade (uma vez que foi veiculado ainda no fervor das tensões imediatamente após a guerra). Entretanto, apesar de A morte da Iugoslávia aparentar ser um documentário imparcial, neutro, que não favorece nenhum lado do conflito, uma análise mais detalhada revela a manipulação. Algumas vezes tácita e outras vezes enfática, a tomada de posicionamento é feita tanto por meio da voice over como também pela seleção das falas dos entrevistados, da montagem, das imagens e da angulação, do direcionamento tomado em algumas partes do documentário.

O discurso do filme apresenta frequentemente os dirigentes sérvios, especialmente Slobodan Milosevic, como culpados pelas guerras. A responsabilidade pelo surgimento das tensões étnicas é colocada quase que exclusivamente sobre o líder sérvio. “O presidente sérvio, Slobodan Milosevic, foi o primeiro a inflamar o seu povo”, afirma a voice over no início do segundo episódio. Uma ilustração disso é a cena inicial do documentário. Ela mostra imagens aéreas de Belgrado, transmitidas pela TV iugoslava, onde uma multidão de sérvios se reúne para um comício de Milosevic, em 1988. Teclas de piano dão o tom de suspense e temor do ato.

A câmera posicionada de baixo para cima (contra-plongée) e seu discurso do alto do palanque apresentam Milosevic como o grande líder dos sérvios, inflamando seu nacionalismo para a batalha que virá, enquanto a massa de pessoas grita “Slobo, Slobo, Slobo”. Ao mesmo tempo, a voice over afirma que ele é acusado como responsável por todas as guerras na Iugoslávia, pelos quais foi absolvido mais tarde. Esses minutos iniciais servem como discurso persuasivo para apresentar Milosevic como culpado de antemão pelas atrocidades que serão relatadas ao longo do documentário. A partir daí, a tendência do público é ver Milosevic de forma preconceituosa e seus depoimentos não servirão para mais nada senão confirmar esses estereótipos.

Ao longo do documentário, as autoridades do governo central da Iugoslávia são vistas como as agressoras das outras repúblicas e dos outros grupos étnicos, mesmo que seja sutil essa representação. São os repressores, belicistas, manipuladores, instigadores, conspiradores, opressores.

Durante toda a série coloca-se os sérvios na posição de “vilões”, algumas vezes de forma branda, outras de forma mais enfática. Seus discursos nacionalistas inflamados são mostrados algumas vezes, mas isso não é feito em nenhum momento com os nacionalistas croatas ou bósnios, que também cometeram crimes. Os separatistas sérvios são extremistas, mas os croatas e bósnios não, apesar de suas autoridades envolvidas nas guerras serem ultranacionalistas e mesmo fascistas, como o presidente croata Franjo Tudjman. O documentário não questiona os interesses por trás da divisão da Iugoslávia.

O discurso do documentário também procura sempre ligar Milosevic aos grupos extremistas. Por exemplo, quando a voice over afirma que os servo-croatas queriam expulsar os croatas dos territórios em que eram maioria, para se unirem à Iugoslávia. “Para isso, aliados extremistas do presidente Milosevic se preparam para provocar um conflito entre sérvios e croatas.” Também fala em forças militares de Milosevic e autoridades extremistas próximas a Tudjman, presidente da Croácia.

Milosevic ainda é descrito como o comandante dos crimes cometidos pelas milícias servo-bósnias lideradas por Radovan Karadzic. O quarto episódio da série começa com palavras de defesa de Milosevic, falando que não apoia hostilidades. A forma como a declaração aparece, de repente, no início do episódio, passa a impressão de que ele está se defendendo de um crime que realmente cometeu. Aparecem imagens de destruição na Bósnia e a voice over afirma que o político sempre disse que não se envolveu nas atrocidades na Bósnia mas que as testemunhas contra ele dizem o contrário. Em outro momento, no quinto episódio, o documentário ressalta que Milosevic era “o homem por trás dos servo bósnios”. Mas a data descrita é abril de 1993, quando o líder iugoslavo já havia rompido com os extremistas de Karadzic, como foi constatado pelo Tribunal de Haia. Mesmo dois anos após esse rompimento, Milosevic ainda é tachado como “financiador” de Karadzic, no sexto episódio.

O que se entende é que Milosevic e Karadzic mantêm estreitas relações, o que leva a crer que o presidente iugoslavo esteve envolvido nos crimes do líder extremista. Além disso, muitas vezes os servo-bósnios são chamados apenas de sérvios, o que confunde a audiência e o público acaba imaginando que a Sérvia é a grande vilã, responsável pelos crimes dos servo-bósnios que, como observado, àquela altura atuavam independentes de Belgrado.

A Eslovênia, primeira república a se separar da Iugoslávia, é vista como uma região moderna, democrática, ocidentalizada, civilizada, onde há mais liberdade do que nas outras regiões da federação. O nacionalismo esloveno não aparece em ocasião alguma, seus dirigentes políticos são pacíficos opositores do autoritarismo de Belgrado e somente querem a independência de seu povo.

A Croácia, segunda república a declarar independência da Iugoslávia, também é apresentada como uma região próspera, democrática e liberal. O problema é que, segundo o documentário dá a entender, os croatas de origem sérvia queriam permanecer na Iugoslávia e então eles causaram as tensões.

De acordo com as palavras da narração, “as ameaças sérvias provocaram respostas do povo da Croácia”. Pelo que se entende, a minoria sérvia apoiada pelo governo iugoslavo de Milosevic foi a responsável pelo início dessa guerra, porque “Milosevic queria incendiar o resto da Croácia”, conforme narra a voice over. Em outra ocasião, o documentário afirma que as autoridades croatas “temiam que a Sérvia, maior república da Iugoslávia, os esmagasse”.

Em certos momentos, a voice over afirma que as ações do governo e do exército iugoslavos contaram com apoio da imprensa sérvia. No entanto, não fala que o noticiário imperialista do qual faz parte a BBC preparou a futura intervenção nos Bálcãs. E mais: o próprio discurso do documentário indica uma ineficiência da ONU no combate aos sérvios e servo-bósnios e sugere uma intervenção armada do Ocidente na região. Quando a intervenção da OTAN ocorre, o documentário não adota uma postura minimamente questionadora das possíveis consequências que essa ação teria para a população civil iugoslava.

A comunidade internacional, principalmente os EUA, é apresentada como mediadora diplomática. Em nenhum momento os interesses geopolíticos e econômicos nem as operações secretas por trás das negociações são questionados. A propina oferecida pelo primeiro-ministro da Itália ao presidente de Montenegro para que votasse pelo desmembramento da Iugoslávia não é tratada com a mínima preocupação.

Ao longo de toda a série, o Ocidente é retratado como civilizado e sua intervenção nos Bálcãs é para “botar ordem na casa”, porque os incivilizados iugoslavos não conseguem se entender. Os EUA são apresentados sempre como diplomáticos, democráticos, humanistas, conciliadores, agindo de boa-fé e tentam ensinar os bons modos aos bárbaros eslavos, principalmente aos sérvios.

Trinta anos depois, esse mesmo discurso da BBC se repete. A “ameaça russa”, essa barbárie eslava, contamina seus aliados da Europa Oriental. Dentre eles, o presidente sérvio Aleksandar Vucic, apresentado como um autocrata pró-russo, uma espécie de herdeiro de Milosevic. E os servo-bósnios seriam os responsáveis pelas tensões que ameaçam a volta da guerra na Bósnia, com Milorad Dodik sendo visto como sucessor de Karadzic pelos mais histéricos propagandistas do imperialismo. Como antes, são estes últimos que, no final das contas, estão pavimentando o caminho para a guerra.

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