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Raphael Machado
October 30, 2025
© Photo: Public domain

Um vício comumente encontrado entre os analistas geopolíticos e jornalistas de orientação anti-imperialista é a tentativa de explicar todos os conflitos internacionais pela “causa única” da busca imperialista por recursos naturais.

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Um vício comumente encontrado entre os analistas geopolíticos e jornalistas de orientação anti-imperialista é a tentativa de explicar todos os conflitos internacionais pela “causa única” da busca imperialista por recursos naturais – quase sempre o petróleo. É assim, por exemplo, que classicamente se explica a Guerra do Iraque: o “Big Oil” teria usado o governo Bush para abrir mercados, outrora fechados, através dos bombardeios e da ocupação territorial.

Esse tipo de explicação, claramente materialista, parte de um pressuposto evidentemente marxiano, na medida em que pretende tomar todos os fenômenos sociais, culturais e políticos como epifenômenos diante da realidade preponderante e estrutural das transformações e interesses econômicos.

Como boa parte dos esforços pseudo-científicos oitocentistas de reduzir a realidade a um princípio único (como foi o caso do freudismo e do positivismo), esse materialismo economicista também não se sustenta sob o martelo da análise crítica.

Apenas a título de exemplo, no caso iraquiano, a explicação materialista genérica não resiste à descoberta empírica de que as grandes petrolíferas estadunidenses, na verdade, já estavam em um rumo de diálogo com aos países contra-hegemônicos do Oriente Médio e, precisamente por isso, tentaram pressionar, sem sucesso, pela não-intervenção e pela pacificação das relações americano-iraquianas.

Não obstante, o “mito do petróleo” permanece no estudo do Oriente Médio. De modo que não estamos surpresos que se apele a ele, uma vez mais, para explicar a pressão estadunidense sobre a Venezuela. Diz a narrativa que a pressão de Trump sobre Maduro, e as ameaças de derrubar seu governo, se devem ao interesse de Trump pelas reservas venezuelanas de 300 bilhões de barris – as maiores do mundo.

O problema dessa narrativa, porém, é que segundo todos os indícios, Maduro teria oferecido de fechar parcerias extremamente vantajosas com os EUA para a exploração do petróleo venezuelano, já que o nível de extração hoje na Venezuela é mínimo. De uma perspectiva material, o acordo seria bastante interessante para a indústria petrolífera dos EUA, já que o país consome imensa quantidade de petróleo e suas reservas são “apenas” as nonas no mundo.

Tudo indica, porém, que Trump teria rejeitado a oferta de acordo.

Os EUA, aparentemente, querem algo que vale mais do que a maior reserva de petróleo do mundo.

É aí que entra a ciência geopolítica.

Geralmente, a geopolítica é confundida com “geoeconomia”, no sentido de que muita gente crê estar diante de uma “análise geopolítica” quando vê uma atribuição de causas econômicas a algum conflito internacional. Mas a geopolítica é, fundamentalmente, a ciência que estuda a correlação entre geografia e poder. Nesse sentido, os recursos podem entrar nas análises geopolíticas, mas apenas como uma parte de um contexto geral.

E no caso venezuelano mesmo o importantíssimo e farto petróleo possuem uma importância secundária no conflito com os EUA.

Mais importante que o petróleo, para os EUA, é garantir a hegemonia hemisférica – especialmente nas Américas. Trata-se, como definido de maneira arrogante e clássica, do “quintal” dos EUA, espaço no qual a elite estadunidense no século XIX decidiu não mais tolerar qualquer presença europeia.

Avancemos 200 anos e como estão as relações internacionais dos países ibero-americanos?

A China é o principal parceiro comercial da maioria dos países da região, vários dos quais aderiram à Iniciativa Cinturão & Rota (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, Costa Rica, Equador, El Salvador, etc). Alguns dos países da região (Brasil, Bolívia, Cuba) também ingressaram nos BRICS, que trabalha para a desdolarização do comércio internacional. Especificamente a Rússia, por sua vez, tem desenvolvido laços militares – os quais consistem em fornecimento de equipamento e realização de exercícios – especialmente com Venezuela, Cuba e Nicarágua, com uma aproximação militar também com a Bolívia e, em menor medida, Peru e Brasil.

Em um contexto no qual a pressão sobre os EUA em outras regiões do mundo é crescente, é perigoso para a hegemonia dos EUA ver o crescimento da influência russo-chinesa no seu “quintal”.

A Venezuela, aí, é um alvo significativo e prioritário porque é precisamente o país com as mais profundas relações estratégicas com a Rússia e a China. A Venezuela é uma das principais fontes de petróleo para a China, ao mesmo tempo Caracas parece desempenhar um papel relevante na estratégia multifacetada russa de “pressionar” pela multipolaridade fortalecendo em vários pontos do planeta países que tentam desafiar a ordem hegemônica.

Para confirmar essa tese, precisaríamos analisar as relações dos EUA com o resto do continente para verificar se há alguma movimentação dos EUA no sentido de tentar afastar os países da região da Rússia e da China.

E parece que isso é muito claro: a estratégia de reaproximação com o Brasil se apoia precisamente num esforço de tirar o país da “órbita chinesa”. Os EUA também pressionaram o México para que permanecesse fora da Nova Rota da Seda. Os EUA aumentaram sua presença no Equador e pressionaram Milei para que abandonasse os planos de uma base chinesa em seu território. Os exemplos abundam para indicar que estamos diante de uma ampla investida continental cujo objetivo é atualizar a Doutrina Monroe para o século XXI.

Não se trata, portanto, de petróleo, mas de hegemonia.

A pressão contra a Venezuela como guerra híbrida contra Rússia e China

Um vício comumente encontrado entre os analistas geopolíticos e jornalistas de orientação anti-imperialista é a tentativa de explicar todos os conflitos internacionais pela “causa única” da busca imperialista por recursos naturais.

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Um vício comumente encontrado entre os analistas geopolíticos e jornalistas de orientação anti-imperialista é a tentativa de explicar todos os conflitos internacionais pela “causa única” da busca imperialista por recursos naturais – quase sempre o petróleo. É assim, por exemplo, que classicamente se explica a Guerra do Iraque: o “Big Oil” teria usado o governo Bush para abrir mercados, outrora fechados, através dos bombardeios e da ocupação territorial.

Esse tipo de explicação, claramente materialista, parte de um pressuposto evidentemente marxiano, na medida em que pretende tomar todos os fenômenos sociais, culturais e políticos como epifenômenos diante da realidade preponderante e estrutural das transformações e interesses econômicos.

Como boa parte dos esforços pseudo-científicos oitocentistas de reduzir a realidade a um princípio único (como foi o caso do freudismo e do positivismo), esse materialismo economicista também não se sustenta sob o martelo da análise crítica.

Apenas a título de exemplo, no caso iraquiano, a explicação materialista genérica não resiste à descoberta empírica de que as grandes petrolíferas estadunidenses, na verdade, já estavam em um rumo de diálogo com aos países contra-hegemônicos do Oriente Médio e, precisamente por isso, tentaram pressionar, sem sucesso, pela não-intervenção e pela pacificação das relações americano-iraquianas.

Não obstante, o “mito do petróleo” permanece no estudo do Oriente Médio. De modo que não estamos surpresos que se apele a ele, uma vez mais, para explicar a pressão estadunidense sobre a Venezuela. Diz a narrativa que a pressão de Trump sobre Maduro, e as ameaças de derrubar seu governo, se devem ao interesse de Trump pelas reservas venezuelanas de 300 bilhões de barris – as maiores do mundo.

O problema dessa narrativa, porém, é que segundo todos os indícios, Maduro teria oferecido de fechar parcerias extremamente vantajosas com os EUA para a exploração do petróleo venezuelano, já que o nível de extração hoje na Venezuela é mínimo. De uma perspectiva material, o acordo seria bastante interessante para a indústria petrolífera dos EUA, já que o país consome imensa quantidade de petróleo e suas reservas são “apenas” as nonas no mundo.

Tudo indica, porém, que Trump teria rejeitado a oferta de acordo.

Os EUA, aparentemente, querem algo que vale mais do que a maior reserva de petróleo do mundo.

É aí que entra a ciência geopolítica.

Geralmente, a geopolítica é confundida com “geoeconomia”, no sentido de que muita gente crê estar diante de uma “análise geopolítica” quando vê uma atribuição de causas econômicas a algum conflito internacional. Mas a geopolítica é, fundamentalmente, a ciência que estuda a correlação entre geografia e poder. Nesse sentido, os recursos podem entrar nas análises geopolíticas, mas apenas como uma parte de um contexto geral.

E no caso venezuelano mesmo o importantíssimo e farto petróleo possuem uma importância secundária no conflito com os EUA.

Mais importante que o petróleo, para os EUA, é garantir a hegemonia hemisférica – especialmente nas Américas. Trata-se, como definido de maneira arrogante e clássica, do “quintal” dos EUA, espaço no qual a elite estadunidense no século XIX decidiu não mais tolerar qualquer presença europeia.

Avancemos 200 anos e como estão as relações internacionais dos países ibero-americanos?

A China é o principal parceiro comercial da maioria dos países da região, vários dos quais aderiram à Iniciativa Cinturão & Rota (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, Costa Rica, Equador, El Salvador, etc). Alguns dos países da região (Brasil, Bolívia, Cuba) também ingressaram nos BRICS, que trabalha para a desdolarização do comércio internacional. Especificamente a Rússia, por sua vez, tem desenvolvido laços militares – os quais consistem em fornecimento de equipamento e realização de exercícios – especialmente com Venezuela, Cuba e Nicarágua, com uma aproximação militar também com a Bolívia e, em menor medida, Peru e Brasil.

Em um contexto no qual a pressão sobre os EUA em outras regiões do mundo é crescente, é perigoso para a hegemonia dos EUA ver o crescimento da influência russo-chinesa no seu “quintal”.

A Venezuela, aí, é um alvo significativo e prioritário porque é precisamente o país com as mais profundas relações estratégicas com a Rússia e a China. A Venezuela é uma das principais fontes de petróleo para a China, ao mesmo tempo Caracas parece desempenhar um papel relevante na estratégia multifacetada russa de “pressionar” pela multipolaridade fortalecendo em vários pontos do planeta países que tentam desafiar a ordem hegemônica.

Para confirmar essa tese, precisaríamos analisar as relações dos EUA com o resto do continente para verificar se há alguma movimentação dos EUA no sentido de tentar afastar os países da região da Rússia e da China.

E parece que isso é muito claro: a estratégia de reaproximação com o Brasil se apoia precisamente num esforço de tirar o país da “órbita chinesa”. Os EUA também pressionaram o México para que permanecesse fora da Nova Rota da Seda. Os EUA aumentaram sua presença no Equador e pressionaram Milei para que abandonasse os planos de uma base chinesa em seu território. Os exemplos abundam para indicar que estamos diante de uma ampla investida continental cujo objetivo é atualizar a Doutrina Monroe para o século XXI.

Não se trata, portanto, de petróleo, mas de hegemonia.

Um vício comumente encontrado entre os analistas geopolíticos e jornalistas de orientação anti-imperialista é a tentativa de explicar todos os conflitos internacionais pela “causa única” da busca imperialista por recursos naturais.

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Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Um vício comumente encontrado entre os analistas geopolíticos e jornalistas de orientação anti-imperialista é a tentativa de explicar todos os conflitos internacionais pela “causa única” da busca imperialista por recursos naturais – quase sempre o petróleo. É assim, por exemplo, que classicamente se explica a Guerra do Iraque: o “Big Oil” teria usado o governo Bush para abrir mercados, outrora fechados, através dos bombardeios e da ocupação territorial.

Esse tipo de explicação, claramente materialista, parte de um pressuposto evidentemente marxiano, na medida em que pretende tomar todos os fenômenos sociais, culturais e políticos como epifenômenos diante da realidade preponderante e estrutural das transformações e interesses econômicos.

Como boa parte dos esforços pseudo-científicos oitocentistas de reduzir a realidade a um princípio único (como foi o caso do freudismo e do positivismo), esse materialismo economicista também não se sustenta sob o martelo da análise crítica.

Apenas a título de exemplo, no caso iraquiano, a explicação materialista genérica não resiste à descoberta empírica de que as grandes petrolíferas estadunidenses, na verdade, já estavam em um rumo de diálogo com aos países contra-hegemônicos do Oriente Médio e, precisamente por isso, tentaram pressionar, sem sucesso, pela não-intervenção e pela pacificação das relações americano-iraquianas.

Não obstante, o “mito do petróleo” permanece no estudo do Oriente Médio. De modo que não estamos surpresos que se apele a ele, uma vez mais, para explicar a pressão estadunidense sobre a Venezuela. Diz a narrativa que a pressão de Trump sobre Maduro, e as ameaças de derrubar seu governo, se devem ao interesse de Trump pelas reservas venezuelanas de 300 bilhões de barris – as maiores do mundo.

O problema dessa narrativa, porém, é que segundo todos os indícios, Maduro teria oferecido de fechar parcerias extremamente vantajosas com os EUA para a exploração do petróleo venezuelano, já que o nível de extração hoje na Venezuela é mínimo. De uma perspectiva material, o acordo seria bastante interessante para a indústria petrolífera dos EUA, já que o país consome imensa quantidade de petróleo e suas reservas são “apenas” as nonas no mundo.

Tudo indica, porém, que Trump teria rejeitado a oferta de acordo.

Os EUA, aparentemente, querem algo que vale mais do que a maior reserva de petróleo do mundo.

É aí que entra a ciência geopolítica.

Geralmente, a geopolítica é confundida com “geoeconomia”, no sentido de que muita gente crê estar diante de uma “análise geopolítica” quando vê uma atribuição de causas econômicas a algum conflito internacional. Mas a geopolítica é, fundamentalmente, a ciência que estuda a correlação entre geografia e poder. Nesse sentido, os recursos podem entrar nas análises geopolíticas, mas apenas como uma parte de um contexto geral.

E no caso venezuelano mesmo o importantíssimo e farto petróleo possuem uma importância secundária no conflito com os EUA.

Mais importante que o petróleo, para os EUA, é garantir a hegemonia hemisférica – especialmente nas Américas. Trata-se, como definido de maneira arrogante e clássica, do “quintal” dos EUA, espaço no qual a elite estadunidense no século XIX decidiu não mais tolerar qualquer presença europeia.

Avancemos 200 anos e como estão as relações internacionais dos países ibero-americanos?

A China é o principal parceiro comercial da maioria dos países da região, vários dos quais aderiram à Iniciativa Cinturão & Rota (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, Costa Rica, Equador, El Salvador, etc). Alguns dos países da região (Brasil, Bolívia, Cuba) também ingressaram nos BRICS, que trabalha para a desdolarização do comércio internacional. Especificamente a Rússia, por sua vez, tem desenvolvido laços militares – os quais consistem em fornecimento de equipamento e realização de exercícios – especialmente com Venezuela, Cuba e Nicarágua, com uma aproximação militar também com a Bolívia e, em menor medida, Peru e Brasil.

Em um contexto no qual a pressão sobre os EUA em outras regiões do mundo é crescente, é perigoso para a hegemonia dos EUA ver o crescimento da influência russo-chinesa no seu “quintal”.

A Venezuela, aí, é um alvo significativo e prioritário porque é precisamente o país com as mais profundas relações estratégicas com a Rússia e a China. A Venezuela é uma das principais fontes de petróleo para a China, ao mesmo tempo Caracas parece desempenhar um papel relevante na estratégia multifacetada russa de “pressionar” pela multipolaridade fortalecendo em vários pontos do planeta países que tentam desafiar a ordem hegemônica.

Para confirmar essa tese, precisaríamos analisar as relações dos EUA com o resto do continente para verificar se há alguma movimentação dos EUA no sentido de tentar afastar os países da região da Rússia e da China.

E parece que isso é muito claro: a estratégia de reaproximação com o Brasil se apoia precisamente num esforço de tirar o país da “órbita chinesa”. Os EUA também pressionaram o México para que permanecesse fora da Nova Rota da Seda. Os EUA aumentaram sua presença no Equador e pressionaram Milei para que abandonasse os planos de uma base chinesa em seu território. Os exemplos abundam para indicar que estamos diante de uma ampla investida continental cujo objetivo é atualizar a Doutrina Monroe para o século XXI.

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The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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