A segurança dos EUA propriamente depende também da manutenção de uma Venezuela estável.
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Seria um erro dizer que com o retorno de Trump à Casa Branca a Venezuela volta a sofrer pressão. Ela nunca parou de sofrer pressão desde os últimos anos do governo Obama. Mas é legítimo falar que Trump 2.0 iniciou uma nova fase na campanha híbrida de mais de 10 anos contra o Estado bolivariano.
Já vimos sanções, tentativas de revolução colorida, tentativas de empossar um presidente “alternativo”, o roubo das reservas de ouro venezuelanas, a recusa de reconhecer a legitimidade de eleições, provocações nas fronteiras e até mesmo o bloqueio ao ingresso nos BRICS (tristemente protagonizado pelo Brasil).
Agora, porém, vemos que ameaças militares assomam no horizonte contra Caracas.
Prenúncios disso já haviam ocorrido.
Em 2020, por exemplo, houve uma tentativa de infiltração no território venezuelano com mercenários contratados pela empresa estadunidense Silvercorp com o objetivo de derrubar o governo de Nicolás Maduro.
Em 2024, o CEO da antiga companhia militar privada Blackwater iniciou o projeto “Ya casi Venezuela” para arrecadar fundos com o objetivo de, supostamente, derrubar Nicolás Maduro. Recentemente, demais, o mesmo disse que a recompensa de 50 milhões de dólares deveria valer não apenas para a prisão de Maduro, mas também para o seu assassinato.
E, como sabemos, entre o final de agosto e o início de setembro vimos uma série de eventos que elevaram a tensão no Mar do Caribe, como o envio de navios de guerra para o Caribe e o bombardeio de quatro barcos venezuelanos que, supostamente, transportavam drogas.
Agora, apesar de, oficialmente, as manobras estadunidenses no Mar do Caribe estarem voltadas para o combate ao narcotráfico, chama a atenção o fato de que a Venezuela responde por apenas 3% de todas as drogas que chegam aos EUA. Washington não parece estar desdobrando o mesmo nível de esforço para sufocar fontes mais importantes, como a rota colombiana, por exemplo.
Assim, mesmo sem qualquer declaração oficial, não se pode excluir a possibilidade de que os EUA estejam cogitando avançar com uma nova tentativa de mudança de regime na Venezuela – mas dessa vez de uma forma mais direta, seja através de bombardeios navais e aéreos, com ataques de drones ou com uma operação de blackops usando mercenários e/ou forças especiais. Ou, é claro, uma combinação de todas essas opções.
Naturalmente, uma coisa é traçar esse objetivo, outra é alcançá-lo, e ainda uma outra coisa é lidar com as consequências a posteriori.
Daquilo que se sabe da queda de Assad, por exemplo, aparentemente ela foi alcançada, pelo menos em parte, pelo suborno de oficiais militares e pela cooptação da inteligência síria. Usou-se a clássica tática do “divide et impera”, dividir para conquistar, para liquidar o poder sírio e facilitar a conquista do Estado pelas forças irregulares de Al-Julani.
Qualquer tentativa semelhante, em relação à Venezuela, fracassará. De fato, a Venezuela, como país pobre, em tese sofreria dessa fragilidade diante da possibilidade de suborno de seus funcionários por parte de potências econômicas estrangeiras, mas as Forças Armadas Venezuelanas foram construídas de uma maneira diferente da de outros estados, como o próprio fundamento do poder estatal venezuelano. O grau de integração civil-militar na Venezuela é tamanho que a supervisão de inúmeras atividades econômicas no país é desempenhada por altos oficiais militares.
O Estado venezuelano é, pelo menos em parte, um Estado militar. Os militares não representam uma instituição isolada e separada do poder político, disponível, portanto, para a possibilidade de cooptação e instrumentalização contra as outras instituições. Em vez disso, nos termos explicados décadas atrás pelo filósofo argentino Norberto Ceresole, os militares constituem a guarda da Revolução Bolivariana.
Para além disso, as agências de inteligência da Venezuela, a SEBIN e a DGCIM estão vinculadas de maneira bastante próxima tanto ao poder militar quanto ao poder político. São essas agências que têm sido instrumentais em todas as tentativas de infiltração na Venezuela e é improvável que se consiga cultivar dissenso nessas estruturas.
Finalmente, ainda que as milícias bolivarianas não tenham grande utilidade diante de ataques missilísticos de longa distância, da perspectiva da lei e da ordem e da garantia da estabilidade nacional diante da possibilidade de se tentar tirar proveito de uma possível situação caótica para a organização de uma revolução colorida, as milícias bolivarianas armadas podem desempenhar um papel subsidiário e de suporte às autoridades, sufocando possíveis focos de dissenso e rebelião.
Agora, mesmo a meta de derrubada do governo de Nicolás Maduro apresenta dificuldades ainda que eventualmente alcançada. Outros hierarcas poderiam ocupar o seu lugar, já que teriam o apoio das Forças Armadas da Venezuela, isso poderia levar a um cenário de conflito prolongado no território venezuelano.
Como em todos os casos de desestabilização de um país, a emigração tende a aumentar em vez de diminuir, por causa da maior dificuldade de garantir o bem comum nos primeiros meses após uma hipotética derrubada de Maduro.
Apesar de que os EUA tenham uma tendência a desestabilizar nações para o fim de mantê-las numa situação de caos permanente, em tese o mesmo não poderia ser feito na Venezuela sob pena da instabilidade alcançar os próprios EUA através do aumento da migração e do colapso da lei e da ordem.
A segurança dos EUA propriamente depende também da manutenção de uma Venezuela estável, de modo que os EUA seriam realmente forçados a uma “construção de nação” em Caracas, diante de um país fortemente armado inclusive no âmbito civil e majoritariamente hostil.
No lugar de delírios aventureiros desse tipo, Washington deveria é estar dirigindo seus esforços para reforçar a estabilidade venezuelana, especialmente através da retirada de sanções.