Português
Eduardo Vasco
September 25, 2025
© Photo: Public domain

Esse “Estado membro” oculto fornece ao Painel informações, documentos, nomes, estatísticas, estimativas, fotografias e mapas relacionados à movimentação de navios, aviões, cidadãos e outras interações da RPDC com outros países.

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Em vários relatórios sobre as sanções ao programa nuclear coreano (ver os artigos anteriores por aqui), o Painel de Especialistas do Conselho de Segurança da ONU cita um “Estado membro” que nunca é nomeado. Esse “Estado membro” oculto fornece ao Painel informações, documentos, nomes, estatísticas, estimativas, fotografias e mapas relacionados à movimentação de navios, aviões, cidadãos e outras interações da RPDC com outros países, especialmente da África, Oriente Médio e Ásia. Não parece que em todas as ocasiões se trata do mesmo país, mas na maioria dos casos é altamente provável que esse “Estado membro” não identificado seja os Estados Unidos, pois são informações que, em grande parte, só podem ser obtidas através de espionagem e só os Estados Unidos têm um sistema de inteligência tão abrangente para obter informações de incontáveis países e continentes distintos. Devido a algumas localizações, também é possível que Coreia do Sul, Japão e Israel sejam, em algumas dessas menções, o “Estado membro” em questão. O nome do país (ou dos países) nunca é revelado pelo Painel porque poderia ser facilmente acusado de espionagem pelos países envolvidos, eventualmente gerando atritos diplomáticos desnecessários – além da possibilidade de muitas dessas informações fornecidas para o Painel serem fabricadas, a fim de incriminar a RPDC e os outros países envolvidos, o que também geraria atritos. Por isso o “Estado membro” nunca é revelado, como no exemplo do relatório publicado em 2019 [1]:

Um Estado membro informou ao Painel que a República Islâmica do Irã era um dos dois mercados mais lucrativos para a cooperação militar relacionada à República Popular Democrática da Coreia, e que tanto a Korea Mining Development Trading Corporation (KOMID) quanto a Green Pine Associated Corporation, também conhecida como Saeng Pi’l, possuem escritórios ativos na República Islâmica do Irã. O Estado membro também informou ao Painel que um padrão recentemente observado envolvia cidadãos da República Popular Democrática da Coreia, baseados na República Islâmica do Irã, que voavam entre Teerã e Dubai e embarcavam em um voo de volta para Teerã poucas horas após sua chegada aos Emirados Árabes Unidos. O Estado membro observou que isso era indicativo do uso de mensageiros transportando dinheiro em espécie. […] O Painel recordou informações de um Estado membro indicando que indivíduos designados anteriormente identificados e representantes de entidades designadas estavam agora viajando com nomes falsos ou com passaportes diferentes, e renovou seu pedido de 2017 à República Islâmica do Irã para que forneça os nomes e números de passaporte de todos os diplomatas da República Popular Democrática da Coreia credenciados no país. (pp.34-35)

Logo em seguida, o “Estado membro” (talvez o mesmo, talvez não) é novamente mencionado, agora vazando uma suposta interação entre autoridades da Líbia e da RPDC – o que, se verdadeiro, só pode ter sido obtido por meio de espionagem:

Segundo um Estado membro, O Chol Su, vice-ministro do Ministério de Equipamentos Militares da República Popular Democrática da Coreia, enviou uma carta em 23 de março de 2015 a Khalifa al-Ghwail, então chefe do Conselho Supremo de Defesa e vice-primeiro-ministro, na qual indicava que a República Popular Democrática da Coreia estava “atualmente em processo de preparação do contrato de compra e venda dos sistemas de defesa e munições necessários para manter a estabilidade da Líbia”, e acrescentava que a “Green Pine Association, um estabelecimento comercial pertencente ao nosso ministério” forneceria o rascunho do contrato e documentação adicional. A carta também mencionava o papel do Consulting Bureau for Marketing, uma empresa pertencente a Hussein al-Ali, cidadão sírio descrito como um traficante de armas para a República Popular Democrática da Coreia na Líbia, no Sudão e no Iêmen. Em uma resposta datada de 5 de abril de 2015, Khalifa al-Ghwail agradeceu a O Chol Su e mencionou o convite da República Popular Democrática da Coreia para que equipes técnicas líbias visitassem o país. Um documento posterior do Ministério da Defesa da Líbia, datado de 20 de maio de 2015, autorizava uma procuração em favor do cidadão sírio Hussein al-Ali “para negociar, corresponder-se, trocar informações, receber documentos e propostas técnicas e financeiras em nosso nome na República Popular Democrática da Coreia”. (p. 35)

Em outro trecho, o relatório cita novamente o “Estado membro” como fonte primária, fornecendo-lhe informações que só poderiam ser obtidas por espionagem:

Um Estado membro concedeu ao Painel acesso a uma carta-convite datada de 13 de julho de 2016 do líder Houthi, Major-General Zakaria Yahya al-Shami, ao Ministério de Equipamentos Militares da República Popular Democrática da Coreia e à Tosong Technology Trading Corporation, uma subsidiária da KOMID [Korea Mining Development Trading Corporation], para se reunirem em Damasco “para discutir a questão da transferência de tecnologia e outros assuntos de interesse mútuo”. Segundo o Estado membro, “um protocolo de cooperação entre o Iêmen e a Coreia do Norte” foi então negociado envolvendo “Naif Ahmad Al Qanis, embaixador Houthi em Damasco e o negociante de armas sírio Hussein Al Ali”. Segundo o Estado membro, isso envolveu uma “vasta gama de equipamentos militares, incluindo Kalahsnikov, metralhadoras PKC, RPG-7, RPG-29, mísseis Fagot, mísseis Igla, tanques, sistemas de defesa aérea e mísseis balísticos”.

Não obstante, os “especialistas” relatam também supostos crimes cibernéticos cometidos pela RPDC, cujas fontes são três Estados membros não nomeados e as autoridades dos Estados Unidos e da Coreia do Sul. As informações fornecidas por eles são dadas como certas pelo relatório, acusando hackers coreanos de desviarem dinheiro de uma conta do Banco de Bangladesh no Federal Reserve, em Nova Iorque, para contas nas Filipinas, de onde o dinheiro teria sido lavado. O montante giraria em torno de 81 milhões de dólares, além da tentativa de roubo de 1 bilhão de vítimas em todos os continentes. São acusações graves e de aparência altamente fantasiosa, pois os próprios relatórios do Painel consideram a RPDC um país pobre e sem recursos, isolado do mundo, e essas operações de pirataria mundial, invadindo sistemas extremamente seguros (e apresentados como tais) de algumas das maiores instituições financeiras e empresariais do mundo, parecem estar distantes das possibilidades de um país como a RPDC. Há outras acusações de ciberataques contra a RPDC, sempre feitas pelos Estados Unidos e sem provas reais do envolvimento da RPDC, mas consideradas como verdadeiras e inquestionáveis pelo Painel.

“Esses ataques mais recentes mostram como a República Popular Democrática da Coreia se tornou um ator cada vez mais sofisticado em ciberataques para ganhos financeiros, com ferramentas e táticas melhorando constantemente”, dizem os “especialistas” (p. 51). Assim, sem nenhuma prova efetiva e baseado apenas em fontes enviesadas como o governo dos Estados Unidos,

O Painel recomenda que o Conselho de Segurança, ao redigir futuras medidas de sanções financeiras, leve em consideração os ataques cibernéticos realizados pela República Popular Democrática da Coreia para contornar as resoluções por meio da geração ilegal de receita para a própria República Popular Democrática da Coreia.
Os Estados membros devem reforçar sua capacidade de facilitar a troca robusta de informações sobre os ataques cibernéticos da República Popular Democrática da Coreia com outros governos e com suas próprias instituições financeiras, a fim de detectar e impedir tentativas da República Popular Democrática da Coreia de empregar suas capacidades cibernéticas para evasão de sanções. (p. 52)

Como sempre, o relatório é obrigado a mencionar os “impactos não intencionais das sanções”, em particular sobre agências da ONU, corpos diplomáticos e organizações humanitárias que operam na Coreia. Entre janeiro de 2018 e janeiro de 2019, o Comitê de Sanções da ONU recebeu 25 pedidos de isenção humanitária para a RPDC, dos quais 16 foram aprovados, sete permaneciam em análise e dois foram retirados. Foram relatados sérios impactos das sanções, que comprometem as operações de todos esses órgãos no país – um objetivo camuflado do regime de sanções. Entre os principais obstáculos estão atrasos na aprovação de isenções, colapso do sistema bancário, dificuldades na liberação alfandegária, escassez de fornecedores dispostos a fazerem negócios com quem opera na RPDC, aumento de custos e redução no financiamento. Esses fatores, como foi relatado, prejudicam a implementação de programas humanitários, especialmente devido às sanções que afetam o fornecimento de itens sensíveis. A campanha Korea Peace Now!, baseada nos EUA, denunciou posteriormente que as “sanções aprovadas em 2017 proíbem o transporte de quaisquer produtos metálicos, dificultando significativamente o envio de suprimentos médicos básicos. Uma remessa de kits de saúde reprodutiva sofreu um atraso significativo por conter esterilizadores a vapor de alumínio — a parte mais importante do kit”. [2]

Diante disso, o Painel recomendou que os pedidos de isenção sejam analisados dentro de prazos definidos e que grupos especializados se reúnam regularmente para discutir questões humanitárias. Propôs ainda a criação de uma lista de itens não sensíveis permitidos e maior flexibilidade no processo de solicitação de isenções. Por fim, sugeriu que o Secretário-Geral da ONU solicitasse uma avaliação oficial sobre os impactos humanitários das sanções na população civil norte-coreana.

Na prática, o Painel lavou as mãos, mais uma vez, sobre as denúncias de que suas recomendações estavam causando danos à qualidade de vida dos cidadãos coreanos.

O coordenador do Painel seguinte foi o diplomata britânico Alastair Morgan, que havia sido embaixador na RPDC até dezembro de 2018 [3], meses antes de assumir o cargo no Painel de Especialistas. Claro está que, como representante de Sua Majestade e do imperialismo britânico, não era alguém isento para sugerir como o mundo deveria lidar com a RPDC. No relatório parcial publicado em 30 de agosto de 2019, o Painel acusa a RPDC de violar as sanções por meio do comércio marítimo ilegal e de ataques hackers “crescentemente sofisticados” a fim de roubar dinheiro para financiar os seus “programas de armas de destruição em massa”, tendo conseguido mais de 2 bilhões de dólares [2]. Ele chega a essa conclusão baseado nas informações apresentadas pelos Estados Unidos, principalmente, e, apesar de lembrar que russos e chineses alertaram que as informações não eram suficientes para concluir as violações, o Painel dá, novamente, as posições americanas como absolutamente confiáveis (p.5; p.7).

Notas

[1] “Report of the Panel of Experts established pursuant to resolution 1874 (2009)”. United Nations Security Council (S/2019/171), 12 de março de 2019. Disponível em: https://www.securitycouncilreport.org/atf/cf/%7B65BFCF9B-6D27-4E9C-8CD3-CF6E4FF96FF9%7D/s_2019_171.pdf. Acesso em 2 de julho de 2025.

[2] “The humanitarian impact of sanctions on North Korea”. Women Mobilizing to End the War. Korea Peace Now. Disponível em: https://koreapeacenow.org/resources/the-humanitarian-impact-of-sanctions-on-north-korea-2/. Acesso em 29 de julho de 2025.

[3] Alastair Morgan CMG. Government of the United Kingdom. Disponível em: https://www.gov.uk/government/people/alastair-morgan. Acesso em 29 de julho de 2025.

[4] “Report of the Panel of Experts established pursuant to resolution 1874 (2009)”. United Nations Security Council (S/2019/691), 30 de agosto de 2019, p. 4. Disponível em: https://www.securitycouncilreport.org/atf/cf/%7B65BFCF9B-6D27-4E9C-8CD3-CF6E4FF96FF9%7D/S_2019_691.pdf. Acesso em 29 de julho de 2025.

Seriam os EUA o «Estado membro» onisciente e oculto da ONU?

Esse “Estado membro” oculto fornece ao Painel informações, documentos, nomes, estatísticas, estimativas, fotografias e mapas relacionados à movimentação de navios, aviões, cidadãos e outras interações da RPDC com outros países.

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Em vários relatórios sobre as sanções ao programa nuclear coreano (ver os artigos anteriores por aqui), o Painel de Especialistas do Conselho de Segurança da ONU cita um “Estado membro” que nunca é nomeado. Esse “Estado membro” oculto fornece ao Painel informações, documentos, nomes, estatísticas, estimativas, fotografias e mapas relacionados à movimentação de navios, aviões, cidadãos e outras interações da RPDC com outros países, especialmente da África, Oriente Médio e Ásia. Não parece que em todas as ocasiões se trata do mesmo país, mas na maioria dos casos é altamente provável que esse “Estado membro” não identificado seja os Estados Unidos, pois são informações que, em grande parte, só podem ser obtidas através de espionagem e só os Estados Unidos têm um sistema de inteligência tão abrangente para obter informações de incontáveis países e continentes distintos. Devido a algumas localizações, também é possível que Coreia do Sul, Japão e Israel sejam, em algumas dessas menções, o “Estado membro” em questão. O nome do país (ou dos países) nunca é revelado pelo Painel porque poderia ser facilmente acusado de espionagem pelos países envolvidos, eventualmente gerando atritos diplomáticos desnecessários – além da possibilidade de muitas dessas informações fornecidas para o Painel serem fabricadas, a fim de incriminar a RPDC e os outros países envolvidos, o que também geraria atritos. Por isso o “Estado membro” nunca é revelado, como no exemplo do relatório publicado em 2019 [1]:

Um Estado membro informou ao Painel que a República Islâmica do Irã era um dos dois mercados mais lucrativos para a cooperação militar relacionada à República Popular Democrática da Coreia, e que tanto a Korea Mining Development Trading Corporation (KOMID) quanto a Green Pine Associated Corporation, também conhecida como Saeng Pi’l, possuem escritórios ativos na República Islâmica do Irã. O Estado membro também informou ao Painel que um padrão recentemente observado envolvia cidadãos da República Popular Democrática da Coreia, baseados na República Islâmica do Irã, que voavam entre Teerã e Dubai e embarcavam em um voo de volta para Teerã poucas horas após sua chegada aos Emirados Árabes Unidos. O Estado membro observou que isso era indicativo do uso de mensageiros transportando dinheiro em espécie. […] O Painel recordou informações de um Estado membro indicando que indivíduos designados anteriormente identificados e representantes de entidades designadas estavam agora viajando com nomes falsos ou com passaportes diferentes, e renovou seu pedido de 2017 à República Islâmica do Irã para que forneça os nomes e números de passaporte de todos os diplomatas da República Popular Democrática da Coreia credenciados no país. (pp.34-35)

Logo em seguida, o “Estado membro” (talvez o mesmo, talvez não) é novamente mencionado, agora vazando uma suposta interação entre autoridades da Líbia e da RPDC – o que, se verdadeiro, só pode ter sido obtido por meio de espionagem:

Segundo um Estado membro, O Chol Su, vice-ministro do Ministério de Equipamentos Militares da República Popular Democrática da Coreia, enviou uma carta em 23 de março de 2015 a Khalifa al-Ghwail, então chefe do Conselho Supremo de Defesa e vice-primeiro-ministro, na qual indicava que a República Popular Democrática da Coreia estava “atualmente em processo de preparação do contrato de compra e venda dos sistemas de defesa e munições necessários para manter a estabilidade da Líbia”, e acrescentava que a “Green Pine Association, um estabelecimento comercial pertencente ao nosso ministério” forneceria o rascunho do contrato e documentação adicional. A carta também mencionava o papel do Consulting Bureau for Marketing, uma empresa pertencente a Hussein al-Ali, cidadão sírio descrito como um traficante de armas para a República Popular Democrática da Coreia na Líbia, no Sudão e no Iêmen. Em uma resposta datada de 5 de abril de 2015, Khalifa al-Ghwail agradeceu a O Chol Su e mencionou o convite da República Popular Democrática da Coreia para que equipes técnicas líbias visitassem o país. Um documento posterior do Ministério da Defesa da Líbia, datado de 20 de maio de 2015, autorizava uma procuração em favor do cidadão sírio Hussein al-Ali “para negociar, corresponder-se, trocar informações, receber documentos e propostas técnicas e financeiras em nosso nome na República Popular Democrática da Coreia”. (p. 35)

Em outro trecho, o relatório cita novamente o “Estado membro” como fonte primária, fornecendo-lhe informações que só poderiam ser obtidas por espionagem:

Um Estado membro concedeu ao Painel acesso a uma carta-convite datada de 13 de julho de 2016 do líder Houthi, Major-General Zakaria Yahya al-Shami, ao Ministério de Equipamentos Militares da República Popular Democrática da Coreia e à Tosong Technology Trading Corporation, uma subsidiária da KOMID [Korea Mining Development Trading Corporation], para se reunirem em Damasco “para discutir a questão da transferência de tecnologia e outros assuntos de interesse mútuo”. Segundo o Estado membro, “um protocolo de cooperação entre o Iêmen e a Coreia do Norte” foi então negociado envolvendo “Naif Ahmad Al Qanis, embaixador Houthi em Damasco e o negociante de armas sírio Hussein Al Ali”. Segundo o Estado membro, isso envolveu uma “vasta gama de equipamentos militares, incluindo Kalahsnikov, metralhadoras PKC, RPG-7, RPG-29, mísseis Fagot, mísseis Igla, tanques, sistemas de defesa aérea e mísseis balísticos”.

Não obstante, os “especialistas” relatam também supostos crimes cibernéticos cometidos pela RPDC, cujas fontes são três Estados membros não nomeados e as autoridades dos Estados Unidos e da Coreia do Sul. As informações fornecidas por eles são dadas como certas pelo relatório, acusando hackers coreanos de desviarem dinheiro de uma conta do Banco de Bangladesh no Federal Reserve, em Nova Iorque, para contas nas Filipinas, de onde o dinheiro teria sido lavado. O montante giraria em torno de 81 milhões de dólares, além da tentativa de roubo de 1 bilhão de vítimas em todos os continentes. São acusações graves e de aparência altamente fantasiosa, pois os próprios relatórios do Painel consideram a RPDC um país pobre e sem recursos, isolado do mundo, e essas operações de pirataria mundial, invadindo sistemas extremamente seguros (e apresentados como tais) de algumas das maiores instituições financeiras e empresariais do mundo, parecem estar distantes das possibilidades de um país como a RPDC. Há outras acusações de ciberataques contra a RPDC, sempre feitas pelos Estados Unidos e sem provas reais do envolvimento da RPDC, mas consideradas como verdadeiras e inquestionáveis pelo Painel.

“Esses ataques mais recentes mostram como a República Popular Democrática da Coreia se tornou um ator cada vez mais sofisticado em ciberataques para ganhos financeiros, com ferramentas e táticas melhorando constantemente”, dizem os “especialistas” (p. 51). Assim, sem nenhuma prova efetiva e baseado apenas em fontes enviesadas como o governo dos Estados Unidos,

O Painel recomenda que o Conselho de Segurança, ao redigir futuras medidas de sanções financeiras, leve em consideração os ataques cibernéticos realizados pela República Popular Democrática da Coreia para contornar as resoluções por meio da geração ilegal de receita para a própria República Popular Democrática da Coreia.
Os Estados membros devem reforçar sua capacidade de facilitar a troca robusta de informações sobre os ataques cibernéticos da República Popular Democrática da Coreia com outros governos e com suas próprias instituições financeiras, a fim de detectar e impedir tentativas da República Popular Democrática da Coreia de empregar suas capacidades cibernéticas para evasão de sanções. (p. 52)

Como sempre, o relatório é obrigado a mencionar os “impactos não intencionais das sanções”, em particular sobre agências da ONU, corpos diplomáticos e organizações humanitárias que operam na Coreia. Entre janeiro de 2018 e janeiro de 2019, o Comitê de Sanções da ONU recebeu 25 pedidos de isenção humanitária para a RPDC, dos quais 16 foram aprovados, sete permaneciam em análise e dois foram retirados. Foram relatados sérios impactos das sanções, que comprometem as operações de todos esses órgãos no país – um objetivo camuflado do regime de sanções. Entre os principais obstáculos estão atrasos na aprovação de isenções, colapso do sistema bancário, dificuldades na liberação alfandegária, escassez de fornecedores dispostos a fazerem negócios com quem opera na RPDC, aumento de custos e redução no financiamento. Esses fatores, como foi relatado, prejudicam a implementação de programas humanitários, especialmente devido às sanções que afetam o fornecimento de itens sensíveis. A campanha Korea Peace Now!, baseada nos EUA, denunciou posteriormente que as “sanções aprovadas em 2017 proíbem o transporte de quaisquer produtos metálicos, dificultando significativamente o envio de suprimentos médicos básicos. Uma remessa de kits de saúde reprodutiva sofreu um atraso significativo por conter esterilizadores a vapor de alumínio — a parte mais importante do kit”. [2]

Diante disso, o Painel recomendou que os pedidos de isenção sejam analisados dentro de prazos definidos e que grupos especializados se reúnam regularmente para discutir questões humanitárias. Propôs ainda a criação de uma lista de itens não sensíveis permitidos e maior flexibilidade no processo de solicitação de isenções. Por fim, sugeriu que o Secretário-Geral da ONU solicitasse uma avaliação oficial sobre os impactos humanitários das sanções na população civil norte-coreana.

Na prática, o Painel lavou as mãos, mais uma vez, sobre as denúncias de que suas recomendações estavam causando danos à qualidade de vida dos cidadãos coreanos.

O coordenador do Painel seguinte foi o diplomata britânico Alastair Morgan, que havia sido embaixador na RPDC até dezembro de 2018 [3], meses antes de assumir o cargo no Painel de Especialistas. Claro está que, como representante de Sua Majestade e do imperialismo britânico, não era alguém isento para sugerir como o mundo deveria lidar com a RPDC. No relatório parcial publicado em 30 de agosto de 2019, o Painel acusa a RPDC de violar as sanções por meio do comércio marítimo ilegal e de ataques hackers “crescentemente sofisticados” a fim de roubar dinheiro para financiar os seus “programas de armas de destruição em massa”, tendo conseguido mais de 2 bilhões de dólares [2]. Ele chega a essa conclusão baseado nas informações apresentadas pelos Estados Unidos, principalmente, e, apesar de lembrar que russos e chineses alertaram que as informações não eram suficientes para concluir as violações, o Painel dá, novamente, as posições americanas como absolutamente confiáveis (p.5; p.7).

Notas

[1] “Report of the Panel of Experts established pursuant to resolution 1874 (2009)”. United Nations Security Council (S/2019/171), 12 de março de 2019. Disponível em: https://www.securitycouncilreport.org/atf/cf/%7B65BFCF9B-6D27-4E9C-8CD3-CF6E4FF96FF9%7D/s_2019_171.pdf. Acesso em 2 de julho de 2025.

[2] “The humanitarian impact of sanctions on North Korea”. Women Mobilizing to End the War. Korea Peace Now. Disponível em: https://koreapeacenow.org/resources/the-humanitarian-impact-of-sanctions-on-north-korea-2/. Acesso em 29 de julho de 2025.

[3] Alastair Morgan CMG. Government of the United Kingdom. Disponível em: https://www.gov.uk/government/people/alastair-morgan. Acesso em 29 de julho de 2025.

[4] “Report of the Panel of Experts established pursuant to resolution 1874 (2009)”. United Nations Security Council (S/2019/691), 30 de agosto de 2019, p. 4. Disponível em: https://www.securitycouncilreport.org/atf/cf/%7B65BFCF9B-6D27-4E9C-8CD3-CF6E4FF96FF9%7D/S_2019_691.pdf. Acesso em 29 de julho de 2025.

Esse “Estado membro” oculto fornece ao Painel informações, documentos, nomes, estatísticas, estimativas, fotografias e mapas relacionados à movimentação de navios, aviões, cidadãos e outras interações da RPDC com outros países.

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Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Em vários relatórios sobre as sanções ao programa nuclear coreano (ver os artigos anteriores por aqui), o Painel de Especialistas do Conselho de Segurança da ONU cita um “Estado membro” que nunca é nomeado. Esse “Estado membro” oculto fornece ao Painel informações, documentos, nomes, estatísticas, estimativas, fotografias e mapas relacionados à movimentação de navios, aviões, cidadãos e outras interações da RPDC com outros países, especialmente da África, Oriente Médio e Ásia. Não parece que em todas as ocasiões se trata do mesmo país, mas na maioria dos casos é altamente provável que esse “Estado membro” não identificado seja os Estados Unidos, pois são informações que, em grande parte, só podem ser obtidas através de espionagem e só os Estados Unidos têm um sistema de inteligência tão abrangente para obter informações de incontáveis países e continentes distintos. Devido a algumas localizações, também é possível que Coreia do Sul, Japão e Israel sejam, em algumas dessas menções, o “Estado membro” em questão. O nome do país (ou dos países) nunca é revelado pelo Painel porque poderia ser facilmente acusado de espionagem pelos países envolvidos, eventualmente gerando atritos diplomáticos desnecessários – além da possibilidade de muitas dessas informações fornecidas para o Painel serem fabricadas, a fim de incriminar a RPDC e os outros países envolvidos, o que também geraria atritos. Por isso o “Estado membro” nunca é revelado, como no exemplo do relatório publicado em 2019 [1]:

Um Estado membro informou ao Painel que a República Islâmica do Irã era um dos dois mercados mais lucrativos para a cooperação militar relacionada à República Popular Democrática da Coreia, e que tanto a Korea Mining Development Trading Corporation (KOMID) quanto a Green Pine Associated Corporation, também conhecida como Saeng Pi’l, possuem escritórios ativos na República Islâmica do Irã. O Estado membro também informou ao Painel que um padrão recentemente observado envolvia cidadãos da República Popular Democrática da Coreia, baseados na República Islâmica do Irã, que voavam entre Teerã e Dubai e embarcavam em um voo de volta para Teerã poucas horas após sua chegada aos Emirados Árabes Unidos. O Estado membro observou que isso era indicativo do uso de mensageiros transportando dinheiro em espécie. […] O Painel recordou informações de um Estado membro indicando que indivíduos designados anteriormente identificados e representantes de entidades designadas estavam agora viajando com nomes falsos ou com passaportes diferentes, e renovou seu pedido de 2017 à República Islâmica do Irã para que forneça os nomes e números de passaporte de todos os diplomatas da República Popular Democrática da Coreia credenciados no país. (pp.34-35)

Logo em seguida, o “Estado membro” (talvez o mesmo, talvez não) é novamente mencionado, agora vazando uma suposta interação entre autoridades da Líbia e da RPDC – o que, se verdadeiro, só pode ter sido obtido por meio de espionagem:

Segundo um Estado membro, O Chol Su, vice-ministro do Ministério de Equipamentos Militares da República Popular Democrática da Coreia, enviou uma carta em 23 de março de 2015 a Khalifa al-Ghwail, então chefe do Conselho Supremo de Defesa e vice-primeiro-ministro, na qual indicava que a República Popular Democrática da Coreia estava “atualmente em processo de preparação do contrato de compra e venda dos sistemas de defesa e munições necessários para manter a estabilidade da Líbia”, e acrescentava que a “Green Pine Association, um estabelecimento comercial pertencente ao nosso ministério” forneceria o rascunho do contrato e documentação adicional. A carta também mencionava o papel do Consulting Bureau for Marketing, uma empresa pertencente a Hussein al-Ali, cidadão sírio descrito como um traficante de armas para a República Popular Democrática da Coreia na Líbia, no Sudão e no Iêmen. Em uma resposta datada de 5 de abril de 2015, Khalifa al-Ghwail agradeceu a O Chol Su e mencionou o convite da República Popular Democrática da Coreia para que equipes técnicas líbias visitassem o país. Um documento posterior do Ministério da Defesa da Líbia, datado de 20 de maio de 2015, autorizava uma procuração em favor do cidadão sírio Hussein al-Ali “para negociar, corresponder-se, trocar informações, receber documentos e propostas técnicas e financeiras em nosso nome na República Popular Democrática da Coreia”. (p. 35)

Em outro trecho, o relatório cita novamente o “Estado membro” como fonte primária, fornecendo-lhe informações que só poderiam ser obtidas por espionagem:

Um Estado membro concedeu ao Painel acesso a uma carta-convite datada de 13 de julho de 2016 do líder Houthi, Major-General Zakaria Yahya al-Shami, ao Ministério de Equipamentos Militares da República Popular Democrática da Coreia e à Tosong Technology Trading Corporation, uma subsidiária da KOMID [Korea Mining Development Trading Corporation], para se reunirem em Damasco “para discutir a questão da transferência de tecnologia e outros assuntos de interesse mútuo”. Segundo o Estado membro, “um protocolo de cooperação entre o Iêmen e a Coreia do Norte” foi então negociado envolvendo “Naif Ahmad Al Qanis, embaixador Houthi em Damasco e o negociante de armas sírio Hussein Al Ali”. Segundo o Estado membro, isso envolveu uma “vasta gama de equipamentos militares, incluindo Kalahsnikov, metralhadoras PKC, RPG-7, RPG-29, mísseis Fagot, mísseis Igla, tanques, sistemas de defesa aérea e mísseis balísticos”.

Não obstante, os “especialistas” relatam também supostos crimes cibernéticos cometidos pela RPDC, cujas fontes são três Estados membros não nomeados e as autoridades dos Estados Unidos e da Coreia do Sul. As informações fornecidas por eles são dadas como certas pelo relatório, acusando hackers coreanos de desviarem dinheiro de uma conta do Banco de Bangladesh no Federal Reserve, em Nova Iorque, para contas nas Filipinas, de onde o dinheiro teria sido lavado. O montante giraria em torno de 81 milhões de dólares, além da tentativa de roubo de 1 bilhão de vítimas em todos os continentes. São acusações graves e de aparência altamente fantasiosa, pois os próprios relatórios do Painel consideram a RPDC um país pobre e sem recursos, isolado do mundo, e essas operações de pirataria mundial, invadindo sistemas extremamente seguros (e apresentados como tais) de algumas das maiores instituições financeiras e empresariais do mundo, parecem estar distantes das possibilidades de um país como a RPDC. Há outras acusações de ciberataques contra a RPDC, sempre feitas pelos Estados Unidos e sem provas reais do envolvimento da RPDC, mas consideradas como verdadeiras e inquestionáveis pelo Painel.

“Esses ataques mais recentes mostram como a República Popular Democrática da Coreia se tornou um ator cada vez mais sofisticado em ciberataques para ganhos financeiros, com ferramentas e táticas melhorando constantemente”, dizem os “especialistas” (p. 51). Assim, sem nenhuma prova efetiva e baseado apenas em fontes enviesadas como o governo dos Estados Unidos,

O Painel recomenda que o Conselho de Segurança, ao redigir futuras medidas de sanções financeiras, leve em consideração os ataques cibernéticos realizados pela República Popular Democrática da Coreia para contornar as resoluções por meio da geração ilegal de receita para a própria República Popular Democrática da Coreia.
Os Estados membros devem reforçar sua capacidade de facilitar a troca robusta de informações sobre os ataques cibernéticos da República Popular Democrática da Coreia com outros governos e com suas próprias instituições financeiras, a fim de detectar e impedir tentativas da República Popular Democrática da Coreia de empregar suas capacidades cibernéticas para evasão de sanções. (p. 52)

Como sempre, o relatório é obrigado a mencionar os “impactos não intencionais das sanções”, em particular sobre agências da ONU, corpos diplomáticos e organizações humanitárias que operam na Coreia. Entre janeiro de 2018 e janeiro de 2019, o Comitê de Sanções da ONU recebeu 25 pedidos de isenção humanitária para a RPDC, dos quais 16 foram aprovados, sete permaneciam em análise e dois foram retirados. Foram relatados sérios impactos das sanções, que comprometem as operações de todos esses órgãos no país – um objetivo camuflado do regime de sanções. Entre os principais obstáculos estão atrasos na aprovação de isenções, colapso do sistema bancário, dificuldades na liberação alfandegária, escassez de fornecedores dispostos a fazerem negócios com quem opera na RPDC, aumento de custos e redução no financiamento. Esses fatores, como foi relatado, prejudicam a implementação de programas humanitários, especialmente devido às sanções que afetam o fornecimento de itens sensíveis. A campanha Korea Peace Now!, baseada nos EUA, denunciou posteriormente que as “sanções aprovadas em 2017 proíbem o transporte de quaisquer produtos metálicos, dificultando significativamente o envio de suprimentos médicos básicos. Uma remessa de kits de saúde reprodutiva sofreu um atraso significativo por conter esterilizadores a vapor de alumínio — a parte mais importante do kit”. [2]

Diante disso, o Painel recomendou que os pedidos de isenção sejam analisados dentro de prazos definidos e que grupos especializados se reúnam regularmente para discutir questões humanitárias. Propôs ainda a criação de uma lista de itens não sensíveis permitidos e maior flexibilidade no processo de solicitação de isenções. Por fim, sugeriu que o Secretário-Geral da ONU solicitasse uma avaliação oficial sobre os impactos humanitários das sanções na população civil norte-coreana.

Na prática, o Painel lavou as mãos, mais uma vez, sobre as denúncias de que suas recomendações estavam causando danos à qualidade de vida dos cidadãos coreanos.

O coordenador do Painel seguinte foi o diplomata britânico Alastair Morgan, que havia sido embaixador na RPDC até dezembro de 2018 [3], meses antes de assumir o cargo no Painel de Especialistas. Claro está que, como representante de Sua Majestade e do imperialismo britânico, não era alguém isento para sugerir como o mundo deveria lidar com a RPDC. No relatório parcial publicado em 30 de agosto de 2019, o Painel acusa a RPDC de violar as sanções por meio do comércio marítimo ilegal e de ataques hackers “crescentemente sofisticados” a fim de roubar dinheiro para financiar os seus “programas de armas de destruição em massa”, tendo conseguido mais de 2 bilhões de dólares [2]. Ele chega a essa conclusão baseado nas informações apresentadas pelos Estados Unidos, principalmente, e, apesar de lembrar que russos e chineses alertaram que as informações não eram suficientes para concluir as violações, o Painel dá, novamente, as posições americanas como absolutamente confiáveis (p.5; p.7).

Notas

[1] “Report of the Panel of Experts established pursuant to resolution 1874 (2009)”. United Nations Security Council (S/2019/171), 12 de março de 2019. Disponível em: https://www.securitycouncilreport.org/atf/cf/%7B65BFCF9B-6D27-4E9C-8CD3-CF6E4FF96FF9%7D/s_2019_171.pdf. Acesso em 2 de julho de 2025.

[2] “The humanitarian impact of sanctions on North Korea”. Women Mobilizing to End the War. Korea Peace Now. Disponível em: https://koreapeacenow.org/resources/the-humanitarian-impact-of-sanctions-on-north-korea-2/. Acesso em 29 de julho de 2025.

[3] Alastair Morgan CMG. Government of the United Kingdom. Disponível em: https://www.gov.uk/government/people/alastair-morgan. Acesso em 29 de julho de 2025.

[4] “Report of the Panel of Experts established pursuant to resolution 1874 (2009)”. United Nations Security Council (S/2019/691), 30 de agosto de 2019, p. 4. Disponível em: https://www.securitycouncilreport.org/atf/cf/%7B65BFCF9B-6D27-4E9C-8CD3-CF6E4FF96FF9%7D/S_2019_691.pdf. Acesso em 29 de julho de 2025.

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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September 13, 2025
August 19, 2025

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