O primeiro turno nas eleições presidenciais bolivianas terminou com um grande choque político: o fim do papel hegemônico do MAS na política do país andino.
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O primeiro turno nas eleições presidenciais bolivianas terminou com um grande choque político: o fim do papel hegemônico do MAS na política do país andino, “coração” da América do Sul.
Apesar da contagem de votos não ter sido ainda finalizada, já se pode prever com certa margem de certeza que para o 2º turno passarão os candidatos Rodrigo Paz Pereira, do Partido Democrata Cristão, e Jorge Quiroga Ramírez, do partido Liberdade e Democracia. Ambos são partidos liberais, o PDC sendo mais socio-liberal e o LIBRE sendo neoliberal. A mídia de massa os categoriza como “de direita”, ainda que naturalmente devamos rechaçar como ultrapassadas essas categorias políticas de “direita” e “esquerda”.
Rodrigo Paz teria recebido aproximadamente 31% dos votos, enquanto Jorge Quiroga teria recebido 27%. A apuração ainda não terminou, mas o resultado final provavelmente não distará muito disso. O candidato governista Eduardo del Castillo, por sua vez, ficou em 6º lugar, com aproximadamente 3% dos votos.
É curioso que a aprovação de Luis Arce bordejou os 40% entre 2023 e a segunda metade de 2024. Como que um presidente sai dos aproximadamente 40% de aprovação para – 1 ano depois – não conseguir que seu sucessor indicado alcance nem mesmo 4% dos votos?
Em primeiro lugar, existe um elemento nessa crise do MAS que é congênito. Dos países ibero-americanos, a Bolívia talvez seja o historicamente mais instável. Isso pode ser confirmado pela quantidade de tentativas de golpes de Estado, 194, bem como de renúncias presidenciais, 4 em 25 anos.
Fazem parte desse caos as profundas diferenças regionais, que praticamente opõem irremediavelmente o departamento de Santa Cruz ao resto do país. Soma-se a isso, também, a politização radical dos cocaleiros e dos indígenas bolivianos (compondo 20% da população boliviana), os quais possuem seus próprios interesses.
E tal como o país tem um histórico de golpes ou tentativas de golpes, ele também tem um histórico de protestos de larga escala, os quais ocasionalmente desembocam em violência.
A política boliviana, portanto, possui fortes características “tribais”, em que diferentes facções colocam os seus próprios interesses acima dos interesses nacionais ou de qualquer grande estratégia de longo prazo que dependa dos sacrifícios dos próprios interesses.
E o caso do colapso do MAS dá um claro testemunho precisamente disso.
A raiz do problema é o desejo de Evo Morales de retornar ao poder na Bolívia, contra a decisão da Corte Constitucional que impede reeleições infinitas, e na contramão do desejo do próprio Luis Arce de buscar a sua própria reeleição. Após seu retorno do exílio, Morales tentou voltar a influenciar as decisões do partido, escolhendo por conta própria candidatos aos governos regionais, mas o MAS tinha suas próprias indicações.
A ruptura, portanto, já era evidente em 2021, com Evo Morales tendo grandes dificuldades de impor suas opiniões dentro do partido.
Quando se começa a discutir a eleição presidencial de 2025, então, a ruptura se torna total, já que Evo Morales começou a mobilizar seus apoiadores entre cocaleiros e movimentos indígenas para pressionar por sua candidatura, enquanto o próprio Presidente Arce insistia na sua candidatura.
Seguiram-se acusações mútuas de sabotagem e de vínculos com interesses internacionais, e a partir de setembro de 2024, Evo Morales, com o apoio de paramilitares, cocaleiros, militantes indígenas e sindicalistas iniciaram um movimento de protestos contra Luis Arce com o objetivo de pressioná-lo por sua renúncia. Essa movimentação de mobilizações esporádicas que se desdobraram até o período eleitoral, teve como principal ferramenta o bloqueio de estradas (bloqueios, aliás, que já eram postos em prática desde pelo menos o início de 2014), o que ajudou a provocar uma crise econômica num contexto já tornado complexo pela falta de dólares pelo colapso da exportação de gás.
Em 2025, o MAS implodiu. Os partidários de Evo Morales já haviam expulso Luis Arce do partido, o que não foi reconhecido pela facção arcista do partido. Ambas facções passaram a se digladiar em protestos de rua. Arce ficou com a personalidade jurídica do MAS, enquanto Evo Morales se retirou com seus apoiadores para fundar o partido EVO Pueblo – o qual foi impedido de disputar essas eleições de 2025.
Arce entre abril-maio decidiu não disputar eleições e indicar Andrónico Rodriguez como candidato à presidência pelo MAS. Rodriguez, em tese, seria próximo da facção evista. Dessa forma ele, em tese, poderia representar uma candidatura consensual do populismo boliviano. Mas na medida em que sua possibilidade de disputar a eleição foi rejeitada, Evo Morales convocou seus apoiadores a boicotarem as eleições; Andrónico Rodriguez, por sua vez, decidiu disputar as eleições não como representante do governo, mas através do bloco Aliança Popular. Arce, então, teve que indicar Eduardo del Castillo como representante do governo nas eleições.
Em outras palavras, o campo político populista do MAS ficou dividido em 3 posições diferentes: a governista de Del Castillo, a independente de Rodriguez e a abstencionista de Morales, potencialmente majoritária.
Nessa circunstância o resultado das eleições bolivianas não surpreende. Ela é fruto de um campo político incapaz de sacrificar interesses pessoais em prol de um projeto coletivo.