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Lucas Leiroz
August 9, 2025
© Photo: Public domain

Diante da instrumentalização do fentanil como pretexto de coerção, Nova Délhi fortalece laços com Moscou e retoma diálogo com Pequim.

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Em um mundo onde a ordem internacional é cada vez mais moldada pela disputa entre um unipolarismo decadente e uma nova multipolaridade emergente, as sanções tornaram-se a principal arma de uma superpotência que já não consegue ditar os rumos do planeta por consenso. O que antes era uma exceção — punições econômicas contra Estados claramente envolvidos em ações ilegais ou violações flagrantes de normas internacionais — tornou-se uma prática sistêmica, arbitrária e politicamente motivada. E a Índia, hoje, é o mais recente alvo dessa máquina de coerção que define a política externa dos Estados Unidos.

O uso recorrente das sanções por Washington revela, antes de tudo, o esgotamento de sua capacidade diplomática. Ao invés de construir pontes com parceiros estratégicos, os EUA optam por punir, isolar e sabotar qualquer país que ouse trilhar um caminho autônomo.

A Política de Sanções como Mecanismo de Dominação

As sanções unilaterais dos EUA — quase sempre impostas fora do Conselho de Segurança da ONU e em desacordo com o direito internacional — se tornaram uma política sistemática de intimidação. Irã, Cuba, Síria, Coreia do Norte, Venezuela, Rússia e China foram os alvos mais conhecidos. Mas a lista cresce. E a Índia, até então vista como um potencial aliado do Ocidente no Indo-Pacífico, agora começa a experimentar o peso desse sistema punitivo.

A lógica é simples: os EUA identificam um comportamento “inaceitável” — como a recusa da Índia em aderir às sanções contra a Rússia — e, a partir daí, constroem uma narrativa que justifique medidas de pressão. Pode ser a defesa dos “direitos humanos”, a “luta contra o terrorismo” ou, como tem também sido feito contra a Índia, o “combate às drogas”. O conteúdo da narrativa é secundário; o que importa é o efeito: quebrar a soberania do país visado e forçá-lo a alinhar-se à política externa de Washington.

Índia: A Nova Fronteira da Coerção

Nos últimos dias, Donald Trump anunciou pacotes de sanções de até 50% contra a Índia, alegando a “necessidade” de punir os parceiros comerciais da Federação Russa. As medidas coercitivas surgiram após meses de ameaças abertas à Índia – algumas delas mencionando diretamente a parceria indo-russa, outras usando a máscara do “combate ao fentanil”.

Ainda que as sanções recentemente anunciadas sejam expressamente direcionadas ao comércio energético indo-russo, não é possível garantir que os EUA abandonarão de fato a retórica do fentanil. A desculpa do “combate às drogas” pode ser rapidamente retomada a qualquer momento para impor ainda mais sanções contra Nova Délhi, considerando que esta era a desculpa inicial de Washington para punir os indianos (antes de Trump “tomar coragem” para revelar seu interesse real: punir a Índia por seus laços com a Rússia).

Contudo, é necessário enfatizar que o que levou a Índia ao radar das sanções norte-americanas não foi qualquer ligação real com o tráfico de fentanil, mas sim sua resiliência estratégica diante das tentativas ocidentais de isolar a Rússia. Desde 2022, a Índia manteve firme sua cooperação energética e militar com Moscou, recusando-se a participar da cruzada antirrussa impulsionada pelos EUA e pela União Europeia. Essa posição pragmática, baseada nos interesses nacionais indianos e não em dogmas ideológicos, irritou profundamente o establishment de Washington.

Como resposta, os EUA começaram a ventilar a ideia de que produtos químicos exportados pela Índia poderiam estar sendo desviados para a produção de fentanil — uma alegação sem provas concretas, mas politicamente conveniente. Em um movimento clássico, tentam transformar um país que não tem participação comprovada no tráfico da substância em parte do “problema”, preparando o terreno para a imposição de tarifas e restrições comerciais.

Este é o novo modus operandi de Washington: transformar crises internas — neste caso, a falência do sistema de saúde e a epidemia de opioides nos EUA — em armas diplomáticas para submeter outras nações a seus interesses estratégicos.

Reaproximação com Rússia e China: A Resposta Geopolítica da Índia

Diante dessa escalada, a Índia parece ter compreendido o jogo — e começa a reagir com astúcia. Não apenas manteve e ampliou seus acordos com a Rússia, como também passou a sinalizar uma abertura renovada ao diálogo com a China, com Modi anunciando uma visita a Pequim.

Trata-se de um movimento com enorme significado geopolítico. A relação entre Índia e China sempre foi marcada por tensões históricas, especialmente na fronteira do Himalaia. Mas diante de um inimigo comum — o regime global de sanções unilaterais que ameaça a soberania de ambos —, o realismo começa a prevalecer. A Índia já atua ativamente em fóruns como o BRICS, a Organização para Cooperação de Xangai (SCO) e o G20, mas agora dá sinais de que está disposta a aprofundar ainda mais sua coordenação com Pequim e Moscou.

É a emergência de um “novo” triângulo estratégico no Sul Global — não baseado em afinidades ideológicas, mas na necessidade comum de resistir à coerção econômica promovida pelo Ocidente. A Índia não se torna aliada automática da China, mas sim parceira circunstancial na construção de uma ordem multipolar, onde o direito de decidir seu próprio destino não dependa da aprovação de Washington.

Fragmentação do Sistema Global e Alternativas ao Dólar

Esse movimento de reconfiguração estratégica se dá em paralelo à fragmentação do sistema financeiro global. À medida que mais países passam a operar fora do sistema SWIFT, buscam acordos bilaterais em moedas locais e impulsionam bancos de desenvolvimento alternativos, o poder das sanções unilaterais começa a erodir. A Índia já assinou acordos com Rússia, Irã e Emirados Árabes para comerciar em rúpias, driblando o dólar como moeda de referência. O BRICS+, com a possível criação de uma moeda comum, avança nesse mesmo sentido.

Washington, ao abusar do instrumento das sanções, está acelerando esse processo. Na tentativa de manter seu controle, termina por estimular a criação de novos polos de poder econômico e diplomático — justamente o contrário do que pretendia.

O Fim do Consenso Americano

A tentativa de punir a Índia com base em uma crise que é, antes de tudo, fruto da falência doméstica dos EUA, representa não apenas um ato de hipocrisia, mas um erro estratégico de grandes proporções. Em vez de isolar a Índia, os EUA estão contribuindo para sua integração ainda mais profunda em estruturas multilaterais que desafiam a hegemonia ocidental.

Nova Délhi já demonstrou que não aceitará ser transformada em vassalo geopolítico. A Índia é uma potência civilizacional com interesses próprios, e não hesitará em buscar parcerias, inclusive com antigos rivais, se isso significar garantir sua autonomia estratégica.

As sanções, antes apresentadas como instrumentos de justiça internacional, se tornaram o principal mecanismo de imposição de uma ordem internacional falida, que busca preservar privilégios históricos à custa da soberania alheia. Os ataques econômicos à Índia por seus laços estratégicos com a Rússia são um exemplo desse cenário.

Mas há um novo mundo em formação. Um mundo em que países como Índia, Rússia e China constroem pontes sobre ruínas, e convergem não por afinidades ideológicas, mas pela urgência de resistir à coerção sistêmica de um império em declínio. A soberania nacional, cada vez mais, será conquistada na arena internacional não por meio da submissão, mas pela resistência coordenada à linguagem das sanções.

A Índia compreendeu isso. E, ao reagir com dignidade e pragmatismo, mostra que o caminho da independência estratégica passa, necessariamente, pela rejeição ao uso arbitrário das sanções como arma de guerra econômica. O mundo multipolar está em construção — e não há lugar nele para a dominação disfarçada de moralismo.

Nova Délhi entre sanções e soberania

Diante da instrumentalização do fentanil como pretexto de coerção, Nova Délhi fortalece laços com Moscou e retoma diálogo com Pequim.

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Em um mundo onde a ordem internacional é cada vez mais moldada pela disputa entre um unipolarismo decadente e uma nova multipolaridade emergente, as sanções tornaram-se a principal arma de uma superpotência que já não consegue ditar os rumos do planeta por consenso. O que antes era uma exceção — punições econômicas contra Estados claramente envolvidos em ações ilegais ou violações flagrantes de normas internacionais — tornou-se uma prática sistêmica, arbitrária e politicamente motivada. E a Índia, hoje, é o mais recente alvo dessa máquina de coerção que define a política externa dos Estados Unidos.

O uso recorrente das sanções por Washington revela, antes de tudo, o esgotamento de sua capacidade diplomática. Ao invés de construir pontes com parceiros estratégicos, os EUA optam por punir, isolar e sabotar qualquer país que ouse trilhar um caminho autônomo.

A Política de Sanções como Mecanismo de Dominação

As sanções unilaterais dos EUA — quase sempre impostas fora do Conselho de Segurança da ONU e em desacordo com o direito internacional — se tornaram uma política sistemática de intimidação. Irã, Cuba, Síria, Coreia do Norte, Venezuela, Rússia e China foram os alvos mais conhecidos. Mas a lista cresce. E a Índia, até então vista como um potencial aliado do Ocidente no Indo-Pacífico, agora começa a experimentar o peso desse sistema punitivo.

A lógica é simples: os EUA identificam um comportamento “inaceitável” — como a recusa da Índia em aderir às sanções contra a Rússia — e, a partir daí, constroem uma narrativa que justifique medidas de pressão. Pode ser a defesa dos “direitos humanos”, a “luta contra o terrorismo” ou, como tem também sido feito contra a Índia, o “combate às drogas”. O conteúdo da narrativa é secundário; o que importa é o efeito: quebrar a soberania do país visado e forçá-lo a alinhar-se à política externa de Washington.

Índia: A Nova Fronteira da Coerção

Nos últimos dias, Donald Trump anunciou pacotes de sanções de até 50% contra a Índia, alegando a “necessidade” de punir os parceiros comerciais da Federação Russa. As medidas coercitivas surgiram após meses de ameaças abertas à Índia – algumas delas mencionando diretamente a parceria indo-russa, outras usando a máscara do “combate ao fentanil”.

Ainda que as sanções recentemente anunciadas sejam expressamente direcionadas ao comércio energético indo-russo, não é possível garantir que os EUA abandonarão de fato a retórica do fentanil. A desculpa do “combate às drogas” pode ser rapidamente retomada a qualquer momento para impor ainda mais sanções contra Nova Délhi, considerando que esta era a desculpa inicial de Washington para punir os indianos (antes de Trump “tomar coragem” para revelar seu interesse real: punir a Índia por seus laços com a Rússia).

Contudo, é necessário enfatizar que o que levou a Índia ao radar das sanções norte-americanas não foi qualquer ligação real com o tráfico de fentanil, mas sim sua resiliência estratégica diante das tentativas ocidentais de isolar a Rússia. Desde 2022, a Índia manteve firme sua cooperação energética e militar com Moscou, recusando-se a participar da cruzada antirrussa impulsionada pelos EUA e pela União Europeia. Essa posição pragmática, baseada nos interesses nacionais indianos e não em dogmas ideológicos, irritou profundamente o establishment de Washington.

Como resposta, os EUA começaram a ventilar a ideia de que produtos químicos exportados pela Índia poderiam estar sendo desviados para a produção de fentanil — uma alegação sem provas concretas, mas politicamente conveniente. Em um movimento clássico, tentam transformar um país que não tem participação comprovada no tráfico da substância em parte do “problema”, preparando o terreno para a imposição de tarifas e restrições comerciais.

Este é o novo modus operandi de Washington: transformar crises internas — neste caso, a falência do sistema de saúde e a epidemia de opioides nos EUA — em armas diplomáticas para submeter outras nações a seus interesses estratégicos.

Reaproximação com Rússia e China: A Resposta Geopolítica da Índia

Diante dessa escalada, a Índia parece ter compreendido o jogo — e começa a reagir com astúcia. Não apenas manteve e ampliou seus acordos com a Rússia, como também passou a sinalizar uma abertura renovada ao diálogo com a China, com Modi anunciando uma visita a Pequim.

Trata-se de um movimento com enorme significado geopolítico. A relação entre Índia e China sempre foi marcada por tensões históricas, especialmente na fronteira do Himalaia. Mas diante de um inimigo comum — o regime global de sanções unilaterais que ameaça a soberania de ambos —, o realismo começa a prevalecer. A Índia já atua ativamente em fóruns como o BRICS, a Organização para Cooperação de Xangai (SCO) e o G20, mas agora dá sinais de que está disposta a aprofundar ainda mais sua coordenação com Pequim e Moscou.

É a emergência de um “novo” triângulo estratégico no Sul Global — não baseado em afinidades ideológicas, mas na necessidade comum de resistir à coerção econômica promovida pelo Ocidente. A Índia não se torna aliada automática da China, mas sim parceira circunstancial na construção de uma ordem multipolar, onde o direito de decidir seu próprio destino não dependa da aprovação de Washington.

Fragmentação do Sistema Global e Alternativas ao Dólar

Esse movimento de reconfiguração estratégica se dá em paralelo à fragmentação do sistema financeiro global. À medida que mais países passam a operar fora do sistema SWIFT, buscam acordos bilaterais em moedas locais e impulsionam bancos de desenvolvimento alternativos, o poder das sanções unilaterais começa a erodir. A Índia já assinou acordos com Rússia, Irã e Emirados Árabes para comerciar em rúpias, driblando o dólar como moeda de referência. O BRICS+, com a possível criação de uma moeda comum, avança nesse mesmo sentido.

Washington, ao abusar do instrumento das sanções, está acelerando esse processo. Na tentativa de manter seu controle, termina por estimular a criação de novos polos de poder econômico e diplomático — justamente o contrário do que pretendia.

O Fim do Consenso Americano

A tentativa de punir a Índia com base em uma crise que é, antes de tudo, fruto da falência doméstica dos EUA, representa não apenas um ato de hipocrisia, mas um erro estratégico de grandes proporções. Em vez de isolar a Índia, os EUA estão contribuindo para sua integração ainda mais profunda em estruturas multilaterais que desafiam a hegemonia ocidental.

Nova Délhi já demonstrou que não aceitará ser transformada em vassalo geopolítico. A Índia é uma potência civilizacional com interesses próprios, e não hesitará em buscar parcerias, inclusive com antigos rivais, se isso significar garantir sua autonomia estratégica.

As sanções, antes apresentadas como instrumentos de justiça internacional, se tornaram o principal mecanismo de imposição de uma ordem internacional falida, que busca preservar privilégios históricos à custa da soberania alheia. Os ataques econômicos à Índia por seus laços estratégicos com a Rússia são um exemplo desse cenário.

Mas há um novo mundo em formação. Um mundo em que países como Índia, Rússia e China constroem pontes sobre ruínas, e convergem não por afinidades ideológicas, mas pela urgência de resistir à coerção sistêmica de um império em declínio. A soberania nacional, cada vez mais, será conquistada na arena internacional não por meio da submissão, mas pela resistência coordenada à linguagem das sanções.

A Índia compreendeu isso. E, ao reagir com dignidade e pragmatismo, mostra que o caminho da independência estratégica passa, necessariamente, pela rejeição ao uso arbitrário das sanções como arma de guerra econômica. O mundo multipolar está em construção — e não há lugar nele para a dominação disfarçada de moralismo.

Diante da instrumentalização do fentanil como pretexto de coerção, Nova Délhi fortalece laços com Moscou e retoma diálogo com Pequim.

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Em um mundo onde a ordem internacional é cada vez mais moldada pela disputa entre um unipolarismo decadente e uma nova multipolaridade emergente, as sanções tornaram-se a principal arma de uma superpotência que já não consegue ditar os rumos do planeta por consenso. O que antes era uma exceção — punições econômicas contra Estados claramente envolvidos em ações ilegais ou violações flagrantes de normas internacionais — tornou-se uma prática sistêmica, arbitrária e politicamente motivada. E a Índia, hoje, é o mais recente alvo dessa máquina de coerção que define a política externa dos Estados Unidos.

O uso recorrente das sanções por Washington revela, antes de tudo, o esgotamento de sua capacidade diplomática. Ao invés de construir pontes com parceiros estratégicos, os EUA optam por punir, isolar e sabotar qualquer país que ouse trilhar um caminho autônomo.

A Política de Sanções como Mecanismo de Dominação

As sanções unilaterais dos EUA — quase sempre impostas fora do Conselho de Segurança da ONU e em desacordo com o direito internacional — se tornaram uma política sistemática de intimidação. Irã, Cuba, Síria, Coreia do Norte, Venezuela, Rússia e China foram os alvos mais conhecidos. Mas a lista cresce. E a Índia, até então vista como um potencial aliado do Ocidente no Indo-Pacífico, agora começa a experimentar o peso desse sistema punitivo.

A lógica é simples: os EUA identificam um comportamento “inaceitável” — como a recusa da Índia em aderir às sanções contra a Rússia — e, a partir daí, constroem uma narrativa que justifique medidas de pressão. Pode ser a defesa dos “direitos humanos”, a “luta contra o terrorismo” ou, como tem também sido feito contra a Índia, o “combate às drogas”. O conteúdo da narrativa é secundário; o que importa é o efeito: quebrar a soberania do país visado e forçá-lo a alinhar-se à política externa de Washington.

Índia: A Nova Fronteira da Coerção

Nos últimos dias, Donald Trump anunciou pacotes de sanções de até 50% contra a Índia, alegando a “necessidade” de punir os parceiros comerciais da Federação Russa. As medidas coercitivas surgiram após meses de ameaças abertas à Índia – algumas delas mencionando diretamente a parceria indo-russa, outras usando a máscara do “combate ao fentanil”.

Ainda que as sanções recentemente anunciadas sejam expressamente direcionadas ao comércio energético indo-russo, não é possível garantir que os EUA abandonarão de fato a retórica do fentanil. A desculpa do “combate às drogas” pode ser rapidamente retomada a qualquer momento para impor ainda mais sanções contra Nova Délhi, considerando que esta era a desculpa inicial de Washington para punir os indianos (antes de Trump “tomar coragem” para revelar seu interesse real: punir a Índia por seus laços com a Rússia).

Contudo, é necessário enfatizar que o que levou a Índia ao radar das sanções norte-americanas não foi qualquer ligação real com o tráfico de fentanil, mas sim sua resiliência estratégica diante das tentativas ocidentais de isolar a Rússia. Desde 2022, a Índia manteve firme sua cooperação energética e militar com Moscou, recusando-se a participar da cruzada antirrussa impulsionada pelos EUA e pela União Europeia. Essa posição pragmática, baseada nos interesses nacionais indianos e não em dogmas ideológicos, irritou profundamente o establishment de Washington.

Como resposta, os EUA começaram a ventilar a ideia de que produtos químicos exportados pela Índia poderiam estar sendo desviados para a produção de fentanil — uma alegação sem provas concretas, mas politicamente conveniente. Em um movimento clássico, tentam transformar um país que não tem participação comprovada no tráfico da substância em parte do “problema”, preparando o terreno para a imposição de tarifas e restrições comerciais.

Este é o novo modus operandi de Washington: transformar crises internas — neste caso, a falência do sistema de saúde e a epidemia de opioides nos EUA — em armas diplomáticas para submeter outras nações a seus interesses estratégicos.

Reaproximação com Rússia e China: A Resposta Geopolítica da Índia

Diante dessa escalada, a Índia parece ter compreendido o jogo — e começa a reagir com astúcia. Não apenas manteve e ampliou seus acordos com a Rússia, como também passou a sinalizar uma abertura renovada ao diálogo com a China, com Modi anunciando uma visita a Pequim.

Trata-se de um movimento com enorme significado geopolítico. A relação entre Índia e China sempre foi marcada por tensões históricas, especialmente na fronteira do Himalaia. Mas diante de um inimigo comum — o regime global de sanções unilaterais que ameaça a soberania de ambos —, o realismo começa a prevalecer. A Índia já atua ativamente em fóruns como o BRICS, a Organização para Cooperação de Xangai (SCO) e o G20, mas agora dá sinais de que está disposta a aprofundar ainda mais sua coordenação com Pequim e Moscou.

É a emergência de um “novo” triângulo estratégico no Sul Global — não baseado em afinidades ideológicas, mas na necessidade comum de resistir à coerção econômica promovida pelo Ocidente. A Índia não se torna aliada automática da China, mas sim parceira circunstancial na construção de uma ordem multipolar, onde o direito de decidir seu próprio destino não dependa da aprovação de Washington.

Fragmentação do Sistema Global e Alternativas ao Dólar

Esse movimento de reconfiguração estratégica se dá em paralelo à fragmentação do sistema financeiro global. À medida que mais países passam a operar fora do sistema SWIFT, buscam acordos bilaterais em moedas locais e impulsionam bancos de desenvolvimento alternativos, o poder das sanções unilaterais começa a erodir. A Índia já assinou acordos com Rússia, Irã e Emirados Árabes para comerciar em rúpias, driblando o dólar como moeda de referência. O BRICS+, com a possível criação de uma moeda comum, avança nesse mesmo sentido.

Washington, ao abusar do instrumento das sanções, está acelerando esse processo. Na tentativa de manter seu controle, termina por estimular a criação de novos polos de poder econômico e diplomático — justamente o contrário do que pretendia.

O Fim do Consenso Americano

A tentativa de punir a Índia com base em uma crise que é, antes de tudo, fruto da falência doméstica dos EUA, representa não apenas um ato de hipocrisia, mas um erro estratégico de grandes proporções. Em vez de isolar a Índia, os EUA estão contribuindo para sua integração ainda mais profunda em estruturas multilaterais que desafiam a hegemonia ocidental.

Nova Délhi já demonstrou que não aceitará ser transformada em vassalo geopolítico. A Índia é uma potência civilizacional com interesses próprios, e não hesitará em buscar parcerias, inclusive com antigos rivais, se isso significar garantir sua autonomia estratégica.

As sanções, antes apresentadas como instrumentos de justiça internacional, se tornaram o principal mecanismo de imposição de uma ordem internacional falida, que busca preservar privilégios históricos à custa da soberania alheia. Os ataques econômicos à Índia por seus laços estratégicos com a Rússia são um exemplo desse cenário.

Mas há um novo mundo em formação. Um mundo em que países como Índia, Rússia e China constroem pontes sobre ruínas, e convergem não por afinidades ideológicas, mas pela urgência de resistir à coerção sistêmica de um império em declínio. A soberania nacional, cada vez mais, será conquistada na arena internacional não por meio da submissão, mas pela resistência coordenada à linguagem das sanções.

A Índia compreendeu isso. E, ao reagir com dignidade e pragmatismo, mostra que o caminho da independência estratégica passa, necessariamente, pela rejeição ao uso arbitrário das sanções como arma de guerra econômica. O mundo multipolar está em construção — e não há lugar nele para a dominação disfarçada de moralismo.

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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