Quem é que pode dizer que o desastre económico da EU e de todo o ocidente constitui o pior dos nossos males?
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A recente pressão de Donald Trump sobre a União Europeia, com um aumento abrupto das tarifas e sua suspensão quase imediata — ao que tudo indica, após um telefonema com a presidente da Comissão Europeia — demonstra claramente a enorme pressão que os EUA exercem sobre a UE, o papel que lhe reservam e o carácter imediatista, voluntarista e errático das políticas desenvolvidas pela Casa Branca.
De pouco adianta afirmar que, actualmente, se designa por “democracia” um regime político em que apenas um indivíduo, com suas teimosias, obstinações e aventureirismos, além de muita ignorância e incultura, é capaz de colocar todo o sistema financeiro hegemónico em sobressalto, sem que os supostos “checks and balances” (pesos e contrapesos) da democracia norte-americana funcionem. Puro idealismo.
O facto é que a reentrada de Donald Trump em cena acelera a decomposição da hegemonia estadunidense. Paradoxalmente — ou talvez não —, as feridas auto-infligidas na economia dos EUA causam dor, sobretudo, na União Europeia. A cada golpe que Trump dá na credibilidade dos EUA, é a UE quem mais sofre! O mais grave é que ninguém parece querer assumir de onde vem a dor, nem mesmo onde está a ferida. Essa cegueira, típica de lideranças fracas e absolutamente medíocres como Macron, Starmer, Merz ou von der Leyen, conduz a União Europeia — e principalmente seus Estados-membros — a um descalabro tão anunciado quanto diligentemente escondido. Contudo, como veremos, no meio de tudo isso, o desastre económico e social a que assistimos em fast forward será o menor dos nossos males.
Se o capital internacional já tem dificuldades em emprestar dinheiro aos EUA, desacreditado que está da capacidade norte-americana para dominar o mundo, razões teria a EU para fazer o mesmo e, tal como outros países e instâncias, começar a preparar o futuro pós-EUA e pós-Dólar, o qual, demorando, acabará por vir. Mas não foi isso que sucedeu.
Dias após o telefonema entre von der Leyen e Trump — durante o qual, muito provavelmente, ela prometeu maiores compras de gás, armas, petróleo, títulos do tesouro e outras mercadorias extremamente caras que os EUA querem empurrar para os seus “parceiros” e “aliados” —, surge a notícia de que os “Estados-membros aprovaram o instrumento de empréstimo SAFE no valor de 150 mil milhões de euros para reforçar as capacidades de defesa europeias”.
Os instrumentos que a Comissão de von der Leyen cria, com nomes pomposos como “SAFE” e “ReArm Europe”, têm uma característica em comum: aprofundar a dependência dos EUA, endividar ainda mais os países da UE e levar-nos o mais depressa possível para o abismo.
Dizer que “A Comissão Europeia congratula-se com o acordo alcançado no Conselho da UE sobre o Instrumento de Segurança para a acção na Europa (SAFE)” é tão redundante quanto afirmar que António Costa, então primeiro-ministro de Portugal com maioria absoluta estável, lutou pelo povo português e impediu que o presidente da República entregasse o país à extrema-direita, revanchista, reaccionária e ultraliberal. A forma cobarde como o actual presidente do Conselho Europeu se comportou perante o golpe judicial sofrido pelo seu governo não apenas garantiu o seu lugar no Conselho, como também revelou as suas “aptidões especiais” para o cargo. Portanto, é óbvio que o Conselho aceitou a proposta da Comissão Europeia, e António Costa terá actuado como o broker de serviço, o mediador do negócio.
150 mil milhões de euros para armamento, dos quais apenas 65% terão de ser utilizados em produtos fabricados na UE, serviram para apaziguar Trump e comprar, cobardemente, mais dois meses de calma. Considerando que o recuo de Trump não foi real — limitou-se a suspender o que já estava suspenso —, resta-nos concluir que tudo não passou de uma manobra para convencer e acalmar os povos europeus. Ou seja, se a UE aparecesse de repente a anunciar que iria gastar mais 150 mil milhões em armas, num período em que o fascismo e o nazismo avançam devido à degradação das condições de vida, seria difícil de explicar. Mais difícil ainda seria explicar por que uma UE supostamente desavinda com Trump lhe compraria mais de 50 mil milhões de euros em armas.
Está à vista de todos como tudo foi feito: perante o descalabro dos EUA no mercado da dívida e a necessidade de Trump acalmar os mercados e atrair divisas — como os dólares que a UE tem em abundância (tal como a Arábia Saudita ou o Qatar) —, ele atirou com a falsa ameaça do aumento das tarifas, dando à UE o pretexto para fazer sair o dinheiro. Em troca, Trump apenas teve de dar sinais de que se estava a afastar de Vladimir Putin, como quando veio dizer que “Putin está maluco”. Um grande circo para enganar os incautos. A UE precisa urgentemente de armas para entregar à Ucrânia e, para tal, tem de as comprar primeiro. Uma vez nos stocks nacionais, ninguém as fiscalizará. E assim se faz — alegadamente — mais uma “oferta” ao regime de Kiev, de mais algumas dezenas de milhares de milhões de euros, sob o lema do rearmamento europeu.
Independentemente de onde partiu a iniciativa, esta situação demonstra a incontornável dependência da UE face aos EUA, o seu aprofundamento, apesar do discurso formal, e a insaciável sede destes últimos em exigir que a UE se entregue de corpo e alma à salvação do império. E a UE não vira a cara. Pelo contrário, deixa-se afundar com ele.
O relatório de Mario Draghi, O Futuro da Competitividade Europeia — Uma Estratégia de Competitividade para a Europa, foi direto ao apontar as dependências da UE:
- Dependência de matérias-primas críticas (China e outros): A UE importa >90% de matérias-primas essenciais para tecnologias verdes e digitais, como lítio, cobalto e terras raras, principalmente da China (70-90% do refino global).
- Dependência tecnológica (EUA e Ásia): Na área dos semicondutores, 75-90% dos chips avançados são fabricados na Ásia (Taiwan, Coreia do Sul), enquanto a UE não tem nenhuma fábrica de chips abaixo de 22 nm (os EUA e a Ásia dominam processos de 3-5 nm). Na IA e nuvem, 85% do mercado na UE é controlado por Amazon, Microsoft e Google (EUA), e a China lidera em patentes de IA, enquanto a UE fica para trás.
- Dependência energética (Rússia, EUA e Médio Oriente): Após a guerra na Ucrânia, a UE substituiu o gás russo por GNL dos EUA e do Qatar, mas a preços 3-5 vezes mais altos. Também depende da China para 80% dos painéis solares e das baterias de veículos elétricos.
- Dependência na indústria de defesa (EUA): 78% das compras de defesa da UE em 2022-2023 foram de fornecedores não europeus (63% para os EUA). A UE usa 12 modelos diferentes de tanques, enquanto os EUA padronizam em 1.
- Dependência dos mercados de exportação (China e EUA): A China é o maior parceiro comercial da UE, mas também um concorrente industrial.
Embora estas dependências estejam identificadas no relatório encomendado por von der Leyen, as propostas de Draghi para reduzir a dependência dos EUA são muito mais tímidas do que as direcionadas à China. Além disso, a Comissão Europeia não está a seguir essas soluções. Por exemplo, a UE não investe na produção própria de chips, preferindo financiar fábricas norte-americanas em solo europeu — estratégia que Trump agora reverte. Nas plataformas digitais, a UE centra-se mais em regular as empresas da Califórnia do que em criar o seu próprio ecossistema, perdendo soberania digital e controlo sobre as mentes dos europeus.
Se bem que as dependências estejam todas identificadas no relatório encomendado por von der Leyen, a verdade é que, embora sendo mais parco nas propostas de independência em relação aos EUA, do que o faz em relação à China, Draghi propôs um conjunto de soluções que, só muito remota e ilusoriamente se podem considerar estarem a ser seguidas pela comissão europeia.
Quanto à diversificação de fornecedores (ex.: acordos com África e América Latina), Draghi, esquecendo-se propositadamente da Rússia e da importância da diversidade de fontes para conseguir melhores preços, mesmo assim não vê Ursula von der Leyen seguir-lhe os intentos, pois esta não apenas agrava a dependência energética do GNL dos EUA, como em todas as outras dependências. A EU continua a não apostar numa produção de Chips europeus, feitos na União Europeia.
Ao contrário, apostou no financiamento de fábricas norte americanas em solo europeu, estratégia que, agora Trump reverte. Nas plataformas digitais, a EU centra-se mais na acomodação das plataformas da Califórnia em relação à legislação europeia, do que com a criação do seu próprio ecossistema digital, prescindindo da soberania digital e da soberania sobre as cabeças e mentes dos povos europeus. A EU continua a dar este acesso aos EUA e depois admira-se – será? – de ver mimetizada a luta política norte americana nos sistemas políticos da EU.
Qualquer iniciativa de produção competitiva na UE esbarra na dependência energética de fontes caras e na terceirização industrial, que a impede de competir com cadeias de valor integradas, como as da China. O instrumento SAFE prova que a UE não pretende libertar-se da dependência dos EUA em armamento, impondo um fardo económico brutal aos europeus, que pagam mais por produtos que outros compram barato.
Se algo prova esta último instrumento de financiamento SAFE, é que a EU não tem nenhuma intenção de se afastar da dependência dos EUA em matéria de armamento, o que, uma vez mais, constitui um fardo económico brutal, obrigando os povos europeus a esforços financeiros maiores para comprar o que outros compram muito barato.
Enquanto isso, os indicadores económicos não mentem: chegámos aqui por causa destas decisões. A ascensão de Ursula von der Leyen na UE não apenas demonstra o papel destrutivo da Alemanha para a Europa, como também reflecte a degeneração do orgulho nacional e cultural alemão, transportado para a UE. Se von der Leyen é uma agente de sabotagem das economias europeias, Merz não fica atrás, nem mesmo Scholz. A última jogada de Merz foi propor que a UE aplique sanções ao próprio Nord Stream — infraestrutura paga pelos alemães, que garantia a sua competitividade. O confisco das contas de Gerhard Schröder e a perseguição à jornalista Alina Lipp mostram que a democracia na Alemanha já há muito se apagou.
A perseguição a candidatos eleitorais (como Georgescu), fraudes eleitorais (Roménia e possivelmente Alemanha com a BSW), a ostracização de países que não seguem a linha imposta (como a Eslováquia), o financiamento da USAID pela UE — típico de ditaduras que interferem em assuntos alheios — e o golpe judicial contra Marine Le Pen provam que esta UE não aprende com os seus erros. Enquanto interfere em eleições e impõe regras draconianas aos países mais pequenos, von der Leyen anuncia que “vai mobilizar” 800 mil milhões de euros dos seus orçamentos nacionais, mostrando uma atitude autoritária, prepotente e com desprezo absoluto pelas necessidades de desenvolvimento próprias de cada estado-membro. Se a proporção dos 800 mil milhões anunciados destinada aos EUA, for a mesma do instrumento SAFE, já percebemos porque Trump suspendeu as supostas tarifas.
O crescimento anémico das principais economias europeias em 2024 (com excepção da Espanha, nenhuma chegou a 0,5% por trimestre), a troca dos EUA pela China como principal parceiro comercial, curiosamente a partir de 2022 — com todas as desvantagens já mencionadas — e a queda da UE para terceira economia mundial (em 2008, tinha um PIB superior ao dos EUA) mostram a degradação acelerada sob o “reinado” de von der Leyen, uma espécie de CEO norte-americana na comissão europeia. Crises na habitação, energia, saúde e fuga de cérebros completam o cenário desolador.
Se no reinado de Durão Barroso a EU passou a terceira economia mundial, com von der Leyen a distância para os restantes tornou-se drástica, vendo fugir a diferença para os EUA, quando, ainda antes do golpe EuroMaidan (2011) a EU tinha um PIB aproximado ao dos EUA e em 2008 tinha um PIB superior. Mas se o PIB pode levar a conclusões enganosas, o que dizer das crises na habitação, na energia, na saúde, da emigração e mão de obra qualificada (a que chamam de “talento”)? Como resolvê-las se von der Leyen e o seu ajudante António Costa se limitam a aplicar as receitas encomendadas e agravar a dependência em relação aos EUA, calando-a e fazendo crer que as únicas dependências danosas são as da China e da Rússia? Quando foram estas que trouxeram a EU ao estatuto de maior economia mundial em 2008?
A unificação da Alemanha, o euro e o Tratado de Lisboa foram passos na instrumentalização da UE pelas agendas de Wall Street e Washington, as quais dominam as grandes capitais europeias. O retrato não poderia ser mais drástico: em tempos da segunda guerra do Iraque, foram Schroeder, Chirac e Hollande quem impediu a EU de embarcar nessa loucura. Em Portugal, foi Durão Barroso quem serviu de anfitrião ao lançamento de uma guerra ilícita, ilegítima, uma agressão responsável pela morte de um milhão de pessoas. O ataque, já nesse tempo, era feito à própria Europa. Já nessa altura se tratava de resgatar o petrodólar, contra as vantagens que a EU retirava da decisão Iraquiana de trocar os dólares por euros na venda do petróleo.
Uma EU com o maior PIB do mundo foi capaz de resistir à colaboração na sua autodestruição. Quem fez o papel de “europeus” nessa agressão foram o Reino Unido de Tony Blair e o Portugal de Durão Barroso. Este, tal como António Costa, mais recentemente, pagou o bilhete de ida para a Comissão Europeia. À sua saída da Comissão Europeia em 2014, a EU já não era nada do que havia sido um dia. No seu reinado deram-se as “primaveras árabes” que desestabilizaram a região do Magrebe, deu-se a destruição da Líbia, numa guerra intestina em que EUA jogavam contra Rússia e China e a França contra a Itália. Para os EUA estava em causa, uma vez mais, o petróleo, para a França o neocolonialismo em África, ameaçado pela visão pan-africana de Gaddafi, sendo a Itália a grande prejudicada, pois era um sério parceiro comercial da Líbia, daí retirando enormes vantagens – era na Itália que a Líbia tinha grandes reservas de ouro para a criação da moeda pan-africana que substituiria o Franco Afrique.
Um dos motores mais importantes da EU era afectado e, com a destruição da Síria, também auxiliada pela comissão de Durão Barroso, as portas de emigração abarrotaram de refugiados e migrantes privados dos seus destinos habituais (Líbia, Iraque, Síria…). A EU havia deixado fugir os EUA em matéria económica e deixou-se ficar para trás no digital, ficando irremediavelmente afastada da competição do século XXI: a competição pela Inteligência Artificial e pela digitalização económica e social. Ao invés, Durão tudo entregou aos EUA. Foi para tal que havia sido lá colocado.
Von der Leyen não só alterou, como tudo isto aprofundou, tal como Juncker. Tal como Durão havia deixado a EU embarcar numa guerra (contra a Líbia e Síria) que muito prejudicou a EU, também von der Leyen deixou os EUA usarem a questão Ucraniana para controlarem e desarredarem a europa, de vez, da competição de topo mundial. Gás e matérias primas mais caras, uma EU dividida, uma EU a enveredar pelo autoritarismo, ditadura e fascismo para conter dissidências – o fascismo não precisa de partidos fascistas, mas de políticas fascistas – deixou-se instrumentalizar pela guerra e pelo militarismo. Hoje, à EU está destinado, pelos EUA, o mesmo papel que há uns anos era dado à África e à América Latina: receptáculo da energia, armamento e excedentes comerciais dos EUA.
As duas dezenas de “estratégias”, “actos” e “pactos” de von der Leyen apenas aceleraram tudo isto e, em perfeita consonância trouxeram-nos aqui, à beira de algo muito mais sério. Se a economia europeia está em decomposição, podendo arrastar atrás de si a própria EU, talvez não nos reste mais do que desejar que tal aconteça e bem depressa. Os sinais belicistas que vêem do norte e centro da EU demonstram que a instrumentalização dos países europeus pelas maiores potências europeias, a materializarem-se, podem dar à Alemanha, ao Reino Unido (cujo povo Starmer traiu ao reaproximar-se da EU e desprezar o Brexit) o que necessitam para uma vez mais, 80 anos após o fim da segunda guerra mundial, se atirarem novamente à Rússia.
Os indícios não deixam enganar. Em Portugal fazem-se notícias sobre os maravilhosos Bunkers da Finlândia, que já são mais do 5.000 e cuja obrigatoriedade de construção se estendeu aos edifícios residenciais. Nos EUA anuncia-se que a venda de Bunkers aumenta, a eclosão e mais um negócio multimilionário que vive do medo e do terror dos cidadãos. Na Suiça, antes país neutro, mas cuja imagem ficou destruída com o alinhamento no congelamento das reservas russas e para com as sanções, ordenam-se inspecções a Bunkers, dizendo que não é para a guerra. Talvez queiram lançar mais um negócio multimilionário de férias em Bunker, digo eu a brincar. Na Alemanha, preparam-se Bunkers para “o tempo de guerra”.
Ou seja, as mentes já estão feitas e o destino traçado. É para ir para a guerra e depressa, reservando aos nossos jovens – os mais ricos apenas – uma “espectacular vida em gaiolas de ouro chamadas de Bunkers. Talvez seja desta que a ficção “Silo” passe a realidade. A paz, a felicidade, o combate à pobreza e à violência, nada disso está nos planos de quem comanda esta gente. O dinheiro é para construir a nossa própria destruição, valha o paradoxo.
No meio disto, quem é que pode dizer que o desastre económico da EU e de todo o ocidente constitui o pior dos nossos males?