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Bruna Frascolla
May 16, 2025
© Photo: Public domain

Esperemos que o seu apreço pela Doutrina Social da Igreja sirva para abalar o malthusianismo liberal ao qual os anglófonos chamam de “conservadorismo”.

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Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Se os cardeais tivessem eleito um papa chinês, muitos textos teriam aparecido na imprensa tratando da importância histórica de eleger uma minoria religiosa perseguida no país. O problema é que nos acostumamos a uma espécie de retórica pan-cristã que opõe o Ocidente livre ao Oriente totalitário. Nesse enquadramento, a oposição entre católicos e protestantes aparece como um assunto histórico já encerrado; e, mesmo ao se apresentar esse antagonismo, a Igreja Católica figura sempre como opressora e os protestantes, como oprimidos.

No entanto, exitem dois países importantes no Ocidente em que o protestantismo foi inequivocamente o opressor e os católicos, os oprimidos. Esses dois países são a Inglaterra e os Estados Unidos. Se na Inglaterra a perseguição aos católicos foi duríssima e sangrenta (porque a questão religiosa era também uma questão sucessória, com o divórcio de Henrique VIII), nos EUA a tolerância religiosa não impediu que o anticatolicismo fosse uma ideologia formadora da identidade nacional. Assim, a mera eleição de um papa estadunidense foi importante para abalar a identidade forjada pela elite WASP (branca, anglo-saxã e protestante, no acrônimo em inglês).

O Unamerican, inimigo do American

Em seu trabalho Liberal Suppression, o jurista Philip Hamburger também revisita a história dos EUA de uma maneira atípica. Todos sabem que o Ku Klux Klan era raivosamente racista, mas poucos lembram que a organização era, acima de tudo, anticatólica – e que seu anticatolicismo advinha tanto da sua forma de nativismo como do “liberalismo teológico”. Os protestantes dos EUA se dividiam em fundamentalistas, que se apegavam à letra da Bíblia, que aos seus olhos não tinha uma interpretação sujeita a muitas controvérsias, e os liberais, que rejeitavam toda forma de autoridade e pretendiam que cada homem ou mulher deveria interpretar a Bíblia por si só. Pois bem, esse subjetivismo radical está intimamente ligado ao liberalismo político, já que preconiza a atomização. Toda instituição com autoridade intelectual é abominável, porque isso é um indício de que os indivíduos que a compõem não têm pensamento crítico. A coisa vai tão longe que, para algum dos seus defensores, nem mesmo devem existir igrejas protestantes; em vez disso, há associações de pessoas que chegaram sozinhas às mesmas conclusões.

Assim, a crítica dos nativistas (Klan incluso) aos católicos era que eles não tinham pensamento crítico, pois repetiam os dogmas da Igreja, e que eram Unamerican, tanto porque se submetiam a uma autoridade estrangeira (o Papa) quanto porque ser American era pensar por si só, ser livre etc. (Já tratei mais detidamente desse assunto aqui.)

Essa concepção estava longe de ser exclusiva de radicais como o KKK. Desde o século XIX Harvard era dominada por protestantes da denominação que promoveu o liberalismo nos EUA, o Unitarismo. Imbuída dessa visão, a elite dos EUA criou uma legislação que impunha censura e omissão da participação política às organizações filantrópicas isentas – que tipicamente incluíam escolas confessionais. Tratou-se de uma guerra à “doutrinação católica” que, de um lado, incluía tirar a isenção fiscal de escolas confessionais e promover a escola pública dos protestantes como essencial à formação de cidadãos verdadeiramente American. Philip Hamburger chega a mencionar que as campanhas de dessegregação miravam mais a segregação entre católicos e protestantes (promovida pelas escolas confessionais católicas) do que a segregação racial (que, aliás, não existia nas escolas católicas…).

Com o advento do comunismo, todo o maquinário anticatólico pôde ser empregado contra os comunistas, os novos Unamerican da vez.

É créole, mas é American

É famosa a foto de placas com a frase “Race mixing is communism”, “Mistura de raças é comunismo”, num protesto contra a dessegregação racial nos EUA.

Uma das poucas coisas que o comunismo tem em comum com o catolicismo é o senso universalista de uma comunidade humana. Tal como o católico, o comunista não divide o mundo em grupos raciais com destinos distintos. Em vez disso, o comunismo histórico implicou o apoio a nacionalismos terceiromundistas durante a descolonização da África e da Ásia. De um ponto de vista filosófico e doutrinário, o catolicismo foi mais longe em sua oposição ao racismo do que o comunismo, pois topou assumir a pecha de “obscurantista” quando a ciência, em uníssono, legitimava o racismo e a eugenia.

Outro jeito de aproximar a visão do comunismo à do catolicismo, contrastando-a com a do calvinismo, é comparando a maneira como tais grupos tratam os judeus: os primeiros os tratam como gente a ser convertida e assimilada ao corpo político, ao passo que os calvinistas (assim como os judeus religiosos) os enxergam como um grupo racial distinto, com direito a uma nação à parte. Historicamente, os EUA não viram os negros e os judeus como pertencentes à nacionalidade; em vez disso, se entusiasmaram (assim como os ingleses) com a perspectiva de mandá-los “de volta” para a África (vide a Libéria e Serra Leoa) ou para a Terra Santa (com o projeto sionista). Consoante com essa visão profundamente racista, um descendente de negros jamais seria American como os WASP. Em vez disso, uma única gota de sangue negro faria de um mestiço para sempre um negro e, portanto, um cidadão de segunda classe.

As contestações da parte dos negros de formação protestante incluíram o panafricanismo, que nada mais é que um “voltar para a África”, e o separatismo negro, um projeto em consonância com o dos supremacistas brancos. O Pr. Martin Luther King foi, de fato, um raio em céu azul. (Quanto aos comunistas, os Panteras Negras eram uma instável salada mista ideológica que teve seus períodos de aproximação com mais de uma vertente do comunismo – até norte-coreana! No entanto, podemos dizer que a única coisa duradoura foi o caráter racial, coisa que o aproxima do sionismo, que já foi alinhado com a URSS mesmo sem ser comunista.)

Pois bem: a tez morena de Leão XIV se deve à sua ancestralidade créole, mulata, da Louisiana. Pelo sistema Jim Crow, perpetuado na era politicamente correta, Leão XIV seria negro ou African-American. O New York Times chegou a cobrar do irmão mais velho do papa uma autoclassificação como negro, mas foi rejeitada. E o papa se tornou simplesmente American dentro dos Estados Unidos, mesmo com seu longo tempo no Peru e saudação em espanhol.

Uma nova identidade não-WASP

Robert Prevost é American porque ele nasceu nos Estados Unidos, e pronto. Ele não é branco, não é protestante, e é um American sem hífen. De supetão os EUA aceitaram esse critério de nacionalidade que é comum pela América Latina com a qual ele tanto se identifica: uma América de formação católica e mestiça, porque em seus fundamentos acreditou que o destino nacional é compartilhado por todos, sem distinção de raças.

Essa identidade estadunidense não-WASP é um avanço humanitário, porque é contrária ao Destino Manifesto, que profetiza o crescimento dos EUA à base da limpeza étnica e do supremacismo racial. Esse tipo de pensamento é tão entranhado na cultura dos EUA que até mesmo um pai do Evangelho Social, Josiah Strong, acreditava que os EUA cumpririam o desígnio de Deus de repovoar a terra com um estoque racial superior, e que o protestantismo era indício de superioridade racial. (Essas ideias constam no 14º capítulo de Our Country, de 1885.) Ou seja, até mesmo o movimento cristão que se preocupava com a condição material do trabalhador só o fazia dentro do particularismo da raça – bem nos moldes do sionismo de esquerda e do nazismo.

Last, but not least, Leão XIV será uma força conservadora que preza pela justiça social, coisa que, dentro das tradição intelectual anglófona dos EUA, é como um círculo quadrado (não custa lembrar que Chesterton falava dos conservadores na terceira pessoa, e falava mal). Esperemos que o seu apreço pela Doutrina Social da Igreja sirva para abalar o malthusianismo liberal ao qual os anglófonos chamam de “conservadorismo”.

 

O que Leão XIV representa para a identidade estadunidense

Esperemos que o seu apreço pela Doutrina Social da Igreja sirva para abalar o malthusianismo liberal ao qual os anglófonos chamam de “conservadorismo”.

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Se os cardeais tivessem eleito um papa chinês, muitos textos teriam aparecido na imprensa tratando da importância histórica de eleger uma minoria religiosa perseguida no país. O problema é que nos acostumamos a uma espécie de retórica pan-cristã que opõe o Ocidente livre ao Oriente totalitário. Nesse enquadramento, a oposição entre católicos e protestantes aparece como um assunto histórico já encerrado; e, mesmo ao se apresentar esse antagonismo, a Igreja Católica figura sempre como opressora e os protestantes, como oprimidos.

No entanto, exitem dois países importantes no Ocidente em que o protestantismo foi inequivocamente o opressor e os católicos, os oprimidos. Esses dois países são a Inglaterra e os Estados Unidos. Se na Inglaterra a perseguição aos católicos foi duríssima e sangrenta (porque a questão religiosa era também uma questão sucessória, com o divórcio de Henrique VIII), nos EUA a tolerância religiosa não impediu que o anticatolicismo fosse uma ideologia formadora da identidade nacional. Assim, a mera eleição de um papa estadunidense foi importante para abalar a identidade forjada pela elite WASP (branca, anglo-saxã e protestante, no acrônimo em inglês).

O Unamerican, inimigo do American

Em seu trabalho Liberal Suppression, o jurista Philip Hamburger também revisita a história dos EUA de uma maneira atípica. Todos sabem que o Ku Klux Klan era raivosamente racista, mas poucos lembram que a organização era, acima de tudo, anticatólica – e que seu anticatolicismo advinha tanto da sua forma de nativismo como do “liberalismo teológico”. Os protestantes dos EUA se dividiam em fundamentalistas, que se apegavam à letra da Bíblia, que aos seus olhos não tinha uma interpretação sujeita a muitas controvérsias, e os liberais, que rejeitavam toda forma de autoridade e pretendiam que cada homem ou mulher deveria interpretar a Bíblia por si só. Pois bem, esse subjetivismo radical está intimamente ligado ao liberalismo político, já que preconiza a atomização. Toda instituição com autoridade intelectual é abominável, porque isso é um indício de que os indivíduos que a compõem não têm pensamento crítico. A coisa vai tão longe que, para algum dos seus defensores, nem mesmo devem existir igrejas protestantes; em vez disso, há associações de pessoas que chegaram sozinhas às mesmas conclusões.

Assim, a crítica dos nativistas (Klan incluso) aos católicos era que eles não tinham pensamento crítico, pois repetiam os dogmas da Igreja, e que eram Unamerican, tanto porque se submetiam a uma autoridade estrangeira (o Papa) quanto porque ser American era pensar por si só, ser livre etc. (Já tratei mais detidamente desse assunto aqui.)

Essa concepção estava longe de ser exclusiva de radicais como o KKK. Desde o século XIX Harvard era dominada por protestantes da denominação que promoveu o liberalismo nos EUA, o Unitarismo. Imbuída dessa visão, a elite dos EUA criou uma legislação que impunha censura e omissão da participação política às organizações filantrópicas isentas – que tipicamente incluíam escolas confessionais. Tratou-se de uma guerra à “doutrinação católica” que, de um lado, incluía tirar a isenção fiscal de escolas confessionais e promover a escola pública dos protestantes como essencial à formação de cidadãos verdadeiramente American. Philip Hamburger chega a mencionar que as campanhas de dessegregação miravam mais a segregação entre católicos e protestantes (promovida pelas escolas confessionais católicas) do que a segregação racial (que, aliás, não existia nas escolas católicas…).

Com o advento do comunismo, todo o maquinário anticatólico pôde ser empregado contra os comunistas, os novos Unamerican da vez.

É créole, mas é American

É famosa a foto de placas com a frase “Race mixing is communism”, “Mistura de raças é comunismo”, num protesto contra a dessegregação racial nos EUA.

Uma das poucas coisas que o comunismo tem em comum com o catolicismo é o senso universalista de uma comunidade humana. Tal como o católico, o comunista não divide o mundo em grupos raciais com destinos distintos. Em vez disso, o comunismo histórico implicou o apoio a nacionalismos terceiromundistas durante a descolonização da África e da Ásia. De um ponto de vista filosófico e doutrinário, o catolicismo foi mais longe em sua oposição ao racismo do que o comunismo, pois topou assumir a pecha de “obscurantista” quando a ciência, em uníssono, legitimava o racismo e a eugenia.

Outro jeito de aproximar a visão do comunismo à do catolicismo, contrastando-a com a do calvinismo, é comparando a maneira como tais grupos tratam os judeus: os primeiros os tratam como gente a ser convertida e assimilada ao corpo político, ao passo que os calvinistas (assim como os judeus religiosos) os enxergam como um grupo racial distinto, com direito a uma nação à parte. Historicamente, os EUA não viram os negros e os judeus como pertencentes à nacionalidade; em vez disso, se entusiasmaram (assim como os ingleses) com a perspectiva de mandá-los “de volta” para a África (vide a Libéria e Serra Leoa) ou para a Terra Santa (com o projeto sionista). Consoante com essa visão profundamente racista, um descendente de negros jamais seria American como os WASP. Em vez disso, uma única gota de sangue negro faria de um mestiço para sempre um negro e, portanto, um cidadão de segunda classe.

As contestações da parte dos negros de formação protestante incluíram o panafricanismo, que nada mais é que um “voltar para a África”, e o separatismo negro, um projeto em consonância com o dos supremacistas brancos. O Pr. Martin Luther King foi, de fato, um raio em céu azul. (Quanto aos comunistas, os Panteras Negras eram uma instável salada mista ideológica que teve seus períodos de aproximação com mais de uma vertente do comunismo – até norte-coreana! No entanto, podemos dizer que a única coisa duradoura foi o caráter racial, coisa que o aproxima do sionismo, que já foi alinhado com a URSS mesmo sem ser comunista.)

Pois bem: a tez morena de Leão XIV se deve à sua ancestralidade créole, mulata, da Louisiana. Pelo sistema Jim Crow, perpetuado na era politicamente correta, Leão XIV seria negro ou African-American. O New York Times chegou a cobrar do irmão mais velho do papa uma autoclassificação como negro, mas foi rejeitada. E o papa se tornou simplesmente American dentro dos Estados Unidos, mesmo com seu longo tempo no Peru e saudação em espanhol.

Uma nova identidade não-WASP

Robert Prevost é American porque ele nasceu nos Estados Unidos, e pronto. Ele não é branco, não é protestante, e é um American sem hífen. De supetão os EUA aceitaram esse critério de nacionalidade que é comum pela América Latina com a qual ele tanto se identifica: uma América de formação católica e mestiça, porque em seus fundamentos acreditou que o destino nacional é compartilhado por todos, sem distinção de raças.

Essa identidade estadunidense não-WASP é um avanço humanitário, porque é contrária ao Destino Manifesto, que profetiza o crescimento dos EUA à base da limpeza étnica e do supremacismo racial. Esse tipo de pensamento é tão entranhado na cultura dos EUA que até mesmo um pai do Evangelho Social, Josiah Strong, acreditava que os EUA cumpririam o desígnio de Deus de repovoar a terra com um estoque racial superior, e que o protestantismo era indício de superioridade racial. (Essas ideias constam no 14º capítulo de Our Country, de 1885.) Ou seja, até mesmo o movimento cristão que se preocupava com a condição material do trabalhador só o fazia dentro do particularismo da raça – bem nos moldes do sionismo de esquerda e do nazismo.

Last, but not least, Leão XIV será uma força conservadora que preza pela justiça social, coisa que, dentro das tradição intelectual anglófona dos EUA, é como um círculo quadrado (não custa lembrar que Chesterton falava dos conservadores na terceira pessoa, e falava mal). Esperemos que o seu apreço pela Doutrina Social da Igreja sirva para abalar o malthusianismo liberal ao qual os anglófonos chamam de “conservadorismo”.

 

Esperemos que o seu apreço pela Doutrina Social da Igreja sirva para abalar o malthusianismo liberal ao qual os anglófonos chamam de “conservadorismo”.

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Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Se os cardeais tivessem eleito um papa chinês, muitos textos teriam aparecido na imprensa tratando da importância histórica de eleger uma minoria religiosa perseguida no país. O problema é que nos acostumamos a uma espécie de retórica pan-cristã que opõe o Ocidente livre ao Oriente totalitário. Nesse enquadramento, a oposição entre católicos e protestantes aparece como um assunto histórico já encerrado; e, mesmo ao se apresentar esse antagonismo, a Igreja Católica figura sempre como opressora e os protestantes, como oprimidos.

No entanto, exitem dois países importantes no Ocidente em que o protestantismo foi inequivocamente o opressor e os católicos, os oprimidos. Esses dois países são a Inglaterra e os Estados Unidos. Se na Inglaterra a perseguição aos católicos foi duríssima e sangrenta (porque a questão religiosa era também uma questão sucessória, com o divórcio de Henrique VIII), nos EUA a tolerância religiosa não impediu que o anticatolicismo fosse uma ideologia formadora da identidade nacional. Assim, a mera eleição de um papa estadunidense foi importante para abalar a identidade forjada pela elite WASP (branca, anglo-saxã e protestante, no acrônimo em inglês).

O Unamerican, inimigo do American

Em seu trabalho Liberal Suppression, o jurista Philip Hamburger também revisita a história dos EUA de uma maneira atípica. Todos sabem que o Ku Klux Klan era raivosamente racista, mas poucos lembram que a organização era, acima de tudo, anticatólica – e que seu anticatolicismo advinha tanto da sua forma de nativismo como do “liberalismo teológico”. Os protestantes dos EUA se dividiam em fundamentalistas, que se apegavam à letra da Bíblia, que aos seus olhos não tinha uma interpretação sujeita a muitas controvérsias, e os liberais, que rejeitavam toda forma de autoridade e pretendiam que cada homem ou mulher deveria interpretar a Bíblia por si só. Pois bem, esse subjetivismo radical está intimamente ligado ao liberalismo político, já que preconiza a atomização. Toda instituição com autoridade intelectual é abominável, porque isso é um indício de que os indivíduos que a compõem não têm pensamento crítico. A coisa vai tão longe que, para algum dos seus defensores, nem mesmo devem existir igrejas protestantes; em vez disso, há associações de pessoas que chegaram sozinhas às mesmas conclusões.

Assim, a crítica dos nativistas (Klan incluso) aos católicos era que eles não tinham pensamento crítico, pois repetiam os dogmas da Igreja, e que eram Unamerican, tanto porque se submetiam a uma autoridade estrangeira (o Papa) quanto porque ser American era pensar por si só, ser livre etc. (Já tratei mais detidamente desse assunto aqui.)

Essa concepção estava longe de ser exclusiva de radicais como o KKK. Desde o século XIX Harvard era dominada por protestantes da denominação que promoveu o liberalismo nos EUA, o Unitarismo. Imbuída dessa visão, a elite dos EUA criou uma legislação que impunha censura e omissão da participação política às organizações filantrópicas isentas – que tipicamente incluíam escolas confessionais. Tratou-se de uma guerra à “doutrinação católica” que, de um lado, incluía tirar a isenção fiscal de escolas confessionais e promover a escola pública dos protestantes como essencial à formação de cidadãos verdadeiramente American. Philip Hamburger chega a mencionar que as campanhas de dessegregação miravam mais a segregação entre católicos e protestantes (promovida pelas escolas confessionais católicas) do que a segregação racial (que, aliás, não existia nas escolas católicas…).

Com o advento do comunismo, todo o maquinário anticatólico pôde ser empregado contra os comunistas, os novos Unamerican da vez.

É créole, mas é American

É famosa a foto de placas com a frase “Race mixing is communism”, “Mistura de raças é comunismo”, num protesto contra a dessegregação racial nos EUA.

Uma das poucas coisas que o comunismo tem em comum com o catolicismo é o senso universalista de uma comunidade humana. Tal como o católico, o comunista não divide o mundo em grupos raciais com destinos distintos. Em vez disso, o comunismo histórico implicou o apoio a nacionalismos terceiromundistas durante a descolonização da África e da Ásia. De um ponto de vista filosófico e doutrinário, o catolicismo foi mais longe em sua oposição ao racismo do que o comunismo, pois topou assumir a pecha de “obscurantista” quando a ciência, em uníssono, legitimava o racismo e a eugenia.

Outro jeito de aproximar a visão do comunismo à do catolicismo, contrastando-a com a do calvinismo, é comparando a maneira como tais grupos tratam os judeus: os primeiros os tratam como gente a ser convertida e assimilada ao corpo político, ao passo que os calvinistas (assim como os judeus religiosos) os enxergam como um grupo racial distinto, com direito a uma nação à parte. Historicamente, os EUA não viram os negros e os judeus como pertencentes à nacionalidade; em vez disso, se entusiasmaram (assim como os ingleses) com a perspectiva de mandá-los “de volta” para a África (vide a Libéria e Serra Leoa) ou para a Terra Santa (com o projeto sionista). Consoante com essa visão profundamente racista, um descendente de negros jamais seria American como os WASP. Em vez disso, uma única gota de sangue negro faria de um mestiço para sempre um negro e, portanto, um cidadão de segunda classe.

As contestações da parte dos negros de formação protestante incluíram o panafricanismo, que nada mais é que um “voltar para a África”, e o separatismo negro, um projeto em consonância com o dos supremacistas brancos. O Pr. Martin Luther King foi, de fato, um raio em céu azul. (Quanto aos comunistas, os Panteras Negras eram uma instável salada mista ideológica que teve seus períodos de aproximação com mais de uma vertente do comunismo – até norte-coreana! No entanto, podemos dizer que a única coisa duradoura foi o caráter racial, coisa que o aproxima do sionismo, que já foi alinhado com a URSS mesmo sem ser comunista.)

Pois bem: a tez morena de Leão XIV se deve à sua ancestralidade créole, mulata, da Louisiana. Pelo sistema Jim Crow, perpetuado na era politicamente correta, Leão XIV seria negro ou African-American. O New York Times chegou a cobrar do irmão mais velho do papa uma autoclassificação como negro, mas foi rejeitada. E o papa se tornou simplesmente American dentro dos Estados Unidos, mesmo com seu longo tempo no Peru e saudação em espanhol.

Uma nova identidade não-WASP

Robert Prevost é American porque ele nasceu nos Estados Unidos, e pronto. Ele não é branco, não é protestante, e é um American sem hífen. De supetão os EUA aceitaram esse critério de nacionalidade que é comum pela América Latina com a qual ele tanto se identifica: uma América de formação católica e mestiça, porque em seus fundamentos acreditou que o destino nacional é compartilhado por todos, sem distinção de raças.

Essa identidade estadunidense não-WASP é um avanço humanitário, porque é contrária ao Destino Manifesto, que profetiza o crescimento dos EUA à base da limpeza étnica e do supremacismo racial. Esse tipo de pensamento é tão entranhado na cultura dos EUA que até mesmo um pai do Evangelho Social, Josiah Strong, acreditava que os EUA cumpririam o desígnio de Deus de repovoar a terra com um estoque racial superior, e que o protestantismo era indício de superioridade racial. (Essas ideias constam no 14º capítulo de Our Country, de 1885.) Ou seja, até mesmo o movimento cristão que se preocupava com a condição material do trabalhador só o fazia dentro do particularismo da raça – bem nos moldes do sionismo de esquerda e do nazismo.

Last, but not least, Leão XIV será uma força conservadora que preza pela justiça social, coisa que, dentro das tradição intelectual anglófona dos EUA, é como um círculo quadrado (não custa lembrar que Chesterton falava dos conservadores na terceira pessoa, e falava mal). Esperemos que o seu apreço pela Doutrina Social da Igreja sirva para abalar o malthusianismo liberal ao qual os anglófonos chamam de “conservadorismo”.

 

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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