O levante de 1935 foi o último suspiro do tenentismo e das ideias revolucionárias (embora confusas) dentro do PCB.
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O método empregado pela ANL refletia muito bem o conteúdo do seu programa e a correlação de forças dentro do movimento de libertação nacional. Por um lado, parte dos dirigentes pequeno-burgueses e da base burguesa da ANL abandonou a luta quando a insurreição foi proposta, inclusive o presidente da ANL, Hercolino Cascardo, que afirmou que “o comunismo da Terceira Internacional é contra a nossa Constituição”*, facilitando o fechamento da ANL pelo governo. Por outro, ela foi uma quartelada, uma tentativa de insurreição de dentro dos quarteis, liderada pelos tenentes e pelo baixo escalão das Forças Armadas.
Luiz Carlos Prestes, o grande líder tenentista e convertido em máxima figura do PCB, tinha uma concepção semi-anarquista da insurreição, instando seus antigos correligionários da Coluna a iniciar a revolução com ações armadas no campo, enquanto o PCB acreditava ainda que o exército brasileiro, em seu conjunto, era “nacional, popular e anti-imperialista” – depositando nele a confiança de que lideraria a revolução. O Secretariado Sul-Americano da Internacional Comunista informava à Comissão Executiva, em Moscou: “mesmo não havendo uma grande vaga [de] lutas operárias e camponesas, existe a perspectiva de vitória por insurreição militar apoiada imediatamente pelas massas. (…) Nossas forças militares dão a possibilidade de vitória.”
O movimento operário ficou em segundo plano. De qualquer forma, não havia como ser protagonista, uma vez que não havia sido preparado – a ANL agiu de maneira extremamente precipitada, sem a mínima organização de conselhos operários, camponeses e de soldados, o que requeriria tempo, paciência e muito trabalho. Revoluções semelhantes, como a de 1952 no Egito, foram vitoriosas porque o movimento operário e popular estava mais maduro e preparado para a derrocada do regime – assim como o regime egípcio estava preparado para a sua própria derrocada – e teve um papel preponderante, apesar da iniciativa dos militares.
No caso brasileiro, não havia um movimento popular organizado para a tomada do poder, não havia a liderança da classe operária e não havia uma direção política revolucionária para que o movimento fosse vitorioso. Um dos erros fundamentais para o fracasso da revolução foi o abandono da proposta do PCB de criação de conselhos de operários, camponeses, soldados e marinheiros, substituída pela de um “Governo Popular Nacional Revolucionário” por orientação da III Internacional, pois assim “a frente seria muito mais ampla”. O trabalho de formação desses conselhos, necessário para o sucesso da empreitada, portanto, não foi feito.
Em artigo de maio de 1935 no jornal do PCB, um delegado da Internacional designado para orientar os comunistas no Brasil, o alemão Arthur Ewert, evidenciou a posição capituladora, colaboradora, traidora e portanto fracassada que deveria ser adotada na revolução brasileira. Ao considerar que o caráter da revolução no Brasil era democrático-burguês, assim como na China, onde foi demonstrada “claramente a necessidade da existência dos sovietes de operários e camponeses na etapa democrático-burguesa da revolução”, ele, no entanto, fez uma ressalva:
Ao reconhecer isso, não podemos perder de vista o fato de que a revolução democrático-burguesa pode COMEÇAR sem a existência dos sovietes. Este será o caso em que as forças de classe e a consciência revolucionária do proletariado não estejam ainda suficientemente desenvolvidas, faltando-lhes uma direção revolucionária firme. (grifo meu)
Ao contrário: para a constituição de conselhos (sovietes) não é necessário o pleno desenvolvimento de uma consciência revolucionária do proletariado. Eles são o instrumento para que essa consciência se desenvolva. Essa consciência “suficientemente desenvolvida” é necessária, sim, para a revolução socialista, mas não para a formação dos sovietes. A formação dos sovietes é uma etapa necessária, inclusive, para a revolução democrático-burguesa sob a liderança do proletariado, que é a política correta do partido operário. A proposta de Ewert era a de desarmar o proletariado e as massas populares por ele arrastadas para a revolução, permitindo o controle pelas classes dominantes “revolucionárias” do governo provisório, entregando, assim, o poder a elas. Essa é a típica política da “revolução por etapas” propugnada pela burocracia soviética, que deturpa totalmente os ensinamentos de Lênin e diz que a burguesia deveria liderar a revolução burguesa, e não o proletariado.
O PCB considerava, assim, contraditoriamente, que o Brasil estava preparado para a revolução, mas o proletariado não. Por essa lógica, as camadas superiores que estivessem insatisfeitas com o atual regime estavam preparadas e deveriam liderar a revolução e tomar o poder. Quando era óbvio que elas nem estavam preparadas nem tinham a intenção de fazê-lo. Para fazer a revolução burguesa, seria necessário o predomínio político da classe operária, não só para aplicar as reformas democráticas (de ordem, portanto, burguesa e capitalista), mas também para continuar a revolução e transformá-la em socialista, a única forma de extirpar completamente a exploração do nosso povo pelo imperialismo.
Já era muito conhecida dos comunistas a tática correta a ser adotada. Lênin escreveu, analisando e orientando a revolução democrático-burguesa de 1905 na Rússia:
O desenlace da revolução depende do papel que desempenhe nela a classe operária: de que se limite a ser um auxiliar da burguesia, ainda que seja um auxiliar poderoso pela intensidade de seu empurrão contra a autocracia, mas politicamente impotente, ou de que assuma o papel de dirigente da revolução popular.
Isso porque a burguesia, àquela mesma que o PCB entregava a direção do movimento, não é uma classe capaz de levar adiante nem mesmo uma revolução burguesa em um país como o Brasil e em uma época na qual o imperialismo já está disseminado pelo mundo.
(…) à burguesia convém se apoiar em algumas das sobrevivências do passado contra o proletariado, por exemplo, na monarquia, no exército permanente, etc. À burguesia convém que a revolução burguesa não varra muito resolutamente todas as sobrevivências do passado, mas que deixe em pé algumas delas; ou seja, que esta revolução não seja de todo consequente, não se leve até o final, não seja decidida e implacável.
Mais adiante, Lênin deixa muito claro que:
O marxismo não ensina o proletariado a ficar à margem da revolução burguesa, a não participar nela, a entregar a sua direção à burguesia, mas o ensina, pelo contrário, a participar dela do modo mais enérgico e lutar com a maior decisão pela democracia proletária consequente, por levar a revolução até o seu término. **
Prestes sabia que “só a ditadura revolucionária democrática dos conselhos de operários e camponeses é capaz de fazer a revolução democrático-burguesa, levando até o fim a execução de suas tarefas e, portanto, garantindo a sua ulterior transformação em revolução socialista”. Porém, continuava ele, “não temos ainda os elementos suficientes para a luta imediata para a instauração de um governo soviético de operários e camponeses”. Logo, o “Governo Popular Nacional Revolucionário” deveria refletir também os interesses “de todos os outros elementos que sofrem com a dominação imperialista e feudal”, sendo assim um “bloco de todos os antifascistas do Brasil”. É curioso que a ANL pretendesse que o próprio Prestes fosse o líder do novo governo, sendo ele o líder do partido operário que não queria entregar o poder à classe operária, mas sim à burguesia.
Recusou-se, portanto, a organizar o movimento operário e, atrás dele, trazer consigo os camponeses e outros setores populares organizados sob a sua direção. A liderança da revolução de libertação do Brasil foi entregue aos setores da burguesia e da pequena burguesia, pensando-se acertadamente que os trabalhadores não estavam preparados para liderar uma revolução naquele momento, mas que a revolução já estava em andamento (um equívoco).
Os bravos que entregaram suas vidas ou sua liberdade em nome da vitória da libertação nacional foram esmagados por um regime que se fechou, se fascistizou e ao mesmo tempo em que iniciou a industrialização do país permitiu uma penetração sem precedentes da influência estadunidense.
A Revolução de 30, fruto dos levantes tenentistas e da crise da República Velha, deu um impulso no movimento operário que já estava se organizando em sindicatos e partidos políticos, bem como em uma ala de tenentes radicalizados. Isso se deu, em um primeiro momento, na esteira da crise causada pela Guerra imperialista, e em um segundo momento pela crise econômica de 1929, e com as próprias limitações do governo revolucionário de Getúlio Vargas. A isso se deve o crescimento do PCB e da ANL, embora as condições não estivessem maduras para a revolução, ao contrário do que pensavam. O PCB deveria aproveitar as consequências da crise econômica e dos sucessos de 1930 para preparar as condições para a revolução, e não para se atirar em uma revolução despreparada.
O levante de 1935 foi o último suspiro do tenentismo e das ideias revolucionárias (embora confusas) dentro do PCB. Depois disso, os oficiais do alto escalão associados ao imperialismo impuseram seu completo domínio sobre as Forças Armadas e a política reformista e colaboradora com a burguesia se tornou marca do PCB devido ao seu controle pelo aparato soviético até 1991.
* Todas as citações entre aspas têm como fonte a obra “Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora” (PRESTES, Anita Leocádia, pp. 65, 78, 80, 84, 106, 109, 110, 135, 138).
** LÊNIN, V.I. “Dos tacticas de la socialdemocracia en la revolucion democratica”, Ediciones en Lenguas Estranjeras, s/d. Baseado na edição de 1907. Publicado pela primeira vez em julho de 1905.