Português
Hugo Dionísio
March 18, 2025
© Photo: Public domain

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Macron veio avisar Vladimir Putin de que ESTE “tem de aceitar o cessar fogo”. Já von der Leyen diz estar agradada com a receptividade ucraniana ao cessar fogo (), enquanto Scholz também não tem dúvidas ao classificar a proposta como uma parte do processo para um acordo mais sólido. Todos eles secundaram, apropriaram, copiaram e reenviaram a declaração de Marco Rubio, quando disse que “a bola está no campo da Rússia”.

Tudo estaria muito bem, não fossem os próprios a dizer o contrário do que agora repetem. Não faltam declarações dos mesmos “líderes” dizendo, há uns meros meses atrás, que não era ainda tempo para negociações de paz, nomeadamente afirmando que não havia qualquer propósito em negociar com Vladimir Putin, ou que apenas Zelensky poderia negociar pela Ucrânia.

A conclusão fundamental é que não podemos confiar minimamente no que esta gente diz. Se até à vitória de Trump a palavra de ordem era a “paz através da força” e até ao último ucraniano, logo a seguir à vitória de Trump, a ordem era a de que teria de ser Zelensky para negociar com os russos. Agora, é Macron o primeiro a dizer que o cessar fogo negociado, não por Zelensky, mas pelos EUA, é efectivamente para implementar. O coro de crianças adultas que ocupam lugares no topo da política europeia logo se fez ouvir, repetindo a deixa até à exaustão. Se antes disseram o contrário, não o deveriam ter levado a sério.

Não é de admirar, portanto, que estes efusivos defensores do euro-atlantismo e da União Europeia, tenham sido os próprios, através das curvas e contracurvas no seu comportamento, a fazerem perigar o que tanto diziam amar, a NATO e a EU. Os responsáveis políticos pela EU e pela maioria dos seus estados membros, muito pouco fizeram para defender a natureza “euro-atlântica” do projecto ucraniano, não exigindo aos EUA a assunção das suas responsabilidades no assunto.

Desta forma, não foi apenas como meros assistentes – quase como todos nós – que presenciaram toda uma estratégia, por parte da administração Trump, no sentido de afastar os EUA, ou apenas a sua pessoa, em relação ao projecto ucraniano, como se comportaram como bons alunos, quando Trump anunciou que os EUA não continuariam a enterrar dinheiro na Ucrânia e que teriam de ser os europeus a assumir, de ora em diante, as responsabilidades. Nem por uma vez se lembraram de quem arrastou a europa toda para esta confrontação, nem tão pouco da alegada importância que tem, para a NATO e a sua existência, a situação de dependência militar da União Europeia. Como nos venderam de forma repetida que sem os EUA a europa não se poderia defender, daí as bases da NATO no continente europeu.

Assim, tomando como verdadeiras as afirmações segundo as quais a União Europeia necessitava do “amigo” norte-americano para se defender, todos pudemos constatar que os europeus se mostraram muito pouco preocupados com a nossa defesa colectiva.  Contraditório? Nem um pouco. Após o anúncio da desistência dos EUA face ao projecto Ucraniano e da reunião em Bruxelas participada por Peter Hegseth, exigindo este que a europa gastasse mais em defesa e se assumisse como capaz de se defender, de forma tão maquinal como disciplinada, logo von der Leyen anunciou um “massive boost” nos gastos da defesa.

Na aparência, este aumento “massivo” pode cumprir muitos objectivos presentes e futuros, mas não liberta a EU e o Reino Unido da contradição discursiva em que caíram: se a ameaça russa é actual, imediata e certa, então as acções de von der Leyen, António Costa, Kaja Kallas, Macron ou Starmer não resolvem minimamente esse problema. Nada do que foi anunciado resolve o que quer que seja quanto à alegadamente “iminente” ameaça russa. Nem sequer atirar com 150 mil milhões de euros para cima da fogueira de corrupção ucraniana, pois já todos vimos que o dobro desse dinheiro não impediu a derrota de Kiev. Nem tão pouco os restantes mais de 600 mil milhões de euros a acumular ao mais de 400 mil milhões que se gastarão em 2025 e aos mais de 600 milhões de 2026.

Portanto, ou a ameaça russa não é tão “iminente” ou evidente como nos quiseram vender, ou então, sendo verdade o que nos venderam, de que a europa não se podia defender sozinha contra a Federação Russa, e que, por essa razão, a OTAN era mais importante que nunca, o afastamento dos EUA em relação ao projecto Ucraniano e a transferência para os países europeus do esforço necessário para o compensar, deveria ter provocado, por parte dos “líderes” europeus, uma atitude contrastante com a atitude de aceitação, imediata, do desafio de Peter Hegseth, Trump, Marco Rubio ou JD Vance.

Esperar-se-ia, por parte dos líderes europeus, uma atitude profundamente divergente com as que foram tomadas, pois deveriam ter exigido a Trump a assunção das suas responsabilidades enquanto presidente dos EUA, obrigando-o a honrar os compromissos estabelecidos com as administrações anteriores. E deveriam tê-lo feito, não apenas por razões de coerência discursiva, mas por razões relacionadas com a protecção dos próprios povos europeus, pelo menos, tendo em conta tudo o que nos têm dito, repetida e extenuadamente, ao longo do tempo. E o facto é que os dirigentes europeus tinham ao seu dispor os instrumentos para exigir a Trump tal comportamento.

Se a ameaça russa é realmente verdadeira, acima de tudo o resto, assistimos a um nível de irresponsabilidade brutal, uma vez que a EU deixa os povos europeus desprotegidos perante tal ameaça. Afinal, embora a EU tenha vindo a aumentar os gastos com a defesa a um ritmo muito elevado, a intenção de construir todo um complexo militar-industrial europeu e produzir as armas necessárias à estratégia de defesa conjunta, esbarra em obstáculos fundamentais e inexoráveis: desde logo, o tempo que demora a montar tudo isto não joga com o discurso de urgência e imediatismo que é vendido, quer em relação à necessidade de organização de todo o aparelho necessário, quer em relação à urgência que os EUA mostram em querer abandonar o projecto ucraniano;  para além do tempo que normalmente seria necessário para construir um complexo desta natureza, forte o suficiente para fazer face a um dos dois melhores exércitos do mundo, a EU necessita de trabalhadores, algo que tem cada vez menos, e também de energia e matérias primas em quantidade e a baixo custo. Algo que também não possui.

Tempo, escassez de recursos, associados ao seu custo elevado, conduziriam, a materializar-se toda a estratégia, a um insuficiente output, alicerçado em armas caríssimas e em baixo número. O que não deixaria, contudo, de constituir um enorme jackpot militar. Mas tudo feito sob uma imensa pressão social, que se sentiria caso a Federação Russa começasse a anexar países da EU como se derrubam peças de um dominó. Algo que, para se acreditar, obriga a ser muito crente. Mas cuja pressão jogaria com a narrativa que nos tem tomado as notícias mainstream.

Para além da irresponsabilidade de não protegerem os interesses de segurança da União Europeia, exigindo a Trump outro comportamento, não pouparam o modelo social europeu, o modo as condições de vida dos povos da europa comunitária. Bem sei que a burocracia de Bruxelas não é eleita, mas a exigência da assunção das responsabilidades assumidas, por parte dos EUA, seria a atitude que mais coerência mostraria em relação a todo o discurso repetido.

Como disse atrás e, ao contrário do que se pensa, a EU teria todos os instrumentos ao seu dispor. Primeiro, deveria ter sugerido que os EUA retirassem ou reduzissem as suas bases militares do continente europeu, uma vez que a sua manutenção já não é considerada necessária, dado que a intenção da administração Trump é a de transferir para a europa as responsabilidades com a sua própria defesa; segundo, se a existência da própria OTAN se baseia no pressuposto de que a europa não se consegue defender sozinha, uma vez que o objectivo passa por ultrapassar essa lacuna, então, devemos questionar para que serve a OTAN; terceiro, a EU deveria ter feito pressão, esgrimindo a intenção de não comprar armas aos EUA, impedir os EUA de Trump de lucrarem com o rearmamento da EU, o que seria uma facada enorme na suposta estratégia de recuperação da industria norte-americana.

Mas, para além destas exigências, as quais, só por si, já não seriam coisa pouca e fariam Trump e comparsas repensar toda a estratégia, a EU, face à contingência de ter de enfrentar um período, durante o qual a população europeia, supostamente e tendo como verdadeiro o discurso dos “líderes” europeus – que nunca mentiriam, certo? -, teria de fica desprotegida em relação à ameaça russa, o que é que se exigiria, ainda, aos representantes da União Europeia, se tivessem o bem-estar dos povos europeus na mente e estivessem na posse da sua espinha dorsal? O suposto seria que ameaçassem com uma aproximação – mesmo que táctica e temporária – à Federação Russa, como forma de mitigar tal perigo e, a considerarem-no verdadeiro, assumiriam a iniciativa nas negociações de um acordo de paz na europa e um novo regime de segurança neste continente.

Com uma atitude deste tipo, não apenas os “líderes” europeus exigiriam a Trump que viesse a jogo e mostrasse as suas cartas – assumindo aqui uma terminologia trumpista – como o obrigariam a desvendar em que medida era, de facto, a favor da paz na europa, ou se, ao invés, será apenas a favor da normalização possível das relações EUA/Federação Russa, mas mantendo a EU longe dessa solução. Ou seja, os EUA seriam obrigados a desvendar que o que pretendem é uma espécie de dois em um: relações normalizadas com a Federação Russa e relações desavindas entre a EU e o Kremlin, garantindo que as compras de gás, petróleo, armamento, se continuam a fazer a ritmos ainda superiores.

Se isto tudo não chegasse e os EUA se mostrassem, ainda, irredutíveis, a EU jogaria a cartada final: ameaçaria com a entrada na Belt and Road Initiative (Novas Rotas da Seda) da República Popular da China, prometendo aprofundar as relações entre os dois blocos, atingindo assim todos os desideratos pretendidos: reindustrialização; mitigação da ameaça Russa face à ligação entre a Federação Russa e a China; recuperação económica; criação de condições efectivas para uma politica de defesa conjunta mais sustentável, eficaz e eficiente. E faria tudo isto protegendo o que deveria ser considerado mais importante numa suposta democracia: as condições de vida das populações. Tal cartada deixaria Washington e a administração Trump absolutamente desconcertados.

Mas porque razão não defenderam, os “dirigentes” europeus, o modelo de segurança que garantiu paz na maioria dos países durante 80 anos e o status quo do modelo social europeu?

A ser verdade o discurso dos “líderes” europeus e as intenções de Trump, nunca a União Europeia poderia permitir tal afastamento dos EUA e a criação de um vácuo temporal de segurança, durante o qual os estados membros da EU estariam, alegadamente, vulneráveis perante a sua principal ameaça. Aliás, a ser verdade que as intenções de Vladimir Putin passam por invadir a EU, então, nesta fase em que o exército russo cilindra a Ucrânia e se afirma como uma poderosa máquina de guerra, o que o impediria agora de continuar caminho até, pelo menos, ao Danúbio?

Se os EUA se afastam da defesa da europa fazem-no por uma razão óbvia: a necessidade de enfrentarem uma China cada vez mais poderosa e proeminente em todas as áreas. Perante a imensidão da tarefa, Trump tomou uma decisão táctica de entregar à União Europeia a defesa face à Federação Russa, não se importando, para tal, de provocar disrupções operacionais na defesa Ucraniana. Para poder direccionar os EUA para o pacífico e “defender” Taiwan, Trump está disposto a deixar cair a Ucrânia, entregando o encargo aos europeus.

Esta situação é tremendamente difícil para os europeus, pois se Trump está em condições de abandonar a Ucrânia sem dano de maior para os EUA, o mesmo não se passa com a União Europeia. Depois de três anos de russofobia, censura de imprensa russa, perseguições a cidadãos russos, eleições banidas e muitas sanções, como recuar de repente? Afinal, ao contrário da EU, Trump sempre disse que, com ele, não haveria guerra na Ucrânia. Uma decisão táctica excepcional, que agora permite aos EUA deixar mais um rasto de destruição para trás, sem serem minimamente responsabilizados e ainda engordando os cofres com o saque proporcionado à Blackrock, Monsanto e outras.

A verdade é que esta posição da EU, aparentemente, é extremamente vantajosa para os EUA: 1. Permite aos EUA uma saída airosa do buraco em que entraram, deixando a União Europeia no seu lugar de assediador da Federação Russa; 2. Garante a aceleração do aumento dos gastos militares, tal como Trump havia exigido; 3.Mantém a EU de costas voltadas para a Federação Russa, chegando ao ponto de a própria Alemanha querer impedir o retorno do gás via Nord Stream; 4. Para já, nenhum “líder” europeu colocou em causa a NATO, permitindo aos EUA manterem a sua supremacia estratégica no continente europeu.

Para além disso, uma vez que a estratégia EU/EUA passa, agora, por libertar as forças militares norte-americanas para o empreendimento do pacífico, esta realidade acaba por colocar a União Europeia numa situação muito periclitante. Ao mesmo tempo que necessita de investimento, componentes e produtos finais baratos, pelo menos para poder manter um certo nível de proficiência económica, tal investimento e materiais só podem vir da China, país que já está a sentir maior pressão por parte dos EUA, estratégia na qual a EU é parte também. É como se a União Europeia estivesse a colher frutos de uma árvore e, ao mesmo tempo, lhe cortasse a raiz, garantindo que, num futuro próximo morrerá de fome. O que tem feito, aliás, com a Federação Russa.

Não basta, portanto, assistir às mudanças constantes no discurso europeu, consoante o interlocutor na Casa Branca, como assistimos a uma incapacidade total dos supostos políticos que elegemos, em defender o que se designa como modo de vida europeu.

Se prescindem assim tão facilmente das suas crenças e objectivos, prescindindo das armas políticas à sua disposição, como poderemos dormir descansados sabendo que somos governados por gente sem princípios alguns? Haverá algum momento em que a Europa comece a pensar em si própria? Ou será incapaz do o fazer?

A União Europeia é o reino da incoerência

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Macron veio avisar Vladimir Putin de que ESTE “tem de aceitar o cessar fogo”. Já von der Leyen diz estar agradada com a receptividade ucraniana ao cessar fogo (), enquanto Scholz também não tem dúvidas ao classificar a proposta como uma parte do processo para um acordo mais sólido. Todos eles secundaram, apropriaram, copiaram e reenviaram a declaração de Marco Rubio, quando disse que “a bola está no campo da Rússia”.

Tudo estaria muito bem, não fossem os próprios a dizer o contrário do que agora repetem. Não faltam declarações dos mesmos “líderes” dizendo, há uns meros meses atrás, que não era ainda tempo para negociações de paz, nomeadamente afirmando que não havia qualquer propósito em negociar com Vladimir Putin, ou que apenas Zelensky poderia negociar pela Ucrânia.

A conclusão fundamental é que não podemos confiar minimamente no que esta gente diz. Se até à vitória de Trump a palavra de ordem era a “paz através da força” e até ao último ucraniano, logo a seguir à vitória de Trump, a ordem era a de que teria de ser Zelensky para negociar com os russos. Agora, é Macron o primeiro a dizer que o cessar fogo negociado, não por Zelensky, mas pelos EUA, é efectivamente para implementar. O coro de crianças adultas que ocupam lugares no topo da política europeia logo se fez ouvir, repetindo a deixa até à exaustão. Se antes disseram o contrário, não o deveriam ter levado a sério.

Não é de admirar, portanto, que estes efusivos defensores do euro-atlantismo e da União Europeia, tenham sido os próprios, através das curvas e contracurvas no seu comportamento, a fazerem perigar o que tanto diziam amar, a NATO e a EU. Os responsáveis políticos pela EU e pela maioria dos seus estados membros, muito pouco fizeram para defender a natureza “euro-atlântica” do projecto ucraniano, não exigindo aos EUA a assunção das suas responsabilidades no assunto.

Desta forma, não foi apenas como meros assistentes – quase como todos nós – que presenciaram toda uma estratégia, por parte da administração Trump, no sentido de afastar os EUA, ou apenas a sua pessoa, em relação ao projecto ucraniano, como se comportaram como bons alunos, quando Trump anunciou que os EUA não continuariam a enterrar dinheiro na Ucrânia e que teriam de ser os europeus a assumir, de ora em diante, as responsabilidades. Nem por uma vez se lembraram de quem arrastou a europa toda para esta confrontação, nem tão pouco da alegada importância que tem, para a NATO e a sua existência, a situação de dependência militar da União Europeia. Como nos venderam de forma repetida que sem os EUA a europa não se poderia defender, daí as bases da NATO no continente europeu.

Assim, tomando como verdadeiras as afirmações segundo as quais a União Europeia necessitava do “amigo” norte-americano para se defender, todos pudemos constatar que os europeus se mostraram muito pouco preocupados com a nossa defesa colectiva.  Contraditório? Nem um pouco. Após o anúncio da desistência dos EUA face ao projecto Ucraniano e da reunião em Bruxelas participada por Peter Hegseth, exigindo este que a europa gastasse mais em defesa e se assumisse como capaz de se defender, de forma tão maquinal como disciplinada, logo von der Leyen anunciou um “massive boost” nos gastos da defesa.

Na aparência, este aumento “massivo” pode cumprir muitos objectivos presentes e futuros, mas não liberta a EU e o Reino Unido da contradição discursiva em que caíram: se a ameaça russa é actual, imediata e certa, então as acções de von der Leyen, António Costa, Kaja Kallas, Macron ou Starmer não resolvem minimamente esse problema. Nada do que foi anunciado resolve o que quer que seja quanto à alegadamente “iminente” ameaça russa. Nem sequer atirar com 150 mil milhões de euros para cima da fogueira de corrupção ucraniana, pois já todos vimos que o dobro desse dinheiro não impediu a derrota de Kiev. Nem tão pouco os restantes mais de 600 mil milhões de euros a acumular ao mais de 400 mil milhões que se gastarão em 2025 e aos mais de 600 milhões de 2026.

Portanto, ou a ameaça russa não é tão “iminente” ou evidente como nos quiseram vender, ou então, sendo verdade o que nos venderam, de que a europa não se podia defender sozinha contra a Federação Russa, e que, por essa razão, a OTAN era mais importante que nunca, o afastamento dos EUA em relação ao projecto Ucraniano e a transferência para os países europeus do esforço necessário para o compensar, deveria ter provocado, por parte dos “líderes” europeus, uma atitude contrastante com a atitude de aceitação, imediata, do desafio de Peter Hegseth, Trump, Marco Rubio ou JD Vance.

Esperar-se-ia, por parte dos líderes europeus, uma atitude profundamente divergente com as que foram tomadas, pois deveriam ter exigido a Trump a assunção das suas responsabilidades enquanto presidente dos EUA, obrigando-o a honrar os compromissos estabelecidos com as administrações anteriores. E deveriam tê-lo feito, não apenas por razões de coerência discursiva, mas por razões relacionadas com a protecção dos próprios povos europeus, pelo menos, tendo em conta tudo o que nos têm dito, repetida e extenuadamente, ao longo do tempo. E o facto é que os dirigentes europeus tinham ao seu dispor os instrumentos para exigir a Trump tal comportamento.

Se a ameaça russa é realmente verdadeira, acima de tudo o resto, assistimos a um nível de irresponsabilidade brutal, uma vez que a EU deixa os povos europeus desprotegidos perante tal ameaça. Afinal, embora a EU tenha vindo a aumentar os gastos com a defesa a um ritmo muito elevado, a intenção de construir todo um complexo militar-industrial europeu e produzir as armas necessárias à estratégia de defesa conjunta, esbarra em obstáculos fundamentais e inexoráveis: desde logo, o tempo que demora a montar tudo isto não joga com o discurso de urgência e imediatismo que é vendido, quer em relação à necessidade de organização de todo o aparelho necessário, quer em relação à urgência que os EUA mostram em querer abandonar o projecto ucraniano;  para além do tempo que normalmente seria necessário para construir um complexo desta natureza, forte o suficiente para fazer face a um dos dois melhores exércitos do mundo, a EU necessita de trabalhadores, algo que tem cada vez menos, e também de energia e matérias primas em quantidade e a baixo custo. Algo que também não possui.

Tempo, escassez de recursos, associados ao seu custo elevado, conduziriam, a materializar-se toda a estratégia, a um insuficiente output, alicerçado em armas caríssimas e em baixo número. O que não deixaria, contudo, de constituir um enorme jackpot militar. Mas tudo feito sob uma imensa pressão social, que se sentiria caso a Federação Russa começasse a anexar países da EU como se derrubam peças de um dominó. Algo que, para se acreditar, obriga a ser muito crente. Mas cuja pressão jogaria com a narrativa que nos tem tomado as notícias mainstream.

Para além da irresponsabilidade de não protegerem os interesses de segurança da União Europeia, exigindo a Trump outro comportamento, não pouparam o modelo social europeu, o modo as condições de vida dos povos da europa comunitária. Bem sei que a burocracia de Bruxelas não é eleita, mas a exigência da assunção das responsabilidades assumidas, por parte dos EUA, seria a atitude que mais coerência mostraria em relação a todo o discurso repetido.

Como disse atrás e, ao contrário do que se pensa, a EU teria todos os instrumentos ao seu dispor. Primeiro, deveria ter sugerido que os EUA retirassem ou reduzissem as suas bases militares do continente europeu, uma vez que a sua manutenção já não é considerada necessária, dado que a intenção da administração Trump é a de transferir para a europa as responsabilidades com a sua própria defesa; segundo, se a existência da própria OTAN se baseia no pressuposto de que a europa não se consegue defender sozinha, uma vez que o objectivo passa por ultrapassar essa lacuna, então, devemos questionar para que serve a OTAN; terceiro, a EU deveria ter feito pressão, esgrimindo a intenção de não comprar armas aos EUA, impedir os EUA de Trump de lucrarem com o rearmamento da EU, o que seria uma facada enorme na suposta estratégia de recuperação da industria norte-americana.

Mas, para além destas exigências, as quais, só por si, já não seriam coisa pouca e fariam Trump e comparsas repensar toda a estratégia, a EU, face à contingência de ter de enfrentar um período, durante o qual a população europeia, supostamente e tendo como verdadeiro o discurso dos “líderes” europeus – que nunca mentiriam, certo? -, teria de fica desprotegida em relação à ameaça russa, o que é que se exigiria, ainda, aos representantes da União Europeia, se tivessem o bem-estar dos povos europeus na mente e estivessem na posse da sua espinha dorsal? O suposto seria que ameaçassem com uma aproximação – mesmo que táctica e temporária – à Federação Russa, como forma de mitigar tal perigo e, a considerarem-no verdadeiro, assumiriam a iniciativa nas negociações de um acordo de paz na europa e um novo regime de segurança neste continente.

Com uma atitude deste tipo, não apenas os “líderes” europeus exigiriam a Trump que viesse a jogo e mostrasse as suas cartas – assumindo aqui uma terminologia trumpista – como o obrigariam a desvendar em que medida era, de facto, a favor da paz na europa, ou se, ao invés, será apenas a favor da normalização possível das relações EUA/Federação Russa, mas mantendo a EU longe dessa solução. Ou seja, os EUA seriam obrigados a desvendar que o que pretendem é uma espécie de dois em um: relações normalizadas com a Federação Russa e relações desavindas entre a EU e o Kremlin, garantindo que as compras de gás, petróleo, armamento, se continuam a fazer a ritmos ainda superiores.

Se isto tudo não chegasse e os EUA se mostrassem, ainda, irredutíveis, a EU jogaria a cartada final: ameaçaria com a entrada na Belt and Road Initiative (Novas Rotas da Seda) da República Popular da China, prometendo aprofundar as relações entre os dois blocos, atingindo assim todos os desideratos pretendidos: reindustrialização; mitigação da ameaça Russa face à ligação entre a Federação Russa e a China; recuperação económica; criação de condições efectivas para uma politica de defesa conjunta mais sustentável, eficaz e eficiente. E faria tudo isto protegendo o que deveria ser considerado mais importante numa suposta democracia: as condições de vida das populações. Tal cartada deixaria Washington e a administração Trump absolutamente desconcertados.

Mas porque razão não defenderam, os “dirigentes” europeus, o modelo de segurança que garantiu paz na maioria dos países durante 80 anos e o status quo do modelo social europeu?

A ser verdade o discurso dos “líderes” europeus e as intenções de Trump, nunca a União Europeia poderia permitir tal afastamento dos EUA e a criação de um vácuo temporal de segurança, durante o qual os estados membros da EU estariam, alegadamente, vulneráveis perante a sua principal ameaça. Aliás, a ser verdade que as intenções de Vladimir Putin passam por invadir a EU, então, nesta fase em que o exército russo cilindra a Ucrânia e se afirma como uma poderosa máquina de guerra, o que o impediria agora de continuar caminho até, pelo menos, ao Danúbio?

Se os EUA se afastam da defesa da europa fazem-no por uma razão óbvia: a necessidade de enfrentarem uma China cada vez mais poderosa e proeminente em todas as áreas. Perante a imensidão da tarefa, Trump tomou uma decisão táctica de entregar à União Europeia a defesa face à Federação Russa, não se importando, para tal, de provocar disrupções operacionais na defesa Ucraniana. Para poder direccionar os EUA para o pacífico e “defender” Taiwan, Trump está disposto a deixar cair a Ucrânia, entregando o encargo aos europeus.

Esta situação é tremendamente difícil para os europeus, pois se Trump está em condições de abandonar a Ucrânia sem dano de maior para os EUA, o mesmo não se passa com a União Europeia. Depois de três anos de russofobia, censura de imprensa russa, perseguições a cidadãos russos, eleições banidas e muitas sanções, como recuar de repente? Afinal, ao contrário da EU, Trump sempre disse que, com ele, não haveria guerra na Ucrânia. Uma decisão táctica excepcional, que agora permite aos EUA deixar mais um rasto de destruição para trás, sem serem minimamente responsabilizados e ainda engordando os cofres com o saque proporcionado à Blackrock, Monsanto e outras.

A verdade é que esta posição da EU, aparentemente, é extremamente vantajosa para os EUA: 1. Permite aos EUA uma saída airosa do buraco em que entraram, deixando a União Europeia no seu lugar de assediador da Federação Russa; 2. Garante a aceleração do aumento dos gastos militares, tal como Trump havia exigido; 3.Mantém a EU de costas voltadas para a Federação Russa, chegando ao ponto de a própria Alemanha querer impedir o retorno do gás via Nord Stream; 4. Para já, nenhum “líder” europeu colocou em causa a NATO, permitindo aos EUA manterem a sua supremacia estratégica no continente europeu.

Para além disso, uma vez que a estratégia EU/EUA passa, agora, por libertar as forças militares norte-americanas para o empreendimento do pacífico, esta realidade acaba por colocar a União Europeia numa situação muito periclitante. Ao mesmo tempo que necessita de investimento, componentes e produtos finais baratos, pelo menos para poder manter um certo nível de proficiência económica, tal investimento e materiais só podem vir da China, país que já está a sentir maior pressão por parte dos EUA, estratégia na qual a EU é parte também. É como se a União Europeia estivesse a colher frutos de uma árvore e, ao mesmo tempo, lhe cortasse a raiz, garantindo que, num futuro próximo morrerá de fome. O que tem feito, aliás, com a Federação Russa.

Não basta, portanto, assistir às mudanças constantes no discurso europeu, consoante o interlocutor na Casa Branca, como assistimos a uma incapacidade total dos supostos políticos que elegemos, em defender o que se designa como modo de vida europeu.

Se prescindem assim tão facilmente das suas crenças e objectivos, prescindindo das armas políticas à sua disposição, como poderemos dormir descansados sabendo que somos governados por gente sem princípios alguns? Haverá algum momento em que a Europa comece a pensar em si própria? Ou será incapaz do o fazer?

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Macron veio avisar Vladimir Putin de que ESTE “tem de aceitar o cessar fogo”. Já von der Leyen diz estar agradada com a receptividade ucraniana ao cessar fogo (), enquanto Scholz também não tem dúvidas ao classificar a proposta como uma parte do processo para um acordo mais sólido. Todos eles secundaram, apropriaram, copiaram e reenviaram a declaração de Marco Rubio, quando disse que “a bola está no campo da Rússia”.

Tudo estaria muito bem, não fossem os próprios a dizer o contrário do que agora repetem. Não faltam declarações dos mesmos “líderes” dizendo, há uns meros meses atrás, que não era ainda tempo para negociações de paz, nomeadamente afirmando que não havia qualquer propósito em negociar com Vladimir Putin, ou que apenas Zelensky poderia negociar pela Ucrânia.

A conclusão fundamental é que não podemos confiar minimamente no que esta gente diz. Se até à vitória de Trump a palavra de ordem era a “paz através da força” e até ao último ucraniano, logo a seguir à vitória de Trump, a ordem era a de que teria de ser Zelensky para negociar com os russos. Agora, é Macron o primeiro a dizer que o cessar fogo negociado, não por Zelensky, mas pelos EUA, é efectivamente para implementar. O coro de crianças adultas que ocupam lugares no topo da política europeia logo se fez ouvir, repetindo a deixa até à exaustão. Se antes disseram o contrário, não o deveriam ter levado a sério.

Não é de admirar, portanto, que estes efusivos defensores do euro-atlantismo e da União Europeia, tenham sido os próprios, através das curvas e contracurvas no seu comportamento, a fazerem perigar o que tanto diziam amar, a NATO e a EU. Os responsáveis políticos pela EU e pela maioria dos seus estados membros, muito pouco fizeram para defender a natureza “euro-atlântica” do projecto ucraniano, não exigindo aos EUA a assunção das suas responsabilidades no assunto.

Desta forma, não foi apenas como meros assistentes – quase como todos nós – que presenciaram toda uma estratégia, por parte da administração Trump, no sentido de afastar os EUA, ou apenas a sua pessoa, em relação ao projecto ucraniano, como se comportaram como bons alunos, quando Trump anunciou que os EUA não continuariam a enterrar dinheiro na Ucrânia e que teriam de ser os europeus a assumir, de ora em diante, as responsabilidades. Nem por uma vez se lembraram de quem arrastou a europa toda para esta confrontação, nem tão pouco da alegada importância que tem, para a NATO e a sua existência, a situação de dependência militar da União Europeia. Como nos venderam de forma repetida que sem os EUA a europa não se poderia defender, daí as bases da NATO no continente europeu.

Assim, tomando como verdadeiras as afirmações segundo as quais a União Europeia necessitava do “amigo” norte-americano para se defender, todos pudemos constatar que os europeus se mostraram muito pouco preocupados com a nossa defesa colectiva.  Contraditório? Nem um pouco. Após o anúncio da desistência dos EUA face ao projecto Ucraniano e da reunião em Bruxelas participada por Peter Hegseth, exigindo este que a europa gastasse mais em defesa e se assumisse como capaz de se defender, de forma tão maquinal como disciplinada, logo von der Leyen anunciou um “massive boost” nos gastos da defesa.

Na aparência, este aumento “massivo” pode cumprir muitos objectivos presentes e futuros, mas não liberta a EU e o Reino Unido da contradição discursiva em que caíram: se a ameaça russa é actual, imediata e certa, então as acções de von der Leyen, António Costa, Kaja Kallas, Macron ou Starmer não resolvem minimamente esse problema. Nada do que foi anunciado resolve o que quer que seja quanto à alegadamente “iminente” ameaça russa. Nem sequer atirar com 150 mil milhões de euros para cima da fogueira de corrupção ucraniana, pois já todos vimos que o dobro desse dinheiro não impediu a derrota de Kiev. Nem tão pouco os restantes mais de 600 mil milhões de euros a acumular ao mais de 400 mil milhões que se gastarão em 2025 e aos mais de 600 milhões de 2026.

Portanto, ou a ameaça russa não é tão “iminente” ou evidente como nos quiseram vender, ou então, sendo verdade o que nos venderam, de que a europa não se podia defender sozinha contra a Federação Russa, e que, por essa razão, a OTAN era mais importante que nunca, o afastamento dos EUA em relação ao projecto Ucraniano e a transferência para os países europeus do esforço necessário para o compensar, deveria ter provocado, por parte dos “líderes” europeus, uma atitude contrastante com a atitude de aceitação, imediata, do desafio de Peter Hegseth, Trump, Marco Rubio ou JD Vance.

Esperar-se-ia, por parte dos líderes europeus, uma atitude profundamente divergente com as que foram tomadas, pois deveriam ter exigido a Trump a assunção das suas responsabilidades enquanto presidente dos EUA, obrigando-o a honrar os compromissos estabelecidos com as administrações anteriores. E deveriam tê-lo feito, não apenas por razões de coerência discursiva, mas por razões relacionadas com a protecção dos próprios povos europeus, pelo menos, tendo em conta tudo o que nos têm dito, repetida e extenuadamente, ao longo do tempo. E o facto é que os dirigentes europeus tinham ao seu dispor os instrumentos para exigir a Trump tal comportamento.

Se a ameaça russa é realmente verdadeira, acima de tudo o resto, assistimos a um nível de irresponsabilidade brutal, uma vez que a EU deixa os povos europeus desprotegidos perante tal ameaça. Afinal, embora a EU tenha vindo a aumentar os gastos com a defesa a um ritmo muito elevado, a intenção de construir todo um complexo militar-industrial europeu e produzir as armas necessárias à estratégia de defesa conjunta, esbarra em obstáculos fundamentais e inexoráveis: desde logo, o tempo que demora a montar tudo isto não joga com o discurso de urgência e imediatismo que é vendido, quer em relação à necessidade de organização de todo o aparelho necessário, quer em relação à urgência que os EUA mostram em querer abandonar o projecto ucraniano;  para além do tempo que normalmente seria necessário para construir um complexo desta natureza, forte o suficiente para fazer face a um dos dois melhores exércitos do mundo, a EU necessita de trabalhadores, algo que tem cada vez menos, e também de energia e matérias primas em quantidade e a baixo custo. Algo que também não possui.

Tempo, escassez de recursos, associados ao seu custo elevado, conduziriam, a materializar-se toda a estratégia, a um insuficiente output, alicerçado em armas caríssimas e em baixo número. O que não deixaria, contudo, de constituir um enorme jackpot militar. Mas tudo feito sob uma imensa pressão social, que se sentiria caso a Federação Russa começasse a anexar países da EU como se derrubam peças de um dominó. Algo que, para se acreditar, obriga a ser muito crente. Mas cuja pressão jogaria com a narrativa que nos tem tomado as notícias mainstream.

Para além da irresponsabilidade de não protegerem os interesses de segurança da União Europeia, exigindo a Trump outro comportamento, não pouparam o modelo social europeu, o modo as condições de vida dos povos da europa comunitária. Bem sei que a burocracia de Bruxelas não é eleita, mas a exigência da assunção das responsabilidades assumidas, por parte dos EUA, seria a atitude que mais coerência mostraria em relação a todo o discurso repetido.

Como disse atrás e, ao contrário do que se pensa, a EU teria todos os instrumentos ao seu dispor. Primeiro, deveria ter sugerido que os EUA retirassem ou reduzissem as suas bases militares do continente europeu, uma vez que a sua manutenção já não é considerada necessária, dado que a intenção da administração Trump é a de transferir para a europa as responsabilidades com a sua própria defesa; segundo, se a existência da própria OTAN se baseia no pressuposto de que a europa não se consegue defender sozinha, uma vez que o objectivo passa por ultrapassar essa lacuna, então, devemos questionar para que serve a OTAN; terceiro, a EU deveria ter feito pressão, esgrimindo a intenção de não comprar armas aos EUA, impedir os EUA de Trump de lucrarem com o rearmamento da EU, o que seria uma facada enorme na suposta estratégia de recuperação da industria norte-americana.

Mas, para além destas exigências, as quais, só por si, já não seriam coisa pouca e fariam Trump e comparsas repensar toda a estratégia, a EU, face à contingência de ter de enfrentar um período, durante o qual a população europeia, supostamente e tendo como verdadeiro o discurso dos “líderes” europeus – que nunca mentiriam, certo? -, teria de fica desprotegida em relação à ameaça russa, o que é que se exigiria, ainda, aos representantes da União Europeia, se tivessem o bem-estar dos povos europeus na mente e estivessem na posse da sua espinha dorsal? O suposto seria que ameaçassem com uma aproximação – mesmo que táctica e temporária – à Federação Russa, como forma de mitigar tal perigo e, a considerarem-no verdadeiro, assumiriam a iniciativa nas negociações de um acordo de paz na europa e um novo regime de segurança neste continente.

Com uma atitude deste tipo, não apenas os “líderes” europeus exigiriam a Trump que viesse a jogo e mostrasse as suas cartas – assumindo aqui uma terminologia trumpista – como o obrigariam a desvendar em que medida era, de facto, a favor da paz na europa, ou se, ao invés, será apenas a favor da normalização possível das relações EUA/Federação Russa, mas mantendo a EU longe dessa solução. Ou seja, os EUA seriam obrigados a desvendar que o que pretendem é uma espécie de dois em um: relações normalizadas com a Federação Russa e relações desavindas entre a EU e o Kremlin, garantindo que as compras de gás, petróleo, armamento, se continuam a fazer a ritmos ainda superiores.

Se isto tudo não chegasse e os EUA se mostrassem, ainda, irredutíveis, a EU jogaria a cartada final: ameaçaria com a entrada na Belt and Road Initiative (Novas Rotas da Seda) da República Popular da China, prometendo aprofundar as relações entre os dois blocos, atingindo assim todos os desideratos pretendidos: reindustrialização; mitigação da ameaça Russa face à ligação entre a Federação Russa e a China; recuperação económica; criação de condições efectivas para uma politica de defesa conjunta mais sustentável, eficaz e eficiente. E faria tudo isto protegendo o que deveria ser considerado mais importante numa suposta democracia: as condições de vida das populações. Tal cartada deixaria Washington e a administração Trump absolutamente desconcertados.

Mas porque razão não defenderam, os “dirigentes” europeus, o modelo de segurança que garantiu paz na maioria dos países durante 80 anos e o status quo do modelo social europeu?

A ser verdade o discurso dos “líderes” europeus e as intenções de Trump, nunca a União Europeia poderia permitir tal afastamento dos EUA e a criação de um vácuo temporal de segurança, durante o qual os estados membros da EU estariam, alegadamente, vulneráveis perante a sua principal ameaça. Aliás, a ser verdade que as intenções de Vladimir Putin passam por invadir a EU, então, nesta fase em que o exército russo cilindra a Ucrânia e se afirma como uma poderosa máquina de guerra, o que o impediria agora de continuar caminho até, pelo menos, ao Danúbio?

Se os EUA se afastam da defesa da europa fazem-no por uma razão óbvia: a necessidade de enfrentarem uma China cada vez mais poderosa e proeminente em todas as áreas. Perante a imensidão da tarefa, Trump tomou uma decisão táctica de entregar à União Europeia a defesa face à Federação Russa, não se importando, para tal, de provocar disrupções operacionais na defesa Ucraniana. Para poder direccionar os EUA para o pacífico e “defender” Taiwan, Trump está disposto a deixar cair a Ucrânia, entregando o encargo aos europeus.

Esta situação é tremendamente difícil para os europeus, pois se Trump está em condições de abandonar a Ucrânia sem dano de maior para os EUA, o mesmo não se passa com a União Europeia. Depois de três anos de russofobia, censura de imprensa russa, perseguições a cidadãos russos, eleições banidas e muitas sanções, como recuar de repente? Afinal, ao contrário da EU, Trump sempre disse que, com ele, não haveria guerra na Ucrânia. Uma decisão táctica excepcional, que agora permite aos EUA deixar mais um rasto de destruição para trás, sem serem minimamente responsabilizados e ainda engordando os cofres com o saque proporcionado à Blackrock, Monsanto e outras.

A verdade é que esta posição da EU, aparentemente, é extremamente vantajosa para os EUA: 1. Permite aos EUA uma saída airosa do buraco em que entraram, deixando a União Europeia no seu lugar de assediador da Federação Russa; 2. Garante a aceleração do aumento dos gastos militares, tal como Trump havia exigido; 3.Mantém a EU de costas voltadas para a Federação Russa, chegando ao ponto de a própria Alemanha querer impedir o retorno do gás via Nord Stream; 4. Para já, nenhum “líder” europeu colocou em causa a NATO, permitindo aos EUA manterem a sua supremacia estratégica no continente europeu.

Para além disso, uma vez que a estratégia EU/EUA passa, agora, por libertar as forças militares norte-americanas para o empreendimento do pacífico, esta realidade acaba por colocar a União Europeia numa situação muito periclitante. Ao mesmo tempo que necessita de investimento, componentes e produtos finais baratos, pelo menos para poder manter um certo nível de proficiência económica, tal investimento e materiais só podem vir da China, país que já está a sentir maior pressão por parte dos EUA, estratégia na qual a EU é parte também. É como se a União Europeia estivesse a colher frutos de uma árvore e, ao mesmo tempo, lhe cortasse a raiz, garantindo que, num futuro próximo morrerá de fome. O que tem feito, aliás, com a Federação Russa.

Não basta, portanto, assistir às mudanças constantes no discurso europeu, consoante o interlocutor na Casa Branca, como assistimos a uma incapacidade total dos supostos políticos que elegemos, em defender o que se designa como modo de vida europeu.

Se prescindem assim tão facilmente das suas crenças e objectivos, prescindindo das armas políticas à sua disposição, como poderemos dormir descansados sabendo que somos governados por gente sem princípios alguns? Haverá algum momento em que a Europa comece a pensar em si própria? Ou será incapaz do o fazer?

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