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Bruna Frascolla
February 1, 2025
© Photo: Public domain

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

A saudação de Elon Musk na posse de Trump deu muito o que falar. O gesto serviu como um teste de Rorschach político, no qual as pessoas projetavam as suas próprias visões. Para a esquerda como um todo, tratou-se de um inequívoco Sieg Heil. Judeus antissionistas fizeram questão de apontar a prova de que Elon Musk era antissemita. De fato, antissemitismo e sionismo andam de mãos dadas, já que o próprio Herzl falava que o ódio aos judeus garantiria a povoação do seu Estado étnico-racial. No entanto, o filossemitismo dos calvinistas e seus herdeiros é um fato. O próprio nome “Elon” é hebraico. Significa “carvalho”.

À direita, libertários e neocons juravam de pés juntos que Elon Musk era um autista trapalhão que não sabia expressar afeto, e por isso fez duas vezes um gesto que consistia em bater no peito e erguer o braço esticado, com a palma da mão voltada para baixo. Talvez essa versão tenha sido inventada pelo lobby sionista, já que a ADL correu para explicar que Musk apenas fez um gesto esquisito.

Gente mais sóbria, porém, pôde reconhecer ali a saudação romana, que, a julgar pelas explicações que pipocaram na internet, parece ser mais conhecida na França. E há um motivo muito simples para isso: sua presença na simbologia da Revolução Francesa.

Neste mundo assolado por propaganda polarizadora, é útil refletirmos sobre o que levou um bilionário simpático ao anarcocapitalismo fazer um gesto dos revolucionários franceses e ser apontado como extremista de direita.

O histórico da saudação

A saudação romana é uma fantasia neoclássica. Os romanos não se saudavam dessa maneira. A saudação romana possivelmente tem sua certidão de nascimento no quadro Le Serment des Horaces (1785), de Jacques-Louis David. Quatro anos depois, estoura a Revolução Francesa, que persegue a Igreja e institui a República. Como a República é uma invenção romana, a imaginação dos revolucionários voltou-se para os longínquos tempos pré-imperiais – e pré-cristãos – de Cícero. Cerca de 130 anos mais tarde, outro movimento republicano e anticlerical se apropria da estética neoclássica: o fascismo, dos italianos.

Por causa dessa coincidência é que o fasces lictoris (uma machadinha composta por um feixe de paus), simboliza o fascismo italiano, mas aparece também no brasão de armas da República Francesa. E pela mesma razão a saudação romana, numa versão mais simples (sem a mão no coração primeiro), foi adotada pelo fascismo. Ainda mais tarde, o fã austríaco de Mussolini introduziria o Sieg Heil. Porém, de um modo geral, a Alemanha Nazista era contrária à adoção da simbologia romana, e o fasces lictoris não consta no III Reich.

E sabem onde mais se encontra uma saudação romana modificada, mais um fasces lictores e muita estética neoclássica? Nos Estados Unidos. A Saudação Bellamy – com mão no coração, depois braço estendido primeiro com a palma para baixo, voltando-a em seguida para cima – surgiu no final do século XIX e durou até a II Guerra. Foi extinta das escolas por causa da similaridade com os gestos nazifascistas. Já o fasces lictoris aparece um bocado nos símbolos nacionais dos Estados Unidos: está no brasão do Senado, no Salão Oval, nas mãos de Abraham Lincoln no Memorial da Emancipação…

O vácuo simbólico do liberalismo

Do trio neoclássico, o fascismo é a ovelha negra, porque é o único movimento antiliberal. É antiliberal porque concentra o poder no arbítrio do Duce, que faz o que quer sem se preocupar com um contrato social, com a noção de diretos humanos ou parlamento.

Por outro lado, tanto a Revolução Americana quanto a Revolução Francesa foram liberais. Por óbvio, não se trata de liberalismo econômico, mas sim de liberalismo político, que acaba com uma estrutura medieval de três Estados (clero, nobreza e povo) e transforma o corpo político num grande contrato social onde todos os cidadãos têm direitos iguais – mesmo que seja só na letra da lei, e que muitos sejam excluídos da cidadania. A Revolução Francesa foi feita pela burguesia (a parte endinheirada do povo) e, em sua formulação mais sanguinária, tinha como meta enforcar o último nobre nas tripas do último padre. Após um tremendo banho de sangue, com execuções em massa (inclusive de camponeses, parte do povo), os revolucionário instituíram os Direitos do Homem (1789) – notoriamente chamados por Marx de direitos burgueses.

A forma liberal por excelência é a República. A França, porém, não teve a primeira revolução liberal da história. Essa foi a Revolução Gloriosa (1688), cujo produto análogo aos Direitos do Homem foi a Bill of Rights (1689).

A Inglaterra vinha de um contexto muito mais bagunçado que a França. A nobreza já havia chegado ao século XVI aburguesada, entrado em conflito com o rei e a igreja para expulsar o povo das propriedades comunais com os famigerados Cercamentos. Com a sanção do Parlamento, os nobres iam expulsando o povo das terras, destruindo suas casas e matando-o de fome. A intenção era usar o terreno para criar ovelhas e gerar a lã, a qual seria tecida por teares cada vez mais modernos – o que acabaria desembocando na Revolução Industrial. Além disso, houve um problema entre a monarquia inglesa e a Igreja (com Henrique VIII querendo casamentos em série), uma guerra civil religiosa, algumas decapitações, uma República calvinista…

Ao fim e ao cabo, o estado de coisas criado pela Revolução Gloriosa foi o de uma república velada: em vez de os burgueses matarem os nobres, os nobres se aburguesaram; em vez de extinguir o clero, criou-se uma igreja nova submissa ao Estado; e, em vez de acabar com a monarquia, colocou-se um rei da igreja estatal, com as mãos atadas pelo Parlamento.

Isso deixou os liberais da Inglaterra numa posição confortável: não foi necessário criar, ex nihilo, uma simbologia nacional para dar identidade ao país após a destruição de instituições tradicionais. A casca da antiga Igreja e a casca da antiga nobreza estavam lá. Os demais regimes republicanos e anticlericais, liberais ou não, tiveram de inventar uma simbologia ex nihilo. E os primeiros deles (Estados Unidos e França) foram buscá-la na Roma Antiga, que legou a República à posteridade.

Essa falta de simbologia indica o ineditismo do liberalismo: fazer do Estado uma autoridade única, suprema e totalmente racional. Com o liberalismo, é do Estado que emana toda a autoridade. Antes dele, era possível recorrer à autoridade eclesiástica para escapar do jugo secular, por exemplo. A diferença entre o liberalismo político e o antiliberalismo de Mussolini não reside em o Estado ser maior ou menor, mas sim nos mecanismos de autocontenção do Estado: no liberalismo estão presentes; no antiliberalismo fascista, estão ausentes, e o poder do Estado se concentra no Duce.

Pontos em comum

No caso dos EUA, uma nação protestante, não deixa de causar espanto que toda a simbologia nacional deixe de fora o cristianismo. Podiam usar uma cruz ou um peixe, por exemplo, mas não o fizeram: preferiram símbolos de uma civilização pagã, além dos símbolos maçons.

Mas a Roma Antiga imaginada por todos eles (estadunidenses, franceses, italianos) é incrivelmente moderna, porque racionalista e irreligiosa. Não vislumbramos ali homens públicos ansiosos com as interpretações do harúspice diante de tripas de aves. Tudo se pretende exclusivamente apolíneo e racional como a modernidade, não como a antiguidade. A identificação com Roma foi algo quase que inteiramente arbitrário. Diante do vácuo cultural e simbólico do liberalismo, restou usar os símbolos e a estética da cultura que criou a única coisa com a qual o liberalismo se identificava: a República. E se na modernidade não há harúspices nem pitonisas, há cientistas e filósofos.

Roma à parte, podemos pensar em dois movimentos cientificistas bem sucedidos que adotaram bandeiras inventadas ex nihilo e as hastearam em prédios públicos: o nazismo, com sua cruz gamada destituída de relação com a história germânica, e o wokismo, com sua bandeia gay acrescida de um triângulo com as cores trans e colored (trata-se da bandeira Progress Pride, que pode ser vista aqui). Tanto o nazifascismo quanto as variadas matizes do liberalismo, ao adotarem o Estado como instituição suprema, terminam por criar esse vácuo cultural, e preenchem-no com a fantasia.

A saudação de Elon Musk evidencia o contato entre fascismo e liberalismo

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A saudação de Elon Musk na posse de Trump deu muito o que falar. O gesto serviu como um teste de Rorschach político, no qual as pessoas projetavam as suas próprias visões. Para a esquerda como um todo, tratou-se de um inequívoco Sieg Heil. Judeus antissionistas fizeram questão de apontar a prova de que Elon Musk era antissemita. De fato, antissemitismo e sionismo andam de mãos dadas, já que o próprio Herzl falava que o ódio aos judeus garantiria a povoação do seu Estado étnico-racial. No entanto, o filossemitismo dos calvinistas e seus herdeiros é um fato. O próprio nome “Elon” é hebraico. Significa “carvalho”.

À direita, libertários e neocons juravam de pés juntos que Elon Musk era um autista trapalhão que não sabia expressar afeto, e por isso fez duas vezes um gesto que consistia em bater no peito e erguer o braço esticado, com a palma da mão voltada para baixo. Talvez essa versão tenha sido inventada pelo lobby sionista, já que a ADL correu para explicar que Musk apenas fez um gesto esquisito.

Gente mais sóbria, porém, pôde reconhecer ali a saudação romana, que, a julgar pelas explicações que pipocaram na internet, parece ser mais conhecida na França. E há um motivo muito simples para isso: sua presença na simbologia da Revolução Francesa.

Neste mundo assolado por propaganda polarizadora, é útil refletirmos sobre o que levou um bilionário simpático ao anarcocapitalismo fazer um gesto dos revolucionários franceses e ser apontado como extremista de direita.

O histórico da saudação

A saudação romana é uma fantasia neoclássica. Os romanos não se saudavam dessa maneira. A saudação romana possivelmente tem sua certidão de nascimento no quadro Le Serment des Horaces (1785), de Jacques-Louis David. Quatro anos depois, estoura a Revolução Francesa, que persegue a Igreja e institui a República. Como a República é uma invenção romana, a imaginação dos revolucionários voltou-se para os longínquos tempos pré-imperiais – e pré-cristãos – de Cícero. Cerca de 130 anos mais tarde, outro movimento republicano e anticlerical se apropria da estética neoclássica: o fascismo, dos italianos.

Por causa dessa coincidência é que o fasces lictoris (uma machadinha composta por um feixe de paus), simboliza o fascismo italiano, mas aparece também no brasão de armas da República Francesa. E pela mesma razão a saudação romana, numa versão mais simples (sem a mão no coração primeiro), foi adotada pelo fascismo. Ainda mais tarde, o fã austríaco de Mussolini introduziria o Sieg Heil. Porém, de um modo geral, a Alemanha Nazista era contrária à adoção da simbologia romana, e o fasces lictoris não consta no III Reich.

E sabem onde mais se encontra uma saudação romana modificada, mais um fasces lictores e muita estética neoclássica? Nos Estados Unidos. A Saudação Bellamy – com mão no coração, depois braço estendido primeiro com a palma para baixo, voltando-a em seguida para cima – surgiu no final do século XIX e durou até a II Guerra. Foi extinta das escolas por causa da similaridade com os gestos nazifascistas. Já o fasces lictoris aparece um bocado nos símbolos nacionais dos Estados Unidos: está no brasão do Senado, no Salão Oval, nas mãos de Abraham Lincoln no Memorial da Emancipação…

O vácuo simbólico do liberalismo

Do trio neoclássico, o fascismo é a ovelha negra, porque é o único movimento antiliberal. É antiliberal porque concentra o poder no arbítrio do Duce, que faz o que quer sem se preocupar com um contrato social, com a noção de diretos humanos ou parlamento.

Por outro lado, tanto a Revolução Americana quanto a Revolução Francesa foram liberais. Por óbvio, não se trata de liberalismo econômico, mas sim de liberalismo político, que acaba com uma estrutura medieval de três Estados (clero, nobreza e povo) e transforma o corpo político num grande contrato social onde todos os cidadãos têm direitos iguais – mesmo que seja só na letra da lei, e que muitos sejam excluídos da cidadania. A Revolução Francesa foi feita pela burguesia (a parte endinheirada do povo) e, em sua formulação mais sanguinária, tinha como meta enforcar o último nobre nas tripas do último padre. Após um tremendo banho de sangue, com execuções em massa (inclusive de camponeses, parte do povo), os revolucionário instituíram os Direitos do Homem (1789) – notoriamente chamados por Marx de direitos burgueses.

A forma liberal por excelência é a República. A França, porém, não teve a primeira revolução liberal da história. Essa foi a Revolução Gloriosa (1688), cujo produto análogo aos Direitos do Homem foi a Bill of Rights (1689).

A Inglaterra vinha de um contexto muito mais bagunçado que a França. A nobreza já havia chegado ao século XVI aburguesada, entrado em conflito com o rei e a igreja para expulsar o povo das propriedades comunais com os famigerados Cercamentos. Com a sanção do Parlamento, os nobres iam expulsando o povo das terras, destruindo suas casas e matando-o de fome. A intenção era usar o terreno para criar ovelhas e gerar a lã, a qual seria tecida por teares cada vez mais modernos – o que acabaria desembocando na Revolução Industrial. Além disso, houve um problema entre a monarquia inglesa e a Igreja (com Henrique VIII querendo casamentos em série), uma guerra civil religiosa, algumas decapitações, uma República calvinista…

Ao fim e ao cabo, o estado de coisas criado pela Revolução Gloriosa foi o de uma república velada: em vez de os burgueses matarem os nobres, os nobres se aburguesaram; em vez de extinguir o clero, criou-se uma igreja nova submissa ao Estado; e, em vez de acabar com a monarquia, colocou-se um rei da igreja estatal, com as mãos atadas pelo Parlamento.

Isso deixou os liberais da Inglaterra numa posição confortável: não foi necessário criar, ex nihilo, uma simbologia nacional para dar identidade ao país após a destruição de instituições tradicionais. A casca da antiga Igreja e a casca da antiga nobreza estavam lá. Os demais regimes republicanos e anticlericais, liberais ou não, tiveram de inventar uma simbologia ex nihilo. E os primeiros deles (Estados Unidos e França) foram buscá-la na Roma Antiga, que legou a República à posteridade.

Essa falta de simbologia indica o ineditismo do liberalismo: fazer do Estado uma autoridade única, suprema e totalmente racional. Com o liberalismo, é do Estado que emana toda a autoridade. Antes dele, era possível recorrer à autoridade eclesiástica para escapar do jugo secular, por exemplo. A diferença entre o liberalismo político e o antiliberalismo de Mussolini não reside em o Estado ser maior ou menor, mas sim nos mecanismos de autocontenção do Estado: no liberalismo estão presentes; no antiliberalismo fascista, estão ausentes, e o poder do Estado se concentra no Duce.

Pontos em comum

No caso dos EUA, uma nação protestante, não deixa de causar espanto que toda a simbologia nacional deixe de fora o cristianismo. Podiam usar uma cruz ou um peixe, por exemplo, mas não o fizeram: preferiram símbolos de uma civilização pagã, além dos símbolos maçons.

Mas a Roma Antiga imaginada por todos eles (estadunidenses, franceses, italianos) é incrivelmente moderna, porque racionalista e irreligiosa. Não vislumbramos ali homens públicos ansiosos com as interpretações do harúspice diante de tripas de aves. Tudo se pretende exclusivamente apolíneo e racional como a modernidade, não como a antiguidade. A identificação com Roma foi algo quase que inteiramente arbitrário. Diante do vácuo cultural e simbólico do liberalismo, restou usar os símbolos e a estética da cultura que criou a única coisa com a qual o liberalismo se identificava: a República. E se na modernidade não há harúspices nem pitonisas, há cientistas e filósofos.

Roma à parte, podemos pensar em dois movimentos cientificistas bem sucedidos que adotaram bandeiras inventadas ex nihilo e as hastearam em prédios públicos: o nazismo, com sua cruz gamada destituída de relação com a história germânica, e o wokismo, com sua bandeia gay acrescida de um triângulo com as cores trans e colored (trata-se da bandeira Progress Pride, que pode ser vista aqui). Tanto o nazifascismo quanto as variadas matizes do liberalismo, ao adotarem o Estado como instituição suprema, terminam por criar esse vácuo cultural, e preenchem-no com a fantasia.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

A saudação de Elon Musk na posse de Trump deu muito o que falar. O gesto serviu como um teste de Rorschach político, no qual as pessoas projetavam as suas próprias visões. Para a esquerda como um todo, tratou-se de um inequívoco Sieg Heil. Judeus antissionistas fizeram questão de apontar a prova de que Elon Musk era antissemita. De fato, antissemitismo e sionismo andam de mãos dadas, já que o próprio Herzl falava que o ódio aos judeus garantiria a povoação do seu Estado étnico-racial. No entanto, o filossemitismo dos calvinistas e seus herdeiros é um fato. O próprio nome “Elon” é hebraico. Significa “carvalho”.

À direita, libertários e neocons juravam de pés juntos que Elon Musk era um autista trapalhão que não sabia expressar afeto, e por isso fez duas vezes um gesto que consistia em bater no peito e erguer o braço esticado, com a palma da mão voltada para baixo. Talvez essa versão tenha sido inventada pelo lobby sionista, já que a ADL correu para explicar que Musk apenas fez um gesto esquisito.

Gente mais sóbria, porém, pôde reconhecer ali a saudação romana, que, a julgar pelas explicações que pipocaram na internet, parece ser mais conhecida na França. E há um motivo muito simples para isso: sua presença na simbologia da Revolução Francesa.

Neste mundo assolado por propaganda polarizadora, é útil refletirmos sobre o que levou um bilionário simpático ao anarcocapitalismo fazer um gesto dos revolucionários franceses e ser apontado como extremista de direita.

O histórico da saudação

A saudação romana é uma fantasia neoclássica. Os romanos não se saudavam dessa maneira. A saudação romana possivelmente tem sua certidão de nascimento no quadro Le Serment des Horaces (1785), de Jacques-Louis David. Quatro anos depois, estoura a Revolução Francesa, que persegue a Igreja e institui a República. Como a República é uma invenção romana, a imaginação dos revolucionários voltou-se para os longínquos tempos pré-imperiais – e pré-cristãos – de Cícero. Cerca de 130 anos mais tarde, outro movimento republicano e anticlerical se apropria da estética neoclássica: o fascismo, dos italianos.

Por causa dessa coincidência é que o fasces lictoris (uma machadinha composta por um feixe de paus), simboliza o fascismo italiano, mas aparece também no brasão de armas da República Francesa. E pela mesma razão a saudação romana, numa versão mais simples (sem a mão no coração primeiro), foi adotada pelo fascismo. Ainda mais tarde, o fã austríaco de Mussolini introduziria o Sieg Heil. Porém, de um modo geral, a Alemanha Nazista era contrária à adoção da simbologia romana, e o fasces lictoris não consta no III Reich.

E sabem onde mais se encontra uma saudação romana modificada, mais um fasces lictores e muita estética neoclássica? Nos Estados Unidos. A Saudação Bellamy – com mão no coração, depois braço estendido primeiro com a palma para baixo, voltando-a em seguida para cima – surgiu no final do século XIX e durou até a II Guerra. Foi extinta das escolas por causa da similaridade com os gestos nazifascistas. Já o fasces lictoris aparece um bocado nos símbolos nacionais dos Estados Unidos: está no brasão do Senado, no Salão Oval, nas mãos de Abraham Lincoln no Memorial da Emancipação…

O vácuo simbólico do liberalismo

Do trio neoclássico, o fascismo é a ovelha negra, porque é o único movimento antiliberal. É antiliberal porque concentra o poder no arbítrio do Duce, que faz o que quer sem se preocupar com um contrato social, com a noção de diretos humanos ou parlamento.

Por outro lado, tanto a Revolução Americana quanto a Revolução Francesa foram liberais. Por óbvio, não se trata de liberalismo econômico, mas sim de liberalismo político, que acaba com uma estrutura medieval de três Estados (clero, nobreza e povo) e transforma o corpo político num grande contrato social onde todos os cidadãos têm direitos iguais – mesmo que seja só na letra da lei, e que muitos sejam excluídos da cidadania. A Revolução Francesa foi feita pela burguesia (a parte endinheirada do povo) e, em sua formulação mais sanguinária, tinha como meta enforcar o último nobre nas tripas do último padre. Após um tremendo banho de sangue, com execuções em massa (inclusive de camponeses, parte do povo), os revolucionário instituíram os Direitos do Homem (1789) – notoriamente chamados por Marx de direitos burgueses.

A forma liberal por excelência é a República. A França, porém, não teve a primeira revolução liberal da história. Essa foi a Revolução Gloriosa (1688), cujo produto análogo aos Direitos do Homem foi a Bill of Rights (1689).

A Inglaterra vinha de um contexto muito mais bagunçado que a França. A nobreza já havia chegado ao século XVI aburguesada, entrado em conflito com o rei e a igreja para expulsar o povo das propriedades comunais com os famigerados Cercamentos. Com a sanção do Parlamento, os nobres iam expulsando o povo das terras, destruindo suas casas e matando-o de fome. A intenção era usar o terreno para criar ovelhas e gerar a lã, a qual seria tecida por teares cada vez mais modernos – o que acabaria desembocando na Revolução Industrial. Além disso, houve um problema entre a monarquia inglesa e a Igreja (com Henrique VIII querendo casamentos em série), uma guerra civil religiosa, algumas decapitações, uma República calvinista…

Ao fim e ao cabo, o estado de coisas criado pela Revolução Gloriosa foi o de uma república velada: em vez de os burgueses matarem os nobres, os nobres se aburguesaram; em vez de extinguir o clero, criou-se uma igreja nova submissa ao Estado; e, em vez de acabar com a monarquia, colocou-se um rei da igreja estatal, com as mãos atadas pelo Parlamento.

Isso deixou os liberais da Inglaterra numa posição confortável: não foi necessário criar, ex nihilo, uma simbologia nacional para dar identidade ao país após a destruição de instituições tradicionais. A casca da antiga Igreja e a casca da antiga nobreza estavam lá. Os demais regimes republicanos e anticlericais, liberais ou não, tiveram de inventar uma simbologia ex nihilo. E os primeiros deles (Estados Unidos e França) foram buscá-la na Roma Antiga, que legou a República à posteridade.

Essa falta de simbologia indica o ineditismo do liberalismo: fazer do Estado uma autoridade única, suprema e totalmente racional. Com o liberalismo, é do Estado que emana toda a autoridade. Antes dele, era possível recorrer à autoridade eclesiástica para escapar do jugo secular, por exemplo. A diferença entre o liberalismo político e o antiliberalismo de Mussolini não reside em o Estado ser maior ou menor, mas sim nos mecanismos de autocontenção do Estado: no liberalismo estão presentes; no antiliberalismo fascista, estão ausentes, e o poder do Estado se concentra no Duce.

Pontos em comum

No caso dos EUA, uma nação protestante, não deixa de causar espanto que toda a simbologia nacional deixe de fora o cristianismo. Podiam usar uma cruz ou um peixe, por exemplo, mas não o fizeram: preferiram símbolos de uma civilização pagã, além dos símbolos maçons.

Mas a Roma Antiga imaginada por todos eles (estadunidenses, franceses, italianos) é incrivelmente moderna, porque racionalista e irreligiosa. Não vislumbramos ali homens públicos ansiosos com as interpretações do harúspice diante de tripas de aves. Tudo se pretende exclusivamente apolíneo e racional como a modernidade, não como a antiguidade. A identificação com Roma foi algo quase que inteiramente arbitrário. Diante do vácuo cultural e simbólico do liberalismo, restou usar os símbolos e a estética da cultura que criou a única coisa com a qual o liberalismo se identificava: a República. E se na modernidade não há harúspices nem pitonisas, há cientistas e filósofos.

Roma à parte, podemos pensar em dois movimentos cientificistas bem sucedidos que adotaram bandeiras inventadas ex nihilo e as hastearam em prédios públicos: o nazismo, com sua cruz gamada destituída de relação com a história germânica, e o wokismo, com sua bandeia gay acrescida de um triângulo com as cores trans e colored (trata-se da bandeira Progress Pride, que pode ser vista aqui). Tanto o nazifascismo quanto as variadas matizes do liberalismo, ao adotarem o Estado como instituição suprema, terminam por criar esse vácuo cultural, e preenchem-no com a fantasia.

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