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Bruna Frascolla
January 28, 2025
© Photo: Public domain

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

O liberalismo de direita tenta fazer crer que o wokismo é marxista, portanto é comunista, portanto não é ocidental nem liberal. No entanto, a recente posse de Trump talvez deva lhes poupar a saliva, pois o mundo viu que os EUA mudaram a sua doutrina oficial. Com a visibilidade de tal mudança abrupta, podemos dizer: O wokismo era a doutrina oficial dos Estados Unidos da América, o seu credo laico. Até mesmo a coisa mais parecida com uma igreja oficial dos EUA – a Igreja Episcopal, braço americano da Igreja Anglicana – aderiu ao wokismo e se manifestou na figura de uma bispa favorável a crianças trans.

Como tal credo louco ganhou o Estado mais poderoso do mundo? Essa é uma pergunta que permite mais de um tipo de resposta. Por meio do interessante artigo de David Samuels, citado por Alastair Crooke nesta SCF, temos uma resposta política e prática: O wokismo foi doutrina dos EUA desde Obama até janeiro de 2025. Estava em vigência durante Trump I, que não domesticou o “Deep State”, e atingiu seu ápice em Biden. A crermos em David Samuels, o marqueteiro de Obama, um certo David Axelrod, judeu, era perito em eleger políticos negros usando uma estratégia de marketing criada originalmente para vender produtos encalhados. Essa estratégia, chamada “estruturas de permissões”, fazia com que o foco não residisse mais no produto, mas sim na autoimagem do cliente. David Samuels não entra muito em detalhes sobre como funciona isso, e o termo parece obscuro até mesmo na publicidade, já que não há um artigo na Wikipédia sobre ele. No entanto, encontrei este artigo aqui, e consegui ver nele a figura do influencer: uma pessoa aleatória na internet que é procurada pelos seguidores e faz propaganda de produtos para eles. O nome da estratégia vem do fato de que, como o consumidor não tem como dar atenção à propaganda convencional (todos os comerciais na TV, todos os cartazes e anúncios de jornal), é preciso pedir-lhe permissão para vender algo, criando uma relação de confiança com o propagandista.

Por óbvio, ninguém precisa de influencers para decidir comprar pão na esquina, nem remédio para pressão. Influencers vendem uma identidade, um pertencimento a um nicho. Por isso a venda diz mais respeito à identidade do consumidor do que à utilidade ou qualidade do produto. A crermos no artigo de Daniels, uma patotinha formulava slogans, os mesmos iam para o Twitter e Reddit, e, a depender do desempenho, iam para a grande máquina construída por Obama e Axelrod. De repente, todos os experts de ONGs eram consultados até pela mídia tradicional e defendiam a opinião correta da vez. Assim, essa estrutura foi usada para interferir com a autoimagem de cada cidadão. Começou com o eleitor branco votando num negro para ter certeza de que não era racista, culminou na turba linchadora querendo punir os crápulas que não injetavam mRNA. De repente, todo o mundo tinha que comprar uma série de ideias, e dar manifestações públicas disso, para provar para todos que é uma boa pessoa. De fato, uma máquina tão totalitária quanto emburrecedora.

É possível, também, dar uma resposta de natureza filosófica e cultural à questão. Foi o que fiz aqui na SCF, no artigo “Afinal, como uma nação puritana terminou idolatrando travestis?” Ali eu atribuo o wokismo ao pano de fundo religioso dos EUA. Com marco histórico, há a tomada de Harvard já no século XIX pelos unitaristas, que eram promotores do liberalismo teológico. Esta é uma corrente tão individualistas que é praticamente solipsista, já que leva o sola scriptura a ferro e fogo e não aceita nenhuma autoridade “externa”, isto é, diferente da própria pessoa. Para o liberalismo teológico, cada um deve pensar por si: não basta nem abolir a autoridade do pastor; é preciso livrar-se da “tirania da opinião”, que é indiscernível da Inquisição. Assim, os liberais politizaram muito os costumes e defendiam sempre o lado rechaçado pelo senso comum: adotaram o feminismo, o antirracismo e, mais tarde, a defesa dos gays. O liberalismo teológico venceu as barreiras denominacionais e até de fé: várias igrejas protestantes o adotaram, e sinagogas também.

Com o Julgamento do Macaco, ou Tennessee vs. Scopes (1925), as igrejas protestantes se polarizaram entre as liberais, dispostas a aceitar a teoria da evolução, e as fundamentalistas, que queriam criar uma Ciência ao seu gosto, compatível com a sua leitura da Bíblia.

Ao meu ver, os EUA se encaminham para trocar de corrente protestante. Os fundamentalistas, por exemplo, são inteiramente pró Israel, e por razões bíblicas. Inclusive o Estado foi fundado para suprir uma demanda religiosa protestante, contra a opinião dominante dos rabinos da época (que achavam herético voltar à Terra Santa antes da chegada do Messias, como vimos aqui).

O Estado norte-americano, em tese, é perfeitamente laico e livre de quaisquer influências teológicas. Por isso, até, o unitarismo teve tanto sucesso: é uma igreja que não se vê como igreja (mas antes como uma associação de indivíduos que por acaso pensam igual), e seu credo é 90% referente a questões políticas. Os fundamentalistas estão em desvantagem, mas isso pode ser recuperado por meio de uma aliança com ateus de direita: a Ciência doravante atestará que a sua cultura é a melhor do mundo, movimento já tomado, em nível pessoal, pelo sumo-sacerdote do ateísmo Richard Dawkins.

Ora, a Ciência já resolveu que mulheres têm pênis; resolver que o mundo foi criado em sete dias seria café pequeno. Mas os oligarcas dos EUA são ateus como Dawkins. O que eles podem fazer no futuro é imitar a combinação Thiel + Vance, um patrocinador ateu com um político religioso tradicionalista. A Ciência não vai dizer que o mundo foi criado em sete dias; em vez disso, vai dizer – como já vem dizendo há tempos – que o liberalismo econômico é a chave para a prosperidade dos países, que o Estado é ineficiente, que os judeus asquenazitas têm um QI de gênio, que a população de Gaza tem um QI baixíssimo, que a imigração ilegal favorece a economia etc. Basta aumentar as pesquisas sobre o impacto do casamento sadio sobre as crianças, mudar o viés das pesquisas que comparam as crianças criadas por casais hétero e casais gays, pesquisar a saúde mental dos religiosos e pronto: tem-se uma defesa à la Dawkins da cristandade, palatável a um Thiel, a um Bezos e companhia limitada.

No âmbito da política externa, uma aliança fundamentalista não seria novidade. O melhor exemplo disso é o apoio dos EUA aos jihadistas afegãos contra a União Soviética. Quando o Oriente Médio se divide entre laicistas e muçulmanos, o ímpeto da máquina ocidental é apoiar os segundos – por isso é que o Hamas contou, no começo, com o apoio de Israel. O caso mais exemplar disso, agora, é a queda de Assad. O presidente sírio, um médico, vestia-se de terno e gravata, à ocidental e era apresentado como um ditador bárbaro. Ao seu lado, sua elegante esposa andava sem véu e tinha dois bacharelados em Londres. Agora entrou um fundamentalista carniceiro que, suspeita-se, não é exatamente um adepto do feminismo. Mas tem a mesma opinião sobre o álcool que os puritanos d’antanho.

A Era Woke acabou. E agora?

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O liberalismo de direita tenta fazer crer que o wokismo é marxista, portanto é comunista, portanto não é ocidental nem liberal. No entanto, a recente posse de Trump talvez deva lhes poupar a saliva, pois o mundo viu que os EUA mudaram a sua doutrina oficial. Com a visibilidade de tal mudança abrupta, podemos dizer: O wokismo era a doutrina oficial dos Estados Unidos da América, o seu credo laico. Até mesmo a coisa mais parecida com uma igreja oficial dos EUA – a Igreja Episcopal, braço americano da Igreja Anglicana – aderiu ao wokismo e se manifestou na figura de uma bispa favorável a crianças trans.

Como tal credo louco ganhou o Estado mais poderoso do mundo? Essa é uma pergunta que permite mais de um tipo de resposta. Por meio do interessante artigo de David Samuels, citado por Alastair Crooke nesta SCF, temos uma resposta política e prática: O wokismo foi doutrina dos EUA desde Obama até janeiro de 2025. Estava em vigência durante Trump I, que não domesticou o “Deep State”, e atingiu seu ápice em Biden. A crermos em David Samuels, o marqueteiro de Obama, um certo David Axelrod, judeu, era perito em eleger políticos negros usando uma estratégia de marketing criada originalmente para vender produtos encalhados. Essa estratégia, chamada “estruturas de permissões”, fazia com que o foco não residisse mais no produto, mas sim na autoimagem do cliente. David Samuels não entra muito em detalhes sobre como funciona isso, e o termo parece obscuro até mesmo na publicidade, já que não há um artigo na Wikipédia sobre ele. No entanto, encontrei este artigo aqui, e consegui ver nele a figura do influencer: uma pessoa aleatória na internet que é procurada pelos seguidores e faz propaganda de produtos para eles. O nome da estratégia vem do fato de que, como o consumidor não tem como dar atenção à propaganda convencional (todos os comerciais na TV, todos os cartazes e anúncios de jornal), é preciso pedir-lhe permissão para vender algo, criando uma relação de confiança com o propagandista.

Por óbvio, ninguém precisa de influencers para decidir comprar pão na esquina, nem remédio para pressão. Influencers vendem uma identidade, um pertencimento a um nicho. Por isso a venda diz mais respeito à identidade do consumidor do que à utilidade ou qualidade do produto. A crermos no artigo de Daniels, uma patotinha formulava slogans, os mesmos iam para o Twitter e Reddit, e, a depender do desempenho, iam para a grande máquina construída por Obama e Axelrod. De repente, todos os experts de ONGs eram consultados até pela mídia tradicional e defendiam a opinião correta da vez. Assim, essa estrutura foi usada para interferir com a autoimagem de cada cidadão. Começou com o eleitor branco votando num negro para ter certeza de que não era racista, culminou na turba linchadora querendo punir os crápulas que não injetavam mRNA. De repente, todo o mundo tinha que comprar uma série de ideias, e dar manifestações públicas disso, para provar para todos que é uma boa pessoa. De fato, uma máquina tão totalitária quanto emburrecedora.

É possível, também, dar uma resposta de natureza filosófica e cultural à questão. Foi o que fiz aqui na SCF, no artigo “Afinal, como uma nação puritana terminou idolatrando travestis?” Ali eu atribuo o wokismo ao pano de fundo religioso dos EUA. Com marco histórico, há a tomada de Harvard já no século XIX pelos unitaristas, que eram promotores do liberalismo teológico. Esta é uma corrente tão individualistas que é praticamente solipsista, já que leva o sola scriptura a ferro e fogo e não aceita nenhuma autoridade “externa”, isto é, diferente da própria pessoa. Para o liberalismo teológico, cada um deve pensar por si: não basta nem abolir a autoridade do pastor; é preciso livrar-se da “tirania da opinião”, que é indiscernível da Inquisição. Assim, os liberais politizaram muito os costumes e defendiam sempre o lado rechaçado pelo senso comum: adotaram o feminismo, o antirracismo e, mais tarde, a defesa dos gays. O liberalismo teológico venceu as barreiras denominacionais e até de fé: várias igrejas protestantes o adotaram, e sinagogas também.

Com o Julgamento do Macaco, ou Tennessee vs. Scopes (1925), as igrejas protestantes se polarizaram entre as liberais, dispostas a aceitar a teoria da evolução, e as fundamentalistas, que queriam criar uma Ciência ao seu gosto, compatível com a sua leitura da Bíblia.

Ao meu ver, os EUA se encaminham para trocar de corrente protestante. Os fundamentalistas, por exemplo, são inteiramente pró Israel, e por razões bíblicas. Inclusive o Estado foi fundado para suprir uma demanda religiosa protestante, contra a opinião dominante dos rabinos da época (que achavam herético voltar à Terra Santa antes da chegada do Messias, como vimos aqui).

O Estado norte-americano, em tese, é perfeitamente laico e livre de quaisquer influências teológicas. Por isso, até, o unitarismo teve tanto sucesso: é uma igreja que não se vê como igreja (mas antes como uma associação de indivíduos que por acaso pensam igual), e seu credo é 90% referente a questões políticas. Os fundamentalistas estão em desvantagem, mas isso pode ser recuperado por meio de uma aliança com ateus de direita: a Ciência doravante atestará que a sua cultura é a melhor do mundo, movimento já tomado, em nível pessoal, pelo sumo-sacerdote do ateísmo Richard Dawkins.

Ora, a Ciência já resolveu que mulheres têm pênis; resolver que o mundo foi criado em sete dias seria café pequeno. Mas os oligarcas dos EUA são ateus como Dawkins. O que eles podem fazer no futuro é imitar a combinação Thiel + Vance, um patrocinador ateu com um político religioso tradicionalista. A Ciência não vai dizer que o mundo foi criado em sete dias; em vez disso, vai dizer – como já vem dizendo há tempos – que o liberalismo econômico é a chave para a prosperidade dos países, que o Estado é ineficiente, que os judeus asquenazitas têm um QI de gênio, que a população de Gaza tem um QI baixíssimo, que a imigração ilegal favorece a economia etc. Basta aumentar as pesquisas sobre o impacto do casamento sadio sobre as crianças, mudar o viés das pesquisas que comparam as crianças criadas por casais hétero e casais gays, pesquisar a saúde mental dos religiosos e pronto: tem-se uma defesa à la Dawkins da cristandade, palatável a um Thiel, a um Bezos e companhia limitada.

No âmbito da política externa, uma aliança fundamentalista não seria novidade. O melhor exemplo disso é o apoio dos EUA aos jihadistas afegãos contra a União Soviética. Quando o Oriente Médio se divide entre laicistas e muçulmanos, o ímpeto da máquina ocidental é apoiar os segundos – por isso é que o Hamas contou, no começo, com o apoio de Israel. O caso mais exemplar disso, agora, é a queda de Assad. O presidente sírio, um médico, vestia-se de terno e gravata, à ocidental e era apresentado como um ditador bárbaro. Ao seu lado, sua elegante esposa andava sem véu e tinha dois bacharelados em Londres. Agora entrou um fundamentalista carniceiro que, suspeita-se, não é exatamente um adepto do feminismo. Mas tem a mesma opinião sobre o álcool que os puritanos d’antanho.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

O liberalismo de direita tenta fazer crer que o wokismo é marxista, portanto é comunista, portanto não é ocidental nem liberal. No entanto, a recente posse de Trump talvez deva lhes poupar a saliva, pois o mundo viu que os EUA mudaram a sua doutrina oficial. Com a visibilidade de tal mudança abrupta, podemos dizer: O wokismo era a doutrina oficial dos Estados Unidos da América, o seu credo laico. Até mesmo a coisa mais parecida com uma igreja oficial dos EUA – a Igreja Episcopal, braço americano da Igreja Anglicana – aderiu ao wokismo e se manifestou na figura de uma bispa favorável a crianças trans.

Como tal credo louco ganhou o Estado mais poderoso do mundo? Essa é uma pergunta que permite mais de um tipo de resposta. Por meio do interessante artigo de David Samuels, citado por Alastair Crooke nesta SCF, temos uma resposta política e prática: O wokismo foi doutrina dos EUA desde Obama até janeiro de 2025. Estava em vigência durante Trump I, que não domesticou o “Deep State”, e atingiu seu ápice em Biden. A crermos em David Samuels, o marqueteiro de Obama, um certo David Axelrod, judeu, era perito em eleger políticos negros usando uma estratégia de marketing criada originalmente para vender produtos encalhados. Essa estratégia, chamada “estruturas de permissões”, fazia com que o foco não residisse mais no produto, mas sim na autoimagem do cliente. David Samuels não entra muito em detalhes sobre como funciona isso, e o termo parece obscuro até mesmo na publicidade, já que não há um artigo na Wikipédia sobre ele. No entanto, encontrei este artigo aqui, e consegui ver nele a figura do influencer: uma pessoa aleatória na internet que é procurada pelos seguidores e faz propaganda de produtos para eles. O nome da estratégia vem do fato de que, como o consumidor não tem como dar atenção à propaganda convencional (todos os comerciais na TV, todos os cartazes e anúncios de jornal), é preciso pedir-lhe permissão para vender algo, criando uma relação de confiança com o propagandista.

Por óbvio, ninguém precisa de influencers para decidir comprar pão na esquina, nem remédio para pressão. Influencers vendem uma identidade, um pertencimento a um nicho. Por isso a venda diz mais respeito à identidade do consumidor do que à utilidade ou qualidade do produto. A crermos no artigo de Daniels, uma patotinha formulava slogans, os mesmos iam para o Twitter e Reddit, e, a depender do desempenho, iam para a grande máquina construída por Obama e Axelrod. De repente, todos os experts de ONGs eram consultados até pela mídia tradicional e defendiam a opinião correta da vez. Assim, essa estrutura foi usada para interferir com a autoimagem de cada cidadão. Começou com o eleitor branco votando num negro para ter certeza de que não era racista, culminou na turba linchadora querendo punir os crápulas que não injetavam mRNA. De repente, todo o mundo tinha que comprar uma série de ideias, e dar manifestações públicas disso, para provar para todos que é uma boa pessoa. De fato, uma máquina tão totalitária quanto emburrecedora.

É possível, também, dar uma resposta de natureza filosófica e cultural à questão. Foi o que fiz aqui na SCF, no artigo “Afinal, como uma nação puritana terminou idolatrando travestis?” Ali eu atribuo o wokismo ao pano de fundo religioso dos EUA. Com marco histórico, há a tomada de Harvard já no século XIX pelos unitaristas, que eram promotores do liberalismo teológico. Esta é uma corrente tão individualistas que é praticamente solipsista, já que leva o sola scriptura a ferro e fogo e não aceita nenhuma autoridade “externa”, isto é, diferente da própria pessoa. Para o liberalismo teológico, cada um deve pensar por si: não basta nem abolir a autoridade do pastor; é preciso livrar-se da “tirania da opinião”, que é indiscernível da Inquisição. Assim, os liberais politizaram muito os costumes e defendiam sempre o lado rechaçado pelo senso comum: adotaram o feminismo, o antirracismo e, mais tarde, a defesa dos gays. O liberalismo teológico venceu as barreiras denominacionais e até de fé: várias igrejas protestantes o adotaram, e sinagogas também.

Com o Julgamento do Macaco, ou Tennessee vs. Scopes (1925), as igrejas protestantes se polarizaram entre as liberais, dispostas a aceitar a teoria da evolução, e as fundamentalistas, que queriam criar uma Ciência ao seu gosto, compatível com a sua leitura da Bíblia.

Ao meu ver, os EUA se encaminham para trocar de corrente protestante. Os fundamentalistas, por exemplo, são inteiramente pró Israel, e por razões bíblicas. Inclusive o Estado foi fundado para suprir uma demanda religiosa protestante, contra a opinião dominante dos rabinos da época (que achavam herético voltar à Terra Santa antes da chegada do Messias, como vimos aqui).

O Estado norte-americano, em tese, é perfeitamente laico e livre de quaisquer influências teológicas. Por isso, até, o unitarismo teve tanto sucesso: é uma igreja que não se vê como igreja (mas antes como uma associação de indivíduos que por acaso pensam igual), e seu credo é 90% referente a questões políticas. Os fundamentalistas estão em desvantagem, mas isso pode ser recuperado por meio de uma aliança com ateus de direita: a Ciência doravante atestará que a sua cultura é a melhor do mundo, movimento já tomado, em nível pessoal, pelo sumo-sacerdote do ateísmo Richard Dawkins.

Ora, a Ciência já resolveu que mulheres têm pênis; resolver que o mundo foi criado em sete dias seria café pequeno. Mas os oligarcas dos EUA são ateus como Dawkins. O que eles podem fazer no futuro é imitar a combinação Thiel + Vance, um patrocinador ateu com um político religioso tradicionalista. A Ciência não vai dizer que o mundo foi criado em sete dias; em vez disso, vai dizer – como já vem dizendo há tempos – que o liberalismo econômico é a chave para a prosperidade dos países, que o Estado é ineficiente, que os judeus asquenazitas têm um QI de gênio, que a população de Gaza tem um QI baixíssimo, que a imigração ilegal favorece a economia etc. Basta aumentar as pesquisas sobre o impacto do casamento sadio sobre as crianças, mudar o viés das pesquisas que comparam as crianças criadas por casais hétero e casais gays, pesquisar a saúde mental dos religiosos e pronto: tem-se uma defesa à la Dawkins da cristandade, palatável a um Thiel, a um Bezos e companhia limitada.

No âmbito da política externa, uma aliança fundamentalista não seria novidade. O melhor exemplo disso é o apoio dos EUA aos jihadistas afegãos contra a União Soviética. Quando o Oriente Médio se divide entre laicistas e muçulmanos, o ímpeto da máquina ocidental é apoiar os segundos – por isso é que o Hamas contou, no começo, com o apoio de Israel. O caso mais exemplar disso, agora, é a queda de Assad. O presidente sírio, um médico, vestia-se de terno e gravata, à ocidental e era apresentado como um ditador bárbaro. Ao seu lado, sua elegante esposa andava sem véu e tinha dois bacharelados em Londres. Agora entrou um fundamentalista carniceiro que, suspeita-se, não é exatamente um adepto do feminismo. Mas tem a mesma opinião sobre o álcool que os puritanos d’antanho.

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

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