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Raphael Machado
November 17, 2024
© Photo: Public domain

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Agora que Donald Trump foi eleito como o 47º Presidente dos Estados Unidos já podemos começar a analisar os possíveis impactos que a sua presidência terá sobre os países da América Ibérica, nas mais diversas questões que precisarão ser abordadas pelo recém-eleito mandatário do hegemon unipolar.

Ao refletir sobre este tema estamos inevitavelmente em uma desvantagem relativa, na medida em que o governo não apenas não começou, mas nem mesmo temos confirmação plena sobre os personagens que ocuparão os principais cargos de sua Administração. Neste momento, as informações concretas e definitivas ainda são escassas, apesar de haver muitos boatos espalhados pela mídia de massa.

Ainda assim, é possível fazer algumas conjecturas tanto com base em seu governo anterior, quanto com base em seus discursos e até com base na própria situação geopolítica contemporânea.

O mundo em 2025 definitivamente não é o mundo em 2017.

A primeira e mais óbvia diferença é que em 2025 estamos diante de um cenário mundial de contestação ativa da hegemonia unipolar e da “ordem internacional baseada em regras”, defendida pelo atlantismo. A operação militar especial russa na Ucrânia deu início a uma reação em cadeia de eventos também no âmbito econômico e diplomático que puseram em marcha, de fato, a transição do momento unipolar para a ordem multipolar. Se o objetivo direto e explícito é a desmilitarização e desnazificação da Ucrânia, em um sentido indireto e implícito a Rússia busca uma reconfiguração das relações internacionais de poder, pressionando o Ocidente para que recue de suas posições avançadas e aceite o advento da multipolaridade.

A isso se soma o conflito no Oriente Médio, que já não pode mais ser pensado simplesmente nos termos de um conflito Israel-Palestina – acelerado a partir do 7 de outubro de 2023 – e tornou-se verdadeiramente um conflito regional envolvendo já o Líbano, a Síria, o Iraque, o Irã e o Iêmen.

Na África, um número crescente de países abraça uma linha multipolarista, com destaque para os países do Sahel, os quais contam com apoio da Rússia e da China. E na Europa verifica-se uma tendência eleitoral que favorece lideranças pró-russas ou, no mínimo, céticas em relação à OTAN e à geopolítica atlantista.

Outras mudanças significativas são a continuação da ascensão econômica e aprimoramento militar da China (e, inclusive, a sua reaproximação com a Índia), enquanto os EUA se veem em uma situação social ainda mais fraturada do que durante o primeiro mandato de Trump.

A inflação geral está bastante alta (20% durante os primeiros 45 meses do governo Biden), com destaque para os preços do gás e de alimentos, bem como do aluguel – o custo de vida aumentou de Trump para Biden, e apesar dos salários terem aumentado, a inflação fez com que o poder de compra real diminuísse. É necessário, também, apontar que a dívida federal de $35.8 trilhões de dólares representa um patamar significativo alcançado por Biden.

Simultaneamente, a epidemia dos opioides segue sem solução e, além disso, o problema da imigração nunca foi tão sentido nos EUA: tudo indica que o governo Biden alcançará a cifra de 10 milhões de entradas ilegais pelas fronteiras dos EUA, gerando instabilidade tanto no mercado de trabalho quanto no próprio tecido social.

Tanto os desafios internos quanto os desafios externos aumentaram, de modo que é muito duvidoso que Trump consiga cumprir qualquer uma de suas promessas de campanha.

E todas essas circunstâncias externas e internas moldarão a postura dos EUA em relação à América Ibérica.

De imediato, é duvidoso acreditar que veremos mudanças muito radicais em relação à Nossa América, fundamentalmente porque desde pelo menos Barack Obama tem havido uma continuidade bastante fluida nas posturas de Washington em relação às Américas – postura que permite conjecturar sobre um retorno da Doutrina Monroe: “América para os americanos”, em que os “americanos” não somos nós todos, mas eles.

Nesse sentido, vimos, por exemplo, durante o governo Obama o Departamento de Justiça influenciar nas campanhas “anticorrupção” que levaram à queda de inúmeros governos não-alinhados da região. Vimos também o início da campanha de sanções contra a Venezuela e uma tentativa de revolução colorida, um escândalo de espionagem estadunidense no Brasil e a intensificação do Plano Colômbia, além da confirmação do golpe contra Manuel Zelaya em Honduras sob tutela dos EUA.

Trump intensificou as sanções contra a Venezuela, tentou instaurar Juan Guaidó como presidente e insistiu na tentativa de revolução colorida. Nesse mesmo período, houve tentativas de atentado terrorista no país e uma tentativa de invasão por mercenários comandados a partir dos EUA. O Brasil foi atraído para perto da OTAN, recebendo a categoria de “aliado não-membro da OTAN”. A influência econômica dos EUA sobre o México aumentou através do Acordo EUA-México-Canada (USMCA), que substituiu o NAFTA. E vimos o golpe na Bolívia, que derrubou Evo Morales.

E sob Biden, vimos a continuidade das sanções e tentativas de revolução colorida contra a Venezuela, um golpe no Peru, o crescimento da influência dos EUA sobre o Equador, a pressão de Washington conseguindo afastar o Brasil de posições contra-hegemônicas além da tentativa de influenciar as eleições presidenciais de 2022, uma nova tentativa de golpe na Bolívia, etc.

Estamos diante de uma política de continuidade que não parece depender, realmente, de quem ocupa a cadeira presidencial. A renovação da Doutrina Monroe é política de Estado, variando apenas em prioridades conjunturais dentro dessa estratégia geral a depender do Presidente.

Levando tudo isso em consideração, em primeiro lugar, no que concerne a Venezuela, a escolha de Marco Rubio para Secretário de Estado indica uma disposição de continuar a política de pressão, ou mesmo intensifica-la. Não obstante, os EUA passaram a se tornar parcialmente dependentes do petróleo venezuelano por causa da crise energética mundial provocada pelas sanções anti-Rússia e pelas tensões no Oriente Médio. Nesse sentido, parte da classe empresarial tem pressionado por uma suavização nas relações entre EUA e Venezuela para garantir bons preços de combustíveis para suas atividades econômicas.

Por sua vez, no Brasil, a vitória de Trump foi recebida de forma particularmente negativa, já que boa parte da política externa de Lula havia estado baseada no diálogo com o governo Biden, com o qual o governo brasileiro se identificava ideologicamente na defesa da “democracia liberal” contra o “populismo” e a “extrema-direita”, na defesa do alarmismo climático, da ideologia de gênero e em outras pautas do wokismo. Veja-se, por exemplo, que no espírito de se “equilibrar” entre Rússia-China e EUA, o Brasil assumiu uma postura antagônica perante a Venezuela, inclusive vetando sua entrada nos BRICS. A vitória de Trump embaralha e confunde o direcionamento da política externa brasileira, até por causa da relação próxima entre Trump e o ex-presidente Jair Bolsonaro, principal rival de Lula. Caso Lula não consiga construir uma relação de confiança com Trump, terá que escolher entre finalmente abraçar seu destino junto ao campo contra-hegemônico, ou então fortalecer as suas pontes com a União Europeia no caso de ainda insistir na priorização das pautas ambientais e de gênero.

Em outro sentido, não veremos mudanças significativas de rumo no que concerne países como Equador (onde Noboa pretende entregar uma base aérea para os EUA), Peru (onde tem havido crescente circulação militar estadunidense) ou Argentina (onde Milei já autorizou a construção de uma base militar dos EUA na região da Patagônia).

Países como o Chile de Gabriel Boric, que possuem uma aprovação de apenas 30%, dificilmente se verão em outra situação que não seja um retorno da direita atlantista ao poder, seja com Kast ou Matthei. E se essa já era uma tendência pela impopularidade de Boric, a vitória de Trump reforça essa tendência. Não que isso vá mudar o alinhamento do Chile, já que mesmo sob Boric o Chile tem se comportado internacionalmente como parte de uma “linha auxiliar de esquerda” do Ocidente atlantista.

Os países, portanto, que têm a maior probabilidade de sofrer uma pressão mais dura e incisiva da parte dos EUA são países como Cuba e Nicarágua, que se colocam como opositores diretos dos EUA, sem possuir os recursos que poderiam motivar uma abordagem mais diplomática, como a Venezuela. No caso desses países, a renovação ou ampliação de sanções, de tentativas de revolução colorida ou mesmo de ação de mercenários é possível, ainda que no caso cubano o soft power tem tido um sucesso maior do que a força, especialmente entre a juventude.

O México representará, por sua vez, um caso bastante especial na região. Por um lado, é um país com o qual os EUA têm buscado construir uma integração comercial em benefício dos próprios EUA. Por outro lado, será o país mais afetado pelas políticas anti-imigração dos EUA. Por enquanto, Claudia Scheinbaum parece estar trilhando o mesmo percurso de López Obrador, então o mais plausível é que o país busque uma posição moderada, em uma coexistência tensa com Washington.

E o uso do protecionismo econômico (aplicação de tarifas) como ferramenta parece que terá um papel importante nisso tudo. Ainda em relação ao México, por exemplo, os EUA prometem impor pesadas tarifas se o país vizinho não aprimorar o seu enfrentamento à imigração, o que pode inclusive acabar levando a uma ruptura do tratado USMCA.

Mas isso seria um tiro no pé. Na busca pelo enfrentamento econômico à China, os EUA fortaleceram os laços comerciais com o México para promover uma redução da dependência estadunidense da indústria chinesa. Como fica esse esforço, portanto, se Trump antagonizar o país vizinho. Essa tônica da “ameaça chinesa”, aliás, vai influenciar em várias das ações já mencionadas como possíveis direcionamentos dos EUA na região, na medida em que Washington tentará isolar e afastar a China dos países que ela vê como pertencentes ao seu “quintal”.

Em uma outra possível consequência – essa de teor mais positivo – existe uma tendência à redução da pressão dos EUA no que concerne a temática ambiental no Brasil e nos outros países da região, com o provável esvaziamento da COP30, que seria sediada na Amazônia e é de intenso interesse para as ONGs ecomundialistas. Em paralelo, é possível que haja uma pequena reconfiguração no financiamento de ONGs no Brasil, mas é necessário pontuar que, hoje, a maior parte do financiamento daquilo que chamamos de “wokismo” no Brasil vem de fontes privadas, e não de fontes estatais.

Em resumo, o governo Trump tende a ser um continuador da Doutrina Monroe, cuja reativação vem em um “crescendo” desde pelo menos o governo Obama, mas o novo contexto geopolítico e o maior nível de degradação dos EUA, impõe uma série de limitações à capacidade de Washington de alcançar os seus objetivos na região.

Trump e o cenário futuro da América Ibérica

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Agora que Donald Trump foi eleito como o 47º Presidente dos Estados Unidos já podemos começar a analisar os possíveis impactos que a sua presidência terá sobre os países da América Ibérica, nas mais diversas questões que precisarão ser abordadas pelo recém-eleito mandatário do hegemon unipolar.

Ao refletir sobre este tema estamos inevitavelmente em uma desvantagem relativa, na medida em que o governo não apenas não começou, mas nem mesmo temos confirmação plena sobre os personagens que ocuparão os principais cargos de sua Administração. Neste momento, as informações concretas e definitivas ainda são escassas, apesar de haver muitos boatos espalhados pela mídia de massa.

Ainda assim, é possível fazer algumas conjecturas tanto com base em seu governo anterior, quanto com base em seus discursos e até com base na própria situação geopolítica contemporânea.

O mundo em 2025 definitivamente não é o mundo em 2017.

A primeira e mais óbvia diferença é que em 2025 estamos diante de um cenário mundial de contestação ativa da hegemonia unipolar e da “ordem internacional baseada em regras”, defendida pelo atlantismo. A operação militar especial russa na Ucrânia deu início a uma reação em cadeia de eventos também no âmbito econômico e diplomático que puseram em marcha, de fato, a transição do momento unipolar para a ordem multipolar. Se o objetivo direto e explícito é a desmilitarização e desnazificação da Ucrânia, em um sentido indireto e implícito a Rússia busca uma reconfiguração das relações internacionais de poder, pressionando o Ocidente para que recue de suas posições avançadas e aceite o advento da multipolaridade.

A isso se soma o conflito no Oriente Médio, que já não pode mais ser pensado simplesmente nos termos de um conflito Israel-Palestina – acelerado a partir do 7 de outubro de 2023 – e tornou-se verdadeiramente um conflito regional envolvendo já o Líbano, a Síria, o Iraque, o Irã e o Iêmen.

Na África, um número crescente de países abraça uma linha multipolarista, com destaque para os países do Sahel, os quais contam com apoio da Rússia e da China. E na Europa verifica-se uma tendência eleitoral que favorece lideranças pró-russas ou, no mínimo, céticas em relação à OTAN e à geopolítica atlantista.

Outras mudanças significativas são a continuação da ascensão econômica e aprimoramento militar da China (e, inclusive, a sua reaproximação com a Índia), enquanto os EUA se veem em uma situação social ainda mais fraturada do que durante o primeiro mandato de Trump.

A inflação geral está bastante alta (20% durante os primeiros 45 meses do governo Biden), com destaque para os preços do gás e de alimentos, bem como do aluguel – o custo de vida aumentou de Trump para Biden, e apesar dos salários terem aumentado, a inflação fez com que o poder de compra real diminuísse. É necessário, também, apontar que a dívida federal de $35.8 trilhões de dólares representa um patamar significativo alcançado por Biden.

Simultaneamente, a epidemia dos opioides segue sem solução e, além disso, o problema da imigração nunca foi tão sentido nos EUA: tudo indica que o governo Biden alcançará a cifra de 10 milhões de entradas ilegais pelas fronteiras dos EUA, gerando instabilidade tanto no mercado de trabalho quanto no próprio tecido social.

Tanto os desafios internos quanto os desafios externos aumentaram, de modo que é muito duvidoso que Trump consiga cumprir qualquer uma de suas promessas de campanha.

E todas essas circunstâncias externas e internas moldarão a postura dos EUA em relação à América Ibérica.

De imediato, é duvidoso acreditar que veremos mudanças muito radicais em relação à Nossa América, fundamentalmente porque desde pelo menos Barack Obama tem havido uma continuidade bastante fluida nas posturas de Washington em relação às Américas – postura que permite conjecturar sobre um retorno da Doutrina Monroe: “América para os americanos”, em que os “americanos” não somos nós todos, mas eles.

Nesse sentido, vimos, por exemplo, durante o governo Obama o Departamento de Justiça influenciar nas campanhas “anticorrupção” que levaram à queda de inúmeros governos não-alinhados da região. Vimos também o início da campanha de sanções contra a Venezuela e uma tentativa de revolução colorida, um escândalo de espionagem estadunidense no Brasil e a intensificação do Plano Colômbia, além da confirmação do golpe contra Manuel Zelaya em Honduras sob tutela dos EUA.

Trump intensificou as sanções contra a Venezuela, tentou instaurar Juan Guaidó como presidente e insistiu na tentativa de revolução colorida. Nesse mesmo período, houve tentativas de atentado terrorista no país e uma tentativa de invasão por mercenários comandados a partir dos EUA. O Brasil foi atraído para perto da OTAN, recebendo a categoria de “aliado não-membro da OTAN”. A influência econômica dos EUA sobre o México aumentou através do Acordo EUA-México-Canada (USMCA), que substituiu o NAFTA. E vimos o golpe na Bolívia, que derrubou Evo Morales.

E sob Biden, vimos a continuidade das sanções e tentativas de revolução colorida contra a Venezuela, um golpe no Peru, o crescimento da influência dos EUA sobre o Equador, a pressão de Washington conseguindo afastar o Brasil de posições contra-hegemônicas além da tentativa de influenciar as eleições presidenciais de 2022, uma nova tentativa de golpe na Bolívia, etc.

Estamos diante de uma política de continuidade que não parece depender, realmente, de quem ocupa a cadeira presidencial. A renovação da Doutrina Monroe é política de Estado, variando apenas em prioridades conjunturais dentro dessa estratégia geral a depender do Presidente.

Levando tudo isso em consideração, em primeiro lugar, no que concerne a Venezuela, a escolha de Marco Rubio para Secretário de Estado indica uma disposição de continuar a política de pressão, ou mesmo intensifica-la. Não obstante, os EUA passaram a se tornar parcialmente dependentes do petróleo venezuelano por causa da crise energética mundial provocada pelas sanções anti-Rússia e pelas tensões no Oriente Médio. Nesse sentido, parte da classe empresarial tem pressionado por uma suavização nas relações entre EUA e Venezuela para garantir bons preços de combustíveis para suas atividades econômicas.

Por sua vez, no Brasil, a vitória de Trump foi recebida de forma particularmente negativa, já que boa parte da política externa de Lula havia estado baseada no diálogo com o governo Biden, com o qual o governo brasileiro se identificava ideologicamente na defesa da “democracia liberal” contra o “populismo” e a “extrema-direita”, na defesa do alarmismo climático, da ideologia de gênero e em outras pautas do wokismo. Veja-se, por exemplo, que no espírito de se “equilibrar” entre Rússia-China e EUA, o Brasil assumiu uma postura antagônica perante a Venezuela, inclusive vetando sua entrada nos BRICS. A vitória de Trump embaralha e confunde o direcionamento da política externa brasileira, até por causa da relação próxima entre Trump e o ex-presidente Jair Bolsonaro, principal rival de Lula. Caso Lula não consiga construir uma relação de confiança com Trump, terá que escolher entre finalmente abraçar seu destino junto ao campo contra-hegemônico, ou então fortalecer as suas pontes com a União Europeia no caso de ainda insistir na priorização das pautas ambientais e de gênero.

Em outro sentido, não veremos mudanças significativas de rumo no que concerne países como Equador (onde Noboa pretende entregar uma base aérea para os EUA), Peru (onde tem havido crescente circulação militar estadunidense) ou Argentina (onde Milei já autorizou a construção de uma base militar dos EUA na região da Patagônia).

Países como o Chile de Gabriel Boric, que possuem uma aprovação de apenas 30%, dificilmente se verão em outra situação que não seja um retorno da direita atlantista ao poder, seja com Kast ou Matthei. E se essa já era uma tendência pela impopularidade de Boric, a vitória de Trump reforça essa tendência. Não que isso vá mudar o alinhamento do Chile, já que mesmo sob Boric o Chile tem se comportado internacionalmente como parte de uma “linha auxiliar de esquerda” do Ocidente atlantista.

Os países, portanto, que têm a maior probabilidade de sofrer uma pressão mais dura e incisiva da parte dos EUA são países como Cuba e Nicarágua, que se colocam como opositores diretos dos EUA, sem possuir os recursos que poderiam motivar uma abordagem mais diplomática, como a Venezuela. No caso desses países, a renovação ou ampliação de sanções, de tentativas de revolução colorida ou mesmo de ação de mercenários é possível, ainda que no caso cubano o soft power tem tido um sucesso maior do que a força, especialmente entre a juventude.

O México representará, por sua vez, um caso bastante especial na região. Por um lado, é um país com o qual os EUA têm buscado construir uma integração comercial em benefício dos próprios EUA. Por outro lado, será o país mais afetado pelas políticas anti-imigração dos EUA. Por enquanto, Claudia Scheinbaum parece estar trilhando o mesmo percurso de López Obrador, então o mais plausível é que o país busque uma posição moderada, em uma coexistência tensa com Washington.

E o uso do protecionismo econômico (aplicação de tarifas) como ferramenta parece que terá um papel importante nisso tudo. Ainda em relação ao México, por exemplo, os EUA prometem impor pesadas tarifas se o país vizinho não aprimorar o seu enfrentamento à imigração, o que pode inclusive acabar levando a uma ruptura do tratado USMCA.

Mas isso seria um tiro no pé. Na busca pelo enfrentamento econômico à China, os EUA fortaleceram os laços comerciais com o México para promover uma redução da dependência estadunidense da indústria chinesa. Como fica esse esforço, portanto, se Trump antagonizar o país vizinho. Essa tônica da “ameaça chinesa”, aliás, vai influenciar em várias das ações já mencionadas como possíveis direcionamentos dos EUA na região, na medida em que Washington tentará isolar e afastar a China dos países que ela vê como pertencentes ao seu “quintal”.

Em uma outra possível consequência – essa de teor mais positivo – existe uma tendência à redução da pressão dos EUA no que concerne a temática ambiental no Brasil e nos outros países da região, com o provável esvaziamento da COP30, que seria sediada na Amazônia e é de intenso interesse para as ONGs ecomundialistas. Em paralelo, é possível que haja uma pequena reconfiguração no financiamento de ONGs no Brasil, mas é necessário pontuar que, hoje, a maior parte do financiamento daquilo que chamamos de “wokismo” no Brasil vem de fontes privadas, e não de fontes estatais.

Em resumo, o governo Trump tende a ser um continuador da Doutrina Monroe, cuja reativação vem em um “crescendo” desde pelo menos o governo Obama, mas o novo contexto geopolítico e o maior nível de degradação dos EUA, impõe uma série de limitações à capacidade de Washington de alcançar os seus objetivos na região.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Agora que Donald Trump foi eleito como o 47º Presidente dos Estados Unidos já podemos começar a analisar os possíveis impactos que a sua presidência terá sobre os países da América Ibérica, nas mais diversas questões que precisarão ser abordadas pelo recém-eleito mandatário do hegemon unipolar.

Ao refletir sobre este tema estamos inevitavelmente em uma desvantagem relativa, na medida em que o governo não apenas não começou, mas nem mesmo temos confirmação plena sobre os personagens que ocuparão os principais cargos de sua Administração. Neste momento, as informações concretas e definitivas ainda são escassas, apesar de haver muitos boatos espalhados pela mídia de massa.

Ainda assim, é possível fazer algumas conjecturas tanto com base em seu governo anterior, quanto com base em seus discursos e até com base na própria situação geopolítica contemporânea.

O mundo em 2025 definitivamente não é o mundo em 2017.

A primeira e mais óbvia diferença é que em 2025 estamos diante de um cenário mundial de contestação ativa da hegemonia unipolar e da “ordem internacional baseada em regras”, defendida pelo atlantismo. A operação militar especial russa na Ucrânia deu início a uma reação em cadeia de eventos também no âmbito econômico e diplomático que puseram em marcha, de fato, a transição do momento unipolar para a ordem multipolar. Se o objetivo direto e explícito é a desmilitarização e desnazificação da Ucrânia, em um sentido indireto e implícito a Rússia busca uma reconfiguração das relações internacionais de poder, pressionando o Ocidente para que recue de suas posições avançadas e aceite o advento da multipolaridade.

A isso se soma o conflito no Oriente Médio, que já não pode mais ser pensado simplesmente nos termos de um conflito Israel-Palestina – acelerado a partir do 7 de outubro de 2023 – e tornou-se verdadeiramente um conflito regional envolvendo já o Líbano, a Síria, o Iraque, o Irã e o Iêmen.

Na África, um número crescente de países abraça uma linha multipolarista, com destaque para os países do Sahel, os quais contam com apoio da Rússia e da China. E na Europa verifica-se uma tendência eleitoral que favorece lideranças pró-russas ou, no mínimo, céticas em relação à OTAN e à geopolítica atlantista.

Outras mudanças significativas são a continuação da ascensão econômica e aprimoramento militar da China (e, inclusive, a sua reaproximação com a Índia), enquanto os EUA se veem em uma situação social ainda mais fraturada do que durante o primeiro mandato de Trump.

A inflação geral está bastante alta (20% durante os primeiros 45 meses do governo Biden), com destaque para os preços do gás e de alimentos, bem como do aluguel – o custo de vida aumentou de Trump para Biden, e apesar dos salários terem aumentado, a inflação fez com que o poder de compra real diminuísse. É necessário, também, apontar que a dívida federal de $35.8 trilhões de dólares representa um patamar significativo alcançado por Biden.

Simultaneamente, a epidemia dos opioides segue sem solução e, além disso, o problema da imigração nunca foi tão sentido nos EUA: tudo indica que o governo Biden alcançará a cifra de 10 milhões de entradas ilegais pelas fronteiras dos EUA, gerando instabilidade tanto no mercado de trabalho quanto no próprio tecido social.

Tanto os desafios internos quanto os desafios externos aumentaram, de modo que é muito duvidoso que Trump consiga cumprir qualquer uma de suas promessas de campanha.

E todas essas circunstâncias externas e internas moldarão a postura dos EUA em relação à América Ibérica.

De imediato, é duvidoso acreditar que veremos mudanças muito radicais em relação à Nossa América, fundamentalmente porque desde pelo menos Barack Obama tem havido uma continuidade bastante fluida nas posturas de Washington em relação às Américas – postura que permite conjecturar sobre um retorno da Doutrina Monroe: “América para os americanos”, em que os “americanos” não somos nós todos, mas eles.

Nesse sentido, vimos, por exemplo, durante o governo Obama o Departamento de Justiça influenciar nas campanhas “anticorrupção” que levaram à queda de inúmeros governos não-alinhados da região. Vimos também o início da campanha de sanções contra a Venezuela e uma tentativa de revolução colorida, um escândalo de espionagem estadunidense no Brasil e a intensificação do Plano Colômbia, além da confirmação do golpe contra Manuel Zelaya em Honduras sob tutela dos EUA.

Trump intensificou as sanções contra a Venezuela, tentou instaurar Juan Guaidó como presidente e insistiu na tentativa de revolução colorida. Nesse mesmo período, houve tentativas de atentado terrorista no país e uma tentativa de invasão por mercenários comandados a partir dos EUA. O Brasil foi atraído para perto da OTAN, recebendo a categoria de “aliado não-membro da OTAN”. A influência econômica dos EUA sobre o México aumentou através do Acordo EUA-México-Canada (USMCA), que substituiu o NAFTA. E vimos o golpe na Bolívia, que derrubou Evo Morales.

E sob Biden, vimos a continuidade das sanções e tentativas de revolução colorida contra a Venezuela, um golpe no Peru, o crescimento da influência dos EUA sobre o Equador, a pressão de Washington conseguindo afastar o Brasil de posições contra-hegemônicas além da tentativa de influenciar as eleições presidenciais de 2022, uma nova tentativa de golpe na Bolívia, etc.

Estamos diante de uma política de continuidade que não parece depender, realmente, de quem ocupa a cadeira presidencial. A renovação da Doutrina Monroe é política de Estado, variando apenas em prioridades conjunturais dentro dessa estratégia geral a depender do Presidente.

Levando tudo isso em consideração, em primeiro lugar, no que concerne a Venezuela, a escolha de Marco Rubio para Secretário de Estado indica uma disposição de continuar a política de pressão, ou mesmo intensifica-la. Não obstante, os EUA passaram a se tornar parcialmente dependentes do petróleo venezuelano por causa da crise energética mundial provocada pelas sanções anti-Rússia e pelas tensões no Oriente Médio. Nesse sentido, parte da classe empresarial tem pressionado por uma suavização nas relações entre EUA e Venezuela para garantir bons preços de combustíveis para suas atividades econômicas.

Por sua vez, no Brasil, a vitória de Trump foi recebida de forma particularmente negativa, já que boa parte da política externa de Lula havia estado baseada no diálogo com o governo Biden, com o qual o governo brasileiro se identificava ideologicamente na defesa da “democracia liberal” contra o “populismo” e a “extrema-direita”, na defesa do alarmismo climático, da ideologia de gênero e em outras pautas do wokismo. Veja-se, por exemplo, que no espírito de se “equilibrar” entre Rússia-China e EUA, o Brasil assumiu uma postura antagônica perante a Venezuela, inclusive vetando sua entrada nos BRICS. A vitória de Trump embaralha e confunde o direcionamento da política externa brasileira, até por causa da relação próxima entre Trump e o ex-presidente Jair Bolsonaro, principal rival de Lula. Caso Lula não consiga construir uma relação de confiança com Trump, terá que escolher entre finalmente abraçar seu destino junto ao campo contra-hegemônico, ou então fortalecer as suas pontes com a União Europeia no caso de ainda insistir na priorização das pautas ambientais e de gênero.

Em outro sentido, não veremos mudanças significativas de rumo no que concerne países como Equador (onde Noboa pretende entregar uma base aérea para os EUA), Peru (onde tem havido crescente circulação militar estadunidense) ou Argentina (onde Milei já autorizou a construção de uma base militar dos EUA na região da Patagônia).

Países como o Chile de Gabriel Boric, que possuem uma aprovação de apenas 30%, dificilmente se verão em outra situação que não seja um retorno da direita atlantista ao poder, seja com Kast ou Matthei. E se essa já era uma tendência pela impopularidade de Boric, a vitória de Trump reforça essa tendência. Não que isso vá mudar o alinhamento do Chile, já que mesmo sob Boric o Chile tem se comportado internacionalmente como parte de uma “linha auxiliar de esquerda” do Ocidente atlantista.

Os países, portanto, que têm a maior probabilidade de sofrer uma pressão mais dura e incisiva da parte dos EUA são países como Cuba e Nicarágua, que se colocam como opositores diretos dos EUA, sem possuir os recursos que poderiam motivar uma abordagem mais diplomática, como a Venezuela. No caso desses países, a renovação ou ampliação de sanções, de tentativas de revolução colorida ou mesmo de ação de mercenários é possível, ainda que no caso cubano o soft power tem tido um sucesso maior do que a força, especialmente entre a juventude.

O México representará, por sua vez, um caso bastante especial na região. Por um lado, é um país com o qual os EUA têm buscado construir uma integração comercial em benefício dos próprios EUA. Por outro lado, será o país mais afetado pelas políticas anti-imigração dos EUA. Por enquanto, Claudia Scheinbaum parece estar trilhando o mesmo percurso de López Obrador, então o mais plausível é que o país busque uma posição moderada, em uma coexistência tensa com Washington.

E o uso do protecionismo econômico (aplicação de tarifas) como ferramenta parece que terá um papel importante nisso tudo. Ainda em relação ao México, por exemplo, os EUA prometem impor pesadas tarifas se o país vizinho não aprimorar o seu enfrentamento à imigração, o que pode inclusive acabar levando a uma ruptura do tratado USMCA.

Mas isso seria um tiro no pé. Na busca pelo enfrentamento econômico à China, os EUA fortaleceram os laços comerciais com o México para promover uma redução da dependência estadunidense da indústria chinesa. Como fica esse esforço, portanto, se Trump antagonizar o país vizinho. Essa tônica da “ameaça chinesa”, aliás, vai influenciar em várias das ações já mencionadas como possíveis direcionamentos dos EUA na região, na medida em que Washington tentará isolar e afastar a China dos países que ela vê como pertencentes ao seu “quintal”.

Em uma outra possível consequência – essa de teor mais positivo – existe uma tendência à redução da pressão dos EUA no que concerne a temática ambiental no Brasil e nos outros países da região, com o provável esvaziamento da COP30, que seria sediada na Amazônia e é de intenso interesse para as ONGs ecomundialistas. Em paralelo, é possível que haja uma pequena reconfiguração no financiamento de ONGs no Brasil, mas é necessário pontuar que, hoje, a maior parte do financiamento daquilo que chamamos de “wokismo” no Brasil vem de fontes privadas, e não de fontes estatais.

Em resumo, o governo Trump tende a ser um continuador da Doutrina Monroe, cuja reativação vem em um “crescendo” desde pelo menos o governo Obama, mas o novo contexto geopolítico e o maior nível de degradação dos EUA, impõe uma série de limitações à capacidade de Washington de alcançar os seus objetivos na região.

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