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Hugo Dionísio
September 17, 2024
© Photo: Public domain

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Hillary Clinton, num tête a tête com Rachel Medow (programa Rachel One-to-One na MSNBC) que assume bem o posto de rainha dos propagandistas russófobos e principal propagadora mainstream do infame “russiagate”, vem admitir a promoção de acusações criminais contra americanos que propaguem “desinformação” russa.

A própria Hillary Clinton tem enormes responsabilidades no que a desinformação diz respeito, refira-se, uma vez que foi no seu círculo pessoal que se projectou o “russiagate” e toda uma estratégia de diabolização da Rússia visando separar a União Europeia desta potência euroasiática. Embora, à data, não fosse ainda tão transparente, esta estratégia de acusação da Federação Russa de querer “interferir” nas democracias ocidentais – como se os EUA não fossem monopolistas disso mesmo – representava já o resultado do que podemos chamar de “novo normal” político ideológico: a “normalidade” em que os partidos do centro se unem numa só massa monolítica e coesa de princípios, valores e objectivos. À data, já o Partido Democrata representava Wall Street e todo o complexo militar industrial, como o faziam os mais fervorosos néocons, que muita gente pensava estarem apenas no Partido republicano.

O apoio de figuras como Dick Cheney, acompanhada de um apoio massivo de 238 néocons, antigos “staffers” de George W. Bush, McCain e Mitt Romney, referindo Kamala Harris como a “salvadora da democracia”, demonstram claramente a abrangência do partido democrata junto da classe dominante. Não se deixem enganar, para esta gente, muitos deles genocidas da pior espécie, responsáveis por crimes como o das “armas de destruição massiva” no Iraque, responsáveis pelas guerras eternas como no Afeganistão, não se trata de “salvar a democracia”. Trata-se de prosseguir o plano de recuperação da hegemonia mundial. Com tudo o que essa recuperação possa significar. Trump, para já, ameaça esse projecto, pretendendo virar-se para dentro. Veremos o que fará quando constatar que nada do que possa fazer travará a perda do domínio norte-americano no mundo.

Ora, se existe alguém com culpa na escalada que está a destruir a europa, essa pessoa é Hillary Clinton. No reinado do seu marido (Bill Clinton), entre saxofones e adultérios, o Partido Democrata não apenas se vendeu a Wall Street, iniciando um processo em que com o tempo passou a recolher tantos donativos corporativos (PACS’s) como o partido Republicano, demonstrando o jogo da generalidade das corporações nos dois tabuleiros. Só o fazem porque acreditam que os dois respondem aos seus interesses. A verdade é que o partido democrata recolhe donativos individuais de importantes bilionários como Michael Bloomberg.

O papel do Partido Democrata como instrumento de domínio antidemocrático sofre súbita importância na era Clinton, como quando, em 1996, destruiu a Lei da Imprensa de Roosevelt (Telecomunications act), que impedia o que aconteceu depois e que constatamos hoje: a concentração da média mainstream em meia dúzia de grandes conglomerados que se cartelizam e criam uma narrativa comum. Tudo sob a bandeira da “liberalização dos mercados dos média”, que acabou com as operadoras mais pequenas, acusadas de terem “monopólios locais”. A desregulação conduziu ao domínio dos média por meia dúzia de grandes conglomerados.

Ou seja, foi com Hillary e o Partido Democrata e depois com o “Patriot Act” já com Bush jr, que os EUA perderam a liberdade de imprensa, a privacidade e a liberdade de oposição, abrindo a porta à tortura e à vigilância massiva respaldada na “luta contra o terror”. Foi a era da legitimação do poder através da vitimização.

À data, o Partido Democrata à data dividiu-se, mas ainda tinha 45 resistentes à lógica da guerra eterna. Quando chegámos a 2022 e à Ucrânia, este número já se havia reduzido substancialmente. Hoje, é mais comum assistirmos a resistências do lado republicano, do que do lado democrata, para se ter uma noção do quão corrompido foi o Comité Nacional Democrata.

Provando que a repressão nunca começa com a cabeça no cepo, sendo antes resultado de um processo em escalada, que visa responder a uma crise, também nos EUA – e na europa – a perda da elasticidade democrática e o consequente endurecimento ideológico tem sido progressiva. Novamente, tal como com o 9/11 de 2001, os EUA tentaram com a Ucrânia uma nova forma de legitimação através da vitimização. Contudo, falta aos EUA o capital mundial de confiança, cuja degradação acompanha a perda de influência, respondendo a crescente repressão à perda da hegemonia mundial. A repressão é assim um “tocar a reunir” para impedir a progressão da crise.

A crescente desagregação do dólar – que nem os próprios já conseguem disfarçar – , com Trump a propor uma medida (100% em produtos que não usem dólar), aliada à crescente descredibilização e desmontagem, por cada vez mais países, do seu soft power (média, Think Tank e academia), bem como o surgimento de um competidor de luxo, que assume o lugar que sempre teve na história, deslocando, novamente, para a ásia, o centro da economia mundial, traz aos EUA uma realidade em que, caso percam a europa e o domínio que sobre ela têm, não apenas ficam isolados da “heartland” (Emanuel Todd pensava que tal iria acontecer na primeira década do século XXI, mas o wokismo e a concentração republicana e democrata num bloco de poder unificado conseguiram mitigar a situação por algum tempo), como ficam relegados ao seu pior terror, a descida para um patamar de potência regional.

Para já, não surge uma única notícia na imprensa ocidental mainstream sobre a adopção do BRICS Pay ou do facto de, em Outubro, em Kazan, 126 países irem discutir o fim da sua dependência do dólar. Nestes países concentra-se 85% da população mundial. Se isto não é notícia suficiente para um simples rodapé… A inocuidade ou a vantagem sistémica, passaram a ser a característica fundamental da actividade noticiosa.

Não obstante todos estes desenvolvimentos e a sua previsibilidade já em 2022, infelizmente, apenas uma percentagem ínfima de pessoas viu em que consistia, realmente, o conflito ucraniano. Historicamente, a relação Euroasiática constitui o pior das ameaças para o hegemonismo dos EUA. A Rússia e as relações entre a europa ocidental e o Leste, são a peça chave. Há que separá-las. Contudo, a separação humana não resiste à conexão geográfica e, acima de tudo, à mútua necessidade. Essas serão, a meu ver, inexoráveis. Até ao domínio ocidental, pela força bruta, a partir dos séculos XV-XVI, o mundo havia sido sempre multipolar. É para lá que está a voltar, novamente.

Para o impedir, a estratégia assenta, ainda e sempre, na diabolização e isolamento da Rússia. Há que impedir a conexão intercontinental Europa, Ásia, África. Face à incapacidade e à impossibilidade de tudo caracterizar como “propaganda do Kremlin” quando os factos não se ajeitam à narrativa oficial, Hillary propõe agora uma nova fase no controlo das mentes. Também os nazis perceberam a importância deste vasto país para o domínio do mundo.

Questionei-me muitas vezes quando começariam, no ocidente, a prender as pessoas por falarem “propaganda”, agora do Kremlin, amanhã de qualquer outra coisa considerada inoportuna, para quem comanda. Como num qualquer estado fascista. Já o tinha escrito diversas vezes, alertando para o facto de que as características materiais (económicas, políticas e sociais), do regime em que vivemos, constituírem o tipo de realidade que enforma os regimes que se podem designar por “fascistas”: o momento mais alto do nível de concentração de riqueza numa oligarquia dominante, que usa o poder adquirido para acelerar ainda mais a concentração e que perante a resistência das massas à destruição do seu bem estar, usa a repressão para as conter.

Os mais incautos, vendidos, reaccionários ou iludidos, incapazes de reconhecer na história o seu movimento, a relação dialéctica entre realidade e acção humana, acreditavam que o fascismo não voltaria. Que vivíamos em democracia e que, votando, tudo estaria garantido. No fascismo vota-se, nas constituições fascistas também se fala em democracia. O fascismo é apenas uma fase, mais agressiva, do processo de concentração da riqueza, com os efeitos que tal provoca na vida política, enquanto espelho das relações sociais que lhe estão subjacentes. Alguns ainda acham que vivem na mesma fase do regime em que viviam há 20 anos, mesmo que a estrutura de redistribuição da riqueza se tenha alterado radicalmente. Como se a concentração de maior poder, numa classe dominante – e com cada vez maior domínio – não mudasse nada na política.

Como se a política não fosse o espelho das relações materiais que estão na sua origem! A fase fascista inaugura também a fase mais grave da crise capitalista, reproduzida, neste nosso tempo, na crise da hegemonia do sistema económico neoliberal liderado pelos EUA. Como muito bem demonstra Mathew C. Klein e Michael Pettis no seu excelente livro “Trade Wars are Class Wars”, a guerra comercial EUA-China é também o resultado da luta de classes.

Hillary vem dar o mote político – e teórico – para o início do processo repressivo em que se agrava a luta do povo contra a classe dominante. O controlo dos média, censura nas redes sociais, vigilância em massa de cada telefone, computador, televisão ou electrodoméstico, tudo a fluir para as redes neuronais da NSA (Agência Nacional de Segurança dos EUA), fazendo o profiling, predizendo e prevendo comportamentos, não foram suficientes para impedir a degradação do “full spectrum dominance”, doutrina que desde a segunda guerra mundial constituía o guião da “liderança mundial dos EUA”.

Depois de Jack Rubin culpar a RT pelo falhanço do projecto ucraniano (que melhores assunções da artificialidade desse conflito queriam?), vem agora Killary propôr o próximo passo: prender os que dizem a verdade! Os EUA falham em criar uma falsa Palestina (Ucrânia) e um falso Israel (Federação Russa), prevendo para a Rússia o tratamento mundial que impedem para Israel, e culpam a RT. A culpa não é da realidade, não é da falácia da narrativa. A culpa é de quem a desmonta.

Poderiam dizer-me “ah! mas é propaganda do Kremlin”! Mas quem decide o que é ou não é “propaganda do Kremlin”? Quando os comunistas, progressistas e outros democratas, durante a noite fascista denunciavam a repressão, “tratava-se de propaganda comunista”, quando denunciavam a pobreza, a fome, a miséria e o analfabetismo “era propaganda comunista”. É sempre o repressor quem decide o motivo da repressão. Sempre.

E nenhuma repressão acontece sem motivo, de forma injustificada ou gratuita. Todos assumem as melhores intenções do mundo, quando respondem, a uma crise profunda, com os instrumentos da repressão. E os EUA são quem melhor narra as suas “boas intenções” …

Contudo, como diz o povo: “De boas intenções está o diabo cheio”.

Killary inaugura uma nova fase na repressão do povo americano

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Hillary Clinton, num tête a tête com Rachel Medow (programa Rachel One-to-One na MSNBC) que assume bem o posto de rainha dos propagandistas russófobos e principal propagadora mainstream do infame “russiagate”, vem admitir a promoção de acusações criminais contra americanos que propaguem “desinformação” russa.

A própria Hillary Clinton tem enormes responsabilidades no que a desinformação diz respeito, refira-se, uma vez que foi no seu círculo pessoal que se projectou o “russiagate” e toda uma estratégia de diabolização da Rússia visando separar a União Europeia desta potência euroasiática. Embora, à data, não fosse ainda tão transparente, esta estratégia de acusação da Federação Russa de querer “interferir” nas democracias ocidentais – como se os EUA não fossem monopolistas disso mesmo – representava já o resultado do que podemos chamar de “novo normal” político ideológico: a “normalidade” em que os partidos do centro se unem numa só massa monolítica e coesa de princípios, valores e objectivos. À data, já o Partido Democrata representava Wall Street e todo o complexo militar industrial, como o faziam os mais fervorosos néocons, que muita gente pensava estarem apenas no Partido republicano.

O apoio de figuras como Dick Cheney, acompanhada de um apoio massivo de 238 néocons, antigos “staffers” de George W. Bush, McCain e Mitt Romney, referindo Kamala Harris como a “salvadora da democracia”, demonstram claramente a abrangência do partido democrata junto da classe dominante. Não se deixem enganar, para esta gente, muitos deles genocidas da pior espécie, responsáveis por crimes como o das “armas de destruição massiva” no Iraque, responsáveis pelas guerras eternas como no Afeganistão, não se trata de “salvar a democracia”. Trata-se de prosseguir o plano de recuperação da hegemonia mundial. Com tudo o que essa recuperação possa significar. Trump, para já, ameaça esse projecto, pretendendo virar-se para dentro. Veremos o que fará quando constatar que nada do que possa fazer travará a perda do domínio norte-americano no mundo.

Ora, se existe alguém com culpa na escalada que está a destruir a europa, essa pessoa é Hillary Clinton. No reinado do seu marido (Bill Clinton), entre saxofones e adultérios, o Partido Democrata não apenas se vendeu a Wall Street, iniciando um processo em que com o tempo passou a recolher tantos donativos corporativos (PACS’s) como o partido Republicano, demonstrando o jogo da generalidade das corporações nos dois tabuleiros. Só o fazem porque acreditam que os dois respondem aos seus interesses. A verdade é que o partido democrata recolhe donativos individuais de importantes bilionários como Michael Bloomberg.

O papel do Partido Democrata como instrumento de domínio antidemocrático sofre súbita importância na era Clinton, como quando, em 1996, destruiu a Lei da Imprensa de Roosevelt (Telecomunications act), que impedia o que aconteceu depois e que constatamos hoje: a concentração da média mainstream em meia dúzia de grandes conglomerados que se cartelizam e criam uma narrativa comum. Tudo sob a bandeira da “liberalização dos mercados dos média”, que acabou com as operadoras mais pequenas, acusadas de terem “monopólios locais”. A desregulação conduziu ao domínio dos média por meia dúzia de grandes conglomerados.

Ou seja, foi com Hillary e o Partido Democrata e depois com o “Patriot Act” já com Bush jr, que os EUA perderam a liberdade de imprensa, a privacidade e a liberdade de oposição, abrindo a porta à tortura e à vigilância massiva respaldada na “luta contra o terror”. Foi a era da legitimação do poder através da vitimização.

À data, o Partido Democrata à data dividiu-se, mas ainda tinha 45 resistentes à lógica da guerra eterna. Quando chegámos a 2022 e à Ucrânia, este número já se havia reduzido substancialmente. Hoje, é mais comum assistirmos a resistências do lado republicano, do que do lado democrata, para se ter uma noção do quão corrompido foi o Comité Nacional Democrata.

Provando que a repressão nunca começa com a cabeça no cepo, sendo antes resultado de um processo em escalada, que visa responder a uma crise, também nos EUA – e na europa – a perda da elasticidade democrática e o consequente endurecimento ideológico tem sido progressiva. Novamente, tal como com o 9/11 de 2001, os EUA tentaram com a Ucrânia uma nova forma de legitimação através da vitimização. Contudo, falta aos EUA o capital mundial de confiança, cuja degradação acompanha a perda de influência, respondendo a crescente repressão à perda da hegemonia mundial. A repressão é assim um “tocar a reunir” para impedir a progressão da crise.

A crescente desagregação do dólar – que nem os próprios já conseguem disfarçar – , com Trump a propor uma medida (100% em produtos que não usem dólar), aliada à crescente descredibilização e desmontagem, por cada vez mais países, do seu soft power (média, Think Tank e academia), bem como o surgimento de um competidor de luxo, que assume o lugar que sempre teve na história, deslocando, novamente, para a ásia, o centro da economia mundial, traz aos EUA uma realidade em que, caso percam a europa e o domínio que sobre ela têm, não apenas ficam isolados da “heartland” (Emanuel Todd pensava que tal iria acontecer na primeira década do século XXI, mas o wokismo e a concentração republicana e democrata num bloco de poder unificado conseguiram mitigar a situação por algum tempo), como ficam relegados ao seu pior terror, a descida para um patamar de potência regional.

Para já, não surge uma única notícia na imprensa ocidental mainstream sobre a adopção do BRICS Pay ou do facto de, em Outubro, em Kazan, 126 países irem discutir o fim da sua dependência do dólar. Nestes países concentra-se 85% da população mundial. Se isto não é notícia suficiente para um simples rodapé… A inocuidade ou a vantagem sistémica, passaram a ser a característica fundamental da actividade noticiosa.

Não obstante todos estes desenvolvimentos e a sua previsibilidade já em 2022, infelizmente, apenas uma percentagem ínfima de pessoas viu em que consistia, realmente, o conflito ucraniano. Historicamente, a relação Euroasiática constitui o pior das ameaças para o hegemonismo dos EUA. A Rússia e as relações entre a europa ocidental e o Leste, são a peça chave. Há que separá-las. Contudo, a separação humana não resiste à conexão geográfica e, acima de tudo, à mútua necessidade. Essas serão, a meu ver, inexoráveis. Até ao domínio ocidental, pela força bruta, a partir dos séculos XV-XVI, o mundo havia sido sempre multipolar. É para lá que está a voltar, novamente.

Para o impedir, a estratégia assenta, ainda e sempre, na diabolização e isolamento da Rússia. Há que impedir a conexão intercontinental Europa, Ásia, África. Face à incapacidade e à impossibilidade de tudo caracterizar como “propaganda do Kremlin” quando os factos não se ajeitam à narrativa oficial, Hillary propõe agora uma nova fase no controlo das mentes. Também os nazis perceberam a importância deste vasto país para o domínio do mundo.

Questionei-me muitas vezes quando começariam, no ocidente, a prender as pessoas por falarem “propaganda”, agora do Kremlin, amanhã de qualquer outra coisa considerada inoportuna, para quem comanda. Como num qualquer estado fascista. Já o tinha escrito diversas vezes, alertando para o facto de que as características materiais (económicas, políticas e sociais), do regime em que vivemos, constituírem o tipo de realidade que enforma os regimes que se podem designar por “fascistas”: o momento mais alto do nível de concentração de riqueza numa oligarquia dominante, que usa o poder adquirido para acelerar ainda mais a concentração e que perante a resistência das massas à destruição do seu bem estar, usa a repressão para as conter.

Os mais incautos, vendidos, reaccionários ou iludidos, incapazes de reconhecer na história o seu movimento, a relação dialéctica entre realidade e acção humana, acreditavam que o fascismo não voltaria. Que vivíamos em democracia e que, votando, tudo estaria garantido. No fascismo vota-se, nas constituições fascistas também se fala em democracia. O fascismo é apenas uma fase, mais agressiva, do processo de concentração da riqueza, com os efeitos que tal provoca na vida política, enquanto espelho das relações sociais que lhe estão subjacentes. Alguns ainda acham que vivem na mesma fase do regime em que viviam há 20 anos, mesmo que a estrutura de redistribuição da riqueza se tenha alterado radicalmente. Como se a concentração de maior poder, numa classe dominante – e com cada vez maior domínio – não mudasse nada na política.

Como se a política não fosse o espelho das relações materiais que estão na sua origem! A fase fascista inaugura também a fase mais grave da crise capitalista, reproduzida, neste nosso tempo, na crise da hegemonia do sistema económico neoliberal liderado pelos EUA. Como muito bem demonstra Mathew C. Klein e Michael Pettis no seu excelente livro “Trade Wars are Class Wars”, a guerra comercial EUA-China é também o resultado da luta de classes.

Hillary vem dar o mote político – e teórico – para o início do processo repressivo em que se agrava a luta do povo contra a classe dominante. O controlo dos média, censura nas redes sociais, vigilância em massa de cada telefone, computador, televisão ou electrodoméstico, tudo a fluir para as redes neuronais da NSA (Agência Nacional de Segurança dos EUA), fazendo o profiling, predizendo e prevendo comportamentos, não foram suficientes para impedir a degradação do “full spectrum dominance”, doutrina que desde a segunda guerra mundial constituía o guião da “liderança mundial dos EUA”.

Depois de Jack Rubin culpar a RT pelo falhanço do projecto ucraniano (que melhores assunções da artificialidade desse conflito queriam?), vem agora Killary propôr o próximo passo: prender os que dizem a verdade! Os EUA falham em criar uma falsa Palestina (Ucrânia) e um falso Israel (Federação Russa), prevendo para a Rússia o tratamento mundial que impedem para Israel, e culpam a RT. A culpa não é da realidade, não é da falácia da narrativa. A culpa é de quem a desmonta.

Poderiam dizer-me “ah! mas é propaganda do Kremlin”! Mas quem decide o que é ou não é “propaganda do Kremlin”? Quando os comunistas, progressistas e outros democratas, durante a noite fascista denunciavam a repressão, “tratava-se de propaganda comunista”, quando denunciavam a pobreza, a fome, a miséria e o analfabetismo “era propaganda comunista”. É sempre o repressor quem decide o motivo da repressão. Sempre.

E nenhuma repressão acontece sem motivo, de forma injustificada ou gratuita. Todos assumem as melhores intenções do mundo, quando respondem, a uma crise profunda, com os instrumentos da repressão. E os EUA são quem melhor narra as suas “boas intenções” …

Contudo, como diz o povo: “De boas intenções está o diabo cheio”.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Hillary Clinton, num tête a tête com Rachel Medow (programa Rachel One-to-One na MSNBC) que assume bem o posto de rainha dos propagandistas russófobos e principal propagadora mainstream do infame “russiagate”, vem admitir a promoção de acusações criminais contra americanos que propaguem “desinformação” russa.

A própria Hillary Clinton tem enormes responsabilidades no que a desinformação diz respeito, refira-se, uma vez que foi no seu círculo pessoal que se projectou o “russiagate” e toda uma estratégia de diabolização da Rússia visando separar a União Europeia desta potência euroasiática. Embora, à data, não fosse ainda tão transparente, esta estratégia de acusação da Federação Russa de querer “interferir” nas democracias ocidentais – como se os EUA não fossem monopolistas disso mesmo – representava já o resultado do que podemos chamar de “novo normal” político ideológico: a “normalidade” em que os partidos do centro se unem numa só massa monolítica e coesa de princípios, valores e objectivos. À data, já o Partido Democrata representava Wall Street e todo o complexo militar industrial, como o faziam os mais fervorosos néocons, que muita gente pensava estarem apenas no Partido republicano.

O apoio de figuras como Dick Cheney, acompanhada de um apoio massivo de 238 néocons, antigos “staffers” de George W. Bush, McCain e Mitt Romney, referindo Kamala Harris como a “salvadora da democracia”, demonstram claramente a abrangência do partido democrata junto da classe dominante. Não se deixem enganar, para esta gente, muitos deles genocidas da pior espécie, responsáveis por crimes como o das “armas de destruição massiva” no Iraque, responsáveis pelas guerras eternas como no Afeganistão, não se trata de “salvar a democracia”. Trata-se de prosseguir o plano de recuperação da hegemonia mundial. Com tudo o que essa recuperação possa significar. Trump, para já, ameaça esse projecto, pretendendo virar-se para dentro. Veremos o que fará quando constatar que nada do que possa fazer travará a perda do domínio norte-americano no mundo.

Ora, se existe alguém com culpa na escalada que está a destruir a europa, essa pessoa é Hillary Clinton. No reinado do seu marido (Bill Clinton), entre saxofones e adultérios, o Partido Democrata não apenas se vendeu a Wall Street, iniciando um processo em que com o tempo passou a recolher tantos donativos corporativos (PACS’s) como o partido Republicano, demonstrando o jogo da generalidade das corporações nos dois tabuleiros. Só o fazem porque acreditam que os dois respondem aos seus interesses. A verdade é que o partido democrata recolhe donativos individuais de importantes bilionários como Michael Bloomberg.

O papel do Partido Democrata como instrumento de domínio antidemocrático sofre súbita importância na era Clinton, como quando, em 1996, destruiu a Lei da Imprensa de Roosevelt (Telecomunications act), que impedia o que aconteceu depois e que constatamos hoje: a concentração da média mainstream em meia dúzia de grandes conglomerados que se cartelizam e criam uma narrativa comum. Tudo sob a bandeira da “liberalização dos mercados dos média”, que acabou com as operadoras mais pequenas, acusadas de terem “monopólios locais”. A desregulação conduziu ao domínio dos média por meia dúzia de grandes conglomerados.

Ou seja, foi com Hillary e o Partido Democrata e depois com o “Patriot Act” já com Bush jr, que os EUA perderam a liberdade de imprensa, a privacidade e a liberdade de oposição, abrindo a porta à tortura e à vigilância massiva respaldada na “luta contra o terror”. Foi a era da legitimação do poder através da vitimização.

À data, o Partido Democrata à data dividiu-se, mas ainda tinha 45 resistentes à lógica da guerra eterna. Quando chegámos a 2022 e à Ucrânia, este número já se havia reduzido substancialmente. Hoje, é mais comum assistirmos a resistências do lado republicano, do que do lado democrata, para se ter uma noção do quão corrompido foi o Comité Nacional Democrata.

Provando que a repressão nunca começa com a cabeça no cepo, sendo antes resultado de um processo em escalada, que visa responder a uma crise, também nos EUA – e na europa – a perda da elasticidade democrática e o consequente endurecimento ideológico tem sido progressiva. Novamente, tal como com o 9/11 de 2001, os EUA tentaram com a Ucrânia uma nova forma de legitimação através da vitimização. Contudo, falta aos EUA o capital mundial de confiança, cuja degradação acompanha a perda de influência, respondendo a crescente repressão à perda da hegemonia mundial. A repressão é assim um “tocar a reunir” para impedir a progressão da crise.

A crescente desagregação do dólar – que nem os próprios já conseguem disfarçar – , com Trump a propor uma medida (100% em produtos que não usem dólar), aliada à crescente descredibilização e desmontagem, por cada vez mais países, do seu soft power (média, Think Tank e academia), bem como o surgimento de um competidor de luxo, que assume o lugar que sempre teve na história, deslocando, novamente, para a ásia, o centro da economia mundial, traz aos EUA uma realidade em que, caso percam a europa e o domínio que sobre ela têm, não apenas ficam isolados da “heartland” (Emanuel Todd pensava que tal iria acontecer na primeira década do século XXI, mas o wokismo e a concentração republicana e democrata num bloco de poder unificado conseguiram mitigar a situação por algum tempo), como ficam relegados ao seu pior terror, a descida para um patamar de potência regional.

Para já, não surge uma única notícia na imprensa ocidental mainstream sobre a adopção do BRICS Pay ou do facto de, em Outubro, em Kazan, 126 países irem discutir o fim da sua dependência do dólar. Nestes países concentra-se 85% da população mundial. Se isto não é notícia suficiente para um simples rodapé… A inocuidade ou a vantagem sistémica, passaram a ser a característica fundamental da actividade noticiosa.

Não obstante todos estes desenvolvimentos e a sua previsibilidade já em 2022, infelizmente, apenas uma percentagem ínfima de pessoas viu em que consistia, realmente, o conflito ucraniano. Historicamente, a relação Euroasiática constitui o pior das ameaças para o hegemonismo dos EUA. A Rússia e as relações entre a europa ocidental e o Leste, são a peça chave. Há que separá-las. Contudo, a separação humana não resiste à conexão geográfica e, acima de tudo, à mútua necessidade. Essas serão, a meu ver, inexoráveis. Até ao domínio ocidental, pela força bruta, a partir dos séculos XV-XVI, o mundo havia sido sempre multipolar. É para lá que está a voltar, novamente.

Para o impedir, a estratégia assenta, ainda e sempre, na diabolização e isolamento da Rússia. Há que impedir a conexão intercontinental Europa, Ásia, África. Face à incapacidade e à impossibilidade de tudo caracterizar como “propaganda do Kremlin” quando os factos não se ajeitam à narrativa oficial, Hillary propõe agora uma nova fase no controlo das mentes. Também os nazis perceberam a importância deste vasto país para o domínio do mundo.

Questionei-me muitas vezes quando começariam, no ocidente, a prender as pessoas por falarem “propaganda”, agora do Kremlin, amanhã de qualquer outra coisa considerada inoportuna, para quem comanda. Como num qualquer estado fascista. Já o tinha escrito diversas vezes, alertando para o facto de que as características materiais (económicas, políticas e sociais), do regime em que vivemos, constituírem o tipo de realidade que enforma os regimes que se podem designar por “fascistas”: o momento mais alto do nível de concentração de riqueza numa oligarquia dominante, que usa o poder adquirido para acelerar ainda mais a concentração e que perante a resistência das massas à destruição do seu bem estar, usa a repressão para as conter.

Os mais incautos, vendidos, reaccionários ou iludidos, incapazes de reconhecer na história o seu movimento, a relação dialéctica entre realidade e acção humana, acreditavam que o fascismo não voltaria. Que vivíamos em democracia e que, votando, tudo estaria garantido. No fascismo vota-se, nas constituições fascistas também se fala em democracia. O fascismo é apenas uma fase, mais agressiva, do processo de concentração da riqueza, com os efeitos que tal provoca na vida política, enquanto espelho das relações sociais que lhe estão subjacentes. Alguns ainda acham que vivem na mesma fase do regime em que viviam há 20 anos, mesmo que a estrutura de redistribuição da riqueza se tenha alterado radicalmente. Como se a concentração de maior poder, numa classe dominante – e com cada vez maior domínio – não mudasse nada na política.

Como se a política não fosse o espelho das relações materiais que estão na sua origem! A fase fascista inaugura também a fase mais grave da crise capitalista, reproduzida, neste nosso tempo, na crise da hegemonia do sistema económico neoliberal liderado pelos EUA. Como muito bem demonstra Mathew C. Klein e Michael Pettis no seu excelente livro “Trade Wars are Class Wars”, a guerra comercial EUA-China é também o resultado da luta de classes.

Hillary vem dar o mote político – e teórico – para o início do processo repressivo em que se agrava a luta do povo contra a classe dominante. O controlo dos média, censura nas redes sociais, vigilância em massa de cada telefone, computador, televisão ou electrodoméstico, tudo a fluir para as redes neuronais da NSA (Agência Nacional de Segurança dos EUA), fazendo o profiling, predizendo e prevendo comportamentos, não foram suficientes para impedir a degradação do “full spectrum dominance”, doutrina que desde a segunda guerra mundial constituía o guião da “liderança mundial dos EUA”.

Depois de Jack Rubin culpar a RT pelo falhanço do projecto ucraniano (que melhores assunções da artificialidade desse conflito queriam?), vem agora Killary propôr o próximo passo: prender os que dizem a verdade! Os EUA falham em criar uma falsa Palestina (Ucrânia) e um falso Israel (Federação Russa), prevendo para a Rússia o tratamento mundial que impedem para Israel, e culpam a RT. A culpa não é da realidade, não é da falácia da narrativa. A culpa é de quem a desmonta.

Poderiam dizer-me “ah! mas é propaganda do Kremlin”! Mas quem decide o que é ou não é “propaganda do Kremlin”? Quando os comunistas, progressistas e outros democratas, durante a noite fascista denunciavam a repressão, “tratava-se de propaganda comunista”, quando denunciavam a pobreza, a fome, a miséria e o analfabetismo “era propaganda comunista”. É sempre o repressor quem decide o motivo da repressão. Sempre.

E nenhuma repressão acontece sem motivo, de forma injustificada ou gratuita. Todos assumem as melhores intenções do mundo, quando respondem, a uma crise profunda, com os instrumentos da repressão. E os EUA são quem melhor narra as suas “boas intenções” …

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