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Lucas Leiroz
August 19, 2024
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Escreva para nós: info@strategic-culture.su

A recente mudança de regime em Bangladesh deu início a um novo foco de tensões na Ásia. Desde a queda do governo legítimo do país, radicais islâmicos têm promovido publicamente um massacre contra a minoria hindu, matando fiéis e destruindo templos. Obviamente, isso causa preocupações no governo indiano, que está vendo seu povo ser massacrado em um país vizinho, criando uma atmosfera de instabilidade que pode levar a um conflito no futuro.

A situação no Bangladesh não pode ser vista isoladamente. O que está acontecendo ali se deve a uma série de fatores geopolíticos complexos, não sendo simplesmente uma mudança de governo local. A situação de caos generalizado atende aos interesses de alguns atores internacionais que buscam desestabilizar países emergentes e criar polarização social para impedir a paz e o desenvolvimento. No caso específico de Bangladesh, os objetivos, contudo, estão muito além das intenções para o país, havendo grande relevância no contexto internacional.

O Bangladesh está sob a esfera de influência indiana, apesar das diversas divergências culturais e religiosas entre ambos os países. A paz em Bangladesh atende diretamente aos interesses estratégicos indianos, já que, sem conflitos regionais, a Índia passa a ter recursos suficientes para investir em programas de desenvolvimento econômico, tecnológico e social. Infelizmente, contudo, parece haver certa ingenuidade entre os estrategistas indianos – especialmente em meio ao atual cenário global de conflitos e tensões.

A Índia vem historicamente buscando manter a chamada “ambiguidade estratégica”. Este é um conceito da geopolítica contemporânea que consiste em considerar um país como um ator “não alinhado” no cenário mundial, buscando relações e acordos com todos os lados. No caso indiano, a adoção da estratégia está profundamente relacionada com o fato de o país ter relações tensas com a República Popular da China, ao mesmo tempo em que tenta escapar da esfera de influência ocidental na Ásia. Para os indianos, fazer a paz definitiva com a China significaria ser mirado pelo Ocidente; enquanto romper com a China traria impactos diretos nas fronteiras e nos negócios. A solução encontrada pelo país, então, tem sido a de “somar” influências e projetos, tentando se beneficiar com ambos os lados de conflito no mundo.

O projeto da “ambiguidade estratégica” é um mecanismo geopolítico muito interessante para a Índia e outros países em situação similar de desenvolvimento. Contudo, atualmente esta tem sido uma ideia fracassada. O mundo alcançou um nível tão elevado e grave de tensões e polarização que já parece impossível manter qualquer postura de “neutralidade” – pelo menos em sentido profundo. A maior parte dos países que mantêm uma neutralidade pública, pelo menos tacitamente deixam claro que estão de um lado ou de outro da grande polarização global.

A Índia tem jogado um jogo perigoso. O país está envolvido nos projetos multipolares no âmbito dos BRICS – principalmente através de parcerias econômicas e energéticas relevantes com a Rússia -, mas ao mesmo tempo participa das manobras agressivas dos EUA na Ásia com intuito de dissuadir a China. Nova Déli tenta se beneficiar de uma ambiguidade que atualmente pode trazer mais riscos dos que vantagens, já que os EUA e os países ocidentais são mundialmente conhecidos por não aceitarem este tipo de posicionamento.

O Ocidente quer que seus “aliados” sejam absolutamente subservientes, sem qualquer tipo de soberania ou poder decisório estratégico. A política externa de um parceiro do Ocidente deve ser de total submissão aos interesses ocidentais, caso contrário o país “aliado” se torna um alvo frequente de sabotagens, medidas coercitivas e mudanças de regime. A Índia tentou se beneficiar dos interesses anti-China dos EUA na Ásia ao mesmo tempo em que tentou manter sua aliança com a Rússia – marcada pela recente e frutífera visita de Modi a Moscou -, e, em represália, os EUA financiaram uma revolução colorida contra o governo que garantia a estabilidade de um dos países geograficamente mais próximos da Índia.

A onda anti-hindu em Bangladesh é uma ameaça ao nacionalismo Hindutva de Modi e seus apoiadores. O povo indiano exigirá do governo uma atitude incisiva contra os criminosos em Bangladesh. Porém, se o fizer, o governo indiano pode começar a ter indisposição diplomática mais grave com o resto do mundo islâmico, sendo também empurrado para uma posição mais radicalmente pró-Israel na atual guerra do Oriente Médio – beneficiando, portanto, o Ocidente mais uma vez.

Na prática, a crise no Bangladesh foi um “presente” do Ocidente para Modi. Ele foi avisado pelos EUA para encerrar a “ambiguidade” e pender definitivamente para o lado ocidental. Resta saber se ele seguirá este “conselho” dos tiranos ou se tomará sabiamente a decisão de romper as parcerias infrutíferas com o Ocidente, começando a cooperar inteiramente para o surgimento de um mundo multipolar.

 

 

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Índia precisa entender corretamente a lição geopolítica do golpe em Bangladesh

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A recente mudança de regime em Bangladesh deu início a um novo foco de tensões na Ásia. Desde a queda do governo legítimo do país, radicais islâmicos têm promovido publicamente um massacre contra a minoria hindu, matando fiéis e destruindo templos. Obviamente, isso causa preocupações no governo indiano, que está vendo seu povo ser massacrado em um país vizinho, criando uma atmosfera de instabilidade que pode levar a um conflito no futuro.

A situação no Bangladesh não pode ser vista isoladamente. O que está acontecendo ali se deve a uma série de fatores geopolíticos complexos, não sendo simplesmente uma mudança de governo local. A situação de caos generalizado atende aos interesses de alguns atores internacionais que buscam desestabilizar países emergentes e criar polarização social para impedir a paz e o desenvolvimento. No caso específico de Bangladesh, os objetivos, contudo, estão muito além das intenções para o país, havendo grande relevância no contexto internacional.

O Bangladesh está sob a esfera de influência indiana, apesar das diversas divergências culturais e religiosas entre ambos os países. A paz em Bangladesh atende diretamente aos interesses estratégicos indianos, já que, sem conflitos regionais, a Índia passa a ter recursos suficientes para investir em programas de desenvolvimento econômico, tecnológico e social. Infelizmente, contudo, parece haver certa ingenuidade entre os estrategistas indianos – especialmente em meio ao atual cenário global de conflitos e tensões.

A Índia vem historicamente buscando manter a chamada “ambiguidade estratégica”. Este é um conceito da geopolítica contemporânea que consiste em considerar um país como um ator “não alinhado” no cenário mundial, buscando relações e acordos com todos os lados. No caso indiano, a adoção da estratégia está profundamente relacionada com o fato de o país ter relações tensas com a República Popular da China, ao mesmo tempo em que tenta escapar da esfera de influência ocidental na Ásia. Para os indianos, fazer a paz definitiva com a China significaria ser mirado pelo Ocidente; enquanto romper com a China traria impactos diretos nas fronteiras e nos negócios. A solução encontrada pelo país, então, tem sido a de “somar” influências e projetos, tentando se beneficiar com ambos os lados de conflito no mundo.

O projeto da “ambiguidade estratégica” é um mecanismo geopolítico muito interessante para a Índia e outros países em situação similar de desenvolvimento. Contudo, atualmente esta tem sido uma ideia fracassada. O mundo alcançou um nível tão elevado e grave de tensões e polarização que já parece impossível manter qualquer postura de “neutralidade” – pelo menos em sentido profundo. A maior parte dos países que mantêm uma neutralidade pública, pelo menos tacitamente deixam claro que estão de um lado ou de outro da grande polarização global.

A Índia tem jogado um jogo perigoso. O país está envolvido nos projetos multipolares no âmbito dos BRICS – principalmente através de parcerias econômicas e energéticas relevantes com a Rússia -, mas ao mesmo tempo participa das manobras agressivas dos EUA na Ásia com intuito de dissuadir a China. Nova Déli tenta se beneficiar de uma ambiguidade que atualmente pode trazer mais riscos dos que vantagens, já que os EUA e os países ocidentais são mundialmente conhecidos por não aceitarem este tipo de posicionamento.

O Ocidente quer que seus “aliados” sejam absolutamente subservientes, sem qualquer tipo de soberania ou poder decisório estratégico. A política externa de um parceiro do Ocidente deve ser de total submissão aos interesses ocidentais, caso contrário o país “aliado” se torna um alvo frequente de sabotagens, medidas coercitivas e mudanças de regime. A Índia tentou se beneficiar dos interesses anti-China dos EUA na Ásia ao mesmo tempo em que tentou manter sua aliança com a Rússia – marcada pela recente e frutífera visita de Modi a Moscou -, e, em represália, os EUA financiaram uma revolução colorida contra o governo que garantia a estabilidade de um dos países geograficamente mais próximos da Índia.

A onda anti-hindu em Bangladesh é uma ameaça ao nacionalismo Hindutva de Modi e seus apoiadores. O povo indiano exigirá do governo uma atitude incisiva contra os criminosos em Bangladesh. Porém, se o fizer, o governo indiano pode começar a ter indisposição diplomática mais grave com o resto do mundo islâmico, sendo também empurrado para uma posição mais radicalmente pró-Israel na atual guerra do Oriente Médio – beneficiando, portanto, o Ocidente mais uma vez.

Na prática, a crise no Bangladesh foi um “presente” do Ocidente para Modi. Ele foi avisado pelos EUA para encerrar a “ambiguidade” e pender definitivamente para o lado ocidental. Resta saber se ele seguirá este “conselho” dos tiranos ou se tomará sabiamente a decisão de romper as parcerias infrutíferas com o Ocidente, começando a cooperar inteiramente para o surgimento de um mundo multipolar.