Escreva para nós: info@strategic-culture.su
A maior parte dos 25 anos de governo chavista tem sido de sucessivas tentativas de golpe de Estado, desestabilização, boicotes, sabotagens, bloqueios econômicos, locautes, guarimbas, violência, caos e terror por parte da oposição.
Se, por um lado, a reação a um governo que busca reformar a sociedade em benefício da maioria explorada e oprimida é natural, por outro lado as constantes tentativas do chavismo de conciliação com a oposição jamais conseguiram pacificar o país, porque é inútil mudar a natureza da burguesia e do imperialismo que a apoia – esse é o caráter de classe da oposição venezuelana.
O chavismo, portanto, entrou em um impasse desde o primeiro momento em que se propôs a realizar essas reformas de maneira profunda, abalando as estruturas do sistema capitalista em que o seu governo estava envolvido. De fato, desde os anos 2000 a Venezuela vive em uma espécie de estado de transição, em que o governo e suas bases operárias e camponesas, ou seja, o chavismo, é um poder paralelo ao poder do Estado em si, ou seja, das instituições estabelecidas e controladas pela classe dominante.
Essas instituições da classe dominante, controladas por ela, são antagônicas ao governo chavista. Aprofundando as tentativas de reformas, o chavismo buscou criar suas próprias instituições e tomar das mãos da burguesia as instituições que ela criou e controla. Mas essa é uma tarefa inglória e após 20 anos ela ainda não foi totalmente cumprida.
O chavismo é a comprovação mais recente de que reformar o sistema capitalista e transformá-lo em um sistema socialista a partir das suas próprias instituições é impossível. Não é uma utopia romântica, como sempre querem nos convencer os socialistas utópicos, ou seja, reformistas. É simplesmente uma utopia. É idiota.
A tomada do governo e a reforma das instituições só tem um caráter progressista e positivo no sentido de que facilita a derrubada violenta do poder da burguesia e do imperialismo, e não a de que possibilita uma transformação institucional completa para que o povo esteja no poder e a burguesia fique chupando o dedo.
O chavismo é o movimento social mais poderoso surgido na América Latina desde a Revolução Cubana de 1959. Seu ponto inicial pode ser considerado o Caracazo de 1989, que motivou Hugo Chávez e outros oficiais a tentarem um golpe em 1992, que lhes deu enorme popularidade e incentivou o crescimento do movimento popular nascido do Caracazo e que, finalmente, elegeu Chávez em 1998.
Em 31 pleitos (entre eleições nacionais e locais, plebiscitos e referendos) realizados a partir de 1998, a oposição conquistou apenas duas vitórias significativas – entre elas, a maioria parlamentar em 2015, a partir de uma fraude. Atualmente, o chavismo detém a presidência da República, 19 dos 23 governos estaduais e 213 das 335 prefeituras – um controle seguro do poder executivo em todos os âmbitos. Também tem 222 dos 277 deputados da Assembleia Nacional e a maioria de parlamentares em 20 das 23 assembleias legislativas estaduais e em 224 dos 335 conselhos municipais – uma hegemonia dentro do poder legislativo. Essas são evidências do apoio popular do chavismo, pois todos esses cargos são preenchidos por representantes eleitos diretamente pelo povo.
Hugo Chávez e Nicolás Maduro criaram instituições não estatais que, no entanto, principalmente antes do período golpista e desestabilizador aberto em 2013, comportaram-se quase como órgãos de poder, um poder popular paralelo. Me refiro particularmente às comunas e aos coletivos populares de segurança, e em menor medida aos CLAP e à milícia bolivariana.
Esse amplo apoio popular organizado e a representação dominante nos órgãos executivos e legislativos permitiu ao governo trocar funcionários da burguesia por funcionários do chavismo nessas instituições, bem como em instituições não eletivas, como o poder judiciário, o ministério público, as procuradorias e promotorias e o Conselho Nacional Eleitoral. Especialmente após a derrota do golpe de 2002, houve uma reestruturação da Força Armada Nacional Bolivariana e da Polícia Nacional Bolivariana, para que o alto escalão fosse integrado por oficiais legalistas e não golpistas. Também foi criada a doutrina da união cívico-militar, o que significou uma democratização do exército e a possibilidade do armamento da população.
É verdade que ao longo desse processo o chavismo sofreu vários revezes. Seu caráter não é puramente proletário e socialista, mas sim burguês – no sentido de que não é uma força que vem totalmente de baixo, da auto-organização popular, mas sim de que, apesar de contar com o evidente apoio e enorme influência dos trabalhadores, tem uma ideologia reformista e uma hierarquia onde membros da pequena burguesia (como os militares de baixo e médio escalão à semelhança do próprio Chávez) estão no topo. Esse já era um entrave desde o início. E fez com que, à medida que os enfrentamentos com a burguesia e o imperialismo foram mais violentos, os setores não proletários não lutaram de forma contundente. Houve traições dentro das fileiras chavistas, houve conciliações e capitulações, houve a conivência com condutas contrarrevolucionárias e houve a permissão para que representantes de setores contrarrevolucionários da pequena burguesia e mesmo da burguesia se infiltrassem no chavismo em busca de cargos estatais e até mesmo para sabotar o movimento por dentro.
As vacilações em momentos chave, as conciliações, capitulações e mesmo traições pontuais desmoralizaram o chavismo diante das massas populares, em uma certa medida. Principalmente quando essas massas eram sufocadas pela guerra econômica imperialista. Essa é a razão da queda no número de votos de Maduro nas últimas três eleições. O choque contra o imperialismo foi intenso nos últimos dez anos. As pressões foram enormes. O chavismo se desgastou, apesar de continuar a ser, sem sombra de dúvidas, um poderoso movimento popular e uma força progressista com potencial revolucionário.
A atual ofensiva golpista interna e externa não é nova, mas vem em um momento de ofensiva geral do imperialismo sobre a América Latina, particularmente a América do Sul, com Milei sendo a ponta de lança do golpismo continental e o bolsonarismo mantendo sua força no Brasil, o maior e mais importante país do subcontinente. Está na hora de o chavismo aprender com a sua própria história. De aprender com seus equívocos e acertos.
Como foram conquistadas as vitórias contra os golpes anteriores? Com a mobilização radical dos trabalhadores e demais camadas populares. Com o preenchimento das ruas de vermelho para expulsar os bandos fascistas, inclusive pela força das armas nas mãos do povo. Através da liberdade de organização dos sindicatos e coletivos de bairros, pela propaganda contra os inimigos do povo e pela intervenção estatal sobre as empresas privadas que conspiram contra o governo.
Se há uma grande parcela da população desanimada e desconfiada do governo, é preciso executar ações que comprovem que o chavismo é seu representante e que merece sua total confiança. É preciso adotar medidas a favor do povo, como a expropriação dos latifúndios e a entrega da terra aos camponeses, o combate à especulação imobiliária ao permitir que cada família sem moradia digna possa ocupar um imóvel vazio, a tomada de todos os veículos de comunicação que incentivam a violência opositora e o golpe de Estado para que os comunicadores populares possam exibir sua própria programação, contar sua própria história e emitir sua própria opinião.
É preciso, acima de tudo, encampar cada fábrica, cada galpão, cada prédio comercial, cada empresa e cada banco de propriedade da burguesia golpista. A única forma de estabelecer um poder político soberano é detendo também o poder econômico. O maior de todos os erros do chavismo nesses 25 anos foi ter permitido a manutenção da propriedade privada dos grandes meios de produção pela burguesia golpista e imperialista. Foi a partir do poder econômico que a oposição conseguiu minar o governo. É hora de colocar um fim nisso. Medidas que beneficiem economicamente o povo, que assegurem os seus direitos sociais e que vão em direção à entrega do poder político a ele (isto é, o estabelecimento de uma democracia genuína) naturalmente farão com que o chavismo recupera o apoio de parte das classes populares e médias e ampliarão a autoridade do governo para esmagar a reação golpista e prender todos os seus líderes.
Apesar de haver um golpe em marcha, tanto na Venezuela como no continente inteiro, há um ponto fundamental na atual situação política, em particular a internacional, que favorece o governo Maduro. Ele tem Rússia e China como aliados e seus principais vizinhos – Brasil e Colômbia – são governados por presidentes amigos que, embora não estejam dispostos a comprar a briga de Maduro, tendem a bloquear qualquer ação mais incisiva dos Estados Unidos e da direita continental contra a Venezuela.
Diante do golpismo descarado patrocinado pelos EUA, Maduro deu declarações animadoras e indicou qual deve ser o caminho a ser trilhado pela Venezuela. Ele disse que, se os imperialistas “cometerem o erro de suas vidas” ao aumentarem as pressões golpistas, ele poderia romper os contratos com as companhias americanas e europeias nos setores de gás e petróleo e trocá-los por contratos com empresas de países aliados, como os membros dos BRICS. Pouco depois, incentivou os venezuelanos a abandonarem o WhatsApp e começarem a usar outros aplicativos de conversas, nomeadamente o WeChat chinês e o Telegram russo.
Se Maduro for consequente com as suas palavras e, apoiado na mobilização radical das massas chavistas, expulsar as grandes companhias americanas e europeias da Venezuela, ele começará a cortar pela raiz todo o mal causado ao seu povo nos últimos anos. Essas empresas, ao invés de contribuir para o desenvolvimento econômico e social da Venezuela, sugam as suas riquezas, enfiam nos bolsos de seus donos e ainda por cima financiam a oposição golpista com esse dinheiro – quando não roubam abertamente o dinheiro do país, como ocorreu com a Citgo nos Estados Unidos ou o ouro venezuelano na Inglaterra.
Se há um receio de desencadear uma reação militar do imperialismo com essas medidas, Maduro deveria garantir o apoio militar de Putin e Xi Jinping, acordando que parte das empresas imperialistas expropriadas poderia passar ao controle de empresas russas e chinesas. Há uma vasta gama de possibilidades de parcerias, desde a entrega integral a essas empresas até a formação de joint-ventures, de empresas mistas, a partir de acordos em que todos ganham. Russos e chineses poderiam acelerar a transferência de tecnologia para a Venezuela poder caminhar com as próprias pernas em vários setores, poderiam ficar responsáveis por obras de infraestrutura (como faz Pequim por toda a África) e poderiam suprir todas as necessidades adicionais da Venezuela. E não só Rússia e China, mas Índia, Irã e Turquia, com quem Caracas tem ótimas relações e já faz parcerias importantes em diversas áreas, também poderiam contribuir na defesa da Venezuela diante das inevitáveis investidas dos Estados Unidos. Brasil, Colômbia e México, com seus atuais governos e seu poderio econômico regional, também poderiam ser parceiros importantes em diversas áreas. Certamente convém ao interesse nacional próprio de cada um desses países abocanhar uma parcela do mercado venezuelano.
A grande vantagem para a Venezuela seria trocar a dependência de companhias imperialistas, que sugam suas riquezas e mantêm o país atrasado e instável, por companhias que não têm o mesmo caráter, mesmo que muitas delas possam ser de propriedade privada. Porque o capital privado proveniente dos países dos BRICS, dos países da América Latina, Ásia, África e leste europeu, não tem a mesma natureza imperialista do capital privado da América do Norte e da Europa. Ainda que sejam de propriedade de grandes magnatas indianos, xeques árabes ou oligarcas russos, essas empresas não controlam o mercado mundial e sequer participam dos monopólios que dominam a economia global. Não têm, portanto, o poder de interferir de maneira decisiva na política de outros países ou de fazer os países pequenos de refém. Não é uma questão de boas ou más intenções, mas sim uma realidade objetiva. A China é o maior parceiro comercial da maioria dos países do mundo, mas mesmo assim eles ainda são controlados política e economicamente pelas potências imperialistas.
Maduro e o chavismo têm a necessidade imediata e vital de colocar em prática a ideia proposta por ele. Esse seria o início de uma revolução ainda mais importante e radical do que qualquer episódio da chamada “revolução bolivariana” até agora. Seria o começo da verdadeira libertação do povo venezuelano dos grilhões aos quais ainda está acorrentado. Muitos dizem que Maduro não é Chávez, mas agora ele tem a oportunidade de honrar o seu legado e fazer algo que o próprio Chávez nunca conseguiu fazer.