Português
Eduardo Vasco
August 10, 2024
© Photo: Public domain

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

A maior parte dos 25 anos de governo chavista tem sido de sucessivas tentativas de golpe de Estado, desestabilização, boicotes, sabotagens, bloqueios econômicos, locautes, guarimbas, violência, caos e terror por parte da oposição.

Se, por um lado, a reação a um governo que busca reformar a sociedade em benefício da maioria explorada e oprimida é natural, por outro lado as constantes tentativas do chavismo de conciliação com a oposição jamais conseguiram pacificar o país, porque é inútil mudar a natureza da burguesia e do imperialismo que a apoia – esse é o caráter de classe da oposição venezuelana.

O chavismo, portanto, entrou em um impasse desde o primeiro momento em que se propôs a realizar essas reformas de maneira profunda, abalando as estruturas do sistema capitalista em que o seu governo estava envolvido. De fato, desde os anos 2000 a Venezuela vive em uma espécie de estado de transição, em que o governo e suas bases operárias e camponesas, ou seja, o chavismo, é um poder paralelo ao poder do Estado em si, ou seja, das instituições estabelecidas e controladas pela classe dominante.

Essas instituições da classe dominante, controladas por ela, são antagônicas ao governo chavista. Aprofundando as tentativas de reformas, o chavismo buscou criar suas próprias instituições e tomar das mãos da burguesia as instituições que ela criou e controla. Mas essa é uma tarefa inglória e após 20 anos ela ainda não foi totalmente cumprida.

O chavismo é a comprovação mais recente de que reformar o sistema capitalista e transformá-lo em um sistema socialista a partir das suas próprias instituições é impossível. Não é uma utopia romântica, como sempre querem nos convencer os socialistas utópicos, ou seja, reformistas. É simplesmente uma utopia. É idiota.

A tomada do governo e a reforma das instituições só tem um caráter progressista e positivo no sentido de que facilita a derrubada violenta do poder da burguesia e do imperialismo, e não a de que possibilita uma transformação institucional completa para que o povo esteja no poder e a burguesia fique chupando o dedo.

O chavismo é o movimento social mais poderoso surgido na América Latina desde a Revolução Cubana de 1959. Seu ponto inicial pode ser considerado o Caracazo de 1989, que motivou Hugo Chávez e outros oficiais a tentarem um golpe em 1992, que lhes deu enorme popularidade e incentivou o crescimento do movimento popular nascido do Caracazo e que, finalmente, elegeu Chávez em 1998.

Em 31 pleitos (entre eleições nacionais e locais, plebiscitos e referendos) realizados a partir de 1998, a oposição conquistou apenas duas vitórias significativas – entre elas, a maioria parlamentar em 2015, a partir de uma fraude. Atualmente, o chavismo detém a presidência da República, 19 dos 23 governos estaduais e 213 das 335 prefeituras – um controle seguro do poder executivo em todos os âmbitos. Também tem 222 dos 277 deputados da Assembleia Nacional e a maioria de parlamentares em 20 das 23 assembleias legislativas estaduais e em 224 dos 335 conselhos municipais – uma hegemonia dentro do poder legislativo. Essas são evidências do apoio popular do chavismo, pois todos esses cargos são preenchidos por representantes eleitos diretamente pelo povo.

Hugo Chávez e Nicolás Maduro criaram instituições não estatais que, no entanto, principalmente antes do período golpista e desestabilizador aberto em 2013, comportaram-se quase como órgãos de poder, um poder popular paralelo. Me refiro particularmente às comunas e aos coletivos populares de segurança, e em menor medida aos CLAP e à milícia bolivariana.

Esse amplo apoio popular organizado e a representação dominante nos órgãos executivos e legislativos permitiu ao governo trocar funcionários da burguesia por funcionários do chavismo nessas instituições, bem como em instituições não eletivas, como o poder judiciário, o ministério público, as procuradorias e promotorias e o Conselho Nacional Eleitoral. Especialmente após a derrota do golpe de 2002, houve uma reestruturação da Força Armada Nacional Bolivariana e da Polícia Nacional Bolivariana, para que o alto escalão fosse integrado por oficiais legalistas e não golpistas. Também foi criada a doutrina da união cívico-militar, o que significou uma democratização do exército e a possibilidade do armamento da população.

É verdade que ao longo desse processo o chavismo sofreu vários revezes. Seu caráter não é puramente proletário e socialista, mas sim burguês – no sentido de que não é uma força que vem totalmente de baixo, da auto-organização popular, mas sim de que, apesar de contar com o evidente apoio e enorme influência dos trabalhadores, tem uma ideologia reformista e uma hierarquia onde membros da pequena burguesia (como os militares de baixo e médio escalão à semelhança do próprio Chávez) estão no topo. Esse já era um entrave desde o início. E fez com que, à medida que os enfrentamentos com a burguesia e o imperialismo foram mais violentos, os setores não proletários não lutaram de forma contundente. Houve traições dentro das fileiras chavistas, houve conciliações e capitulações, houve a conivência com condutas contrarrevolucionárias e houve a permissão para que representantes de setores contrarrevolucionários da pequena burguesia e mesmo da burguesia se infiltrassem no chavismo em busca de cargos estatais e até mesmo para sabotar o movimento por dentro.

As vacilações em momentos chave, as conciliações, capitulações e mesmo traições pontuais desmoralizaram o chavismo diante das massas populares, em uma certa medida. Principalmente quando essas massas eram sufocadas pela guerra econômica imperialista. Essa é a razão da queda no número de votos de Maduro nas últimas três eleições. O choque contra o imperialismo foi intenso nos últimos dez anos. As pressões foram enormes. O chavismo se desgastou, apesar de continuar a ser, sem sombra de dúvidas, um poderoso movimento popular e uma força progressista com potencial revolucionário.

A atual ofensiva golpista interna e externa não é nova, mas vem em um momento de ofensiva geral do imperialismo sobre a América Latina, particularmente a América do Sul, com Milei sendo a ponta de lança do golpismo continental e o bolsonarismo mantendo sua força no Brasil, o maior e mais importante país do subcontinente. Está na hora de o chavismo aprender com a sua própria história. De aprender com seus equívocos e acertos.

Como foram conquistadas as vitórias contra os golpes anteriores? Com a mobilização radical dos trabalhadores e demais camadas populares. Com o preenchimento das ruas de vermelho para expulsar os bandos fascistas, inclusive pela força das armas nas mãos do povo. Através da liberdade de organização dos sindicatos e coletivos de bairros, pela propaganda contra os inimigos do povo e pela intervenção estatal sobre as empresas privadas que conspiram contra o governo.

Se há uma grande parcela da população desanimada e desconfiada do governo, é preciso executar ações que comprovem que o chavismo é seu representante e que merece sua total confiança. É preciso adotar medidas a favor do povo, como a expropriação dos latifúndios e a entrega da terra aos camponeses, o combate à especulação imobiliária ao permitir que cada família sem moradia digna possa ocupar um imóvel vazio, a tomada de todos os veículos de comunicação que incentivam a violência opositora e o golpe de Estado para que os comunicadores populares possam exibir sua própria programação, contar sua própria história e emitir sua própria opinião.

É preciso, acima de tudo, encampar cada fábrica, cada galpão, cada prédio comercial, cada empresa e cada banco de propriedade da burguesia golpista. A única forma de estabelecer um poder político soberano é detendo também o poder econômico. O maior de todos os erros do chavismo nesses 25 anos foi ter permitido a manutenção da propriedade privada dos grandes meios de produção pela burguesia golpista e imperialista. Foi a partir do poder econômico que a oposição conseguiu minar o governo. É hora de colocar um fim nisso. Medidas que beneficiem economicamente o povo, que assegurem os seus direitos sociais e que vão em direção à entrega do poder político a ele (isto é, o estabelecimento de uma democracia genuína) naturalmente farão com que o chavismo recupera o apoio de parte das classes populares e médias e ampliarão a autoridade do governo para esmagar a reação golpista e prender todos os seus líderes.

Apesar de haver um golpe em marcha, tanto na Venezuela como no continente inteiro, há um ponto fundamental na atual situação política, em particular a internacional, que favorece o governo Maduro. Ele tem Rússia e China como aliados e seus principais vizinhos – Brasil e Colômbia – são governados por presidentes amigos que, embora não estejam dispostos a comprar a briga de Maduro, tendem a bloquear qualquer ação mais incisiva dos Estados Unidos e da direita continental contra a Venezuela.

Diante do golpismo descarado patrocinado pelos EUA, Maduro deu declarações animadoras e indicou qual deve ser o caminho a ser trilhado pela Venezuela. Ele disse que, se os imperialistas “cometerem o erro de suas vidas” ao aumentarem as pressões golpistas, ele poderia romper os contratos com as companhias americanas e europeias nos setores de gás e petróleo e trocá-los por contratos com empresas de países aliados, como os membros dos BRICS. Pouco depois, incentivou os venezuelanos a abandonarem o WhatsApp e começarem a usar outros aplicativos de conversas, nomeadamente o WeChat chinês e o Telegram russo.

Se Maduro for consequente com as suas palavras e, apoiado na mobilização radical das massas chavistas, expulsar as grandes companhias americanas e europeias da Venezuela, ele começará a cortar pela raiz todo o mal causado ao seu povo nos últimos anos. Essas empresas, ao invés de contribuir para o desenvolvimento econômico e social da Venezuela, sugam as suas riquezas, enfiam nos bolsos de seus donos e ainda por cima financiam a oposição golpista com esse dinheiro – quando não roubam abertamente o dinheiro do país, como ocorreu com a Citgo nos Estados Unidos ou o ouro venezuelano na Inglaterra.

Se há um receio de desencadear uma reação militar do imperialismo com essas medidas, Maduro deveria garantir o apoio militar de Putin e Xi Jinping, acordando que parte das empresas imperialistas expropriadas poderia passar ao controle de empresas russas e chinesas. Há uma vasta gama de possibilidades de parcerias, desde a entrega integral a essas empresas até a formação de joint-ventures, de empresas mistas, a partir de acordos em que todos ganham. Russos e chineses poderiam acelerar a transferência de tecnologia para a Venezuela poder caminhar com as próprias pernas em vários setores, poderiam ficar responsáveis por obras de infraestrutura (como faz Pequim por toda a África) e poderiam suprir todas as necessidades adicionais da Venezuela. E não só Rússia e China, mas Índia, Irã e Turquia, com quem Caracas tem ótimas relações e já faz parcerias importantes em diversas áreas, também poderiam contribuir na defesa da Venezuela diante das inevitáveis investidas dos Estados Unidos. Brasil, Colômbia e México, com seus atuais governos e seu poderio econômico regional, também poderiam ser parceiros importantes em diversas áreas. Certamente convém ao interesse nacional próprio de cada um desses países abocanhar uma parcela do mercado venezuelano.

A grande vantagem para a Venezuela seria trocar a dependência de companhias imperialistas, que sugam suas riquezas e mantêm o país atrasado e instável, por companhias que não têm o mesmo caráter, mesmo que muitas delas possam ser de propriedade privada. Porque o capital privado proveniente dos países dos BRICS, dos países da América Latina, Ásia, África e leste europeu, não tem a mesma natureza imperialista do capital privado da América do Norte e da Europa. Ainda que sejam de propriedade de grandes magnatas indianos, xeques árabes ou oligarcas russos, essas empresas não controlam o mercado mundial e sequer participam dos monopólios que dominam a economia global. Não têm, portanto, o poder de interferir de maneira decisiva na política de outros países ou de fazer os países pequenos de refém. Não é uma questão de boas ou más intenções, mas sim uma realidade objetiva. A China é o maior parceiro comercial da maioria dos países do mundo, mas mesmo assim eles ainda são controlados política e economicamente pelas potências imperialistas.

Maduro e o chavismo têm a necessidade imediata e vital de colocar em prática a ideia proposta por ele. Esse seria o início de uma revolução ainda mais importante e radical do que qualquer episódio da chamada “revolução bolivariana” até agora. Seria o começo da verdadeira libertação do povo venezuelano dos grilhões aos quais ainda está acorrentado. Muitos dizem que Maduro não é Chávez, mas agora ele tem a oportunidade de honrar o seu legado e fazer algo que o próprio Chávez nunca conseguiu fazer.

A ruptura total é a única opção que restou à Venezuela

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

A maior parte dos 25 anos de governo chavista tem sido de sucessivas tentativas de golpe de Estado, desestabilização, boicotes, sabotagens, bloqueios econômicos, locautes, guarimbas, violência, caos e terror por parte da oposição.

Se, por um lado, a reação a um governo que busca reformar a sociedade em benefício da maioria explorada e oprimida é natural, por outro lado as constantes tentativas do chavismo de conciliação com a oposição jamais conseguiram pacificar o país, porque é inútil mudar a natureza da burguesia e do imperialismo que a apoia – esse é o caráter de classe da oposição venezuelana.

O chavismo, portanto, entrou em um impasse desde o primeiro momento em que se propôs a realizar essas reformas de maneira profunda, abalando as estruturas do sistema capitalista em que o seu governo estava envolvido. De fato, desde os anos 2000 a Venezuela vive em uma espécie de estado de transição, em que o governo e suas bases operárias e camponesas, ou seja, o chavismo, é um poder paralelo ao poder do Estado em si, ou seja, das instituições estabelecidas e controladas pela classe dominante.

Essas instituições da classe dominante, controladas por ela, são antagônicas ao governo chavista. Aprofundando as tentativas de reformas, o chavismo buscou criar suas próprias instituições e tomar das mãos da burguesia as instituições que ela criou e controla. Mas essa é uma tarefa inglória e após 20 anos ela ainda não foi totalmente cumprida.

O chavismo é a comprovação mais recente de que reformar o sistema capitalista e transformá-lo em um sistema socialista a partir das suas próprias instituições é impossível. Não é uma utopia romântica, como sempre querem nos convencer os socialistas utópicos, ou seja, reformistas. É simplesmente uma utopia. É idiota.

A tomada do governo e a reforma das instituições só tem um caráter progressista e positivo no sentido de que facilita a derrubada violenta do poder da burguesia e do imperialismo, e não a de que possibilita uma transformação institucional completa para que o povo esteja no poder e a burguesia fique chupando o dedo.

O chavismo é o movimento social mais poderoso surgido na América Latina desde a Revolução Cubana de 1959. Seu ponto inicial pode ser considerado o Caracazo de 1989, que motivou Hugo Chávez e outros oficiais a tentarem um golpe em 1992, que lhes deu enorme popularidade e incentivou o crescimento do movimento popular nascido do Caracazo e que, finalmente, elegeu Chávez em 1998.

Em 31 pleitos (entre eleições nacionais e locais, plebiscitos e referendos) realizados a partir de 1998, a oposição conquistou apenas duas vitórias significativas – entre elas, a maioria parlamentar em 2015, a partir de uma fraude. Atualmente, o chavismo detém a presidência da República, 19 dos 23 governos estaduais e 213 das 335 prefeituras – um controle seguro do poder executivo em todos os âmbitos. Também tem 222 dos 277 deputados da Assembleia Nacional e a maioria de parlamentares em 20 das 23 assembleias legislativas estaduais e em 224 dos 335 conselhos municipais – uma hegemonia dentro do poder legislativo. Essas são evidências do apoio popular do chavismo, pois todos esses cargos são preenchidos por representantes eleitos diretamente pelo povo.

Hugo Chávez e Nicolás Maduro criaram instituições não estatais que, no entanto, principalmente antes do período golpista e desestabilizador aberto em 2013, comportaram-se quase como órgãos de poder, um poder popular paralelo. Me refiro particularmente às comunas e aos coletivos populares de segurança, e em menor medida aos CLAP e à milícia bolivariana.

Esse amplo apoio popular organizado e a representação dominante nos órgãos executivos e legislativos permitiu ao governo trocar funcionários da burguesia por funcionários do chavismo nessas instituições, bem como em instituições não eletivas, como o poder judiciário, o ministério público, as procuradorias e promotorias e o Conselho Nacional Eleitoral. Especialmente após a derrota do golpe de 2002, houve uma reestruturação da Força Armada Nacional Bolivariana e da Polícia Nacional Bolivariana, para que o alto escalão fosse integrado por oficiais legalistas e não golpistas. Também foi criada a doutrina da união cívico-militar, o que significou uma democratização do exército e a possibilidade do armamento da população.

É verdade que ao longo desse processo o chavismo sofreu vários revezes. Seu caráter não é puramente proletário e socialista, mas sim burguês – no sentido de que não é uma força que vem totalmente de baixo, da auto-organização popular, mas sim de que, apesar de contar com o evidente apoio e enorme influência dos trabalhadores, tem uma ideologia reformista e uma hierarquia onde membros da pequena burguesia (como os militares de baixo e médio escalão à semelhança do próprio Chávez) estão no topo. Esse já era um entrave desde o início. E fez com que, à medida que os enfrentamentos com a burguesia e o imperialismo foram mais violentos, os setores não proletários não lutaram de forma contundente. Houve traições dentro das fileiras chavistas, houve conciliações e capitulações, houve a conivência com condutas contrarrevolucionárias e houve a permissão para que representantes de setores contrarrevolucionários da pequena burguesia e mesmo da burguesia se infiltrassem no chavismo em busca de cargos estatais e até mesmo para sabotar o movimento por dentro.

As vacilações em momentos chave, as conciliações, capitulações e mesmo traições pontuais desmoralizaram o chavismo diante das massas populares, em uma certa medida. Principalmente quando essas massas eram sufocadas pela guerra econômica imperialista. Essa é a razão da queda no número de votos de Maduro nas últimas três eleições. O choque contra o imperialismo foi intenso nos últimos dez anos. As pressões foram enormes. O chavismo se desgastou, apesar de continuar a ser, sem sombra de dúvidas, um poderoso movimento popular e uma força progressista com potencial revolucionário.

A atual ofensiva golpista interna e externa não é nova, mas vem em um momento de ofensiva geral do imperialismo sobre a América Latina, particularmente a América do Sul, com Milei sendo a ponta de lança do golpismo continental e o bolsonarismo mantendo sua força no Brasil, o maior e mais importante país do subcontinente. Está na hora de o chavismo aprender com a sua própria história. De aprender com seus equívocos e acertos.

Como foram conquistadas as vitórias contra os golpes anteriores? Com a mobilização radical dos trabalhadores e demais camadas populares. Com o preenchimento das ruas de vermelho para expulsar os bandos fascistas, inclusive pela força das armas nas mãos do povo. Através da liberdade de organização dos sindicatos e coletivos de bairros, pela propaganda contra os inimigos do povo e pela intervenção estatal sobre as empresas privadas que conspiram contra o governo.

Se há uma grande parcela da população desanimada e desconfiada do governo, é preciso executar ações que comprovem que o chavismo é seu representante e que merece sua total confiança. É preciso adotar medidas a favor do povo, como a expropriação dos latifúndios e a entrega da terra aos camponeses, o combate à especulação imobiliária ao permitir que cada família sem moradia digna possa ocupar um imóvel vazio, a tomada de todos os veículos de comunicação que incentivam a violência opositora e o golpe de Estado para que os comunicadores populares possam exibir sua própria programação, contar sua própria história e emitir sua própria opinião.

É preciso, acima de tudo, encampar cada fábrica, cada galpão, cada prédio comercial, cada empresa e cada banco de propriedade da burguesia golpista. A única forma de estabelecer um poder político soberano é detendo também o poder econômico. O maior de todos os erros do chavismo nesses 25 anos foi ter permitido a manutenção da propriedade privada dos grandes meios de produção pela burguesia golpista e imperialista. Foi a partir do poder econômico que a oposição conseguiu minar o governo. É hora de colocar um fim nisso. Medidas que beneficiem economicamente o povo, que assegurem os seus direitos sociais e que vão em direção à entrega do poder político a ele (isto é, o estabelecimento de uma democracia genuína) naturalmente farão com que o chavismo recupera o apoio de parte das classes populares e médias e ampliarão a autoridade do governo para esmagar a reação golpista e prender todos os seus líderes.

Apesar de haver um golpe em marcha, tanto na Venezuela como no continente inteiro, há um ponto fundamental na atual situação política, em particular a internacional, que favorece o governo Maduro. Ele tem Rússia e China como aliados e seus principais vizinhos – Brasil e Colômbia – são governados por presidentes amigos que, embora não estejam dispostos a comprar a briga de Maduro, tendem a bloquear qualquer ação mais incisiva dos Estados Unidos e da direita continental contra a Venezuela.

Diante do golpismo descarado patrocinado pelos EUA, Maduro deu declarações animadoras e indicou qual deve ser o caminho a ser trilhado pela Venezuela. Ele disse que, se os imperialistas “cometerem o erro de suas vidas” ao aumentarem as pressões golpistas, ele poderia romper os contratos com as companhias americanas e europeias nos setores de gás e petróleo e trocá-los por contratos com empresas de países aliados, como os membros dos BRICS. Pouco depois, incentivou os venezuelanos a abandonarem o WhatsApp e começarem a usar outros aplicativos de conversas, nomeadamente o WeChat chinês e o Telegram russo.

Se Maduro for consequente com as suas palavras e, apoiado na mobilização radical das massas chavistas, expulsar as grandes companhias americanas e europeias da Venezuela, ele começará a cortar pela raiz todo o mal causado ao seu povo nos últimos anos. Essas empresas, ao invés de contribuir para o desenvolvimento econômico e social da Venezuela, sugam as suas riquezas, enfiam nos bolsos de seus donos e ainda por cima financiam a oposição golpista com esse dinheiro – quando não roubam abertamente o dinheiro do país, como ocorreu com a Citgo nos Estados Unidos ou o ouro venezuelano na Inglaterra.

Se há um receio de desencadear uma reação militar do imperialismo com essas medidas, Maduro deveria garantir o apoio militar de Putin e Xi Jinping, acordando que parte das empresas imperialistas expropriadas poderia passar ao controle de empresas russas e chinesas. Há uma vasta gama de possibilidades de parcerias, desde a entrega integral a essas empresas até a formação de joint-ventures, de empresas mistas, a partir de acordos em que todos ganham. Russos e chineses poderiam acelerar a transferência de tecnologia para a Venezuela poder caminhar com as próprias pernas em vários setores, poderiam ficar responsáveis por obras de infraestrutura (como faz Pequim por toda a África) e poderiam suprir todas as necessidades adicionais da Venezuela. E não só Rússia e China, mas Índia, Irã e Turquia, com quem Caracas tem ótimas relações e já faz parcerias importantes em diversas áreas, também poderiam contribuir na defesa da Venezuela diante das inevitáveis investidas dos Estados Unidos. Brasil, Colômbia e México, com seus atuais governos e seu poderio econômico regional, também poderiam ser parceiros importantes em diversas áreas. Certamente convém ao interesse nacional próprio de cada um desses países abocanhar uma parcela do mercado venezuelano.

A grande vantagem para a Venezuela seria trocar a dependência de companhias imperialistas, que sugam suas riquezas e mantêm o país atrasado e instável, por companhias que não têm o mesmo caráter, mesmo que muitas delas possam ser de propriedade privada. Porque o capital privado proveniente dos países dos BRICS, dos países da América Latina, Ásia, África e leste europeu, não tem a mesma natureza imperialista do capital privado da América do Norte e da Europa. Ainda que sejam de propriedade de grandes magnatas indianos, xeques árabes ou oligarcas russos, essas empresas não controlam o mercado mundial e sequer participam dos monopólios que dominam a economia global. Não têm, portanto, o poder de interferir de maneira decisiva na política de outros países ou de fazer os países pequenos de refém. Não é uma questão de boas ou más intenções, mas sim uma realidade objetiva. A China é o maior parceiro comercial da maioria dos países do mundo, mas mesmo assim eles ainda são controlados política e economicamente pelas potências imperialistas.

Maduro e o chavismo têm a necessidade imediata e vital de colocar em prática a ideia proposta por ele. Esse seria o início de uma revolução ainda mais importante e radical do que qualquer episódio da chamada “revolução bolivariana” até agora. Seria o começo da verdadeira libertação do povo venezuelano dos grilhões aos quais ainda está acorrentado. Muitos dizem que Maduro não é Chávez, mas agora ele tem a oportunidade de honrar o seu legado e fazer algo que o próprio Chávez nunca conseguiu fazer.

Escreva para nós: info@strategic-culture.su

A maior parte dos 25 anos de governo chavista tem sido de sucessivas tentativas de golpe de Estado, desestabilização, boicotes, sabotagens, bloqueios econômicos, locautes, guarimbas, violência, caos e terror por parte da oposição.

Se, por um lado, a reação a um governo que busca reformar a sociedade em benefício da maioria explorada e oprimida é natural, por outro lado as constantes tentativas do chavismo de conciliação com a oposição jamais conseguiram pacificar o país, porque é inútil mudar a natureza da burguesia e do imperialismo que a apoia – esse é o caráter de classe da oposição venezuelana.

O chavismo, portanto, entrou em um impasse desde o primeiro momento em que se propôs a realizar essas reformas de maneira profunda, abalando as estruturas do sistema capitalista em que o seu governo estava envolvido. De fato, desde os anos 2000 a Venezuela vive em uma espécie de estado de transição, em que o governo e suas bases operárias e camponesas, ou seja, o chavismo, é um poder paralelo ao poder do Estado em si, ou seja, das instituições estabelecidas e controladas pela classe dominante.

Essas instituições da classe dominante, controladas por ela, são antagônicas ao governo chavista. Aprofundando as tentativas de reformas, o chavismo buscou criar suas próprias instituições e tomar das mãos da burguesia as instituições que ela criou e controla. Mas essa é uma tarefa inglória e após 20 anos ela ainda não foi totalmente cumprida.

O chavismo é a comprovação mais recente de que reformar o sistema capitalista e transformá-lo em um sistema socialista a partir das suas próprias instituições é impossível. Não é uma utopia romântica, como sempre querem nos convencer os socialistas utópicos, ou seja, reformistas. É simplesmente uma utopia. É idiota.

A tomada do governo e a reforma das instituições só tem um caráter progressista e positivo no sentido de que facilita a derrubada violenta do poder da burguesia e do imperialismo, e não a de que possibilita uma transformação institucional completa para que o povo esteja no poder e a burguesia fique chupando o dedo.

O chavismo é o movimento social mais poderoso surgido na América Latina desde a Revolução Cubana de 1959. Seu ponto inicial pode ser considerado o Caracazo de 1989, que motivou Hugo Chávez e outros oficiais a tentarem um golpe em 1992, que lhes deu enorme popularidade e incentivou o crescimento do movimento popular nascido do Caracazo e que, finalmente, elegeu Chávez em 1998.

Em 31 pleitos (entre eleições nacionais e locais, plebiscitos e referendos) realizados a partir de 1998, a oposição conquistou apenas duas vitórias significativas – entre elas, a maioria parlamentar em 2015, a partir de uma fraude. Atualmente, o chavismo detém a presidência da República, 19 dos 23 governos estaduais e 213 das 335 prefeituras – um controle seguro do poder executivo em todos os âmbitos. Também tem 222 dos 277 deputados da Assembleia Nacional e a maioria de parlamentares em 20 das 23 assembleias legislativas estaduais e em 224 dos 335 conselhos municipais – uma hegemonia dentro do poder legislativo. Essas são evidências do apoio popular do chavismo, pois todos esses cargos são preenchidos por representantes eleitos diretamente pelo povo.

Hugo Chávez e Nicolás Maduro criaram instituições não estatais que, no entanto, principalmente antes do período golpista e desestabilizador aberto em 2013, comportaram-se quase como órgãos de poder, um poder popular paralelo. Me refiro particularmente às comunas e aos coletivos populares de segurança, e em menor medida aos CLAP e à milícia bolivariana.

Esse amplo apoio popular organizado e a representação dominante nos órgãos executivos e legislativos permitiu ao governo trocar funcionários da burguesia por funcionários do chavismo nessas instituições, bem como em instituições não eletivas, como o poder judiciário, o ministério público, as procuradorias e promotorias e o Conselho Nacional Eleitoral. Especialmente após a derrota do golpe de 2002, houve uma reestruturação da Força Armada Nacional Bolivariana e da Polícia Nacional Bolivariana, para que o alto escalão fosse integrado por oficiais legalistas e não golpistas. Também foi criada a doutrina da união cívico-militar, o que significou uma democratização do exército e a possibilidade do armamento da população.

É verdade que ao longo desse processo o chavismo sofreu vários revezes. Seu caráter não é puramente proletário e socialista, mas sim burguês – no sentido de que não é uma força que vem totalmente de baixo, da auto-organização popular, mas sim de que, apesar de contar com o evidente apoio e enorme influência dos trabalhadores, tem uma ideologia reformista e uma hierarquia onde membros da pequena burguesia (como os militares de baixo e médio escalão à semelhança do próprio Chávez) estão no topo. Esse já era um entrave desde o início. E fez com que, à medida que os enfrentamentos com a burguesia e o imperialismo foram mais violentos, os setores não proletários não lutaram de forma contundente. Houve traições dentro das fileiras chavistas, houve conciliações e capitulações, houve a conivência com condutas contrarrevolucionárias e houve a permissão para que representantes de setores contrarrevolucionários da pequena burguesia e mesmo da burguesia se infiltrassem no chavismo em busca de cargos estatais e até mesmo para sabotar o movimento por dentro.

As vacilações em momentos chave, as conciliações, capitulações e mesmo traições pontuais desmoralizaram o chavismo diante das massas populares, em uma certa medida. Principalmente quando essas massas eram sufocadas pela guerra econômica imperialista. Essa é a razão da queda no número de votos de Maduro nas últimas três eleições. O choque contra o imperialismo foi intenso nos últimos dez anos. As pressões foram enormes. O chavismo se desgastou, apesar de continuar a ser, sem sombra de dúvidas, um poderoso movimento popular e uma força progressista com potencial revolucionário.

A atual ofensiva golpista interna e externa não é nova, mas vem em um momento de ofensiva geral do imperialismo sobre a América Latina, particularmente a América do Sul, com Milei sendo a ponta de lança do golpismo continental e o bolsonarismo mantendo sua força no Brasil, o maior e mais importante país do subcontinente. Está na hora de o chavismo aprender com a sua própria história. De aprender com seus equívocos e acertos.

Como foram conquistadas as vitórias contra os golpes anteriores? Com a mobilização radical dos trabalhadores e demais camadas populares. Com o preenchimento das ruas de vermelho para expulsar os bandos fascistas, inclusive pela força das armas nas mãos do povo. Através da liberdade de organização dos sindicatos e coletivos de bairros, pela propaganda contra os inimigos do povo e pela intervenção estatal sobre as empresas privadas que conspiram contra o governo.

Se há uma grande parcela da população desanimada e desconfiada do governo, é preciso executar ações que comprovem que o chavismo é seu representante e que merece sua total confiança. É preciso adotar medidas a favor do povo, como a expropriação dos latifúndios e a entrega da terra aos camponeses, o combate à especulação imobiliária ao permitir que cada família sem moradia digna possa ocupar um imóvel vazio, a tomada de todos os veículos de comunicação que incentivam a violência opositora e o golpe de Estado para que os comunicadores populares possam exibir sua própria programação, contar sua própria história e emitir sua própria opinião.

É preciso, acima de tudo, encampar cada fábrica, cada galpão, cada prédio comercial, cada empresa e cada banco de propriedade da burguesia golpista. A única forma de estabelecer um poder político soberano é detendo também o poder econômico. O maior de todos os erros do chavismo nesses 25 anos foi ter permitido a manutenção da propriedade privada dos grandes meios de produção pela burguesia golpista e imperialista. Foi a partir do poder econômico que a oposição conseguiu minar o governo. É hora de colocar um fim nisso. Medidas que beneficiem economicamente o povo, que assegurem os seus direitos sociais e que vão em direção à entrega do poder político a ele (isto é, o estabelecimento de uma democracia genuína) naturalmente farão com que o chavismo recupera o apoio de parte das classes populares e médias e ampliarão a autoridade do governo para esmagar a reação golpista e prender todos os seus líderes.

Apesar de haver um golpe em marcha, tanto na Venezuela como no continente inteiro, há um ponto fundamental na atual situação política, em particular a internacional, que favorece o governo Maduro. Ele tem Rússia e China como aliados e seus principais vizinhos – Brasil e Colômbia – são governados por presidentes amigos que, embora não estejam dispostos a comprar a briga de Maduro, tendem a bloquear qualquer ação mais incisiva dos Estados Unidos e da direita continental contra a Venezuela.

Diante do golpismo descarado patrocinado pelos EUA, Maduro deu declarações animadoras e indicou qual deve ser o caminho a ser trilhado pela Venezuela. Ele disse que, se os imperialistas “cometerem o erro de suas vidas” ao aumentarem as pressões golpistas, ele poderia romper os contratos com as companhias americanas e europeias nos setores de gás e petróleo e trocá-los por contratos com empresas de países aliados, como os membros dos BRICS. Pouco depois, incentivou os venezuelanos a abandonarem o WhatsApp e começarem a usar outros aplicativos de conversas, nomeadamente o WeChat chinês e o Telegram russo.

Se Maduro for consequente com as suas palavras e, apoiado na mobilização radical das massas chavistas, expulsar as grandes companhias americanas e europeias da Venezuela, ele começará a cortar pela raiz todo o mal causado ao seu povo nos últimos anos. Essas empresas, ao invés de contribuir para o desenvolvimento econômico e social da Venezuela, sugam as suas riquezas, enfiam nos bolsos de seus donos e ainda por cima financiam a oposição golpista com esse dinheiro – quando não roubam abertamente o dinheiro do país, como ocorreu com a Citgo nos Estados Unidos ou o ouro venezuelano na Inglaterra.

Se há um receio de desencadear uma reação militar do imperialismo com essas medidas, Maduro deveria garantir o apoio militar de Putin e Xi Jinping, acordando que parte das empresas imperialistas expropriadas poderia passar ao controle de empresas russas e chinesas. Há uma vasta gama de possibilidades de parcerias, desde a entrega integral a essas empresas até a formação de joint-ventures, de empresas mistas, a partir de acordos em que todos ganham. Russos e chineses poderiam acelerar a transferência de tecnologia para a Venezuela poder caminhar com as próprias pernas em vários setores, poderiam ficar responsáveis por obras de infraestrutura (como faz Pequim por toda a África) e poderiam suprir todas as necessidades adicionais da Venezuela. E não só Rússia e China, mas Índia, Irã e Turquia, com quem Caracas tem ótimas relações e já faz parcerias importantes em diversas áreas, também poderiam contribuir na defesa da Venezuela diante das inevitáveis investidas dos Estados Unidos. Brasil, Colômbia e México, com seus atuais governos e seu poderio econômico regional, também poderiam ser parceiros importantes em diversas áreas. Certamente convém ao interesse nacional próprio de cada um desses países abocanhar uma parcela do mercado venezuelano.

A grande vantagem para a Venezuela seria trocar a dependência de companhias imperialistas, que sugam suas riquezas e mantêm o país atrasado e instável, por companhias que não têm o mesmo caráter, mesmo que muitas delas possam ser de propriedade privada. Porque o capital privado proveniente dos países dos BRICS, dos países da América Latina, Ásia, África e leste europeu, não tem a mesma natureza imperialista do capital privado da América do Norte e da Europa. Ainda que sejam de propriedade de grandes magnatas indianos, xeques árabes ou oligarcas russos, essas empresas não controlam o mercado mundial e sequer participam dos monopólios que dominam a economia global. Não têm, portanto, o poder de interferir de maneira decisiva na política de outros países ou de fazer os países pequenos de refém. Não é uma questão de boas ou más intenções, mas sim uma realidade objetiva. A China é o maior parceiro comercial da maioria dos países do mundo, mas mesmo assim eles ainda são controlados política e economicamente pelas potências imperialistas.

Maduro e o chavismo têm a necessidade imediata e vital de colocar em prática a ideia proposta por ele. Esse seria o início de uma revolução ainda mais importante e radical do que qualquer episódio da chamada “revolução bolivariana” até agora. Seria o começo da verdadeira libertação do povo venezuelano dos grilhões aos quais ainda está acorrentado. Muitos dizem que Maduro não é Chávez, mas agora ele tem a oportunidade de honrar o seu legado e fazer algo que o próprio Chávez nunca conseguiu fazer.

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.

See also

December 18, 2024
August 25, 2024

See also

December 18, 2024
August 25, 2024
The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.