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José Goulão
April 10, 2024
© Photo: Public domain

A NATO nasceu grávida da integração europeia que, 50 anos depois, culminou na União Europeia como instituição autárcica, globalista, federalista e inimiga das soberanias nacionais

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“A adesão à Aliança significou um maior prestígio e o reforço do estatuto de Portugal no seu conjunto. Também injectou um grau de estabilidade na frente doméstica”.

(Site oficial da NATO sobre a presença do Portugal de Salazar na fundação da organização)

Passaram os anos, exactamente três quartos de século, e a NATO da actualidade mantém-se uma fiel respeitadora dos mitos fundadores, actualizados por uma dinâmica propagandística que sempre esteve na base da sua actuação mas adquiriu hoje uma amadurecida sofisticação de mensagem e meios, além de uma capacidade de controlo totalitário quase absoluto da opinião pública ocidental. O que lhe permite praticar abertamente, e sempre a coberto da proclamação das melhores intenções, a política belicista, expansionista e colonial-imperial que determinou a sua criação.

Asseguraram os fundadores da NATO, entre os quais, com papel determinante, os estrategos da integração europeia – sempre sob a tutela dos Estados Unidos da América – que a aliança nascia como organização “defensiva” para se precaver contra as ameaças de grande envergadura, existentes naquele pós-guerra, visando a civilização ocidental, os seus valores humanistas e matriz religiosa. Essa tarefa deveria assentar numa convergência de práticas políticas, princípios de liberdade, harmonia dos sistemas económicos, integração dos aparelhos militares, tudo isso para cultivar e assegurar a paz no mundo. Não é um equívoco: a NATO de então, e de sempre, que durante sete décadas e meia se dedicou a uma estratégia de terror e provocação durante a guerra fria, que actualmente se desmultiplica em guerras sem fim, que tem nos seus activos as vidas de milhões de cidadãos inocentes e a cumplicidade em numerosos crimes de guerra, faz tudo isto em nome da paz. Fiel a um dos seus princípios de sempre: a paz nasce da guerra.

Além dos objectivos “defensivos” e de segurança, em nome dos quais se permite tutelar militarmente 32 países, quase o triplo dos 12 da fundação, e de ter alargado a sua área de intervenção para todos os oceanos em vez do norte do Atlântico, a NATO proclama-se em permanente cruzada pela democracia, atribuindo-se até o direito de invadir países para implantar um regime político que obedeça às suas exigências e onde as eleições dêem sempre os resultados por ela pretendidos.

O intrigante esquecimento da democracia

Se lermos os discursos dos 12 ministros dos Negócios Estrangeiros que assinaram em Washington, em 4 de Abril de 1949, o chamado Pacto do Atlântico que deu origem à NATO, apuramos, porém, que em nenhum deles está presente a palavra “democracia”. Presume-se que não fosse assim tão necessário, em termos propagandísticos, declarar expressamente esse princípio, ao contrário do que acontece hoje – em que parece indispensável afirmar uma democracia única contra outros sistemas políticos plurais em países que têm o azar, ou a ousadia, de não se situarem no mesmo plano geoestratégico da Aliança Atlântica.

Também poderia atribuir-se a omissão da palavra “democracia” nos discursos fundadores ao facto de entre os signatários do pacto estar um representante de um país fascista, Portugal, acolhido sem reservas como um esteio da civilização ocidental, a não ser a de ter sido obrigado a trocar  as “ajudas” do Plano Marshall pela protecção e solidariedade política e diplomática do regime dos Estados Unidos.

O mesmo teria acontecido com a Espanha franquista – e Salazar meteu uma cunha nesse sentido –  se o Reino Unido não se tivesse oposto liminarmente, não como país em si mesmo mas porque o Partido Trabalhista, no governo, determinou que uma entrada de Madrid na aliança estava dependente da legalização por Franco do Partido Socialista Operário Espanhol.

Na verdade o conceito anti nazifascista da NATO tem sido bastante elástico desde a fundação até hoje. Primeiro, admitindo um regime fascista na sua fundação; logo a seguir, três anos depois da criação, integrando como membros de pleno direito os fascismos grego e turco; posteriormente, durante a guerra fria, criando e apoiando sangrentas ditaduras militares na “defesa dos valores ocidentais” contra a omnipresente “ameaça soviética”, hoje reciclada em “ameaça russa”; expandindo-se de maneira fulminante a seguir à queda do muro de Berlim, apesar de ter prometido à Rússia não avançar um centímetro que fosse para Leste; actualmente, por defender os seus interesses recorrendo à utilização de selváticos grupos terroristas ditos “islâmicos” e por se envolver até ao tutano na sobrevivência do regime nazi de Kiev, que criou, e na guerra contra o seu povo que este alimenta desde 2014.

Há uma coerência histórica, ao longo dos seus 75 anos de vida, na cumplicidade e na tolerância da NATO em relação a comportamentos nazifascistas. Ao ponto de hoje confundir deliberadamente o seu conceito de democracia com o sistema nazi ucraniano, que remete para o colaboracionismo sangrento com as hordas e o aparelho de extermínio de Hitler. Sem esquecer a integração plena na organização, como aliás acontece na União Europeia, de regimes como os dos Estados bálticos, Polónia, Hungria, República Checa e Croácia, altamente influenciados ou mesmo controlados por correntes nacionalistas, fascistas e revisionistas da história no sentido de branquear as referências que mantêm em relação à Alemanha hitleriana.

Se penetrarmos ainda um pouco mais fundo na história da NATO verificaremos, já sem grande surpresa, que os seus fundadores não hesitaram em recorrer a condecorados oficiais nazis, acabados de sair das hostes de Hitler, para criarem as fundações das estruturas militares e de propaganda da organização, como veremos mais adiante.

A NATO como berço da União Europeia

A NATO nasceu grávida da integração europeia que, 50 anos depois, culminou na União Europeia como instituição autárcica, globalista, federalista e inimiga das soberanias nacionais, funcionando exclusivamente ao serviço da oligarquia económica e financeira transnacional através do neoliberalismo, o sistema de capitalismo extremista e selvagem. Os Estados Unidos exerceram, desde o início, a tutela inquestionável sobre este processo, pelo que não existe qualquer alteração substancial na actual submissão rastejante de Bruxelas à vontade de Washington, mesmo quando representada por um indivíduo desqualificado e com as capacidades mentais limitadas como é o presidente Joseph Biden. A dependência dos países da NATO e da União Europeia em relação aos interesses e às políticas imperiais de Washington, transformando-os em satélites, autênticos protectorados, esteve na essência da NATO na origem, tal como está hoje.

A cerimónia de criação da NATO decorreu em Washington, cumprem-se agora exactamente 75 anos, e o Pacto do Atlântico foi assinado pelos ministros dos Negócios Estrangeiros dos 12 Estados fundadores. Outras nações, como a Irlanda e a Suécia, também foram convidadas, mas rejeitaram. A Suécia, no entanto, demorou 74 anos a “pensar” e acabou por ceder: pelo caminho da longa neutralidade sueca ficou um primeiro-ministro, Olof Palme, de facto assassinado por defender, sem admitir interferências externas, o estatuto de soberania do país. Tal como o primeiro-ministro italiano democrata-cristão Aldo Moro foi liquidado por desobedecer às ordens da NATO de proibir a presença de comunistas na área do poder governativo.

Os discursos pronunciados no acto fundador foram bastante redundantes, com a preocupação comum de alimentarem a fábula da superioridade civilizacional do Ocidente, um conceito xenófobo e colonial que marca os três quartos de século de existência da NATO; e agitarem com tonalidades terroristas o espectro da ameaça soviética, qualificada como “uma epidemia” na verve do ministro fascista português Caeiro da Matta, ecoando a propaganda salazarista.

Mais interessante que os discursos é conhecer um pouco melhor os ministros presentes em Washington e os seus dotes especiais para as performances hipócritas.

Pelos Estados Unidos esteve o secretário de Estado da administração militarista de Harry Truman, Dean Acheson. Declarou na ocasião que “a realidade não reside na busca comum de objectivos materiais ou de um poder sobre outro. Reside na afirmação dos valores morais e espirituais que rege o tipo de vida que propomos levar e defender por todos os meios possíveis, caso essa necessidade nos seja imposta”.

Acheson foi o dirigente que estilhaçou a tradicional política norte-americana de não envolver o país em alianças duradouras, além de ser considerado o principal responsável pela decisão presidencial de lançar os Estados Unidos na guerra da Coreia.

A vida política do então secretário de Estado norte-americano foi marcada por alguns conceitos reveladores da convicção e da seriedade das suas palavras proferidas na cerimónia de Washington. Segundo uma das suas declarações, “as limitações impostas pelas práticas políticas democráticas tornam difícil a tarefa de conduzir os nossos assuntos externos de acordo com o interesse nacional”. Isto é, a democracia é contra o “interesse nacional”; eliminar essas “limitações” é, com toda a naturalidade, a solução adoptada pelas sucessivas administrações norte-americanas – e também pela NATO, seu braço armado.

Acheson estava ciente, já nessa altura, de que chegara o momento da passagem de testemunho do domínio internacional ao declarar que “a Grã-Bretanha perdeu o império e ainda não encontrou o seu papel”. Interessante, muito actual e franca é a sua opinião segundo a qual “o problema da economia de mercado livre é que requer demasiados polícias para poder funcionar”. Sejamos justos, quem fala verdade não merece castigo.

Se a Grã-Bretanha andava à procura “do seu papel”, parecia tê-lo encontrado na pessoa de Ernest Bevin, então ministro dos Negócios Estrangeiros e depois primeiro-ministro de um governo trabalhista, que foi um dos maiores impulsionadores da criação da NATO e subscrevera em 1948 o Tratado de Bruxelas, considerado o embrião da aliança.

Bevin, que se ufanava de ser um “ex-sindicalista”, era conhecido como um anticomunista feroz, capaz de lobrigar a “ameaça soviética” em cada acontecimento internacional – e até interno. Na cerimónia de fundação da NATO declarou que “os nossos povos não glorificam a guerra mas não fugirão dela se houver ameaça de agressão”. Da agressão da União Soviética, naturalmente, apesar de ser um país exangue, que perdera 26 milhões de vidas para impedir o triunfo do nazismo em toda a Europa, com as regiões ocidentais totalmente destroçadas e ainda sem possuir a bomba atómica. Pelo contrário, os planos de agressão existentes eram ocidentais e decorriam da ideia de Winston Churchill, exposta a políticos norte-americanos em 1951, segundo a qual, quando voltasse a chefiar o governo de Londres, iria lançar bombas atómicas sobre 20 a 30 cidades soviéticas, para então estabelecer definitivamente a paz. Churchill voltou a chefiar o governo de Londres em 1955, mas não cumpriu a ameaça, porque Moscovo já possuía a arma de extermínio e não hesitaria em responder. Fazer de justiceiro e valentão tornara-se perigoso, ou mesmo fatal.

Ernest Bevin tinha também um conceito bastante peculiar de guerra e paz, reflectindo o espírito do longo império, de que ele se orgulhava porque, por exemplo, “a marinha britânica conseguira policiar o mundo durante 300 anos de uma maneira bastante barata”; explicava então que “a guerra não é um piquenique, mas será melhor que milhões de vidas se percam”? Fazer a guerra para evitar mortes é uma ideia genial.

Este grande impulsionador da criação da NATO e da união da Europa Ocidental (ainda faltavam 70 anos para o Brexit) era particularmente arguto e tinha princípios pessoais e de acção política que continuam a revelar-se de grande actualidade para as classes governantes. Considerava que “um jornal tem três tarefas: uma é divertir, outra é entreter e o resto é enganar”; por outro lado, havia ilusões que Bevin não tinha: “o preço da liberdade é a eterna vigilância”.

Quatro dos considerados “pais fundadores” do processo de integração que conduziu à União Europeia foram subscritores do Pacto do Atlântico, uma significativa geminação essencial para concretizar a satelitização da Europa como uma estratégia de fundo do poder imperial dos Estados Unidos da América.

Paul-Henri Spaak, ministro dos Negócios Estrangeiros da Bélgica, depois primeiro-ministro, ficou conhecido como “senhor Europa” pelo seu envolvimento persistente na criação de instituições para a integração europeia, designadamente o Tratado de Roma de 1957, e pelo apego à fundação da NATO, de que acabou por ser secretário-geral de 1957 a 1961. A sobreposição da evolução da NATO e do processo de integração europeia está sempre presente na actuação deste dirigente socialista belga, que foi igualmente o primeiro presidente da Assembleia Geral da ONU.

Em Washington, Spaak deixou a mensagem canónica sobre as necessidades “defensivas” da inocente civilização ocidental: “o novo pacto não é contra ninguém, não ameaça ninguém a não ser, naturalmente, qualquer pessoa ou pessoas que possam fomentar a ideia criminosa de recorrer à guerra”.

Robert Schuman, designado “pai da Europa” a par do seu compatriota Jean Monet, ambos defendendo a criação de uns Estados Unidos da Europa fazendo uso abusivo e descontextualizado da ideia expressada um século antes por Victor Hugo, foi o representante da França em Washington. Proferiu uma declaração piedosa de que “a salvação das nações não pode basear-se num nacionalismo egoísta mas deve apoiar-se na aplicação progressiva da solidariedade humana”. Ou seja, tudo quanto a NATO e a União Europeia são hoje, dissolvendo a soberania das nações em vez de as “salvar”, armando e militarizando a “solidariedade humana”. O seu discurso de 9 de Maio de 1950, conhecido como a “Declaração Schuman”, é considerado pela autarcia de Bruxelas como o acto de fundação da União Europeia.

Dirk U. Stikker, banqueiro e industrial em funções de ministro dos Negócios Estrangeiros da Holanda, subscreveu a fundação da NATO enaltecendo que “finalmente prevalece a verdade de que o Atlântico Norte é uma autoestrada que une, não uma barreira que divide. Regozijemo-nos”, acrescentou, “com o pensamento de que os norte-americanos e os europeus ocidentais se encontraram num edifício comum dedicado à paz”. Considerado demasiado pró-norte-americano mesmo pelos padrões da NATO, este dedicado defensor da actuação conjunta da aliança com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, um embrião da União Europeia, falhou a primeira tentativa para ser nomeado secretário-geral atlantista, cargo que acabou por desempenhar entre 1961 e 1964.

José Bech, que como refugiado político durante a Segunda Guerra Mundial escolheu o Portugal de Salazar como seu primeiro lugar de exílio, foi o representante do Luxemburgo em Washington. É considerado um dos “pais fundadores” da integração europeia, depois de ter patrocinado a constituição do Benelux – Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Segundo o então ministro dos Negócios Estrangeiros luxemburguês, “os Estados signatários do Pacto do Atlântico constituem ao mesmo tempo a mais formidável e mais sinceramente pacífica coligação de forças materiais e morais que já foi criada pelas nações para garantir a sua segurança e poupar o mundo aos horrores da guerra”. Perdeu-se um meritório escritor de ficção.

O conde Carlo Sforza, por Itália, qualificou a assinatura do pacto como “um dos acontecimentos mais nobres e generosos da humanidade”. Halvard Lange, representante norueguês e um dos “três sábios” que apresentaram um relatório sobre a “cooperação não-militar” no interior da NATO, qualificou a aliança como “um pacto de paz” que se “dirige unicamente contra a própria agressão”.

O representante do Canadá foi o futuro primeiro-ministro Lester Pearson. O chefe da diplomacia dinamarquesa, Gustav Rasmussen, compareceu contrariado em Washington, obedecendo a ordens do primeiro-ministro Hans Hedoft, e declarou-se “um signatário apreensivo”. Já o representante islandês, Bjorn Benediktson, futuro primeiro-ministro de um país que nem sequer tem exército (mas está ocupado por bases militares norte-americanas), partiu para Washington entre protestos massivos e violentamente reprimidos da população contra a integração na NATO, nos quais se exigia a convocação de um referendo sobre o assunto. Um simples acto democrático que até hoje não foi realizado em qualquer dos 32 países que integram a aliança. Nestas matérias da guerra e de a NATO, por exemplo, ser responsável por 70% dos gastos militares em todo o mundo, o povo não é quem mais ordena.

O atlantismo salazarista

A representar o fascismo português esteve em Washington, para subscrever a fundação da NATO, o ministro dos Negócios Estrangeiros, José Caeiro da Matta. O enviado do ditador, que começou por ser um truculento deputado do Partido Regenerador durante a monarquia, envolvendo-se em duelos armados com alguns adversários políticos, foi depois ministro da Educação de Salazar no período que se seguiu à imposição da Constituição de 1933, cabendo-lhe a tarefa de “adaptar”  o sistema educativo nacional ao espírito e letra do Estado Novo. Foi igualmente o autor de uma proposta de integração de Cabo Verde no quadro das ilhas adjacentes de Portugal.

“Portugal quer afirmar que vê no Pacto do Atlântico Norte não só um instrumento de defesa e cooperação internacional mas também, pelas razões objectivas que o regem, um instrumento precioso para a paz”, declarou Caeiro da Matta. “Mais do que nunca”, acrescentou o porta-voz salazarista, “é necessário defender os princípios e posições segundo os quais estes povos são os depositários dos ideais que a civilização ocidental ocupa no mundo”.

Sejamos justos: até aqui, o discurso pronunciado pelo enviado de Salazar poderia ser proferido por qualquer dos ministros dos Negócios Estrangeiros de qualquer dos governos da dinastia novembrista, incluindo o de hoje. Caeiro da Matta, porém, agia de acordo com o edifício legal de então; os discursos e o comportamento dos actuais dirigentes portugueses relacionados com a NATO são ostensivamente contra a Constituição da República.

Onde poderia existir alguma diferença, mais na forma do que no conteúdo dos discursos de 1949 e de hoje, é na passagem na qual o ministro fascista afirma que “a Europa (…) luta contra a  mais perigosa epidemia mental de todos os tempos, que ameaça destruir a flor da nossa cultura”, pelo que está “ansiosamente à procura de uma fórmula para a paz”. Se relermos algumas das considerações de ministros como Santos Silva e Cravinho em relação à “ameaça russa”, as diferenças, afinal, não são assim tão substanciais. Atlantismo acima de tudo, tanto nos tempos salazarentos como nesta espécie de democracia a que chamam “liberal”.

Era o tempo em que os comunistas comiam criancinhas na União Soviética e sabe-se lá mais onde, mas também dos grande ímpetos democráticos do pós-guerra, valendo então ao regime de Salazar a integração na NATO que, de acordo com o site da organização, “injectou um grau de estabilidade na frente doméstica”. De facto assim foi: os tempos da integração na NATO, incluindo os da grande cimeira de cinco dias realizada em 1952 em Lisboa, e que proclamou a entrada das ditaduras grega e turca na aliança, ficaram marcados por violentas e massivas vagas de repressão contra quaisquer movimentações democráticas.

Em 1952, Portugal foi agraciado com a visita da “Caravana para a Paz”, um autocarro carregado de modernices tecnológicas de encher o olho que explicava com filmes, brindes e cartazes, a um povo analfabeto, as vantagens e o orgulho de ser da NATO; uma espécie de “Europa connosco” com 30 anos de antecipação. A “Caravana para a Paz” regressou na década de sessenta – e com toda a coerência porque viviam-se os tempos da guerra colonial – para “levar a NATO” a lugares mais ermos “onde a NATO era desconhecida”. A NATO conseguiu a enorme proeza de chegar a esses locais muito antes da luz eléctrica, da água potável e de existirem estradas decentes.

De Heusinger e Taubert a Zelenski

A NATO nasceu sem horror político ao fascismo, como ficou provado pela presença do Portugal de Salazar entre os fundadores e a adesão das ditaduras grega e turca três anos depois da fundação.

Nasceu também sem horror militar ao nazismo, uma afirmação que pode ser chocante mas a realidade confirma. Vários oficiais da Wermacht e da Luftwaff hitlerianas altamente condecorados pelo Reich foram contemplados com o branqueamento dos seus passados de extermínio e depois transplantados para elevados cargos da NATO devido às suas competências na luta anticomunista e contra a União Soviética.

O general Adolf Heusinger foi o chefe de gabinete de Hitler e participou na planificação das invasões da Polónia, Noruega, Dinamarca e França. Em 1940 desempenhou funções de chefe de operações no exército nazi. No final da guerra não foi julgado em Nuremberga, assumiu a criação do novo exército da República Federal da Alemanha e em 1961 passou a desempenhar a função de presidente do Comité Militar da NATO, espécie de chefe de Estado Maior da organização, até 1964. Heusinger recebera de Hitler a mais elevada condecoração do Reich.

O sturmfuhrer (elevada patente paramilitar do Partido Nazi e também das SA) Eberhard Taubert, que trabalhou directamente com Goebbels na propaganda nazi e foi mesmo o autor do distintivo amarelo para identificação e humilhação dos judeus, foi adoptado pela NATO devido à sua experiência na propaganda anticomunista, naturalmente sem passar pelos julgamentos em Nuremberga.

Konrad Adenauer, o político ultraconservador que os ocupantes ocidentais colocaram à cabeça do seu sector alemão, depois a República Federal da Alemanha, amnistiou 800 mil criminosos de guerra nazis.

É natural, portanto, que a experiência de muitos deles na máquina de extermínio do Reich pudesse suprir eventuais carências da NATO na guerra anticomunista e também na prestação de serviços às oligarquias que ficaram órfãs de Hitler.

Hans Speidel, chefe de gabinete do marechal de campo  Erwin Rommel, foi nomeado chefe das forças da NATO na Europa Central em 1957 e exerceu o cargo até 1963. Na altura foi posta a correr a versão de que teria participado numa conspiração contra Hitler – na esteira da intenção atribuída a Rommel de negociar com os aliados ocidentais, mas foi julgado ainda pelo próprio regime e absolvido.

O cargo de chefe militar da NATO na Europa Central foi sucessivamente desempenhado por antigos oficiais nazis, regra geral condecorados pelo regime como recompensa pelos serviços prestados: Johann von Kielmansegg, membro do alto comando da Wermacht, esteve naquele posto da NATO entre 1966 e 1968; o antigo  tenente-coronel das tropas nazis Ernst Ferber desempenhou o cargo entre 1973 e 1975; Karl Schnell, antigo primeiro general da 76ª divisão Panzer, foi encarregado das mesmas funções entre 1975 e 1977; Franz Joseph Schultz, tenente sénior da Luftwaffe, sucedeu-lhe entre 1977 a 1979, deixando então o cargo, até 1983, a Ferdinand von Senger und Etterlin, anterior ajudante do Alto Comando nazi.

Johannes Steinhoff, um piloto da Luftwaffe que ficara famoso pelos seus feitos e proezas contra os aliados, desempenhou as funções de presidente do Comité Militar da NATO entre 1971 e 1974.

Além de integrar estes e outros operacionais nazis no seu aparelho militar e de espionagem, está profusamente documentada a utilização da rede terrorista clandestina da NATO stay behind, conhecida como Gladio, na conspiração anticomunista e mesmo antidemocrática em muitos países da Europa Ocidental, incluindo Portugal. O caso da estratégia de terror em Itália nos anos setenta e oitenta, caracterizada pelos atentados selváticos de Milão e Bolonha, o assassínio do primeiro-ministro Aldo Moro, e a liquidação de juízes incorruptíveis em colaboração com a Mafia, tornou-se emblemático na história desta organização terrorista que, de acordo com numerosos investigadores, foi reciclada e continua a actuar.

A tragédia da ex-Jugoslávia, os bombardeamentos de Belgrado em 1999, o apoio aos terroristas do Kosovo, os crimes de guerra na Líbia, na Síria, no Iraque e no Afeganistão, a disseminação de grupos de terror no Sahel em África, as ameaças cada vez mais virulentas contra a China, a expansão hegemónica e provocatória até às fronteiras da Rússia, transformada em nova “ameaça” depois de extinta a União Soviética, são episódios marcantes de 75 anos de vida da NATO dedicados ao domínio imperial e colonial, ao expansionismo, ao terrorismo, ao globalismo neoliberal, ao controlo de opinião e à mentira. Como se percebe desde os discursos proferidos durante o acto fundador, a  NATO cultiva a propaganda para tornar o terror aceitável e desejado, desde que seja ao serviço da cruzada permanente em que está empenhada “a nossa civilização”.

De modo que o apoio incondicional, dispendioso e criminoso a um regime de inspiração nazi, chefiado por um indivíduo desqualificado e irresponsável como Volodymyr Zelenski, que continua a sacrificar o seu povo e o seu país, a Ucrânia, apenas seria surpreendente no caso de ignorarmos a história desde os primeiros passos de uma organização como a NATO, nefasta e ameaçadora para a existência da própria humanidade. E que já deve várias décadas à cova, pois deveria ter sido extinta quando se dissolveu o Tratado de Varsóvia, em 1991.

NATO, 75 anos de guerra contra a humanidade

A NATO nasceu grávida da integração europeia que, 50 anos depois, culminou na União Europeia como instituição autárcica, globalista, federalista e inimiga das soberanias nacionais

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Escreva para nós: info@strategic-culture.su

“A adesão à Aliança significou um maior prestígio e o reforço do estatuto de Portugal no seu conjunto. Também injectou um grau de estabilidade na frente doméstica”.

(Site oficial da NATO sobre a presença do Portugal de Salazar na fundação da organização)

Passaram os anos, exactamente três quartos de século, e a NATO da actualidade mantém-se uma fiel respeitadora dos mitos fundadores, actualizados por uma dinâmica propagandística que sempre esteve na base da sua actuação mas adquiriu hoje uma amadurecida sofisticação de mensagem e meios, além de uma capacidade de controlo totalitário quase absoluto da opinião pública ocidental. O que lhe permite praticar abertamente, e sempre a coberto da proclamação das melhores intenções, a política belicista, expansionista e colonial-imperial que determinou a sua criação.

Asseguraram os fundadores da NATO, entre os quais, com papel determinante, os estrategos da integração europeia – sempre sob a tutela dos Estados Unidos da América – que a aliança nascia como organização “defensiva” para se precaver contra as ameaças de grande envergadura, existentes naquele pós-guerra, visando a civilização ocidental, os seus valores humanistas e matriz religiosa. Essa tarefa deveria assentar numa convergência de práticas políticas, princípios de liberdade, harmonia dos sistemas económicos, integração dos aparelhos militares, tudo isso para cultivar e assegurar a paz no mundo. Não é um equívoco: a NATO de então, e de sempre, que durante sete décadas e meia se dedicou a uma estratégia de terror e provocação durante a guerra fria, que actualmente se desmultiplica em guerras sem fim, que tem nos seus activos as vidas de milhões de cidadãos inocentes e a cumplicidade em numerosos crimes de guerra, faz tudo isto em nome da paz. Fiel a um dos seus princípios de sempre: a paz nasce da guerra.

Além dos objectivos “defensivos” e de segurança, em nome dos quais se permite tutelar militarmente 32 países, quase o triplo dos 12 da fundação, e de ter alargado a sua área de intervenção para todos os oceanos em vez do norte do Atlântico, a NATO proclama-se em permanente cruzada pela democracia, atribuindo-se até o direito de invadir países para implantar um regime político que obedeça às suas exigências e onde as eleições dêem sempre os resultados por ela pretendidos.

O intrigante esquecimento da democracia

Se lermos os discursos dos 12 ministros dos Negócios Estrangeiros que assinaram em Washington, em 4 de Abril de 1949, o chamado Pacto do Atlântico que deu origem à NATO, apuramos, porém, que em nenhum deles está presente a palavra “democracia”. Presume-se que não fosse assim tão necessário, em termos propagandísticos, declarar expressamente esse princípio, ao contrário do que acontece hoje – em que parece indispensável afirmar uma democracia única contra outros sistemas políticos plurais em países que têm o azar, ou a ousadia, de não se situarem no mesmo plano geoestratégico da Aliança Atlântica.

Também poderia atribuir-se a omissão da palavra “democracia” nos discursos fundadores ao facto de entre os signatários do pacto estar um representante de um país fascista, Portugal, acolhido sem reservas como um esteio da civilização ocidental, a não ser a de ter sido obrigado a trocar  as “ajudas” do Plano Marshall pela protecção e solidariedade política e diplomática do regime dos Estados Unidos.

O mesmo teria acontecido com a Espanha franquista – e Salazar meteu uma cunha nesse sentido –  se o Reino Unido não se tivesse oposto liminarmente, não como país em si mesmo mas porque o Partido Trabalhista, no governo, determinou que uma entrada de Madrid na aliança estava dependente da legalização por Franco do Partido Socialista Operário Espanhol.

Na verdade o conceito anti nazifascista da NATO tem sido bastante elástico desde a fundação até hoje. Primeiro, admitindo um regime fascista na sua fundação; logo a seguir, três anos depois da criação, integrando como membros de pleno direito os fascismos grego e turco; posteriormente, durante a guerra fria, criando e apoiando sangrentas ditaduras militares na “defesa dos valores ocidentais” contra a omnipresente “ameaça soviética”, hoje reciclada em “ameaça russa”; expandindo-se de maneira fulminante a seguir à queda do muro de Berlim, apesar de ter prometido à Rússia não avançar um centímetro que fosse para Leste; actualmente, por defender os seus interesses recorrendo à utilização de selváticos grupos terroristas ditos “islâmicos” e por se envolver até ao tutano na sobrevivência do regime nazi de Kiev, que criou, e na guerra contra o seu povo que este alimenta desde 2014.

Há uma coerência histórica, ao longo dos seus 75 anos de vida, na cumplicidade e na tolerância da NATO em relação a comportamentos nazifascistas. Ao ponto de hoje confundir deliberadamente o seu conceito de democracia com o sistema nazi ucraniano, que remete para o colaboracionismo sangrento com as hordas e o aparelho de extermínio de Hitler. Sem esquecer a integração plena na organização, como aliás acontece na União Europeia, de regimes como os dos Estados bálticos, Polónia, Hungria, República Checa e Croácia, altamente influenciados ou mesmo controlados por correntes nacionalistas, fascistas e revisionistas da história no sentido de branquear as referências que mantêm em relação à Alemanha hitleriana.

Se penetrarmos ainda um pouco mais fundo na história da NATO verificaremos, já sem grande surpresa, que os seus fundadores não hesitaram em recorrer a condecorados oficiais nazis, acabados de sair das hostes de Hitler, para criarem as fundações das estruturas militares e de propaganda da organização, como veremos mais adiante.

A NATO como berço da União Europeia

A NATO nasceu grávida da integração europeia que, 50 anos depois, culminou na União Europeia como instituição autárcica, globalista, federalista e inimiga das soberanias nacionais, funcionando exclusivamente ao serviço da oligarquia económica e financeira transnacional através do neoliberalismo, o sistema de capitalismo extremista e selvagem. Os Estados Unidos exerceram, desde o início, a tutela inquestionável sobre este processo, pelo que não existe qualquer alteração substancial na actual submissão rastejante de Bruxelas à vontade de Washington, mesmo quando representada por um indivíduo desqualificado e com as capacidades mentais limitadas como é o presidente Joseph Biden. A dependência dos países da NATO e da União Europeia em relação aos interesses e às políticas imperiais de Washington, transformando-os em satélites, autênticos protectorados, esteve na essência da NATO na origem, tal como está hoje.

A cerimónia de criação da NATO decorreu em Washington, cumprem-se agora exactamente 75 anos, e o Pacto do Atlântico foi assinado pelos ministros dos Negócios Estrangeiros dos 12 Estados fundadores. Outras nações, como a Irlanda e a Suécia, também foram convidadas, mas rejeitaram. A Suécia, no entanto, demorou 74 anos a “pensar” e acabou por ceder: pelo caminho da longa neutralidade sueca ficou um primeiro-ministro, Olof Palme, de facto assassinado por defender, sem admitir interferências externas, o estatuto de soberania do país. Tal como o primeiro-ministro italiano democrata-cristão Aldo Moro foi liquidado por desobedecer às ordens da NATO de proibir a presença de comunistas na área do poder governativo.

Os discursos pronunciados no acto fundador foram bastante redundantes, com a preocupação comum de alimentarem a fábula da superioridade civilizacional do Ocidente, um conceito xenófobo e colonial que marca os três quartos de século de existência da NATO; e agitarem com tonalidades terroristas o espectro da ameaça soviética, qualificada como “uma epidemia” na verve do ministro fascista português Caeiro da Matta, ecoando a propaganda salazarista.

Mais interessante que os discursos é conhecer um pouco melhor os ministros presentes em Washington e os seus dotes especiais para as performances hipócritas.

Pelos Estados Unidos esteve o secretário de Estado da administração militarista de Harry Truman, Dean Acheson. Declarou na ocasião que “a realidade não reside na busca comum de objectivos materiais ou de um poder sobre outro. Reside na afirmação dos valores morais e espirituais que rege o tipo de vida que propomos levar e defender por todos os meios possíveis, caso essa necessidade nos seja imposta”.

Acheson foi o dirigente que estilhaçou a tradicional política norte-americana de não envolver o país em alianças duradouras, além de ser considerado o principal responsável pela decisão presidencial de lançar os Estados Unidos na guerra da Coreia.

A vida política do então secretário de Estado norte-americano foi marcada por alguns conceitos reveladores da convicção e da seriedade das suas palavras proferidas na cerimónia de Washington. Segundo uma das suas declarações, “as limitações impostas pelas práticas políticas democráticas tornam difícil a tarefa de conduzir os nossos assuntos externos de acordo com o interesse nacional”. Isto é, a democracia é contra o “interesse nacional”; eliminar essas “limitações” é, com toda a naturalidade, a solução adoptada pelas sucessivas administrações norte-americanas – e também pela NATO, seu braço armado.

Acheson estava ciente, já nessa altura, de que chegara o momento da passagem de testemunho do domínio internacional ao declarar que “a Grã-Bretanha perdeu o império e ainda não encontrou o seu papel”. Interessante, muito actual e franca é a sua opinião segundo a qual “o problema da economia de mercado livre é que requer demasiados polícias para poder funcionar”. Sejamos justos, quem fala verdade não merece castigo.

Se a Grã-Bretanha andava à procura “do seu papel”, parecia tê-lo encontrado na pessoa de Ernest Bevin, então ministro dos Negócios Estrangeiros e depois primeiro-ministro de um governo trabalhista, que foi um dos maiores impulsionadores da criação da NATO e subscrevera em 1948 o Tratado de Bruxelas, considerado o embrião da aliança.

Bevin, que se ufanava de ser um “ex-sindicalista”, era conhecido como um anticomunista feroz, capaz de lobrigar a “ameaça soviética” em cada acontecimento internacional – e até interno. Na cerimónia de fundação da NATO declarou que “os nossos povos não glorificam a guerra mas não fugirão dela se houver ameaça de agressão”. Da agressão da União Soviética, naturalmente, apesar de ser um país exangue, que perdera 26 milhões de vidas para impedir o triunfo do nazismo em toda a Europa, com as regiões ocidentais totalmente destroçadas e ainda sem possuir a bomba atómica. Pelo contrário, os planos de agressão existentes eram ocidentais e decorriam da ideia de Winston Churchill, exposta a políticos norte-americanos em 1951, segundo a qual, quando voltasse a chefiar o governo de Londres, iria lançar bombas atómicas sobre 20 a 30 cidades soviéticas, para então estabelecer definitivamente a paz. Churchill voltou a chefiar o governo de Londres em 1955, mas não cumpriu a ameaça, porque Moscovo já possuía a arma de extermínio e não hesitaria em responder. Fazer de justiceiro e valentão tornara-se perigoso, ou mesmo fatal.

Ernest Bevin tinha também um conceito bastante peculiar de guerra e paz, reflectindo o espírito do longo império, de que ele se orgulhava porque, por exemplo, “a marinha britânica conseguira policiar o mundo durante 300 anos de uma maneira bastante barata”; explicava então que “a guerra não é um piquenique, mas será melhor que milhões de vidas se percam”? Fazer a guerra para evitar mortes é uma ideia genial.

Este grande impulsionador da criação da NATO e da união da Europa Ocidental (ainda faltavam 70 anos para o Brexit) era particularmente arguto e tinha princípios pessoais e de acção política que continuam a revelar-se de grande actualidade para as classes governantes. Considerava que “um jornal tem três tarefas: uma é divertir, outra é entreter e o resto é enganar”; por outro lado, havia ilusões que Bevin não tinha: “o preço da liberdade é a eterna vigilância”.

Quatro dos considerados “pais fundadores” do processo de integração que conduziu à União Europeia foram subscritores do Pacto do Atlântico, uma significativa geminação essencial para concretizar a satelitização da Europa como uma estratégia de fundo do poder imperial dos Estados Unidos da América.

Paul-Henri Spaak, ministro dos Negócios Estrangeiros da Bélgica, depois primeiro-ministro, ficou conhecido como “senhor Europa” pelo seu envolvimento persistente na criação de instituições para a integração europeia, designadamente o Tratado de Roma de 1957, e pelo apego à fundação da NATO, de que acabou por ser secretário-geral de 1957 a 1961. A sobreposição da evolução da NATO e do processo de integração europeia está sempre presente na actuação deste dirigente socialista belga, que foi igualmente o primeiro presidente da Assembleia Geral da ONU.

Em Washington, Spaak deixou a mensagem canónica sobre as necessidades “defensivas” da inocente civilização ocidental: “o novo pacto não é contra ninguém, não ameaça ninguém a não ser, naturalmente, qualquer pessoa ou pessoas que possam fomentar a ideia criminosa de recorrer à guerra”.

Robert Schuman, designado “pai da Europa” a par do seu compatriota Jean Monet, ambos defendendo a criação de uns Estados Unidos da Europa fazendo uso abusivo e descontextualizado da ideia expressada um século antes por Victor Hugo, foi o representante da França em Washington. Proferiu uma declaração piedosa de que “a salvação das nações não pode basear-se num nacionalismo egoísta mas deve apoiar-se na aplicação progressiva da solidariedade humana”. Ou seja, tudo quanto a NATO e a União Europeia são hoje, dissolvendo a soberania das nações em vez de as “salvar”, armando e militarizando a “solidariedade humana”. O seu discurso de 9 de Maio de 1950, conhecido como a “Declaração Schuman”, é considerado pela autarcia de Bruxelas como o acto de fundação da União Europeia.

Dirk U. Stikker, banqueiro e industrial em funções de ministro dos Negócios Estrangeiros da Holanda, subscreveu a fundação da NATO enaltecendo que “finalmente prevalece a verdade de que o Atlântico Norte é uma autoestrada que une, não uma barreira que divide. Regozijemo-nos”, acrescentou, “com o pensamento de que os norte-americanos e os europeus ocidentais se encontraram num edifício comum dedicado à paz”. Considerado demasiado pró-norte-americano mesmo pelos padrões da NATO, este dedicado defensor da actuação conjunta da aliança com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, um embrião da União Europeia, falhou a primeira tentativa para ser nomeado secretário-geral atlantista, cargo que acabou por desempenhar entre 1961 e 1964.

José Bech, que como refugiado político durante a Segunda Guerra Mundial escolheu o Portugal de Salazar como seu primeiro lugar de exílio, foi o representante do Luxemburgo em Washington. É considerado um dos “pais fundadores” da integração europeia, depois de ter patrocinado a constituição do Benelux – Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Segundo o então ministro dos Negócios Estrangeiros luxemburguês, “os Estados signatários do Pacto do Atlântico constituem ao mesmo tempo a mais formidável e mais sinceramente pacífica coligação de forças materiais e morais que já foi criada pelas nações para garantir a sua segurança e poupar o mundo aos horrores da guerra”. Perdeu-se um meritório escritor de ficção.

O conde Carlo Sforza, por Itália, qualificou a assinatura do pacto como “um dos acontecimentos mais nobres e generosos da humanidade”. Halvard Lange, representante norueguês e um dos “três sábios” que apresentaram um relatório sobre a “cooperação não-militar” no interior da NATO, qualificou a aliança como “um pacto de paz” que se “dirige unicamente contra a própria agressão”.

O representante do Canadá foi o futuro primeiro-ministro Lester Pearson. O chefe da diplomacia dinamarquesa, Gustav Rasmussen, compareceu contrariado em Washington, obedecendo a ordens do primeiro-ministro Hans Hedoft, e declarou-se “um signatário apreensivo”. Já o representante islandês, Bjorn Benediktson, futuro primeiro-ministro de um país que nem sequer tem exército (mas está ocupado por bases militares norte-americanas), partiu para Washington entre protestos massivos e violentamente reprimidos da população contra a integração na NATO, nos quais se exigia a convocação de um referendo sobre o assunto. Um simples acto democrático que até hoje não foi realizado em qualquer dos 32 países que integram a aliança. Nestas matérias da guerra e de a NATO, por exemplo, ser responsável por 70% dos gastos militares em todo o mundo, o povo não é quem mais ordena.

O atlantismo salazarista

A representar o fascismo português esteve em Washington, para subscrever a fundação da NATO, o ministro dos Negócios Estrangeiros, José Caeiro da Matta. O enviado do ditador, que começou por ser um truculento deputado do Partido Regenerador durante a monarquia, envolvendo-se em duelos armados com alguns adversários políticos, foi depois ministro da Educação de Salazar no período que se seguiu à imposição da Constituição de 1933, cabendo-lhe a tarefa de “adaptar”  o sistema educativo nacional ao espírito e letra do Estado Novo. Foi igualmente o autor de uma proposta de integração de Cabo Verde no quadro das ilhas adjacentes de Portugal.

“Portugal quer afirmar que vê no Pacto do Atlântico Norte não só um instrumento de defesa e cooperação internacional mas também, pelas razões objectivas que o regem, um instrumento precioso para a paz”, declarou Caeiro da Matta. “Mais do que nunca”, acrescentou o porta-voz salazarista, “é necessário defender os princípios e posições segundo os quais estes povos são os depositários dos ideais que a civilização ocidental ocupa no mundo”.

Sejamos justos: até aqui, o discurso pronunciado pelo enviado de Salazar poderia ser proferido por qualquer dos ministros dos Negócios Estrangeiros de qualquer dos governos da dinastia novembrista, incluindo o de hoje. Caeiro da Matta, porém, agia de acordo com o edifício legal de então; os discursos e o comportamento dos actuais dirigentes portugueses relacionados com a NATO são ostensivamente contra a Constituição da República.

Onde poderia existir alguma diferença, mais na forma do que no conteúdo dos discursos de 1949 e de hoje, é na passagem na qual o ministro fascista afirma que “a Europa (…) luta contra a  mais perigosa epidemia mental de todos os tempos, que ameaça destruir a flor da nossa cultura”, pelo que está “ansiosamente à procura de uma fórmula para a paz”. Se relermos algumas das considerações de ministros como Santos Silva e Cravinho em relação à “ameaça russa”, as diferenças, afinal, não são assim tão substanciais. Atlantismo acima de tudo, tanto nos tempos salazarentos como nesta espécie de democracia a que chamam “liberal”.

Era o tempo em que os comunistas comiam criancinhas na União Soviética e sabe-se lá mais onde, mas também dos grande ímpetos democráticos do pós-guerra, valendo então ao regime de Salazar a integração na NATO que, de acordo com o site da organização, “injectou um grau de estabilidade na frente doméstica”. De facto assim foi: os tempos da integração na NATO, incluindo os da grande cimeira de cinco dias realizada em 1952 em Lisboa, e que proclamou a entrada das ditaduras grega e turca na aliança, ficaram marcados por violentas e massivas vagas de repressão contra quaisquer movimentações democráticas.

Em 1952, Portugal foi agraciado com a visita da “Caravana para a Paz”, um autocarro carregado de modernices tecnológicas de encher o olho que explicava com filmes, brindes e cartazes, a um povo analfabeto, as vantagens e o orgulho de ser da NATO; uma espécie de “Europa connosco” com 30 anos de antecipação. A “Caravana para a Paz” regressou na década de sessenta – e com toda a coerência porque viviam-se os tempos da guerra colonial – para “levar a NATO” a lugares mais ermos “onde a NATO era desconhecida”. A NATO conseguiu a enorme proeza de chegar a esses locais muito antes da luz eléctrica, da água potável e de existirem estradas decentes.

De Heusinger e Taubert a Zelenski

A NATO nasceu sem horror político ao fascismo, como ficou provado pela presença do Portugal de Salazar entre os fundadores e a adesão das ditaduras grega e turca três anos depois da fundação.

Nasceu também sem horror militar ao nazismo, uma afirmação que pode ser chocante mas a realidade confirma. Vários oficiais da Wermacht e da Luftwaff hitlerianas altamente condecorados pelo Reich foram contemplados com o branqueamento dos seus passados de extermínio e depois transplantados para elevados cargos da NATO devido às suas competências na luta anticomunista e contra a União Soviética.

O general Adolf Heusinger foi o chefe de gabinete de Hitler e participou na planificação das invasões da Polónia, Noruega, Dinamarca e França. Em 1940 desempenhou funções de chefe de operações no exército nazi. No final da guerra não foi julgado em Nuremberga, assumiu a criação do novo exército da República Federal da Alemanha e em 1961 passou a desempenhar a função de presidente do Comité Militar da NATO, espécie de chefe de Estado Maior da organização, até 1964. Heusinger recebera de Hitler a mais elevada condecoração do Reich.

O sturmfuhrer (elevada patente paramilitar do Partido Nazi e também das SA) Eberhard Taubert, que trabalhou directamente com Goebbels na propaganda nazi e foi mesmo o autor do distintivo amarelo para identificação e humilhação dos judeus, foi adoptado pela NATO devido à sua experiência na propaganda anticomunista, naturalmente sem passar pelos julgamentos em Nuremberga.

Konrad Adenauer, o político ultraconservador que os ocupantes ocidentais colocaram à cabeça do seu sector alemão, depois a República Federal da Alemanha, amnistiou 800 mil criminosos de guerra nazis.

É natural, portanto, que a experiência de muitos deles na máquina de extermínio do Reich pudesse suprir eventuais carências da NATO na guerra anticomunista e também na prestação de serviços às oligarquias que ficaram órfãs de Hitler.

Hans Speidel, chefe de gabinete do marechal de campo  Erwin Rommel, foi nomeado chefe das forças da NATO na Europa Central em 1957 e exerceu o cargo até 1963. Na altura foi posta a correr a versão de que teria participado numa conspiração contra Hitler – na esteira da intenção atribuída a Rommel de negociar com os aliados ocidentais, mas foi julgado ainda pelo próprio regime e absolvido.

O cargo de chefe militar da NATO na Europa Central foi sucessivamente desempenhado por antigos oficiais nazis, regra geral condecorados pelo regime como recompensa pelos serviços prestados: Johann von Kielmansegg, membro do alto comando da Wermacht, esteve naquele posto da NATO entre 1966 e 1968; o antigo  tenente-coronel das tropas nazis Ernst Ferber desempenhou o cargo entre 1973 e 1975; Karl Schnell, antigo primeiro general da 76ª divisão Panzer, foi encarregado das mesmas funções entre 1975 e 1977; Franz Joseph Schultz, tenente sénior da Luftwaffe, sucedeu-lhe entre 1977 a 1979, deixando então o cargo, até 1983, a Ferdinand von Senger und Etterlin, anterior ajudante do Alto Comando nazi.

Johannes Steinhoff, um piloto da Luftwaffe que ficara famoso pelos seus feitos e proezas contra os aliados, desempenhou as funções de presidente do Comité Militar da NATO entre 1971 e 1974.

Além de integrar estes e outros operacionais nazis no seu aparelho militar e de espionagem, está profusamente documentada a utilização da rede terrorista clandestina da NATO stay behind, conhecida como Gladio, na conspiração anticomunista e mesmo antidemocrática em muitos países da Europa Ocidental, incluindo Portugal. O caso da estratégia de terror em Itália nos anos setenta e oitenta, caracterizada pelos atentados selváticos de Milão e Bolonha, o assassínio do primeiro-ministro Aldo Moro, e a liquidação de juízes incorruptíveis em colaboração com a Mafia, tornou-se emblemático na história desta organização terrorista que, de acordo com numerosos investigadores, foi reciclada e continua a actuar.

A tragédia da ex-Jugoslávia, os bombardeamentos de Belgrado em 1999, o apoio aos terroristas do Kosovo, os crimes de guerra na Líbia, na Síria, no Iraque e no Afeganistão, a disseminação de grupos de terror no Sahel em África, as ameaças cada vez mais virulentas contra a China, a expansão hegemónica e provocatória até às fronteiras da Rússia, transformada em nova “ameaça” depois de extinta a União Soviética, são episódios marcantes de 75 anos de vida da NATO dedicados ao domínio imperial e colonial, ao expansionismo, ao terrorismo, ao globalismo neoliberal, ao controlo de opinião e à mentira. Como se percebe desde os discursos proferidos durante o acto fundador, a  NATO cultiva a propaganda para tornar o terror aceitável e desejado, desde que seja ao serviço da cruzada permanente em que está empenhada “a nossa civilização”.

De modo que o apoio incondicional, dispendioso e criminoso a um regime de inspiração nazi, chefiado por um indivíduo desqualificado e irresponsável como Volodymyr Zelenski, que continua a sacrificar o seu povo e o seu país, a Ucrânia, apenas seria surpreendente no caso de ignorarmos a história desde os primeiros passos de uma organização como a NATO, nefasta e ameaçadora para a existência da própria humanidade. E que já deve várias décadas à cova, pois deveria ter sido extinta quando se dissolveu o Tratado de Varsóvia, em 1991.

A NATO nasceu grávida da integração europeia que, 50 anos depois, culminou na União Europeia como instituição autárcica, globalista, federalista e inimiga das soberanias nacionais

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“A adesão à Aliança significou um maior prestígio e o reforço do estatuto de Portugal no seu conjunto. Também injectou um grau de estabilidade na frente doméstica”.

(Site oficial da NATO sobre a presença do Portugal de Salazar na fundação da organização)

Passaram os anos, exactamente três quartos de século, e a NATO da actualidade mantém-se uma fiel respeitadora dos mitos fundadores, actualizados por uma dinâmica propagandística que sempre esteve na base da sua actuação mas adquiriu hoje uma amadurecida sofisticação de mensagem e meios, além de uma capacidade de controlo totalitário quase absoluto da opinião pública ocidental. O que lhe permite praticar abertamente, e sempre a coberto da proclamação das melhores intenções, a política belicista, expansionista e colonial-imperial que determinou a sua criação.

Asseguraram os fundadores da NATO, entre os quais, com papel determinante, os estrategos da integração europeia – sempre sob a tutela dos Estados Unidos da América – que a aliança nascia como organização “defensiva” para se precaver contra as ameaças de grande envergadura, existentes naquele pós-guerra, visando a civilização ocidental, os seus valores humanistas e matriz religiosa. Essa tarefa deveria assentar numa convergência de práticas políticas, princípios de liberdade, harmonia dos sistemas económicos, integração dos aparelhos militares, tudo isso para cultivar e assegurar a paz no mundo. Não é um equívoco: a NATO de então, e de sempre, que durante sete décadas e meia se dedicou a uma estratégia de terror e provocação durante a guerra fria, que actualmente se desmultiplica em guerras sem fim, que tem nos seus activos as vidas de milhões de cidadãos inocentes e a cumplicidade em numerosos crimes de guerra, faz tudo isto em nome da paz. Fiel a um dos seus princípios de sempre: a paz nasce da guerra.

Além dos objectivos “defensivos” e de segurança, em nome dos quais se permite tutelar militarmente 32 países, quase o triplo dos 12 da fundação, e de ter alargado a sua área de intervenção para todos os oceanos em vez do norte do Atlântico, a NATO proclama-se em permanente cruzada pela democracia, atribuindo-se até o direito de invadir países para implantar um regime político que obedeça às suas exigências e onde as eleições dêem sempre os resultados por ela pretendidos.

O intrigante esquecimento da democracia

Se lermos os discursos dos 12 ministros dos Negócios Estrangeiros que assinaram em Washington, em 4 de Abril de 1949, o chamado Pacto do Atlântico que deu origem à NATO, apuramos, porém, que em nenhum deles está presente a palavra “democracia”. Presume-se que não fosse assim tão necessário, em termos propagandísticos, declarar expressamente esse princípio, ao contrário do que acontece hoje – em que parece indispensável afirmar uma democracia única contra outros sistemas políticos plurais em países que têm o azar, ou a ousadia, de não se situarem no mesmo plano geoestratégico da Aliança Atlântica.

Também poderia atribuir-se a omissão da palavra “democracia” nos discursos fundadores ao facto de entre os signatários do pacto estar um representante de um país fascista, Portugal, acolhido sem reservas como um esteio da civilização ocidental, a não ser a de ter sido obrigado a trocar  as “ajudas” do Plano Marshall pela protecção e solidariedade política e diplomática do regime dos Estados Unidos.

O mesmo teria acontecido com a Espanha franquista – e Salazar meteu uma cunha nesse sentido –  se o Reino Unido não se tivesse oposto liminarmente, não como país em si mesmo mas porque o Partido Trabalhista, no governo, determinou que uma entrada de Madrid na aliança estava dependente da legalização por Franco do Partido Socialista Operário Espanhol.

Na verdade o conceito anti nazifascista da NATO tem sido bastante elástico desde a fundação até hoje. Primeiro, admitindo um regime fascista na sua fundação; logo a seguir, três anos depois da criação, integrando como membros de pleno direito os fascismos grego e turco; posteriormente, durante a guerra fria, criando e apoiando sangrentas ditaduras militares na “defesa dos valores ocidentais” contra a omnipresente “ameaça soviética”, hoje reciclada em “ameaça russa”; expandindo-se de maneira fulminante a seguir à queda do muro de Berlim, apesar de ter prometido à Rússia não avançar um centímetro que fosse para Leste; actualmente, por defender os seus interesses recorrendo à utilização de selváticos grupos terroristas ditos “islâmicos” e por se envolver até ao tutano na sobrevivência do regime nazi de Kiev, que criou, e na guerra contra o seu povo que este alimenta desde 2014.

Há uma coerência histórica, ao longo dos seus 75 anos de vida, na cumplicidade e na tolerância da NATO em relação a comportamentos nazifascistas. Ao ponto de hoje confundir deliberadamente o seu conceito de democracia com o sistema nazi ucraniano, que remete para o colaboracionismo sangrento com as hordas e o aparelho de extermínio de Hitler. Sem esquecer a integração plena na organização, como aliás acontece na União Europeia, de regimes como os dos Estados bálticos, Polónia, Hungria, República Checa e Croácia, altamente influenciados ou mesmo controlados por correntes nacionalistas, fascistas e revisionistas da história no sentido de branquear as referências que mantêm em relação à Alemanha hitleriana.

Se penetrarmos ainda um pouco mais fundo na história da NATO verificaremos, já sem grande surpresa, que os seus fundadores não hesitaram em recorrer a condecorados oficiais nazis, acabados de sair das hostes de Hitler, para criarem as fundações das estruturas militares e de propaganda da organização, como veremos mais adiante.

A NATO como berço da União Europeia

A NATO nasceu grávida da integração europeia que, 50 anos depois, culminou na União Europeia como instituição autárcica, globalista, federalista e inimiga das soberanias nacionais, funcionando exclusivamente ao serviço da oligarquia económica e financeira transnacional através do neoliberalismo, o sistema de capitalismo extremista e selvagem. Os Estados Unidos exerceram, desde o início, a tutela inquestionável sobre este processo, pelo que não existe qualquer alteração substancial na actual submissão rastejante de Bruxelas à vontade de Washington, mesmo quando representada por um indivíduo desqualificado e com as capacidades mentais limitadas como é o presidente Joseph Biden. A dependência dos países da NATO e da União Europeia em relação aos interesses e às políticas imperiais de Washington, transformando-os em satélites, autênticos protectorados, esteve na essência da NATO na origem, tal como está hoje.

A cerimónia de criação da NATO decorreu em Washington, cumprem-se agora exactamente 75 anos, e o Pacto do Atlântico foi assinado pelos ministros dos Negócios Estrangeiros dos 12 Estados fundadores. Outras nações, como a Irlanda e a Suécia, também foram convidadas, mas rejeitaram. A Suécia, no entanto, demorou 74 anos a “pensar” e acabou por ceder: pelo caminho da longa neutralidade sueca ficou um primeiro-ministro, Olof Palme, de facto assassinado por defender, sem admitir interferências externas, o estatuto de soberania do país. Tal como o primeiro-ministro italiano democrata-cristão Aldo Moro foi liquidado por desobedecer às ordens da NATO de proibir a presença de comunistas na área do poder governativo.

Os discursos pronunciados no acto fundador foram bastante redundantes, com a preocupação comum de alimentarem a fábula da superioridade civilizacional do Ocidente, um conceito xenófobo e colonial que marca os três quartos de século de existência da NATO; e agitarem com tonalidades terroristas o espectro da ameaça soviética, qualificada como “uma epidemia” na verve do ministro fascista português Caeiro da Matta, ecoando a propaganda salazarista.

Mais interessante que os discursos é conhecer um pouco melhor os ministros presentes em Washington e os seus dotes especiais para as performances hipócritas.

Pelos Estados Unidos esteve o secretário de Estado da administração militarista de Harry Truman, Dean Acheson. Declarou na ocasião que “a realidade não reside na busca comum de objectivos materiais ou de um poder sobre outro. Reside na afirmação dos valores morais e espirituais que rege o tipo de vida que propomos levar e defender por todos os meios possíveis, caso essa necessidade nos seja imposta”.

Acheson foi o dirigente que estilhaçou a tradicional política norte-americana de não envolver o país em alianças duradouras, além de ser considerado o principal responsável pela decisão presidencial de lançar os Estados Unidos na guerra da Coreia.

A vida política do então secretário de Estado norte-americano foi marcada por alguns conceitos reveladores da convicção e da seriedade das suas palavras proferidas na cerimónia de Washington. Segundo uma das suas declarações, “as limitações impostas pelas práticas políticas democráticas tornam difícil a tarefa de conduzir os nossos assuntos externos de acordo com o interesse nacional”. Isto é, a democracia é contra o “interesse nacional”; eliminar essas “limitações” é, com toda a naturalidade, a solução adoptada pelas sucessivas administrações norte-americanas – e também pela NATO, seu braço armado.

Acheson estava ciente, já nessa altura, de que chegara o momento da passagem de testemunho do domínio internacional ao declarar que “a Grã-Bretanha perdeu o império e ainda não encontrou o seu papel”. Interessante, muito actual e franca é a sua opinião segundo a qual “o problema da economia de mercado livre é que requer demasiados polícias para poder funcionar”. Sejamos justos, quem fala verdade não merece castigo.

Se a Grã-Bretanha andava à procura “do seu papel”, parecia tê-lo encontrado na pessoa de Ernest Bevin, então ministro dos Negócios Estrangeiros e depois primeiro-ministro de um governo trabalhista, que foi um dos maiores impulsionadores da criação da NATO e subscrevera em 1948 o Tratado de Bruxelas, considerado o embrião da aliança.

Bevin, que se ufanava de ser um “ex-sindicalista”, era conhecido como um anticomunista feroz, capaz de lobrigar a “ameaça soviética” em cada acontecimento internacional – e até interno. Na cerimónia de fundação da NATO declarou que “os nossos povos não glorificam a guerra mas não fugirão dela se houver ameaça de agressão”. Da agressão da União Soviética, naturalmente, apesar de ser um país exangue, que perdera 26 milhões de vidas para impedir o triunfo do nazismo em toda a Europa, com as regiões ocidentais totalmente destroçadas e ainda sem possuir a bomba atómica. Pelo contrário, os planos de agressão existentes eram ocidentais e decorriam da ideia de Winston Churchill, exposta a políticos norte-americanos em 1951, segundo a qual, quando voltasse a chefiar o governo de Londres, iria lançar bombas atómicas sobre 20 a 30 cidades soviéticas, para então estabelecer definitivamente a paz. Churchill voltou a chefiar o governo de Londres em 1955, mas não cumpriu a ameaça, porque Moscovo já possuía a arma de extermínio e não hesitaria em responder. Fazer de justiceiro e valentão tornara-se perigoso, ou mesmo fatal.

Ernest Bevin tinha também um conceito bastante peculiar de guerra e paz, reflectindo o espírito do longo império, de que ele se orgulhava porque, por exemplo, “a marinha britânica conseguira policiar o mundo durante 300 anos de uma maneira bastante barata”; explicava então que “a guerra não é um piquenique, mas será melhor que milhões de vidas se percam”? Fazer a guerra para evitar mortes é uma ideia genial.

Este grande impulsionador da criação da NATO e da união da Europa Ocidental (ainda faltavam 70 anos para o Brexit) era particularmente arguto e tinha princípios pessoais e de acção política que continuam a revelar-se de grande actualidade para as classes governantes. Considerava que “um jornal tem três tarefas: uma é divertir, outra é entreter e o resto é enganar”; por outro lado, havia ilusões que Bevin não tinha: “o preço da liberdade é a eterna vigilância”.

Quatro dos considerados “pais fundadores” do processo de integração que conduziu à União Europeia foram subscritores do Pacto do Atlântico, uma significativa geminação essencial para concretizar a satelitização da Europa como uma estratégia de fundo do poder imperial dos Estados Unidos da América.

Paul-Henri Spaak, ministro dos Negócios Estrangeiros da Bélgica, depois primeiro-ministro, ficou conhecido como “senhor Europa” pelo seu envolvimento persistente na criação de instituições para a integração europeia, designadamente o Tratado de Roma de 1957, e pelo apego à fundação da NATO, de que acabou por ser secretário-geral de 1957 a 1961. A sobreposição da evolução da NATO e do processo de integração europeia está sempre presente na actuação deste dirigente socialista belga, que foi igualmente o primeiro presidente da Assembleia Geral da ONU.

Em Washington, Spaak deixou a mensagem canónica sobre as necessidades “defensivas” da inocente civilização ocidental: “o novo pacto não é contra ninguém, não ameaça ninguém a não ser, naturalmente, qualquer pessoa ou pessoas que possam fomentar a ideia criminosa de recorrer à guerra”.

Robert Schuman, designado “pai da Europa” a par do seu compatriota Jean Monet, ambos defendendo a criação de uns Estados Unidos da Europa fazendo uso abusivo e descontextualizado da ideia expressada um século antes por Victor Hugo, foi o representante da França em Washington. Proferiu uma declaração piedosa de que “a salvação das nações não pode basear-se num nacionalismo egoísta mas deve apoiar-se na aplicação progressiva da solidariedade humana”. Ou seja, tudo quanto a NATO e a União Europeia são hoje, dissolvendo a soberania das nações em vez de as “salvar”, armando e militarizando a “solidariedade humana”. O seu discurso de 9 de Maio de 1950, conhecido como a “Declaração Schuman”, é considerado pela autarcia de Bruxelas como o acto de fundação da União Europeia.

Dirk U. Stikker, banqueiro e industrial em funções de ministro dos Negócios Estrangeiros da Holanda, subscreveu a fundação da NATO enaltecendo que “finalmente prevalece a verdade de que o Atlântico Norte é uma autoestrada que une, não uma barreira que divide. Regozijemo-nos”, acrescentou, “com o pensamento de que os norte-americanos e os europeus ocidentais se encontraram num edifício comum dedicado à paz”. Considerado demasiado pró-norte-americano mesmo pelos padrões da NATO, este dedicado defensor da actuação conjunta da aliança com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, um embrião da União Europeia, falhou a primeira tentativa para ser nomeado secretário-geral atlantista, cargo que acabou por desempenhar entre 1961 e 1964.

José Bech, que como refugiado político durante a Segunda Guerra Mundial escolheu o Portugal de Salazar como seu primeiro lugar de exílio, foi o representante do Luxemburgo em Washington. É considerado um dos “pais fundadores” da integração europeia, depois de ter patrocinado a constituição do Benelux – Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Segundo o então ministro dos Negócios Estrangeiros luxemburguês, “os Estados signatários do Pacto do Atlântico constituem ao mesmo tempo a mais formidável e mais sinceramente pacífica coligação de forças materiais e morais que já foi criada pelas nações para garantir a sua segurança e poupar o mundo aos horrores da guerra”. Perdeu-se um meritório escritor de ficção.

O conde Carlo Sforza, por Itália, qualificou a assinatura do pacto como “um dos acontecimentos mais nobres e generosos da humanidade”. Halvard Lange, representante norueguês e um dos “três sábios” que apresentaram um relatório sobre a “cooperação não-militar” no interior da NATO, qualificou a aliança como “um pacto de paz” que se “dirige unicamente contra a própria agressão”.

O representante do Canadá foi o futuro primeiro-ministro Lester Pearson. O chefe da diplomacia dinamarquesa, Gustav Rasmussen, compareceu contrariado em Washington, obedecendo a ordens do primeiro-ministro Hans Hedoft, e declarou-se “um signatário apreensivo”. Já o representante islandês, Bjorn Benediktson, futuro primeiro-ministro de um país que nem sequer tem exército (mas está ocupado por bases militares norte-americanas), partiu para Washington entre protestos massivos e violentamente reprimidos da população contra a integração na NATO, nos quais se exigia a convocação de um referendo sobre o assunto. Um simples acto democrático que até hoje não foi realizado em qualquer dos 32 países que integram a aliança. Nestas matérias da guerra e de a NATO, por exemplo, ser responsável por 70% dos gastos militares em todo o mundo, o povo não é quem mais ordena.

O atlantismo salazarista

A representar o fascismo português esteve em Washington, para subscrever a fundação da NATO, o ministro dos Negócios Estrangeiros, José Caeiro da Matta. O enviado do ditador, que começou por ser um truculento deputado do Partido Regenerador durante a monarquia, envolvendo-se em duelos armados com alguns adversários políticos, foi depois ministro da Educação de Salazar no período que se seguiu à imposição da Constituição de 1933, cabendo-lhe a tarefa de “adaptar”  o sistema educativo nacional ao espírito e letra do Estado Novo. Foi igualmente o autor de uma proposta de integração de Cabo Verde no quadro das ilhas adjacentes de Portugal.

“Portugal quer afirmar que vê no Pacto do Atlântico Norte não só um instrumento de defesa e cooperação internacional mas também, pelas razões objectivas que o regem, um instrumento precioso para a paz”, declarou Caeiro da Matta. “Mais do que nunca”, acrescentou o porta-voz salazarista, “é necessário defender os princípios e posições segundo os quais estes povos são os depositários dos ideais que a civilização ocidental ocupa no mundo”.

Sejamos justos: até aqui, o discurso pronunciado pelo enviado de Salazar poderia ser proferido por qualquer dos ministros dos Negócios Estrangeiros de qualquer dos governos da dinastia novembrista, incluindo o de hoje. Caeiro da Matta, porém, agia de acordo com o edifício legal de então; os discursos e o comportamento dos actuais dirigentes portugueses relacionados com a NATO são ostensivamente contra a Constituição da República.

Onde poderia existir alguma diferença, mais na forma do que no conteúdo dos discursos de 1949 e de hoje, é na passagem na qual o ministro fascista afirma que “a Europa (…) luta contra a  mais perigosa epidemia mental de todos os tempos, que ameaça destruir a flor da nossa cultura”, pelo que está “ansiosamente à procura de uma fórmula para a paz”. Se relermos algumas das considerações de ministros como Santos Silva e Cravinho em relação à “ameaça russa”, as diferenças, afinal, não são assim tão substanciais. Atlantismo acima de tudo, tanto nos tempos salazarentos como nesta espécie de democracia a que chamam “liberal”.

Era o tempo em que os comunistas comiam criancinhas na União Soviética e sabe-se lá mais onde, mas também dos grande ímpetos democráticos do pós-guerra, valendo então ao regime de Salazar a integração na NATO que, de acordo com o site da organização, “injectou um grau de estabilidade na frente doméstica”. De facto assim foi: os tempos da integração na NATO, incluindo os da grande cimeira de cinco dias realizada em 1952 em Lisboa, e que proclamou a entrada das ditaduras grega e turca na aliança, ficaram marcados por violentas e massivas vagas de repressão contra quaisquer movimentações democráticas.

Em 1952, Portugal foi agraciado com a visita da “Caravana para a Paz”, um autocarro carregado de modernices tecnológicas de encher o olho que explicava com filmes, brindes e cartazes, a um povo analfabeto, as vantagens e o orgulho de ser da NATO; uma espécie de “Europa connosco” com 30 anos de antecipação. A “Caravana para a Paz” regressou na década de sessenta – e com toda a coerência porque viviam-se os tempos da guerra colonial – para “levar a NATO” a lugares mais ermos “onde a NATO era desconhecida”. A NATO conseguiu a enorme proeza de chegar a esses locais muito antes da luz eléctrica, da água potável e de existirem estradas decentes.

De Heusinger e Taubert a Zelenski

A NATO nasceu sem horror político ao fascismo, como ficou provado pela presença do Portugal de Salazar entre os fundadores e a adesão das ditaduras grega e turca três anos depois da fundação.

Nasceu também sem horror militar ao nazismo, uma afirmação que pode ser chocante mas a realidade confirma. Vários oficiais da Wermacht e da Luftwaff hitlerianas altamente condecorados pelo Reich foram contemplados com o branqueamento dos seus passados de extermínio e depois transplantados para elevados cargos da NATO devido às suas competências na luta anticomunista e contra a União Soviética.

O general Adolf Heusinger foi o chefe de gabinete de Hitler e participou na planificação das invasões da Polónia, Noruega, Dinamarca e França. Em 1940 desempenhou funções de chefe de operações no exército nazi. No final da guerra não foi julgado em Nuremberga, assumiu a criação do novo exército da República Federal da Alemanha e em 1961 passou a desempenhar a função de presidente do Comité Militar da NATO, espécie de chefe de Estado Maior da organização, até 1964. Heusinger recebera de Hitler a mais elevada condecoração do Reich.

O sturmfuhrer (elevada patente paramilitar do Partido Nazi e também das SA) Eberhard Taubert, que trabalhou directamente com Goebbels na propaganda nazi e foi mesmo o autor do distintivo amarelo para identificação e humilhação dos judeus, foi adoptado pela NATO devido à sua experiência na propaganda anticomunista, naturalmente sem passar pelos julgamentos em Nuremberga.

Konrad Adenauer, o político ultraconservador que os ocupantes ocidentais colocaram à cabeça do seu sector alemão, depois a República Federal da Alemanha, amnistiou 800 mil criminosos de guerra nazis.

É natural, portanto, que a experiência de muitos deles na máquina de extermínio do Reich pudesse suprir eventuais carências da NATO na guerra anticomunista e também na prestação de serviços às oligarquias que ficaram órfãs de Hitler.

Hans Speidel, chefe de gabinete do marechal de campo  Erwin Rommel, foi nomeado chefe das forças da NATO na Europa Central em 1957 e exerceu o cargo até 1963. Na altura foi posta a correr a versão de que teria participado numa conspiração contra Hitler – na esteira da intenção atribuída a Rommel de negociar com os aliados ocidentais, mas foi julgado ainda pelo próprio regime e absolvido.

O cargo de chefe militar da NATO na Europa Central foi sucessivamente desempenhado por antigos oficiais nazis, regra geral condecorados pelo regime como recompensa pelos serviços prestados: Johann von Kielmansegg, membro do alto comando da Wermacht, esteve naquele posto da NATO entre 1966 e 1968; o antigo  tenente-coronel das tropas nazis Ernst Ferber desempenhou o cargo entre 1973 e 1975; Karl Schnell, antigo primeiro general da 76ª divisão Panzer, foi encarregado das mesmas funções entre 1975 e 1977; Franz Joseph Schultz, tenente sénior da Luftwaffe, sucedeu-lhe entre 1977 a 1979, deixando então o cargo, até 1983, a Ferdinand von Senger und Etterlin, anterior ajudante do Alto Comando nazi.

Johannes Steinhoff, um piloto da Luftwaffe que ficara famoso pelos seus feitos e proezas contra os aliados, desempenhou as funções de presidente do Comité Militar da NATO entre 1971 e 1974.

Além de integrar estes e outros operacionais nazis no seu aparelho militar e de espionagem, está profusamente documentada a utilização da rede terrorista clandestina da NATO stay behind, conhecida como Gladio, na conspiração anticomunista e mesmo antidemocrática em muitos países da Europa Ocidental, incluindo Portugal. O caso da estratégia de terror em Itália nos anos setenta e oitenta, caracterizada pelos atentados selváticos de Milão e Bolonha, o assassínio do primeiro-ministro Aldo Moro, e a liquidação de juízes incorruptíveis em colaboração com a Mafia, tornou-se emblemático na história desta organização terrorista que, de acordo com numerosos investigadores, foi reciclada e continua a actuar.

A tragédia da ex-Jugoslávia, os bombardeamentos de Belgrado em 1999, o apoio aos terroristas do Kosovo, os crimes de guerra na Líbia, na Síria, no Iraque e no Afeganistão, a disseminação de grupos de terror no Sahel em África, as ameaças cada vez mais virulentas contra a China, a expansão hegemónica e provocatória até às fronteiras da Rússia, transformada em nova “ameaça” depois de extinta a União Soviética, são episódios marcantes de 75 anos de vida da NATO dedicados ao domínio imperial e colonial, ao expansionismo, ao terrorismo, ao globalismo neoliberal, ao controlo de opinião e à mentira. Como se percebe desde os discursos proferidos durante o acto fundador, a  NATO cultiva a propaganda para tornar o terror aceitável e desejado, desde que seja ao serviço da cruzada permanente em que está empenhada “a nossa civilização”.

De modo que o apoio incondicional, dispendioso e criminoso a um regime de inspiração nazi, chefiado por um indivíduo desqualificado e irresponsável como Volodymyr Zelenski, que continua a sacrificar o seu povo e o seu país, a Ucrânia, apenas seria surpreendente no caso de ignorarmos a história desde os primeiros passos de uma organização como a NATO, nefasta e ameaçadora para a existência da própria humanidade. E que já deve várias décadas à cova, pois deveria ter sido extinta quando se dissolveu o Tratado de Varsóvia, em 1991.

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December 18, 2024

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