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Hugo Dionísio
March 19, 2024
© Photo: Public domain

A derrota imposta pelo TikTok à narrativa sionista não deixa de estar relacionada com o papel de Israel na segurança do petrodólar, da hegemonia e da sua derrota pelo mundo multipolar.

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No rescaldo da retumbante vitória de Vladimir Putin; após um acto eleitoral com participação muito assinalável (com uma abstenção inferior ao que se passa em regra no ocidente); uma aprovação do actual presidente da Federação Russa, ainda mais elevada; a contradição entre a informação real, testemunhada e constatada por incontáveis observadores internacionais e a informação veiculada no espectro comunicacional dominado pela Casa Branca, obrigam-nos a colocar em perspectiva toda uma batalha informativa que ocorre no universo virtual.

Quando assistimos a notícias de que esta ou aquela plataforma de Silicon Valley vai abandonar a Rússia, à luz da guerra movida ao TikTok, pela plutocracia estado-unidense, não podemos senão considerar que essa saída é uma sorte para o país e o seu povo. Não tivessem as autoridades russas desenvolvido os necessários esforços para construir um ecossistema digital soberano, deixando o país ao sabor dos veículos propagandísticos da Califórnia, e estaríamos a falar de idênticos resultados? Tenho dúvidas!

Um estudo da Rutgers com a NCRI (Network Contagion Research Institute), sobre o alinhamento do TikTok com as perspectivas geopolíticas do Partido Comunista da China, analisa a informação veiculada pela plataforma chinesa, em comparação com o Instagram, utilizando, claro, esta última como referência de controlo.

Subsequentemente, retiram a conclusão de que existe um alinhamento dizendo que, comparando o número de posts entre as duas plataformas, a “perniciosa” TikTok e a “transparente” Instagram, os posts sobre Uigures são de 1 (no TikTok) para 11 (no instagram); sobre o Tibete 1 para 38, Tiananmen 1 para 82 e “democracia em Hong Kong” 1 para 180. Diz o estudo que estes são tópicos “sensíveis” para o governo chinês. Nem por um momento se questiona a veracidade das tais informações sensíveis para a “China comunista”.

Um exemplo concreto é o caso da guerra na Ucrânia, que opõe a OTAN à Federação Russa, em que os posts têm uma relação de 5 (TikTok) para 8 (instagram), quando se trata do movimento “pela Ucrânia”, ou o caso do genocídio em Gaza, em que a relação é de 2 para 6, quando se trata de “apoiar Israel”. O estudo pouco analisa as métricas ao contrário, ou seja, em relação a hashtags que estão em oposição aos interesses de Washington. Mas o que é deveras conclusivo é a total disparidade entre o que o que é mais ou menos referido em cada uma das plataformas. A mesma acusação que é feita ao TikTok, a respeito dos temas sensíveis para o governo chinês, também poderia ser assacada à administração americana, quando se trata de temas que contrariam a sua propaganda, nas plataformas de Silicon Valley. Desse aspecto não trata a Rutgers, e muito menos dos enviesamentos algorítmicos que justificam a disparidade no tratamento de determinados temas. Sabemos bem porque razão existem. E essa razão não abona em favor da Casa Branca, muito pelo contrário.

Se a análise dos hashtags, que supostamente estão no universo de interesses da China, já nos deixa antever que o que é do interesse deste país é diametralmente do desinteresse de Washington, existe uma questão, em particular, que é muito mais sensível do que as restantes, trata-se da causa palestiniana. Por cada 3 posts de “apoio à palestina” no TikTok, temos apenas 1 no Instagram. Isto diz-nos, na minha opinião, mais sobre os EUA do que sobre a China. Considerando que o governo chinês é conhecido por não se imiscuir nos assuntos internos dos outros países e considerando que mantém importantes relações comerciais com Israel, este desfasamento entre TikTok e Instagram é revelador, acima de tudo, das preocupações dos estados unidos.

E por aqui já temos um breve indício do real motor por detrás desta onda anti-TikTok que se tem observado correr o capitólio. A verdade é que a comunidade judaico-americana tem sido a mais activa no lobbying anti TikTok. Um artigo em  www.jewishreviewofbooks.com , com o título “Israel’s TikTok problem” diz com todas as palavras que “proteger os americanos da influência política do TikTok será um ganho para a relação entre Israel e o seu mais importante aliado”. Palavras para quê?

A grande preocupação é o espaço dado pelo TikTok aos grupos pró-Palestina e com ideias que designam de “antisemitas”, sabendo-se o quão exacerbadas são as sensibilidades antisemitas dos sionistas. O alerta que este artigo dá é extremamente sério, apontando para os graves problemas desta elite com a democracia em si. Para além de referir, como factor negativo, o peso demográfico que países como a Indonésia, Malásia ou Paquistão têm no TikTok, influenciando o algoritmo – esta coisa da democracia tem muito que se lhe diga -, todo o artigo apela à atenção da classe dirigente americana para o facto de estar em causa um confronto geracional entre os jovens e os mais idosos. O que os preocupa mesmo muito é que os mais jovens são amplamente mais “pró-Palestina” do que “pró-Israel”. O culpado? É o TikTok! Porquê? Porque os impede de propagar, com eficácia, a sua propaganda.

Esta realidade é mesmo assumida no artigo, quando critica a administração do TikTok, por não aceitar um anúncio pago que dramatizava a questão do retorno dos cidadãos israelitas sequestrados. Ao mesmo tempo, é o sitio internet www.vox.com quem vem relatar o facto de o ministério dos negócios estrangeiros israelita de gastar 1,5 milhões de dólares em propaganda no Youtube, X e comunicação social dominante sobre a mentira – já confirmada – dos 40 bebés decapitados. Eis, realmente, o pecado principal do TikTok. Mais do que propagar informação de baixa qualidade ou alinhada com as pretensões chinesas, a plataforma não é controlada aos sabores de Washington ou Telavive.

Como que a dar-me razão relativamente a estas coisas da democracia e dos problemas que a Casa Branca tem com ela – bem reportados no tratamento das eleições russas e nas escolhas do povo russo -, é o americano Pew Research Center que numa análise sobre a importância das redes sociais para a democracia, vem dizer-nos que só em três países, mais de metade da população, diz que as redes sociais são más para a democracia: tal é o caso dos Países Baixos, da França e os Estados Unidos. Sendo caricato que, o país que mais redes sociais tem e que mais as controla – ao contrário do que assume -, é precisamente aquele em que mais pessoas dizem ser as redes sociais uma coisa má para a democracia: no caso, os EUA, com 64% de respostas em sentido negativo. Sintomático, conhecendo-se a exposição à manipulação da Casa Branca. Talvez, os povos americano e europeu, não durmam assim tanto.

O que terá isto a ver com toda a propaganda do “Russiagate”, das “fakenews” anti Trump, ou do recente caso TikTok? A meu ver, tudo!  Trata-se, sobretudo, de um problema em lidar com um facto insofismável: a abertura das redes sociais ao mundo, coloca numa posição desfavorável, do ponto de vista demográfico, as pretensões da casa branca, dissolvendo, numa imensa maioria global, a propaganda que Washington fabrica para denegrir os governos que não lhe obedecem. Como tal, as plataformas que não obedecem aos seus ditames, eliminando os posts ou os usuários que estão em contradição com a propaganda ocidental, têm de ser banidas. O que não faltam são artigos como o da www.nbcnews.com, a referir que “os críticos renovam chamadas para um banimento do TikTok, alegando que tem um desvio anti-israelita”. É todo um modelo unipolar que está em causa.

Assim, o problema dos EUA com o TikTok é simples. O TikTok representa um contraponto digital, ao nível dos contrapontos que já existem no real. O mundo virtual era visto, até há muito pouco tempo, como uma espécie de paraíso celestial – qual jardim do Éden neoliberal – totalmente controlado pela cúpula do poder estado-unidense. Até que, um dia, alguns países começaram a encontrar soluções que favorecessem a criação dos eu próprio ecossistema digital.

A fatídica e estratégica decisão sucedeu com a República Popular da China ao rejeitar um Google e um Facebook “sem travões manuais”, que não funcionassem segundo os trâmites que a Casa Branca havia definido para o seu território, mas segundo os seus próprios. A Huawei, TikTok, Wechat, Aliexpress e outras plataformas digitais de topo, são “filhas” dessa decisão chamada, no ocidente, como a “a grande Firewall da China”. E o mais caricato disto é que a existência da “grande firewall da China” é, sobretudo, responsabilidade da agressiva e intrusiva política externa americana. Se alguma verdade o estudo da Rutgers nos ensina é que a agenda americana anti-chinesa foi responsável, em parte, pelos problemas geracionais que os EUA encontram, hoje, entre a sua população e que respeitam às relações entre o seu território americano e o seu braço no médio-oriente.

E esta leitura pode ser parcialmente confirmada numa poll da Universidade de Quinnipiac de 17 Outubro de 2023, a qual diz que os votantes, com idades entre os 18-34 anos, 39% desaprovam o envio de armas para Israel combater o Hamas, dos 35-49 anos (35%), enquanto os que têm mais do que 50 anos, só 17% desaprovam o envio. Ou seja, verifica-se uma fractura geracional clara (50% de diferença), confirmada no facto de as métricas do TikTok apontarem para uma equidade no número de visualizações, dos últimos 30 dias, relativamente a vídeos com a hashtag “apoio a palestina” e “apoio Israel”. Algo que não sucede nas plataformas de Silicon Valley.

Em resposta à intenção chinesa de não estar dependente de um ecossistema dominado por Washington, choveram ataques. “Na China não há liberdade”; “na China a ditadura é tanta que nem o Google é igual”. Sintomaticamente, quer a China, quer a Rússia, demonstraram, desde cedo, querer desenvolver o seu próprio ambiente digital, antecipando, de forma tão independente como sapiente, os riscos relacionados com o acesso, em larga escala, às mentes dos seus povos. Por portas travessas, a atitude da Casa Branca, dá razão aos dois países. Hoje, é a Casa Branca que quer proteger o seu espaço virtual vital.

Poderia concordar-se, ou não, com as limitações que a RPC, à data, exigiu no motor de busca e cuja renitência em aceitá-las, levou ao bloqueio dessas aplicações. Hoje, percebemos que para a Alphabet e Meta não se tratava de aceitar aplicar “limites”, mas, sim, de quem os definia e mandava aplicá-los. Simplesmente – e paradoxalmente – era ao Tio Sam a quem cabia aplicar limitações, não se reconhecendo ao próprio Estado Chinês o poder de as aplicar em seu território. Inversamente, aplicando-as por cá, mais do que nunca, o Tio Sam acusa a RPC de querer impor uma “autocracia digital”.

Assim, no plano material, com a inauguração do mundo multipolar, a crescente autonomia de nações como o Irão, China, Rússia, India, Brasil, Arábia Saudita, África do Sul, não demorou a que, também no plano do digital, se começasse a fazer sentir a “ameaça” da multipolaridade. Esta imposição da “grande firewall da China” constituiu, na minha opinião, um passo importante neste processo.

O primeiro sintoma deste sucesso foi a Huawei, ao desafiar a ditadura das tecnologias de comunicação, até aí monopolizadas pelos EUA. A Huawei, acima de tudo, significava o acesso às mais avançadas tecnologias do futuro, por parte de um país considerado “menor”, pela elite supremacista anglo-saxónica e seus wannabees. Estancar este desenvolvimento tornou-se uma das principais tarefas dos EUA, do seu empreendimento de “contenção da China”. Um sinal óbvio deste sucesso é que o discurso estado-unidense tem vindo a passar do nível de “contenção da China” para o nível, mais agudo, de “contrariar a China”, o que parece indiciar um reconhecimento do insucesso. Já não se trata de “conter”, mas de contradizer, anular, contra-atacar, “contrariar” o que não foi contido.

Resultado destas escolhas é que, quem ler a proposta H. R. 7521 (Protecting Americans from Foreign Adversary Controlled Applications Act) ou o relatório, que serviu de fundamento à proposta de lei, emitido pelo Comité de Energia e Comércio, pode constatar, pelas próprias palavras dos EUA, aquelas que terão sido as principais preocupações da China, à data da tentativa de entrada, sem limites, do Google e Facebook, no seu território. Todos os riscos que ali se apontam ao TikTok, muitos deles já apontados à Huawei, constituem práticas conhecidas, encetadas pelos EUA, contra os países que não guardam o seu espaço virtual, como deveriam e como exigiria a protecção da sua soberania e os interesses dos seus povos.

Eis o que se diz, logo no início, no relatório do Comité de Energia e Comércio: “adversários estrangeiros usaram o acesso aos dados (…) como disruptor da vida diária dos americanos, conduzem actividades de espionagem e empurram campanhas de desinformação e propaganda na tentativa de minar a nossa democracia e ganhar influência mundial e ao controlo”.

Sintomaticamente, temos de levar muito a sério esta coisa do “controlo” e do “interesse nacional”. De acordo com os dados fornecidos pelo próprio relatório, o TikTok está em 150 países e serve 1 bilião de pessoas, entre as quais, 170 milhões de americanos. E este é um drama real para Washington. Como controlar as mentes de um povo, quando metade segue uma plataforma que não controlam? Como manipular as mentes de 170 milhões de americanos, quando a tecnologia que poderia ser usada para as manipular está na China? Como recolher os dados de 170 milhões de pessoas, agregando-os em perfis e predizendo os seus comportamentos, para que os possam impulsionar nas direcções pretendidas, quando esses dados estão armazenados na China? Se Israel está em perigo, logo, o dólar e a hegemonia também o estão.

Entretanto, o accionar do botão de pânico também está relacionado com o efeito que o TikTok possui enquanto disruptor do ambiente virtual, monopolista, criado em Silycon Valey. A CIA, através da DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency), criou todo um ecossistema virtual, transportando para aí cada uma das mentes do seu povo. Esse ecossistema, controlado em todo o ocidente, apenas e tão só, pelas agências de segurança ao serviço de Washington, pretendia um certo grau de invulnerabilidade. Para ser perfeito, o fluxo de dados teria de ser fechado e estanque, para que não houvesse infecção dos algoritmos, e com ela, uma disrupção do funcionamento “harmonioso” do sistema de “capitalismo de vigilância”, como muito bem lhe chamou Shoshana Zuboff.

É este ecossistema, através do qual as agências de segurança dos EUA monitorizam, em tempo real, toda a informação digital dos povos do mundo, prevendo e produzindo comportamentos, promovendo e despromovendo partidos, governos e figuras públicas, acelerando ou atrasando agendas, que está em causa.  Acima de tudo, com o TikTok, a preocupação do regime instalado em Washington ultrapassa os níveis de ansiedade da administração Trump, com a Huawei. Mal ou bem, com a Huawei estavam em causa os aspectos tecnológicos mais estruturais, mais arquitectónicos. Com o TikTok, o que está em causa é o próprio sistema nervoso central da internet. A China passou a ter acesso privilegiado à rede neuronal e ao sistema nervoso central de um corpo, que os EUA haviam criado para dominar o mundo.

Com o monopólio virtual profundamente afectado, no seu próprio território, os EUA optam por dar um tiro no pé, como o fizeram quando decidiram carregar a Rússia de sanções sem fim.  Devido a esta acção sobre o TikTok, os EUA enviam mais um sério aviso aos países que detêm capital e investimentos no ocidente. A qualquer momento, uma alteração legislativa, um pretexto geopolítico, uma falsa denúncia, pode justificar um confisco.

Para posicionar o TikTok na linha de tiro, os EUA voltam a olhar-se ao espelho. No preâmbulo, a proposta de lei H.R. 7521, faz referência à Lei chinesa para a Segurança Nacional, publicada em 2017, fazendo uma clara distorção, quer do seu conteúdo, quer do seu âmbito territorial. Fazendo referência ao que sabemos ser o artigo 7.º dessa lei – através do relatório do comité de energia e comercio –, referem que existe o risco do TikTok ser chamado a partilhar os dados pessoais internacionais com o governo chinês, uma vez que, como alegam, todas as organizações, publicas ou privadas, têm de colaborar com os esforços dos serviços de inteligência chineses. O que é verdade, em parte, pelo menos. O texto do artigo 7.º da Lei de Segurança Nacional da RPC, diz o seguinte: “Todas as organizações e cidadãos apoiarão, auxiliarão e cooperarão com os esforços de inteligência nacional, de acordo com a lei, e protegerão os segredos do trabalho de inteligência nacional de que tenham conhecimento”.

O que o texto da proposta não refere é o que vem no artigo seguinte da Lei de Segurança Nacional da China. Afinal, exige o artigo 8.º da mesma lei “respeitar e proteger os direitos humanos, protegendo os direitos e interesses consagrados aos indivíduos e organizações”. Ou seja, ao contrário do que diz o congresso dos EUA, esse auxílio está condicionado ao cumprimento de lei e dos direitos dos cidadãos e organizações, não se tratando de um poder discricionário, autoritário e autocrático.

Mas, a principal distorção introduzida no relatório do comité de energia e comércio, consiste mesmo na interpretação territorial da Lei Chinesa de segurança nacional. O artigo 7.º da Lei da Segurança Nacional da RPC é para ser lido no quadro da constituição chinesa, ou seja, a cooperação cinge-se a pessoas e organizações de nacionalidade chinesa, relativamente a acções praticadas em território chinês.

E é precisamente na China que a Bytedance mantém a sua base tecnologica fundamental. Essa é mesmo o maior dos obstáculos dos EUA. Ao contrário do que dizem os promotores da proposta que visa “proteger os americanos do adversário estrangeiro – lei de aplicações controladas”, não se trata do receio de que os seus 170 milhões de americanos sejam monitorizados. Afinal, realisticamente, todos sabemos, pela prática e pela teoria, que a China tem uma doutrina de não ingerência nos assuntos internos dos outros países. Por muito que falem da Lei Chinesa de “Protecção de Dados”, de 2020, esgrimindo o argumento de que esta prevê a utilização de dados pessoais e organizacionais para prevenir e antecipar riscos para a segurança nacional, nada disto é inovador nem constitui excepção, nos dias de hoje, em qualquer país que se preze por querer proteger o seu povo. Já monitorizar todo o povo, como fazem os EUA, é totalmente injustificado.

O que realmente preocupa o regime plutocrático e gerontocrático americano, é o monopólio. Um império faz-se de monopólios, e para se ser império não basta ser-se grande, é preciso monopolizar-se. E para construir e manter um império hegemónico, é fundamental monopolizarem-se os sectores estruturais da economia. E este é o problema real. O TikTok, não apenas destrói o monopólio de Silicon Valley, competindo furiosamente com tais plataformas, como lhes rouba o espaço, antes blindado, como acreditava a Casa Branca.

Para proteger o que resta do monopólio, que tal escolher alguém que sentimentalmente se sinta ligado a esse desígnio? A escolha recaiu sobre o ilustre congressista nascido em Nova Deli de descendência indiana, Raja Krishnamoorthi. O certo é que Raja tem tudo a ver com o que seja anti chinês, como por exemplo, as suas responsabilidades no “Comité Selecto da Câmara dos Estados Unidos sobre Competição Estratégica entre os Estados Unidos e o Partido Comunista Chinês”. É óbvia a intenção democrata, uma forma de transformar algo político, num desígnio pessoal, que busque o confronto e a provocação directa.

Assim, assistimos a mais um acto de desespero, cujo efeito resultará no incremento da já instalada desconfiança em relação à seriedade com que o ocidente encara a sua própria ideologia de “mercado livre e aberto”. Na liderança de um sector inaugurado pelos próprios EUA, ultrapassando-os no seu próprio jogo, Titok e China demonstram, assim, que os tempos de exclusividade e acesso restrito ao que de melhor o mundo pode dar, são tempos idos. Tal como a Rússia já havia demonstrado que se tinha acabado o tempo de desmandos à volta do seu território.

Daí que, pensando em impérios e monopólios – a propósito de uma resolução recentemente aprovada no Parlamento Europeu que visa “descolonizar, desimperializar e refederalizar a Rússia” -, esta questão do TikTok, uma vez mais, demonstra a existência de um movimento de desagregação.  O TikTok está para o mundo virtual como os BRICS estão para a desdolarização, no mundo material. Ambos são processos inexoráveis que ameaçam acelerar a “desimperialização” do ocidente.

Esta relação do TikTok com Israel é premonitória. A derrota imposta pelo TikTok à narrativa sionista não deixa de estar relacionada com o papel de Israel na segurança do petrodólar, da hegemonia e da sua derrota pelo mundo multipolar. O TikTok coloca tudo em perigo!

 

The views of individual contributors do not necessarily represent those of the Strategic Culture Foundation.
O TikTok é uma arma contra a hegemonia americana?

A derrota imposta pelo TikTok à narrativa sionista não deixa de estar relacionada com o papel de Israel na segurança do petrodólar, da hegemonia e da sua derrota pelo mundo multipolar.

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Quando assistimos a notícias de que esta ou aquela plataforma de Silicon Valley vai abandonar a Rússia, à luz da guerra movida ao TikTok, pela plutocracia estado-unidense, não podemos senão considerar que essa saída é uma sorte para o país e o seu povo. Não tivessem as autoridades russas desenvolvido os necessários esforços para construir um ecossistema digital soberano, deixando o país ao sabor dos veículos propagandísticos da Califórnia, e estaríamos a falar de idênticos resultados? Tenho dúvidas!

Um estudo da Rutgers com a NCRI (Network Contagion Research Institute), sobre o alinhamento do TikTok com as perspectivas geopolíticas do Partido Comunista da China, analisa a informação veiculada pela plataforma chinesa, em comparação com o Instagram, utilizando, claro, esta última como referência de controlo.

Subsequentemente, retiram a conclusão de que existe um alinhamento dizendo que, comparando o número de posts entre as duas plataformas, a “perniciosa” TikTok e a “transparente” Instagram, os posts sobre Uigures são de 1 (no TikTok) para 11 (no instagram); sobre o Tibete 1 para 38, Tiananmen 1 para 82 e “democracia em Hong Kong” 1 para 180. Diz o estudo que estes são tópicos “sensíveis” para o governo chinês. Nem por um momento se questiona a veracidade das tais informações sensíveis para a “China comunista”.

Um exemplo concreto é o caso da guerra na Ucrânia, que opõe a OTAN à Federação Russa, em que os posts têm uma relação de 5 (TikTok) para 8 (instagram), quando se trata do movimento “pela Ucrânia”, ou o caso do genocídio em Gaza, em que a relação é de 2 para 6, quando se trata de “apoiar Israel”. O estudo pouco analisa as métricas ao contrário, ou seja, em relação a hashtags que estão em oposição aos interesses de Washington. Mas o que é deveras conclusivo é a total disparidade entre o que o que é mais ou menos referido em cada uma das plataformas. A mesma acusação que é feita ao TikTok, a respeito dos temas sensíveis para o governo chinês, também poderia ser assacada à administração americana, quando se trata de temas que contrariam a sua propaganda, nas plataformas de Silicon Valley. Desse aspecto não trata a Rutgers, e muito menos dos enviesamentos algorítmicos que justificam a disparidade no tratamento de determinados temas. Sabemos bem porque razão existem. E essa razão não abona em favor da Casa Branca, muito pelo contrário.

Se a análise dos hashtags, que supostamente estão no universo de interesses da China, já nos deixa antever que o que é do interesse deste país é diametralmente do desinteresse de Washington, existe uma questão, em particular, que é muito mais sensível do que as restantes, trata-se da causa palestiniana. Por cada 3 posts de “apoio à palestina” no TikTok, temos apenas 1 no Instagram. Isto diz-nos, na minha opinião, mais sobre os EUA do que sobre a China. Considerando que o governo chinês é conhecido por não se imiscuir nos assuntos internos dos outros países e considerando que mantém importantes relações comerciais com Israel, este desfasamento entre TikTok e Instagram é revelador, acima de tudo, das preocupações dos estados unidos.

E por aqui já temos um breve indício do real motor por detrás desta onda anti-TikTok que se tem observado correr o capitólio. A verdade é que a comunidade judaico-americana tem sido a mais activa no lobbying anti TikTok. Um artigo em  www.jewishreviewofbooks.com , com o título “Israel’s TikTok problem” diz com todas as palavras que “proteger os americanos da influência política do TikTok será um ganho para a relação entre Israel e o seu mais importante aliado”. Palavras para quê?

A grande preocupação é o espaço dado pelo TikTok aos grupos pró-Palestina e com ideias que designam de “antisemitas”, sabendo-se o quão exacerbadas são as sensibilidades antisemitas dos sionistas. O alerta que este artigo dá é extremamente sério, apontando para os graves problemas desta elite com a democracia em si. Para além de referir, como factor negativo, o peso demográfico que países como a Indonésia, Malásia ou Paquistão têm no TikTok, influenciando o algoritmo – esta coisa da democracia tem muito que se lhe diga -, todo o artigo apela à atenção da classe dirigente americana para o facto de estar em causa um confronto geracional entre os jovens e os mais idosos. O que os preocupa mesmo muito é que os mais jovens são amplamente mais “pró-Palestina” do que “pró-Israel”. O culpado? É o TikTok! Porquê? Porque os impede de propagar, com eficácia, a sua propaganda.

Esta realidade é mesmo assumida no artigo, quando critica a administração do TikTok, por não aceitar um anúncio pago que dramatizava a questão do retorno dos cidadãos israelitas sequestrados. Ao mesmo tempo, é o sitio internet www.vox.com quem vem relatar o facto de o ministério dos negócios estrangeiros israelita de gastar 1,5 milhões de dólares em propaganda no Youtube, X e comunicação social dominante sobre a mentira – já confirmada – dos 40 bebés decapitados. Eis, realmente, o pecado principal do TikTok. Mais do que propagar informação de baixa qualidade ou alinhada com as pretensões chinesas, a plataforma não é controlada aos sabores de Washington ou Telavive.

Como que a dar-me razão relativamente a estas coisas da democracia e dos problemas que a Casa Branca tem com ela – bem reportados no tratamento das eleições russas e nas escolhas do povo russo -, é o americano Pew Research Center que numa análise sobre a importância das redes sociais para a democracia, vem dizer-nos que só em três países, mais de metade da população, diz que as redes sociais são más para a democracia: tal é o caso dos Países Baixos, da França e os Estados Unidos. Sendo caricato que, o país que mais redes sociais tem e que mais as controla – ao contrário do que assume -, é precisamente aquele em que mais pessoas dizem ser as redes sociais uma coisa má para a democracia: no caso, os EUA, com 64% de respostas em sentido negativo. Sintomático, conhecendo-se a exposição à manipulação da Casa Branca. Talvez, os povos americano e europeu, não durmam assim tanto.

O que terá isto a ver com toda a propaganda do “Russiagate”, das “fakenews” anti Trump, ou do recente caso TikTok? A meu ver, tudo!  Trata-se, sobretudo, de um problema em lidar com um facto insofismável: a abertura das redes sociais ao mundo, coloca numa posição desfavorável, do ponto de vista demográfico, as pretensões da casa branca, dissolvendo, numa imensa maioria global, a propaganda que Washington fabrica para denegrir os governos que não lhe obedecem. Como tal, as plataformas que não obedecem aos seus ditames, eliminando os posts ou os usuários que estão em contradição com a propaganda ocidental, têm de ser banidas. O que não faltam são artigos como o da www.nbcnews.com, a referir que “os críticos renovam chamadas para um banimento do TikTok, alegando que tem um desvio anti-israelita”. É todo um modelo unipolar que está em causa.

Assim, o problema dos EUA com o TikTok é simples. O TikTok representa um contraponto digital, ao nível dos contrapontos que já existem no real. O mundo virtual era visto, até há muito pouco tempo, como uma espécie de paraíso celestial – qual jardim do Éden neoliberal – totalmente controlado pela cúpula do poder estado-unidense. Até que, um dia, alguns países começaram a encontrar soluções que favorecessem a criação dos eu próprio ecossistema digital.

A fatídica e estratégica decisão sucedeu com a República Popular da China ao rejeitar um Google e um Facebook “sem travões manuais”, que não funcionassem segundo os trâmites que a Casa Branca havia definido para o seu território, mas segundo os seus próprios. A Huawei, TikTok, Wechat, Aliexpress e outras plataformas digitais de topo, são “filhas” dessa decisão chamada, no ocidente, como a “a grande Firewall da China”. E o mais caricato disto é que a existência da “grande firewall da China” é, sobretudo, responsabilidade da agressiva e intrusiva política externa americana. Se alguma verdade o estudo da Rutgers nos ensina é que a agenda americana anti-chinesa foi responsável, em parte, pelos problemas geracionais que os EUA encontram, hoje, entre a sua população e que respeitam às relações entre o seu território americano e o seu braço no médio-oriente.

E esta leitura pode ser parcialmente confirmada numa poll da Universidade de Quinnipiac de 17 Outubro de 2023, a qual diz que os votantes, com idades entre os 18-34 anos, 39% desaprovam o envio de armas para Israel combater o Hamas, dos 35-49 anos (35%), enquanto os que têm mais do que 50 anos, só 17% desaprovam o envio. Ou seja, verifica-se uma fractura geracional clara (50% de diferença), confirmada no facto de as métricas do TikTok apontarem para uma equidade no número de visualizações, dos últimos 30 dias, relativamente a vídeos com a hashtag “apoio a palestina” e “apoio Israel”. Algo que não sucede nas plataformas de Silicon Valley.

Em resposta à intenção chinesa de não estar dependente de um ecossistema dominado por Washington, choveram ataques. “Na China não há liberdade”; “na China a ditadura é tanta que nem o Google é igual”. Sintomaticamente, quer a China, quer a Rússia, demonstraram, desde cedo, querer desenvolver o seu próprio ambiente digital, antecipando, de forma tão independente como sapiente, os riscos relacionados com o acesso, em larga escala, às mentes dos seus povos. Por portas travessas, a atitude da Casa Branca, dá razão aos dois países. Hoje, é a Casa Branca que quer proteger o seu espaço virtual vital.

Poderia concordar-se, ou não, com as limitações que a RPC, à data, exigiu no motor de busca e cuja renitência em aceitá-las, levou ao bloqueio dessas aplicações. Hoje, percebemos que para a Alphabet e Meta não se tratava de aceitar aplicar “limites”, mas, sim, de quem os definia e mandava aplicá-los. Simplesmente – e paradoxalmente – era ao Tio Sam a quem cabia aplicar limitações, não se reconhecendo ao próprio Estado Chinês o poder de as aplicar em seu território. Inversamente, aplicando-as por cá, mais do que nunca, o Tio Sam acusa a RPC de querer impor uma “autocracia digital”.

Assim, no plano material, com a inauguração do mundo multipolar, a crescente autonomia de nações como o Irão, China, Rússia, India, Brasil, Arábia Saudita, África do Sul, não demorou a que, também no plano do digital, se começasse a fazer sentir a “ameaça” da multipolaridade. Esta imposição da “grande firewall da China” constituiu, na minha opinião, um passo importante neste processo.

O primeiro sintoma deste sucesso foi a Huawei, ao desafiar a ditadura das tecnologias de comunicação, até aí monopolizadas pelos EUA. A Huawei, acima de tudo, significava o acesso às mais avançadas tecnologias do futuro, por parte de um país considerado “menor”, pela elite supremacista anglo-saxónica e seus wannabees. Estancar este desenvolvimento tornou-se uma das principais tarefas dos EUA, do seu empreendimento de “contenção da China”. Um sinal óbvio deste sucesso é que o discurso estado-unidense tem vindo a passar do nível de “contenção da China” para o nível, mais agudo, de “contrariar a China”, o que parece indiciar um reconhecimento do insucesso. Já não se trata de “conter”, mas de contradizer, anular, contra-atacar, “contrariar” o que não foi contido.

Resultado destas escolhas é que, quem ler a proposta H. R. 7521 (Protecting Americans from Foreign Adversary Controlled Applications Act) ou o relatório, que serviu de fundamento à proposta de lei, emitido pelo Comité de Energia e Comércio, pode constatar, pelas próprias palavras dos EUA, aquelas que terão sido as principais preocupações da China, à data da tentativa de entrada, sem limites, do Google e Facebook, no seu território. Todos os riscos que ali se apontam ao TikTok, muitos deles já apontados à Huawei, constituem práticas conhecidas, encetadas pelos EUA, contra os países que não guardam o seu espaço virtual, como deveriam e como exigiria a protecção da sua soberania e os interesses dos seus povos.

Eis o que se diz, logo no início, no relatório do Comité de Energia e Comércio: “adversários estrangeiros usaram o acesso aos dados (…) como disruptor da vida diária dos americanos, conduzem actividades de espionagem e empurram campanhas de desinformação e propaganda na tentativa de minar a nossa democracia e ganhar influência mundial e ao controlo”.

Sintomaticamente, temos de levar muito a sério esta coisa do “controlo” e do “interesse nacional”. De acordo com os dados fornecidos pelo próprio relatório, o TikTok está em 150 países e serve 1 bilião de pessoas, entre as quais, 170 milhões de americanos. E este é um drama real para Washington. Como controlar as mentes de um povo, quando metade segue uma plataforma que não controlam? Como manipular as mentes de 170 milhões de americanos, quando a tecnologia que poderia ser usada para as manipular está na China? Como recolher os dados de 170 milhões de pessoas, agregando-os em perfis e predizendo os seus comportamentos, para que os possam impulsionar nas direcções pretendidas, quando esses dados estão armazenados na China? Se Israel está em perigo, logo, o dólar e a hegemonia também o estão.

Entretanto, o accionar do botão de pânico também está relacionado com o efeito que o TikTok possui enquanto disruptor do ambiente virtual, monopolista, criado em Silycon Valey. A CIA, através da DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency), criou todo um ecossistema virtual, transportando para aí cada uma das mentes do seu povo. Esse ecossistema, controlado em todo o ocidente, apenas e tão só, pelas agências de segurança ao serviço de Washington, pretendia um certo grau de invulnerabilidade. Para ser perfeito, o fluxo de dados teria de ser fechado e estanque, para que não houvesse infecção dos algoritmos, e com ela, uma disrupção do funcionamento “harmonioso” do sistema de “capitalismo de vigilância”, como muito bem lhe chamou Shoshana Zuboff.

É este ecossistema, através do qual as agências de segurança dos EUA monitorizam, em tempo real, toda a informação digital dos povos do mundo, prevendo e produzindo comportamentos, promovendo e despromovendo partidos, governos e figuras públicas, acelerando ou atrasando agendas, que está em causa.  Acima de tudo, com o TikTok, a preocupação do regime instalado em Washington ultrapassa os níveis de ansiedade da administração Trump, com a Huawei. Mal ou bem, com a Huawei estavam em causa os aspectos tecnológicos mais estruturais, mais arquitectónicos. Com o TikTok, o que está em causa é o próprio sistema nervoso central da internet. A China passou a ter acesso privilegiado à rede neuronal e ao sistema nervoso central de um corpo, que os EUA haviam criado para dominar o mundo.

Com o monopólio virtual profundamente afectado, no seu próprio território, os EUA optam por dar um tiro no pé, como o fizeram quando decidiram carregar a Rússia de sanções sem fim.  Devido a esta acção sobre o TikTok, os EUA enviam mais um sério aviso aos países que detêm capital e investimentos no ocidente. A qualquer momento, uma alteração legislativa, um pretexto geopolítico, uma falsa denúncia, pode justificar um confisco.

Para posicionar o TikTok na linha de tiro, os EUA voltam a olhar-se ao espelho. No preâmbulo, a proposta de lei H.R. 7521, faz referência à Lei chinesa para a Segurança Nacional, publicada em 2017, fazendo uma clara distorção, quer do seu conteúdo, quer do seu âmbito territorial. Fazendo referência ao que sabemos ser o artigo 7.º dessa lei – através do relatório do comité de energia e comercio –, referem que existe o risco do TikTok ser chamado a partilhar os dados pessoais internacionais com o governo chinês, uma vez que, como alegam, todas as organizações, publicas ou privadas, têm de colaborar com os esforços dos serviços de inteligência chineses. O que é verdade, em parte, pelo menos. O texto do artigo 7.º da Lei de Segurança Nacional da RPC, diz o seguinte: “Todas as organizações e cidadãos apoiarão, auxiliarão e cooperarão com os esforços de inteligência nacional, de acordo com a lei, e protegerão os segredos do trabalho de inteligência nacional de que tenham conhecimento”.

O que o texto da proposta não refere é o que vem no artigo seguinte da Lei de Segurança Nacional da China. Afinal, exige o artigo 8.º da mesma lei “respeitar e proteger os direitos humanos, protegendo os direitos e interesses consagrados aos indivíduos e organizações”. Ou seja, ao contrário do que diz o congresso dos EUA, esse auxílio está condicionado ao cumprimento de lei e dos direitos dos cidadãos e organizações, não se tratando de um poder discricionário, autoritário e autocrático.

Mas, a principal distorção introduzida no relatório do comité de energia e comércio, consiste mesmo na interpretação territorial da Lei Chinesa de segurança nacional. O artigo 7.º da Lei da Segurança Nacional da RPC é para ser lido no quadro da constituição chinesa, ou seja, a cooperação cinge-se a pessoas e organizações de nacionalidade chinesa, relativamente a acções praticadas em território chinês.

E é precisamente na China que a Bytedance mantém a sua base tecnologica fundamental. Essa é mesmo o maior dos obstáculos dos EUA. Ao contrário do que dizem os promotores da proposta que visa “proteger os americanos do adversário estrangeiro – lei de aplicações controladas”, não se trata do receio de que os seus 170 milhões de americanos sejam monitorizados. Afinal, realisticamente, todos sabemos, pela prática e pela teoria, que a China tem uma doutrina de não ingerência nos assuntos internos dos outros países. Por muito que falem da Lei Chinesa de “Protecção de Dados”, de 2020, esgrimindo o argumento de que esta prevê a utilização de dados pessoais e organizacionais para prevenir e antecipar riscos para a segurança nacional, nada disto é inovador nem constitui excepção, nos dias de hoje, em qualquer país que se preze por querer proteger o seu povo. Já monitorizar todo o povo, como fazem os EUA, é totalmente injustificado.

O que realmente preocupa o regime plutocrático e gerontocrático americano, é o monopólio. Um império faz-se de monopólios, e para se ser império não basta ser-se grande, é preciso monopolizar-se. E para construir e manter um império hegemónico, é fundamental monopolizarem-se os sectores estruturais da economia. E este é o problema real. O TikTok, não apenas destrói o monopólio de Silicon Valley, competindo furiosamente com tais plataformas, como lhes rouba o espaço, antes blindado, como acreditava a Casa Branca.

Para proteger o que resta do monopólio, que tal escolher alguém que sentimentalmente se sinta ligado a esse desígnio? A escolha recaiu sobre o ilustre congressista nascido em Nova Deli de descendência indiana, Raja Krishnamoorthi. O certo é que Raja tem tudo a ver com o que seja anti chinês, como por exemplo, as suas responsabilidades no “Comité Selecto da Câmara dos Estados Unidos sobre Competição Estratégica entre os Estados Unidos e o Partido Comunista Chinês”. É óbvia a intenção democrata, uma forma de transformar algo político, num desígnio pessoal, que busque o confronto e a provocação directa.

Assim, assistimos a mais um acto de desespero, cujo efeito resultará no incremento da já instalada desconfiança em relação à seriedade com que o ocidente encara a sua própria ideologia de “mercado livre e aberto”. Na liderança de um sector inaugurado pelos próprios EUA, ultrapassando-os no seu próprio jogo, Titok e China demonstram, assim, que os tempos de exclusividade e acesso restrito ao que de melhor o mundo pode dar, são tempos idos. Tal como a Rússia já havia demonstrado que se tinha acabado o tempo de desmandos à volta do seu território.

Daí que, pensando em impérios e monopólios – a propósito de uma resolução recentemente aprovada no Parlamento Europeu que visa “descolonizar, desimperializar e refederalizar a Rússia” -, esta questão do TikTok, uma vez mais, demonstra a existência de um movimento de desagregação.  O TikTok está para o mundo virtual como os BRICS estão para a desdolarização, no mundo material. Ambos são processos inexoráveis que ameaçam acelerar a “desimperialização” do ocidente.

Esta relação do TikTok com Israel é premonitória. A derrota imposta pelo TikTok à narrativa sionista não deixa de estar relacionada com o papel de Israel na segurança do petrodólar, da hegemonia e da sua derrota pelo mundo multipolar. O TikTok coloca tudo em perigo!