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Hugo Dionísio
March 6, 2024
© Photo: REUTERS/Henry Nicholls

Somos governados por uma aristocracia eleita por poderes supranacionais, que usa os estados como territórios expandidos, dos interesses centrais a quem respondem.

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Europeus, não se admirem se um dia acordarmos ao som de notícias como “a guerra começou”. Este prenúncio é tudo menos fantasioso e é para ser levado muito a sério. Na minha ignorância, julgo mesmo que, na história humana, após a segunda guerra mundial e considerando a experiência da guerra fria, estaremos, talvez, no momento em que o risco de confrontação militar é mais elevado. À falta de uma arquitectura mundial unificadora, de democracias sólidas e de canais de comunicação estáveis e credíveis… Tudo se torna possível.

No quadro de mais uma adaptação da já secular doutrina estratégica “da espada e do escudo”, enunciada, em 1917, pelo General Pershing, quando explicava às suas tropas que não estavam, na Europa, para defender os europeus, mas para defender os americanos, uma vez que os países europeus constituem um escudo e os EUA a espada, ao longo dos últimos 30 anos, a casa branca foi construindo uma elite administrativa aristocrática e aristocratizada, a qual responde, em primeiro lugar, aos interesses da “espada” americana.

Em qualquer grupo fechado, a sua coesão interna funda-se em sentimentos de pertença, os quais, neste caso, residem nos valores da exclusividade, individualidade (não é para quem quer) e inacessibilidade (é só para quem pode) ao comum dos mortais. O grande objectivo, e sucesso, da estratégia americana, reside na criação de um sentimento segundo o qual, cada um dos membros do grupo, faz parte de uma estrutura de eleição, à qual só aderem seres muito especiais. Este sentimento é trabalhado a partir de variadas estratégias de comunicação, sugestão e persuasão que visam criar uma identidade de grupo, mesmo quando os respectivos membros partem de países, realidades e áreas educacionais diversas.

Vejamos alguns casos exemplificativos, mas também paradigmáticos. Emanuel Macron, passou pelo Institute d’Etudes Politiques de Paris IEP, o qual constitui a chancela de confiança, a premissa, segundo a qual, o sistema neoliberal passa a ver, em Macron, alguém preparado para a administrar os seus interesses. Para além do caracter selecto com que esta instituição privada, exclusiva, se apresenta, as convenções que mantém com a Universidade de Columbia, em Nova Iorque, e com a, sempre reputadíssima, London School of Economics, ou o curso de mestrado em Inglês para jovens promessas mundiais, representam uma poderosa contribuição deste instituto para a causa monopolista neoliberal. É ali que se criam os fundamentos ideológicos e os ensinamentos propagandísticos que, mais tarde, são enraizados no discurso político.

Para quem tenha dúvidas desta descrição que faço, nomes como Alain Juppé, Lionel Jospin, Dominique de Villepin, Jacqes Chirac, François Hollande e François Miterrand, todos passaram pela escola Sciences Po. do IED. Podemos mesmo dizer que, estudar no selectíssimo IED é meio caminho andado para o estrelato mundial e, mais importante ainda, para os afazeres públicos de um dos motores da EU.

Contudo, esta exclusividade não é restrita aos mais elevados representantes da aristocracia ocidental. Mesmo os mais bárbaros e obscuros wannabes são obrigados a apresentar um qualquer tipo de conexão. Tal é o caso de Kaja Kallas, a primeira ministra da Estónia, que se candidata a tudo o que dê tacho e pertence a todos as direcções que a aceitem. Kallas passou pela necessária Estonian Business School, pois as escolas de Business têm aqui um papel fundamental no enquadramento ideológico do eleito, mas, entre muitas outras coisas, Kallas pertence também à organização Global Young Leaders, organização privada relacionada com Universidades como Stanford, da Ivy League, destinando-se essencialmente a formação STEM.

Profundamente ligada aos programas de formação para jovens, seleccionados através das estruturas americanas existentes dentro das universidades e escolas de todo o mundo, aos “sortudos” eleitos dos seus programas, é destinada toda uma panóplia de excepcionais insígnias como “Innovative”, “Business” ou “Leadership”. Em programas que vão desde as escolas do ensino básico à universidade, os “estudantes” aprendem a movimentar-se, desde muito novos, nos meios do poder, desenvolvendo competências ligadas à criação de ONG’s, empresas, partidos, como intervir junto de governos, da ONU e de outras estruturas.

Pense-se assim: numa escola pública que propositadamente não forma os alunos para a vida política, o que constitui um erro crasso em democracia, as mesmas elites que o negam à generalidade da população, preparam os seus rebentos para as sucederem de forma directa – qual monarquia hereditária escondida – nos afazeres dos adultos. Como se costuma dizer, em terra de cegos, quem tem olho é rei. E as elites oligárquicas sabem-no melhor do que ninguém.

Outro caso é o de Rishi Sunak, o Indiano que se sente mais americano que Inglês. O que não admira. Em 2006, por exemplo, Sunak requentou um MBA da Universidade de Stanford (quase omnipresente), como bolsista da “Fullbright”. A “Fullbright” é mais um daqueles programas que desenvolve cursos para supostos jovens brilhantes. Lá está, a exploração do individualismo, do egocentrismo, do sentimento de exclusividade, como pilares da construção de um sentimento de pertença, através de reforço positivo enquanto ser excepcional. Todos se sentem excepcionais. Daí a sua arrogância, o seu distanciamento.

Não admira, portanto que a própria Ursula seja tão fervorosamente anti Russa e atlantista. Como não poderia deixar de ser, entre 1992 e 1996 viveu em Stanford (outra vez Stanford), na Califórnia, onde estudou economia. O próprio Donald Tusk, da Polónia, fez parte de uma Associação de Estudantes Independentes, criada em 1980, financiada pelos mesmos de sempre, que visava subverter, a partir da academia o regime – à data socialista – da Polónia. Mais tarde, foram os quadros desta “associação” deveras “independente” que apoiaram, no terreno, a organização da Revolução Laranja na Ucrânia. Ou seja, o que vemos na Ucrânia, hoje, é o resultado de um amplo projecto de separação e submissão da europa aos interesses neoliberais, hegemónicos e imperiais dos EUA.

Este “escudo” europeu, como podemos constatar, é construído por um grupo que funciona quase como uma sociedade secreta, dotado de profunda coesão interna, baseada no sentimento narcisista de eleição, exclusividade e de pertença a um grupo de elite, treinado para liderar, formado para administrar os interesses supranacionais do estado monopolista por excelência, os EUA.

Agora, imaginem-se numa estirpe de gente que, para além de muitos pertencerem às classes mais abastadas ou à aristocracia política, ainda lhes inculcam, através de inúmeros recursos institucionais ao dispor, a ideia de que fazem parte de um grupo restrito, colocado acima do comum dos mortais, destinado a decidir, por conta dos interesses monopolistas que os contratam. Imaginem que, pertencendo a uma elite deste tipo, o comum erro, que normalmente custa a careira, a honra e até a vida, para esta gente não passa de um percalço na ascensão ao topo. Colocados numa posição destas, como se comportariam? Com sentido de responsabilidade? Ou com total sensação de impunidade? Se soubessem que o vosso poder, estatuto e legitimidade emanavam de interesses supranacionais, a quem seria natural demonstrarem a vossa lealdade? Ao povo?

A forma como os EUA, e os interesses monopolistas que compõem o seu sistema de poder, subverteram qualquer ideia de autonomia estratégica à EU, atirando-nos a todos para a uma linha da frente que, não visa proteger os nossos interesses, mas os deles próprios, consistiu na entrega da alta política, não aos mais experientes estadistas, aos mais emergentes líderes de massas, ou aos mais capazes e competentes quadros públicos, mas, ao invés, a uma estirpe espartana socialmente isolada (apenas no modo de organização e não nos costumes), composta por carreiristas, incapazes de distinguir entre interesse público e privado, nacional ou internacional. Para tais seres, os interesses da coisa pública confundem-se com os seus, e os seus, com os dos seus patrocinadores. São uma e a mesma coisa, num ciclo vicioso em que quem ganha e quem perde está, à partida, determinado.

E, se a actuação deste grupo privilegiado, elitista, segregacionista e exclusivista, em matéria de economia europeia, tem os resultados à vista, também no que concerne à política externa, os seus actos demonstram por conta de que projecto as suas lealdades são expressadas. Victoria Nuland veio à Europa exigir demonstração de apoio e recebeu-a sob a forma de um Macron que, convocando todos os líderes europeus para o Palácio do Eliseu, procurou discutir a possibilidade de enviar tropas europeias da para a Ucrânia. Não fosse Robert Fico, que, pelos vistos, não se revê neste selecto grupo de yuppies, e não saberíamos que os líderes em quem é suposto os povos europeus confiarem, discutem, entre si, à porta fechada e nas costas da mesma democracia com que enchem a boca, algo como o rastilho que pode incendiar uma terceira guerra mundial. Ou seja, discutem, entre si, a utilização da europa como escudo da espada americana, com total desprezo por quem dizem governar.

Coincidência ou não, é também após a visita da incendiária Nuland, que todos tomámos conhecimento de que três militares alemães de alta patente, desejavam preparar um ataque à ponte sob o estreito de Kerch, usando mísseis Taurus fornecidos pelo seu país. Entre todas as formas de manifestação de lealdade, a mais hilariante só poderia vir de Zelensky, quando este, qual Cristo ressuscitador de mortos, conseguiu transformar as centenas de milhares de soldados, que ele próprio enviou para a morte, em apenas 31 mil falecidos. Onde param então mais de 500 mil soldados?

Dizem depois os incautos que, no ocidente, faltam “estadistas”, o que repetem vezes sem conta sem se dar conta do paradoxo. Para existirem “estadistas” teriam de existir estados. Se, nesta nova construção geográfica que é o “ocidente colectivo”, já não existe a figura do estado-nação, mas, antes, territórios de interesse estratégico, então, no quadro deste modo de organização, o que podemos esperar daqui são missionários e enviados plenipotenciários que servem sobretudo os interesses monopolistas da hegemonia americana. Uma espécie de cônsules de um poder imperial supranacional. Actualmente, qualquer leitura que façamos sobre a realidade política vigente, tem de ter em conta que a europa, Japão, Coreia do Sul ou Austrália passaram, não apenas constituem o “escudo” de defesa dos EUA, mas também o seu “espaço vital”. Um espaço vital que, agregado ao seu próprio, capacita os EUA para uma competição feroz com o eixo Rússia, China e Irão, mais populoso, produtivo e motivado. Já não se trata, apenas, de “manter a europa dentro” ou a “Alemanha em baixo”, como era pretendido para a NATO, trata-se, sobretudo, de fazer coincidir o território NATO com o território vital dos EUA, o que levanta profundas questões sobre o papel da União Europeia, num quadro deste tipo.

Assim, se a realidade que analisamos não é composta por estados-nação, mas por um espaço comum supranacional, liderado pelos EUA, esperar por “estadistas” não é minimamente realista, pois ao “estadista” preocupa o estado, enquanto organização colectiva que constitui a cúpula de uma determinada existência sociopolítica. Interessa-lhe a nação, o povo, a sua economia, as suas tradições e identidade. Será que são estes valores que movem um Emanuel Macron, uma Ursula Von Der Leyen ou um Donald Tusk? Nem a sua actuação e, muito menos, o seu currículo, o indiciam.

Assim, a coberto da impunidade que só um estatuto excepcional, mas sobretudo supranacional, pode trazer, assistimos a uma discussão sobre a oficialização da presença de forças europeias na Ucrânia, nomeadamente as que estão afectas aos “estados” que andam a celebrar, nas costas dos seus povos e sem discussão soberana, acordos bilaterais de segurança, que os podem obrigar a entrar numa guerra, tal como o  Reino Unido inaugurou, como mundial, a segunda guerra, por ter assinado um tratado bilateral de segurança com a Polónia. Se este não é um assunto para ser discutido, profundamente, em democracia, por um povo, então não sei o que será mais importante! Casas de banho mistas? Casamento entre pessoas do mesmo sexo? O retrocesso nas leis do aborto? Sem desprimor por essas questões, claro!

Bem sabemos que, tal discussão, neste preciso momento, resulta de mais uma manobra contingente, que visa impedir aquilo que prometeram, desde o início, nunca ser possível: a vitória russa! Nunca se retractando e provando que a impunidade que sentem tem correspondência no poder que os legitimam, a designada “comunicação social” dominante, a tal que deveria informar, escrutinar, questionar, criticar, cala-se bem caladinha e passa a dizer, hoje, o que veementemente, ontem, negava. Como que a provar que, uns e outros, emanam de uma mesma fonte de poder.

O facto é que, por este caminho, amanhã, poderemos acordar com forças da NATO oficialmente estacionadas, ao longo da fronteira norte da Ucrânia com a Rússia e Bielorússia e, a sul, na região de Odessa, procurando salvar a ligação dos resquícios do país que antes existiu, ao mar negro. A partir desse dia, Vladimir Putin, o ministro Shoigu ou Medvedev, já não terão de fazer de conta de que não existem tropas da NATO às portas da Rússia! Elas estarão lá, para todos verem. Nesse dia, saberemos para que ainda servem as bandeiras nacionais dos estados-membros da EU e da NATO. Servem apenas para mascarar a presença da aliança junto do seu eleito inimigo, ou para transmitir aos povos europeus, enganando-os, de que não será a NATO que lá estará, mas sim, os seus estados. Afirmar a presença da NATO, por um lado, e escondê-la, por outro.

Quando tal suceder, confirmaremos, na prática, tudo o que disse anteriormente: somos governados por uma aristocracia eleita por poderes supranacionais, que usa os estados como territórios expandidos, dos interesses centrais a quem respondem, e os conceitos de estado-nação, apenas, para legitimar as acções que visam desenvolver, sob a sua capa.

E só assim será possível adormecermos, uma certa noite, em paz, e, no dia seguinte, acordarmos em guerra!

A Europa corre o perigo de adormecer em paz e acordar em guerra

Somos governados por uma aristocracia eleita por poderes supranacionais, que usa os estados como territórios expandidos, dos interesses centrais a quem respondem.

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Europeus, não se admirem se um dia acordarmos ao som de notícias como “a guerra começou”. Este prenúncio é tudo menos fantasioso e é para ser levado muito a sério. Na minha ignorância, julgo mesmo que, na história humana, após a segunda guerra mundial e considerando a experiência da guerra fria, estaremos, talvez, no momento em que o risco de confrontação militar é mais elevado. À falta de uma arquitectura mundial unificadora, de democracias sólidas e de canais de comunicação estáveis e credíveis… Tudo se torna possível.

No quadro de mais uma adaptação da já secular doutrina estratégica “da espada e do escudo”, enunciada, em 1917, pelo General Pershing, quando explicava às suas tropas que não estavam, na Europa, para defender os europeus, mas para defender os americanos, uma vez que os países europeus constituem um escudo e os EUA a espada, ao longo dos últimos 30 anos, a casa branca foi construindo uma elite administrativa aristocrática e aristocratizada, a qual responde, em primeiro lugar, aos interesses da “espada” americana.

Em qualquer grupo fechado, a sua coesão interna funda-se em sentimentos de pertença, os quais, neste caso, residem nos valores da exclusividade, individualidade (não é para quem quer) e inacessibilidade (é só para quem pode) ao comum dos mortais. O grande objectivo, e sucesso, da estratégia americana, reside na criação de um sentimento segundo o qual, cada um dos membros do grupo, faz parte de uma estrutura de eleição, à qual só aderem seres muito especiais. Este sentimento é trabalhado a partir de variadas estratégias de comunicação, sugestão e persuasão que visam criar uma identidade de grupo, mesmo quando os respectivos membros partem de países, realidades e áreas educacionais diversas.

Vejamos alguns casos exemplificativos, mas também paradigmáticos. Emanuel Macron, passou pelo Institute d’Etudes Politiques de Paris IEP, o qual constitui a chancela de confiança, a premissa, segundo a qual, o sistema neoliberal passa a ver, em Macron, alguém preparado para a administrar os seus interesses. Para além do caracter selecto com que esta instituição privada, exclusiva, se apresenta, as convenções que mantém com a Universidade de Columbia, em Nova Iorque, e com a, sempre reputadíssima, London School of Economics, ou o curso de mestrado em Inglês para jovens promessas mundiais, representam uma poderosa contribuição deste instituto para a causa monopolista neoliberal. É ali que se criam os fundamentos ideológicos e os ensinamentos propagandísticos que, mais tarde, são enraizados no discurso político.

Para quem tenha dúvidas desta descrição que faço, nomes como Alain Juppé, Lionel Jospin, Dominique de Villepin, Jacqes Chirac, François Hollande e François Miterrand, todos passaram pela escola Sciences Po. do IED. Podemos mesmo dizer que, estudar no selectíssimo IED é meio caminho andado para o estrelato mundial e, mais importante ainda, para os afazeres públicos de um dos motores da EU.

Contudo, esta exclusividade não é restrita aos mais elevados representantes da aristocracia ocidental. Mesmo os mais bárbaros e obscuros wannabes são obrigados a apresentar um qualquer tipo de conexão. Tal é o caso de Kaja Kallas, a primeira ministra da Estónia, que se candidata a tudo o que dê tacho e pertence a todos as direcções que a aceitem. Kallas passou pela necessária Estonian Business School, pois as escolas de Business têm aqui um papel fundamental no enquadramento ideológico do eleito, mas, entre muitas outras coisas, Kallas pertence também à organização Global Young Leaders, organização privada relacionada com Universidades como Stanford, da Ivy League, destinando-se essencialmente a formação STEM.

Profundamente ligada aos programas de formação para jovens, seleccionados através das estruturas americanas existentes dentro das universidades e escolas de todo o mundo, aos “sortudos” eleitos dos seus programas, é destinada toda uma panóplia de excepcionais insígnias como “Innovative”, “Business” ou “Leadership”. Em programas que vão desde as escolas do ensino básico à universidade, os “estudantes” aprendem a movimentar-se, desde muito novos, nos meios do poder, desenvolvendo competências ligadas à criação de ONG’s, empresas, partidos, como intervir junto de governos, da ONU e de outras estruturas.

Pense-se assim: numa escola pública que propositadamente não forma os alunos para a vida política, o que constitui um erro crasso em democracia, as mesmas elites que o negam à generalidade da população, preparam os seus rebentos para as sucederem de forma directa – qual monarquia hereditária escondida – nos afazeres dos adultos. Como se costuma dizer, em terra de cegos, quem tem olho é rei. E as elites oligárquicas sabem-no melhor do que ninguém.

Outro caso é o de Rishi Sunak, o Indiano que se sente mais americano que Inglês. O que não admira. Em 2006, por exemplo, Sunak requentou um MBA da Universidade de Stanford (quase omnipresente), como bolsista da “Fullbright”. A “Fullbright” é mais um daqueles programas que desenvolve cursos para supostos jovens brilhantes. Lá está, a exploração do individualismo, do egocentrismo, do sentimento de exclusividade, como pilares da construção de um sentimento de pertença, através de reforço positivo enquanto ser excepcional. Todos se sentem excepcionais. Daí a sua arrogância, o seu distanciamento.

Não admira, portanto que a própria Ursula seja tão fervorosamente anti Russa e atlantista. Como não poderia deixar de ser, entre 1992 e 1996 viveu em Stanford (outra vez Stanford), na Califórnia, onde estudou economia. O próprio Donald Tusk, da Polónia, fez parte de uma Associação de Estudantes Independentes, criada em 1980, financiada pelos mesmos de sempre, que visava subverter, a partir da academia o regime – à data socialista – da Polónia. Mais tarde, foram os quadros desta “associação” deveras “independente” que apoiaram, no terreno, a organização da Revolução Laranja na Ucrânia. Ou seja, o que vemos na Ucrânia, hoje, é o resultado de um amplo projecto de separação e submissão da europa aos interesses neoliberais, hegemónicos e imperiais dos EUA.

Este “escudo” europeu, como podemos constatar, é construído por um grupo que funciona quase como uma sociedade secreta, dotado de profunda coesão interna, baseada no sentimento narcisista de eleição, exclusividade e de pertença a um grupo de elite, treinado para liderar, formado para administrar os interesses supranacionais do estado monopolista por excelência, os EUA.

Agora, imaginem-se numa estirpe de gente que, para além de muitos pertencerem às classes mais abastadas ou à aristocracia política, ainda lhes inculcam, através de inúmeros recursos institucionais ao dispor, a ideia de que fazem parte de um grupo restrito, colocado acima do comum dos mortais, destinado a decidir, por conta dos interesses monopolistas que os contratam. Imaginem que, pertencendo a uma elite deste tipo, o comum erro, que normalmente custa a careira, a honra e até a vida, para esta gente não passa de um percalço na ascensão ao topo. Colocados numa posição destas, como se comportariam? Com sentido de responsabilidade? Ou com total sensação de impunidade? Se soubessem que o vosso poder, estatuto e legitimidade emanavam de interesses supranacionais, a quem seria natural demonstrarem a vossa lealdade? Ao povo?

A forma como os EUA, e os interesses monopolistas que compõem o seu sistema de poder, subverteram qualquer ideia de autonomia estratégica à EU, atirando-nos a todos para a uma linha da frente que, não visa proteger os nossos interesses, mas os deles próprios, consistiu na entrega da alta política, não aos mais experientes estadistas, aos mais emergentes líderes de massas, ou aos mais capazes e competentes quadros públicos, mas, ao invés, a uma estirpe espartana socialmente isolada (apenas no modo de organização e não nos costumes), composta por carreiristas, incapazes de distinguir entre interesse público e privado, nacional ou internacional. Para tais seres, os interesses da coisa pública confundem-se com os seus, e os seus, com os dos seus patrocinadores. São uma e a mesma coisa, num ciclo vicioso em que quem ganha e quem perde está, à partida, determinado.

E, se a actuação deste grupo privilegiado, elitista, segregacionista e exclusivista, em matéria de economia europeia, tem os resultados à vista, também no que concerne à política externa, os seus actos demonstram por conta de que projecto as suas lealdades são expressadas. Victoria Nuland veio à Europa exigir demonstração de apoio e recebeu-a sob a forma de um Macron que, convocando todos os líderes europeus para o Palácio do Eliseu, procurou discutir a possibilidade de enviar tropas europeias da para a Ucrânia. Não fosse Robert Fico, que, pelos vistos, não se revê neste selecto grupo de yuppies, e não saberíamos que os líderes em quem é suposto os povos europeus confiarem, discutem, entre si, à porta fechada e nas costas da mesma democracia com que enchem a boca, algo como o rastilho que pode incendiar uma terceira guerra mundial. Ou seja, discutem, entre si, a utilização da europa como escudo da espada americana, com total desprezo por quem dizem governar.

Coincidência ou não, é também após a visita da incendiária Nuland, que todos tomámos conhecimento de que três militares alemães de alta patente, desejavam preparar um ataque à ponte sob o estreito de Kerch, usando mísseis Taurus fornecidos pelo seu país. Entre todas as formas de manifestação de lealdade, a mais hilariante só poderia vir de Zelensky, quando este, qual Cristo ressuscitador de mortos, conseguiu transformar as centenas de milhares de soldados, que ele próprio enviou para a morte, em apenas 31 mil falecidos. Onde param então mais de 500 mil soldados?

Dizem depois os incautos que, no ocidente, faltam “estadistas”, o que repetem vezes sem conta sem se dar conta do paradoxo. Para existirem “estadistas” teriam de existir estados. Se, nesta nova construção geográfica que é o “ocidente colectivo”, já não existe a figura do estado-nação, mas, antes, territórios de interesse estratégico, então, no quadro deste modo de organização, o que podemos esperar daqui são missionários e enviados plenipotenciários que servem sobretudo os interesses monopolistas da hegemonia americana. Uma espécie de cônsules de um poder imperial supranacional. Actualmente, qualquer leitura que façamos sobre a realidade política vigente, tem de ter em conta que a europa, Japão, Coreia do Sul ou Austrália passaram, não apenas constituem o “escudo” de defesa dos EUA, mas também o seu “espaço vital”. Um espaço vital que, agregado ao seu próprio, capacita os EUA para uma competição feroz com o eixo Rússia, China e Irão, mais populoso, produtivo e motivado. Já não se trata, apenas, de “manter a europa dentro” ou a “Alemanha em baixo”, como era pretendido para a NATO, trata-se, sobretudo, de fazer coincidir o território NATO com o território vital dos EUA, o que levanta profundas questões sobre o papel da União Europeia, num quadro deste tipo.

Assim, se a realidade que analisamos não é composta por estados-nação, mas por um espaço comum supranacional, liderado pelos EUA, esperar por “estadistas” não é minimamente realista, pois ao “estadista” preocupa o estado, enquanto organização colectiva que constitui a cúpula de uma determinada existência sociopolítica. Interessa-lhe a nação, o povo, a sua economia, as suas tradições e identidade. Será que são estes valores que movem um Emanuel Macron, uma Ursula Von Der Leyen ou um Donald Tusk? Nem a sua actuação e, muito menos, o seu currículo, o indiciam.

Assim, a coberto da impunidade que só um estatuto excepcional, mas sobretudo supranacional, pode trazer, assistimos a uma discussão sobre a oficialização da presença de forças europeias na Ucrânia, nomeadamente as que estão afectas aos “estados” que andam a celebrar, nas costas dos seus povos e sem discussão soberana, acordos bilaterais de segurança, que os podem obrigar a entrar numa guerra, tal como o  Reino Unido inaugurou, como mundial, a segunda guerra, por ter assinado um tratado bilateral de segurança com a Polónia. Se este não é um assunto para ser discutido, profundamente, em democracia, por um povo, então não sei o que será mais importante! Casas de banho mistas? Casamento entre pessoas do mesmo sexo? O retrocesso nas leis do aborto? Sem desprimor por essas questões, claro!

Bem sabemos que, tal discussão, neste preciso momento, resulta de mais uma manobra contingente, que visa impedir aquilo que prometeram, desde o início, nunca ser possível: a vitória russa! Nunca se retractando e provando que a impunidade que sentem tem correspondência no poder que os legitimam, a designada “comunicação social” dominante, a tal que deveria informar, escrutinar, questionar, criticar, cala-se bem caladinha e passa a dizer, hoje, o que veementemente, ontem, negava. Como que a provar que, uns e outros, emanam de uma mesma fonte de poder.

O facto é que, por este caminho, amanhã, poderemos acordar com forças da NATO oficialmente estacionadas, ao longo da fronteira norte da Ucrânia com a Rússia e Bielorússia e, a sul, na região de Odessa, procurando salvar a ligação dos resquícios do país que antes existiu, ao mar negro. A partir desse dia, Vladimir Putin, o ministro Shoigu ou Medvedev, já não terão de fazer de conta de que não existem tropas da NATO às portas da Rússia! Elas estarão lá, para todos verem. Nesse dia, saberemos para que ainda servem as bandeiras nacionais dos estados-membros da EU e da NATO. Servem apenas para mascarar a presença da aliança junto do seu eleito inimigo, ou para transmitir aos povos europeus, enganando-os, de que não será a NATO que lá estará, mas sim, os seus estados. Afirmar a presença da NATO, por um lado, e escondê-la, por outro.

Quando tal suceder, confirmaremos, na prática, tudo o que disse anteriormente: somos governados por uma aristocracia eleita por poderes supranacionais, que usa os estados como territórios expandidos, dos interesses centrais a quem respondem, e os conceitos de estado-nação, apenas, para legitimar as acções que visam desenvolver, sob a sua capa.

E só assim será possível adormecermos, uma certa noite, em paz, e, no dia seguinte, acordarmos em guerra!

Somos governados por uma aristocracia eleita por poderes supranacionais, que usa os estados como territórios expandidos, dos interesses centrais a quem respondem.

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Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Europeus, não se admirem se um dia acordarmos ao som de notícias como “a guerra começou”. Este prenúncio é tudo menos fantasioso e é para ser levado muito a sério. Na minha ignorância, julgo mesmo que, na história humana, após a segunda guerra mundial e considerando a experiência da guerra fria, estaremos, talvez, no momento em que o risco de confrontação militar é mais elevado. À falta de uma arquitectura mundial unificadora, de democracias sólidas e de canais de comunicação estáveis e credíveis… Tudo se torna possível.

No quadro de mais uma adaptação da já secular doutrina estratégica “da espada e do escudo”, enunciada, em 1917, pelo General Pershing, quando explicava às suas tropas que não estavam, na Europa, para defender os europeus, mas para defender os americanos, uma vez que os países europeus constituem um escudo e os EUA a espada, ao longo dos últimos 30 anos, a casa branca foi construindo uma elite administrativa aristocrática e aristocratizada, a qual responde, em primeiro lugar, aos interesses da “espada” americana.

Em qualquer grupo fechado, a sua coesão interna funda-se em sentimentos de pertença, os quais, neste caso, residem nos valores da exclusividade, individualidade (não é para quem quer) e inacessibilidade (é só para quem pode) ao comum dos mortais. O grande objectivo, e sucesso, da estratégia americana, reside na criação de um sentimento segundo o qual, cada um dos membros do grupo, faz parte de uma estrutura de eleição, à qual só aderem seres muito especiais. Este sentimento é trabalhado a partir de variadas estratégias de comunicação, sugestão e persuasão que visam criar uma identidade de grupo, mesmo quando os respectivos membros partem de países, realidades e áreas educacionais diversas.

Vejamos alguns casos exemplificativos, mas também paradigmáticos. Emanuel Macron, passou pelo Institute d’Etudes Politiques de Paris IEP, o qual constitui a chancela de confiança, a premissa, segundo a qual, o sistema neoliberal passa a ver, em Macron, alguém preparado para a administrar os seus interesses. Para além do caracter selecto com que esta instituição privada, exclusiva, se apresenta, as convenções que mantém com a Universidade de Columbia, em Nova Iorque, e com a, sempre reputadíssima, London School of Economics, ou o curso de mestrado em Inglês para jovens promessas mundiais, representam uma poderosa contribuição deste instituto para a causa monopolista neoliberal. É ali que se criam os fundamentos ideológicos e os ensinamentos propagandísticos que, mais tarde, são enraizados no discurso político.

Para quem tenha dúvidas desta descrição que faço, nomes como Alain Juppé, Lionel Jospin, Dominique de Villepin, Jacqes Chirac, François Hollande e François Miterrand, todos passaram pela escola Sciences Po. do IED. Podemos mesmo dizer que, estudar no selectíssimo IED é meio caminho andado para o estrelato mundial e, mais importante ainda, para os afazeres públicos de um dos motores da EU.

Contudo, esta exclusividade não é restrita aos mais elevados representantes da aristocracia ocidental. Mesmo os mais bárbaros e obscuros wannabes são obrigados a apresentar um qualquer tipo de conexão. Tal é o caso de Kaja Kallas, a primeira ministra da Estónia, que se candidata a tudo o que dê tacho e pertence a todos as direcções que a aceitem. Kallas passou pela necessária Estonian Business School, pois as escolas de Business têm aqui um papel fundamental no enquadramento ideológico do eleito, mas, entre muitas outras coisas, Kallas pertence também à organização Global Young Leaders, organização privada relacionada com Universidades como Stanford, da Ivy League, destinando-se essencialmente a formação STEM.

Profundamente ligada aos programas de formação para jovens, seleccionados através das estruturas americanas existentes dentro das universidades e escolas de todo o mundo, aos “sortudos” eleitos dos seus programas, é destinada toda uma panóplia de excepcionais insígnias como “Innovative”, “Business” ou “Leadership”. Em programas que vão desde as escolas do ensino básico à universidade, os “estudantes” aprendem a movimentar-se, desde muito novos, nos meios do poder, desenvolvendo competências ligadas à criação de ONG’s, empresas, partidos, como intervir junto de governos, da ONU e de outras estruturas.

Pense-se assim: numa escola pública que propositadamente não forma os alunos para a vida política, o que constitui um erro crasso em democracia, as mesmas elites que o negam à generalidade da população, preparam os seus rebentos para as sucederem de forma directa – qual monarquia hereditária escondida – nos afazeres dos adultos. Como se costuma dizer, em terra de cegos, quem tem olho é rei. E as elites oligárquicas sabem-no melhor do que ninguém.

Outro caso é o de Rishi Sunak, o Indiano que se sente mais americano que Inglês. O que não admira. Em 2006, por exemplo, Sunak requentou um MBA da Universidade de Stanford (quase omnipresente), como bolsista da “Fullbright”. A “Fullbright” é mais um daqueles programas que desenvolve cursos para supostos jovens brilhantes. Lá está, a exploração do individualismo, do egocentrismo, do sentimento de exclusividade, como pilares da construção de um sentimento de pertença, através de reforço positivo enquanto ser excepcional. Todos se sentem excepcionais. Daí a sua arrogância, o seu distanciamento.

Não admira, portanto que a própria Ursula seja tão fervorosamente anti Russa e atlantista. Como não poderia deixar de ser, entre 1992 e 1996 viveu em Stanford (outra vez Stanford), na Califórnia, onde estudou economia. O próprio Donald Tusk, da Polónia, fez parte de uma Associação de Estudantes Independentes, criada em 1980, financiada pelos mesmos de sempre, que visava subverter, a partir da academia o regime – à data socialista – da Polónia. Mais tarde, foram os quadros desta “associação” deveras “independente” que apoiaram, no terreno, a organização da Revolução Laranja na Ucrânia. Ou seja, o que vemos na Ucrânia, hoje, é o resultado de um amplo projecto de separação e submissão da europa aos interesses neoliberais, hegemónicos e imperiais dos EUA.

Este “escudo” europeu, como podemos constatar, é construído por um grupo que funciona quase como uma sociedade secreta, dotado de profunda coesão interna, baseada no sentimento narcisista de eleição, exclusividade e de pertença a um grupo de elite, treinado para liderar, formado para administrar os interesses supranacionais do estado monopolista por excelência, os EUA.

Agora, imaginem-se numa estirpe de gente que, para além de muitos pertencerem às classes mais abastadas ou à aristocracia política, ainda lhes inculcam, através de inúmeros recursos institucionais ao dispor, a ideia de que fazem parte de um grupo restrito, colocado acima do comum dos mortais, destinado a decidir, por conta dos interesses monopolistas que os contratam. Imaginem que, pertencendo a uma elite deste tipo, o comum erro, que normalmente custa a careira, a honra e até a vida, para esta gente não passa de um percalço na ascensão ao topo. Colocados numa posição destas, como se comportariam? Com sentido de responsabilidade? Ou com total sensação de impunidade? Se soubessem que o vosso poder, estatuto e legitimidade emanavam de interesses supranacionais, a quem seria natural demonstrarem a vossa lealdade? Ao povo?

A forma como os EUA, e os interesses monopolistas que compõem o seu sistema de poder, subverteram qualquer ideia de autonomia estratégica à EU, atirando-nos a todos para a uma linha da frente que, não visa proteger os nossos interesses, mas os deles próprios, consistiu na entrega da alta política, não aos mais experientes estadistas, aos mais emergentes líderes de massas, ou aos mais capazes e competentes quadros públicos, mas, ao invés, a uma estirpe espartana socialmente isolada (apenas no modo de organização e não nos costumes), composta por carreiristas, incapazes de distinguir entre interesse público e privado, nacional ou internacional. Para tais seres, os interesses da coisa pública confundem-se com os seus, e os seus, com os dos seus patrocinadores. São uma e a mesma coisa, num ciclo vicioso em que quem ganha e quem perde está, à partida, determinado.

E, se a actuação deste grupo privilegiado, elitista, segregacionista e exclusivista, em matéria de economia europeia, tem os resultados à vista, também no que concerne à política externa, os seus actos demonstram por conta de que projecto as suas lealdades são expressadas. Victoria Nuland veio à Europa exigir demonstração de apoio e recebeu-a sob a forma de um Macron que, convocando todos os líderes europeus para o Palácio do Eliseu, procurou discutir a possibilidade de enviar tropas europeias da para a Ucrânia. Não fosse Robert Fico, que, pelos vistos, não se revê neste selecto grupo de yuppies, e não saberíamos que os líderes em quem é suposto os povos europeus confiarem, discutem, entre si, à porta fechada e nas costas da mesma democracia com que enchem a boca, algo como o rastilho que pode incendiar uma terceira guerra mundial. Ou seja, discutem, entre si, a utilização da europa como escudo da espada americana, com total desprezo por quem dizem governar.

Coincidência ou não, é também após a visita da incendiária Nuland, que todos tomámos conhecimento de que três militares alemães de alta patente, desejavam preparar um ataque à ponte sob o estreito de Kerch, usando mísseis Taurus fornecidos pelo seu país. Entre todas as formas de manifestação de lealdade, a mais hilariante só poderia vir de Zelensky, quando este, qual Cristo ressuscitador de mortos, conseguiu transformar as centenas de milhares de soldados, que ele próprio enviou para a morte, em apenas 31 mil falecidos. Onde param então mais de 500 mil soldados?

Dizem depois os incautos que, no ocidente, faltam “estadistas”, o que repetem vezes sem conta sem se dar conta do paradoxo. Para existirem “estadistas” teriam de existir estados. Se, nesta nova construção geográfica que é o “ocidente colectivo”, já não existe a figura do estado-nação, mas, antes, territórios de interesse estratégico, então, no quadro deste modo de organização, o que podemos esperar daqui são missionários e enviados plenipotenciários que servem sobretudo os interesses monopolistas da hegemonia americana. Uma espécie de cônsules de um poder imperial supranacional. Actualmente, qualquer leitura que façamos sobre a realidade política vigente, tem de ter em conta que a europa, Japão, Coreia do Sul ou Austrália passaram, não apenas constituem o “escudo” de defesa dos EUA, mas também o seu “espaço vital”. Um espaço vital que, agregado ao seu próprio, capacita os EUA para uma competição feroz com o eixo Rússia, China e Irão, mais populoso, produtivo e motivado. Já não se trata, apenas, de “manter a europa dentro” ou a “Alemanha em baixo”, como era pretendido para a NATO, trata-se, sobretudo, de fazer coincidir o território NATO com o território vital dos EUA, o que levanta profundas questões sobre o papel da União Europeia, num quadro deste tipo.

Assim, se a realidade que analisamos não é composta por estados-nação, mas por um espaço comum supranacional, liderado pelos EUA, esperar por “estadistas” não é minimamente realista, pois ao “estadista” preocupa o estado, enquanto organização colectiva que constitui a cúpula de uma determinada existência sociopolítica. Interessa-lhe a nação, o povo, a sua economia, as suas tradições e identidade. Será que são estes valores que movem um Emanuel Macron, uma Ursula Von Der Leyen ou um Donald Tusk? Nem a sua actuação e, muito menos, o seu currículo, o indiciam.

Assim, a coberto da impunidade que só um estatuto excepcional, mas sobretudo supranacional, pode trazer, assistimos a uma discussão sobre a oficialização da presença de forças europeias na Ucrânia, nomeadamente as que estão afectas aos “estados” que andam a celebrar, nas costas dos seus povos e sem discussão soberana, acordos bilaterais de segurança, que os podem obrigar a entrar numa guerra, tal como o  Reino Unido inaugurou, como mundial, a segunda guerra, por ter assinado um tratado bilateral de segurança com a Polónia. Se este não é um assunto para ser discutido, profundamente, em democracia, por um povo, então não sei o que será mais importante! Casas de banho mistas? Casamento entre pessoas do mesmo sexo? O retrocesso nas leis do aborto? Sem desprimor por essas questões, claro!

Bem sabemos que, tal discussão, neste preciso momento, resulta de mais uma manobra contingente, que visa impedir aquilo que prometeram, desde o início, nunca ser possível: a vitória russa! Nunca se retractando e provando que a impunidade que sentem tem correspondência no poder que os legitimam, a designada “comunicação social” dominante, a tal que deveria informar, escrutinar, questionar, criticar, cala-se bem caladinha e passa a dizer, hoje, o que veementemente, ontem, negava. Como que a provar que, uns e outros, emanam de uma mesma fonte de poder.

O facto é que, por este caminho, amanhã, poderemos acordar com forças da NATO oficialmente estacionadas, ao longo da fronteira norte da Ucrânia com a Rússia e Bielorússia e, a sul, na região de Odessa, procurando salvar a ligação dos resquícios do país que antes existiu, ao mar negro. A partir desse dia, Vladimir Putin, o ministro Shoigu ou Medvedev, já não terão de fazer de conta de que não existem tropas da NATO às portas da Rússia! Elas estarão lá, para todos verem. Nesse dia, saberemos para que ainda servem as bandeiras nacionais dos estados-membros da EU e da NATO. Servem apenas para mascarar a presença da aliança junto do seu eleito inimigo, ou para transmitir aos povos europeus, enganando-os, de que não será a NATO que lá estará, mas sim, os seus estados. Afirmar a presença da NATO, por um lado, e escondê-la, por outro.

Quando tal suceder, confirmaremos, na prática, tudo o que disse anteriormente: somos governados por uma aristocracia eleita por poderes supranacionais, que usa os estados como territórios expandidos, dos interesses centrais a quem respondem, e os conceitos de estado-nação, apenas, para legitimar as acções que visam desenvolver, sob a sua capa.

E só assim será possível adormecermos, uma certa noite, em paz, e, no dia seguinte, acordarmos em guerra!

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December 18, 2024

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