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Thierry MEYSSAN
November 23, 2023
© Photo: Public domain

No Ocidente, acreditamos ser correctamente informados sobre aquilo que se está a passar em Gaza. Nada disso. As imagens que vemos são selecionadas. Os comentários que ouvimos não permitem compreende-las. Eles induzem-nos voluntariamente em erro. Além disso, todas as opiniões dissidentes são censuradas.

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Como em todas as guerras, esta que opõe o Estado de Israel à população palestiniana é objecto de um confronto mediático. A Resistência palestiniana não precisa relatar a injustiça contra a qual se bate : basta olhar para a constatar. Ela visa mais ressaltar este ou aquele dos seus aspectos. Pelo contrário, Israel tem de se esforçar para convencer quanto à sua boa fé, o que após três quartos de século de violações do Direito Internacional não é tarefa fácil.

ANTES DO ATAQUE

Desde o ataque da Resistência palestiniana, em 7 de Outubro de 2023, Israel utiliza todos os seus recursos para nos fazer crer :
que este ataque foi uma operação dos jiadistas do Hamas ;
e que ignorava tudo sobre a sua preparação.

O papel do Hamas

Ora, este ataque foi levado a cabo pelo conjunto das facções palestinianas, à excepção da Fatah [1]. Até há pouco, o Hamas definia-se como o « Ramo palestiniano da Confraria dos Irmãos Muçulmanos », tal como é indicado em todos os seus documentos. Nesta qualidade, combateu contra os laicos da Fatah de Yasser Arafat e da FPLP de George Habache, e depois atacou os da República Árabe Síria do Presidente Bashar al-Assad. A seus olhos, todos eles não eram mais do que «inimigos de Deus». O Hamas era então financiado por Israel e, na Síria, os seus combatentes eram enquadrados por oficiais da Mossad e da OTAN. No entanto, após o falhanço da Irmandade no Egipto e da sua derrota na Síria, o Hamas dividiu-se entre uma parte fiel aos Irmãos Muçulmanos, liderada por Khaled Meshaal e que continua prosseguindo a instauração de um Califado mundial, e uma outra que se recentrou na libertação da Palestina. Esta segunda tendência, por iniciativa do Irão, retomou laços com a Síria ao ponto do seu líder, Khalil Hayya, ser recebido pelo Presidente Bashar al-Assad em Damasco. Retomou igualmente laços com o Hezbolla libanês, ao ponto de participar, em Beirute, em reuniões com este e outros componentes da Resistência palestiniana.

O Presidente sírio, Bashar al-Assad, recebe Khalil Hayya em Damasco, em 19 de Outubro de 2022.

Todos os componentes da Resistência Palestiniana acordaram levar a cabo uma operação tipo «golpe de mão» para capturar civis e soldados israelitas e trocá-los por civis e combatentes palestinianos detidos em Israel. A data de 7 de Outubro foi escolhida pelo Hamas e as outras facções palestinas apenas foram informadas algumas horas antes. Além disso, os combatentes do Hamas eram a maioria em relação aos marxistas da FPLP e aos membros do Eixo da Resistência (coligados em torno do Irão), a Jihad Islâmica.

O secretário-geral do Hezbolla, Hassan Nasrallah, recebeu o numero dois do Hamas, Saleh al-Aruri, e o chefe da Jihad islâmica, Ziad al-Nakhala.

O segredo de polichinelo da operação de 7 de Outubro

O “golpe de mão” fora planeado durante uma reunião de coordenação, em Maio, em Beirute. A imprensa libanesa dera eco dela. No entanto, se o princípio, os alvos e o modo operacional haviam sido fixados, ninguém sabia quando é que ela teria lugar.

Os Serviços de Inteligência egípcios foram os primeiros a soar o alarme. Eles apoiam a Resistência Palestiniana, mas combatem o Hamas sem discernirem entre as suas duas tendências. Não estavam preocupados pelo possível sucesso da Resistência Palestiniana, mas pelo dos Irmãos Muçulmanos. O Ministro da Inteligência, Kamal Abbas, alertou pessoalmente os seus homólogos israelitas (israelenses-br) [2].

O Coronel Yigal Carmon, director du Middle East Media Research Institute (Memri), avisou pessoalmente o seu amigo, o Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu, que se preparava qualquer coisa. Mas, segundo ele, tal não foi levado em conta [3]

A Central Intelligence Agency (CIA) elaborou dois relatórios sobre a preparação deste ataque. De acordo com o New York Times, o segundo, datado de 5 de Outubro, foi enviado às autoridades israelitas. Segundo o Corriere della Sera, o director do Shin Bet (a contra-espionagem) convocou então uma reunião dos directores centrais de todos os serviços de segurança, para o dia 7 às 8h da manhã. Entretanto, responsáveis israelitas tinham tido tempo para deslocar a rave party excepcional de modo a que ela se realizasse precisamente junto à fronteira de Gaza e de dar dispensa às forças encarregadas de a proteger [4].

Hoje em dia, um grande número de famílias dos reféns estão convencidas que Benjamin Netanyahu deixou andar a fim de dispor de uma justificação para a operação que ele leva a cabo contra a população de Gaza.

APÓS O ATAQUE

Desde 7 de Outubro, Israel tenta arduamente fazer-nos crer que :
a Resistência palestiniana no seu conjunto não passa de pandilha de jiadistas ;
as pessoas que apoiam o Povo palestiniano são “anti-semitas” ;

A montagem vídeo das FDI

As Forças de Defesa de Israel (FDI) produziram uma montagem vídeo a partir de gravações filmadas pelos atacantes, pelas câmaras de vigilância e das que elas próprias fizeram. Esta montagem visa convencer que a Resistência Palestiniana é um bando de bárbaros anti-semitas. Nela vê-se cenas insuportáveis de uma família cujo pai é assassinado à frente dos filhos. Vê-se um jiadista que tenta cortar a cabeça de um cadáver com uma pá. Mas, não se vê nem violações, nem desmembramentos. Também se vê corpos carbonizados, que o espectador pensa terem sido queimados pelos resistentes. Na realidade, foram os alvos dos mísseis ar-terra do Exército israelita que vieram deter os atacantes. A «Directiva Hannibal» precisa que os soldados de Israel devem primeiro liquidar os «terroristas» sem se preocuparem com as vítimas colaterais israelitas.

Esta montagem foi visionada por deputados do Knesset, depois do Congresso dos Estados Unidos, antes de ser exibida nos vários parlamentos dos Estados membros da OTAN. Só o Parlamento belga recusou ver esta obra de propaganda, sem o aval de peritagem externa. Além disso, este filme foi exibido a jornalistas escolhidos nas diferentes capitais.

Para o grande público, as autoridades israelitas só difundiram os 10 minutos abaixo. Elas garantiram não querer transmitir toda a montagem ao público em geral por respeito às vítimas. Mas porque é que um público menor seria mais ou menos respeitador ? Na realidade, trata-se de impedir que especialistas denunciem o seu truque perguntando-se, vítima por vítima, quem realmente as matou.

As manifestações contra o anti-semitismo

Para ligar as opiniões públicas ocidentais à sua causa e relativizar o massacre que perpetra em Gaza, Israel suscita manifestações de apoio em todo o Ocidente. Como seria impossível apelar ao apoio a um Exército que comete um genocídio ao vivo pelos ecrãs da televisão, a Mossad sugere manifestações contra o anti-semitismo de que o Hamas fez prova.

Só que o Hamas está impregnado da ideologia dos Irmãos Muçulmanos. Ele é supremacista sunita. Ele combateu durante longo tempo prioritariamente os muçulmanos xiitas e drusos. Era certamente anti-semita, mas do mesmo modo que era contra todas as outras confissões muçulmanas e todas as outras religiões, nem mais, nem menos.

A Mossad utilizou também por vezes um outro argumento : os imigrantes árabes apoiam o Hamas e são portanto anti-semitas. Assim, os Estados europeus deveriam tomar medidas para proteger as suas populações judaicas.

A manifestação de Washington denunciou, pois, sobretudo a suposta barbárie do Hamas, enquanto a manifestação de Paris destacou a luta contra o anti-semitismo. Mas nenhuma das duas estava cheia. A de Washington foi boicotada por muitas associações judaicas. Não reuniu mais de 200 mil pessoas, principalmente cristãos sionistas. As pessoas vieram mais para ouvir o televangelista John Hagee do que para ver o Presidente do Estado de Israel, Isaac Herzog. A de Paris foi encabeçada pelos Presidentes das duas Assembleias e todos os seus predecessores, pela Primeira-Ministro e todos os seus antecessores, e pelo Presidente do Conselho Constitucional e seus predecessores. Mas atrás não havia deles mais do que algumas dezenas de milhar de pessoas. Duas ausências de nota : os antigos Ministros dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br), Roland Dumas, (igualmente antigo Presidente do Conselho Constitucional) e Dominique de Villepin (também antigo Primeiro-Ministro). Os quais se distinguiram-se, no passado, como resistentes ao imperialismo, portanto, aos governos norte-americano e israelita.

Desde há décadas, Israel acusa os anti-semitas de se esconderem por trás de um anti-sionismo de fachada. Progressivamente, ele funde os dois conceitos. Ora, o anti-semitismo europeu é uma forma de xenofobia que começou no Império Romano, prosseguiu sob a Igreja Católica e se prolongou sob o nazismo. Consiste em acusar continuamente todos os judeus de insurreição, de ter morto Cristo ou de degenerar a raça ariana. Enquanto o anti-sionismo é uma opinião política segundo a qual não se deve pôr o nacionalismo judaico ao serviço de um projecto colonial. Hoje, a maior parte dos judeus norte-americanos são anti-sionistas, enquanto a maioria dos judeus europeus são sionistas.

O Senador francês Stéphane Le Rudulier (Republicano) acaba de apresentar uma proposta de lei visando agravar as penas incorridas por injúria, incitação ao ódio ou violência quando visam o Estado de Israel. Além de não vermos como estas incriminações seriam mais graves neste caso do que em outros, lembremos que em 1975, o mundo foi agitado por um debate sobre a natureza do sionismo. A Organização da Unidade Africana afirmou que « o regime racista na Palestina ocupada e o regime racista no Zimbabué e na África do Sul têm uma origem imperialista comum, que formam um todo e têm a mesma estrutura racista, e que estão organicamente ligados nas suas políticas destinadas a oprimir a dignidade e a integridade do ser humano ». De forma idêntica, a Organização dos Países Não-Alinhados qualificou o sionismo de « ameaça para a paz e a segurança do mundo, e apelou a todos os países para se oporem a esta ideologia racista e imperialista ». Por fim, a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou uma Resolução qualificando o sionismo de «forma de racismo e de discriminação racial» [5].

Só a Resolução das Nações Unidas foi revogada, em 1991, a fim de ajudar Israel a aplicar as Resoluções da Conferência de Madrid sobre a Palestina. Os outros dois textos continuam em vigor e, dada a não-aplicação por parte de Israel das decisões de Madrid, como de todos os textos internacionais sobre a Palestina, a questão do restabelecimento da Resolução 3379 foi várias vezes colocada.

A ENCENAÇÃO DO HOSPITAL AL-SHIFA

Foi neste contexto que as FDI encenaram a descoberta do Quartel-General militar do Hamas sob o maior hospital de Gaza. Um oficial de relações públicas explicou-nos que tinham sido descobertas armas no local e, com base numa corda amarrada a uma perna de cadeira, que um abrigo subterrâneo havia abrigado reféns.

Enquanto o publico debate para saber se estas provas são convincentes ou não, esquece a história deste hospital. Ele foi construido em 1983 por Israel [6]. As FDI possuem, portanto, todos os planos. A Mossad instalou lá o Hamas, nos subterrâneos, quando este lutava contra a Fatah. Em seguida, o hospital tornou-se o ponto de encontro dos responsáveis do Hamas com os jornalistas estrangeiros. Mas tudo isto não faz dele nem um arsenal, nem um QG militar.

No decorrer do episódio actual da guerra israelo-palestiniana, as FDI acusaram o Hamas de ter cavado túneis sob o hospital. Primeiro, elas decidiram destruí-lo com bombas penetrantes para atingir as profundezas. Mas dadas as condenações da Organização Mundial da Saúde, as FDI admitiram que o seu objectivo não legitimava arrasar um hospital. Então adiaram a ordem de evacuação e cercaram-no. Cerca de 2.300 pessoas, doentes, pessoal de saúde e refugiados entregaram-se ao Exército israelita, que os revistou sem cerimónia. Só dois dias após ter lançado o assalto é que as FDI declararam ter descoberto o “Quartel-General” militar do Hamas sob o hospital Al-Shifa. Na realidade, as imagens que difundiram mostram claramente que um poço, na vizinhança do hospital, levava a galerias, mas em absoluto que essas conduzissem a uma sala que pudesse servir de quartel-general.

O que se comprova é que os tiroteios, os cortes de energia e a busca no hospital provocaram inúmeras mortes, de forma diletante as FDI trouxeram uma dezena de incubadoras que não podem funcionar, precisamente por causa dos cortes de energia, tal como noticiaram a Reuters e a BBC. Mas, entretanto, a Mossad sempre serve para alguma coisa, uma vez que a BBC apresentou desculpas aos seus telespectadores por não os ter informado sobre as doações de incubadoras e a presença de tradutores de árabe-hebraico.

voltairenet.org

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Como Netanyahu falsifica a actualidade

No Ocidente, acreditamos ser correctamente informados sobre aquilo que se está a passar em Gaza. Nada disso. As imagens que vemos são selecionadas. Os comentários que ouvimos não permitem compreende-las. Eles induzem-nos voluntariamente em erro. Além disso, todas as opiniões dissidentes são censuradas.

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Escreva para nós: info@strategic-culture.su

Como em todas as guerras, esta que opõe o Estado de Israel à população palestiniana é objecto de um confronto mediático. A Resistência palestiniana não precisa relatar a injustiça contra a qual se bate : basta olhar para a constatar. Ela visa mais ressaltar este ou aquele dos seus aspectos. Pelo contrário, Israel tem de se esforçar para convencer quanto à sua boa fé, o que após três quartos de século de violações do Direito Internacional não é tarefa fácil.

ANTES DO ATAQUE

Desde o ataque da Resistência palestiniana, em 7 de Outubro de 2023, Israel utiliza todos os seus recursos para nos fazer crer :
que este ataque foi uma operação dos jiadistas do Hamas ;
e que ignorava tudo sobre a sua preparação.

O papel do Hamas

Ora, este ataque foi levado a cabo pelo conjunto das facções palestinianas, à excepção da Fatah [1]. Até há pouco, o Hamas definia-se como o « Ramo palestiniano da Confraria dos Irmãos Muçulmanos », tal como é indicado em todos os seus documentos. Nesta qualidade, combateu contra os laicos da Fatah de Yasser Arafat e da FPLP de George Habache, e depois atacou os da República Árabe Síria do Presidente Bashar al-Assad. A seus olhos, todos eles não eram mais do que «inimigos de Deus». O Hamas era então financiado por Israel e, na Síria, os seus combatentes eram enquadrados por oficiais da Mossad e da OTAN. No entanto, após o falhanço da Irmandade no Egipto e da sua derrota na Síria, o Hamas dividiu-se entre uma parte fiel aos Irmãos Muçulmanos, liderada por Khaled Meshaal e que continua prosseguindo a instauração de um Califado mundial, e uma outra que se recentrou na libertação da Palestina. Esta segunda tendência, por iniciativa do Irão, retomou laços com a Síria ao ponto do seu líder, Khalil Hayya, ser recebido pelo Presidente Bashar al-Assad em Damasco. Retomou igualmente laços com o Hezbolla libanês, ao ponto de participar, em Beirute, em reuniões com este e outros componentes da Resistência palestiniana.

O Presidente sírio, Bashar al-Assad, recebe Khalil Hayya em Damasco, em 19 de Outubro de 2022.

Todos os componentes da Resistência Palestiniana acordaram levar a cabo uma operação tipo «golpe de mão» para capturar civis e soldados israelitas e trocá-los por civis e combatentes palestinianos detidos em Israel. A data de 7 de Outubro foi escolhida pelo Hamas e as outras facções palestinas apenas foram informadas algumas horas antes. Além disso, os combatentes do Hamas eram a maioria em relação aos marxistas da FPLP e aos membros do Eixo da Resistência (coligados em torno do Irão), a Jihad Islâmica.

O secretário-geral do Hezbolla, Hassan Nasrallah, recebeu o numero dois do Hamas, Saleh al-Aruri, e o chefe da Jihad islâmica, Ziad al-Nakhala.

O segredo de polichinelo da operação de 7 de Outubro

O “golpe de mão” fora planeado durante uma reunião de coordenação, em Maio, em Beirute. A imprensa libanesa dera eco dela. No entanto, se o princípio, os alvos e o modo operacional haviam sido fixados, ninguém sabia quando é que ela teria lugar.

Os Serviços de Inteligência egípcios foram os primeiros a soar o alarme. Eles apoiam a Resistência Palestiniana, mas combatem o Hamas sem discernirem entre as suas duas tendências. Não estavam preocupados pelo possível sucesso da Resistência Palestiniana, mas pelo dos Irmãos Muçulmanos. O Ministro da Inteligência, Kamal Abbas, alertou pessoalmente os seus homólogos israelitas (israelenses-br) [2].

O Coronel Yigal Carmon, director du Middle East Media Research Institute (Memri), avisou pessoalmente o seu amigo, o Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu, que se preparava qualquer coisa. Mas, segundo ele, tal não foi levado em conta [3]

A Central Intelligence Agency (CIA) elaborou dois relatórios sobre a preparação deste ataque. De acordo com o New York Times, o segundo, datado de 5 de Outubro, foi enviado às autoridades israelitas. Segundo o Corriere della Sera, o director do Shin Bet (a contra-espionagem) convocou então uma reunião dos directores centrais de todos os serviços de segurança, para o dia 7 às 8h da manhã. Entretanto, responsáveis israelitas tinham tido tempo para deslocar a rave party excepcional de modo a que ela se realizasse precisamente junto à fronteira de Gaza e de dar dispensa às forças encarregadas de a proteger [4].

Hoje em dia, um grande número de famílias dos reféns estão convencidas que Benjamin Netanyahu deixou andar a fim de dispor de uma justificação para a operação que ele leva a cabo contra a população de Gaza.

APÓS O ATAQUE

Desde 7 de Outubro, Israel tenta arduamente fazer-nos crer que :
a Resistência palestiniana no seu conjunto não passa de pandilha de jiadistas ;
as pessoas que apoiam o Povo palestiniano são “anti-semitas” ;

A montagem vídeo das FDI

As Forças de Defesa de Israel (FDI) produziram uma montagem vídeo a partir de gravações filmadas pelos atacantes, pelas câmaras de vigilância e das que elas próprias fizeram. Esta montagem visa convencer que a Resistência Palestiniana é um bando de bárbaros anti-semitas. Nela vê-se cenas insuportáveis de uma família cujo pai é assassinado à frente dos filhos. Vê-se um jiadista que tenta cortar a cabeça de um cadáver com uma pá. Mas, não se vê nem violações, nem desmembramentos. Também se vê corpos carbonizados, que o espectador pensa terem sido queimados pelos resistentes. Na realidade, foram os alvos dos mísseis ar-terra do Exército israelita que vieram deter os atacantes. A «Directiva Hannibal» precisa que os soldados de Israel devem primeiro liquidar os «terroristas» sem se preocuparem com as vítimas colaterais israelitas.

Esta montagem foi visionada por deputados do Knesset, depois do Congresso dos Estados Unidos, antes de ser exibida nos vários parlamentos dos Estados membros da OTAN. Só o Parlamento belga recusou ver esta obra de propaganda, sem o aval de peritagem externa. Além disso, este filme foi exibido a jornalistas escolhidos nas diferentes capitais.

Para o grande público, as autoridades israelitas só difundiram os 10 minutos abaixo. Elas garantiram não querer transmitir toda a montagem ao público em geral por respeito às vítimas. Mas porque é que um público menor seria mais ou menos respeitador ? Na realidade, trata-se de impedir que especialistas denunciem o seu truque perguntando-se, vítima por vítima, quem realmente as matou.

As manifestações contra o anti-semitismo

Para ligar as opiniões públicas ocidentais à sua causa e relativizar o massacre que perpetra em Gaza, Israel suscita manifestações de apoio em todo o Ocidente. Como seria impossível apelar ao apoio a um Exército que comete um genocídio ao vivo pelos ecrãs da televisão, a Mossad sugere manifestações contra o anti-semitismo de que o Hamas fez prova.

Só que o Hamas está impregnado da ideologia dos Irmãos Muçulmanos. Ele é supremacista sunita. Ele combateu durante longo tempo prioritariamente os muçulmanos xiitas e drusos. Era certamente anti-semita, mas do mesmo modo que era contra todas as outras confissões muçulmanas e todas as outras religiões, nem mais, nem menos.

A Mossad utilizou também por vezes um outro argumento : os imigrantes árabes apoiam o Hamas e são portanto anti-semitas. Assim, os Estados europeus deveriam tomar medidas para proteger as suas populações judaicas.

A manifestação de Washington denunciou, pois, sobretudo a suposta barbárie do Hamas, enquanto a manifestação de Paris destacou a luta contra o anti-semitismo. Mas nenhuma das duas estava cheia. A de Washington foi boicotada por muitas associações judaicas. Não reuniu mais de 200 mil pessoas, principalmente cristãos sionistas. As pessoas vieram mais para ouvir o televangelista John Hagee do que para ver o Presidente do Estado de Israel, Isaac Herzog. A de Paris foi encabeçada pelos Presidentes das duas Assembleias e todos os seus predecessores, pela Primeira-Ministro e todos os seus antecessores, e pelo Presidente do Conselho Constitucional e seus predecessores. Mas atrás não havia deles mais do que algumas dezenas de milhar de pessoas. Duas ausências de nota : os antigos Ministros dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br), Roland Dumas, (igualmente antigo Presidente do Conselho Constitucional) e Dominique de Villepin (também antigo Primeiro-Ministro). Os quais se distinguiram-se, no passado, como resistentes ao imperialismo, portanto, aos governos norte-americano e israelita.

Desde há décadas, Israel acusa os anti-semitas de se esconderem por trás de um anti-sionismo de fachada. Progressivamente, ele funde os dois conceitos. Ora, o anti-semitismo europeu é uma forma de xenofobia que começou no Império Romano, prosseguiu sob a Igreja Católica e se prolongou sob o nazismo. Consiste em acusar continuamente todos os judeus de insurreição, de ter morto Cristo ou de degenerar a raça ariana. Enquanto o anti-sionismo é uma opinião política segundo a qual não se deve pôr o nacionalismo judaico ao serviço de um projecto colonial. Hoje, a maior parte dos judeus norte-americanos são anti-sionistas, enquanto a maioria dos judeus europeus são sionistas.

O Senador francês Stéphane Le Rudulier (Republicano) acaba de apresentar uma proposta de lei visando agravar as penas incorridas por injúria, incitação ao ódio ou violência quando visam o Estado de Israel. Além de não vermos como estas incriminações seriam mais graves neste caso do que em outros, lembremos que em 1975, o mundo foi agitado por um debate sobre a natureza do sionismo. A Organização da Unidade Africana afirmou que « o regime racista na Palestina ocupada e o regime racista no Zimbabué e na África do Sul têm uma origem imperialista comum, que formam um todo e têm a mesma estrutura racista, e que estão organicamente ligados nas suas políticas destinadas a oprimir a dignidade e a integridade do ser humano ». De forma idêntica, a Organização dos Países Não-Alinhados qualificou o sionismo de « ameaça para a paz e a segurança do mundo, e apelou a todos os países para se oporem a esta ideologia racista e imperialista ». Por fim, a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou uma Resolução qualificando o sionismo de «forma de racismo e de discriminação racial» [5].

Só a Resolução das Nações Unidas foi revogada, em 1991, a fim de ajudar Israel a aplicar as Resoluções da Conferência de Madrid sobre a Palestina. Os outros dois textos continuam em vigor e, dada a não-aplicação por parte de Israel das decisões de Madrid, como de todos os textos internacionais sobre a Palestina, a questão do restabelecimento da Resolução 3379 foi várias vezes colocada.

A ENCENAÇÃO DO HOSPITAL AL-SHIFA

Foi neste contexto que as FDI encenaram a descoberta do Quartel-General militar do Hamas sob o maior hospital de Gaza. Um oficial de relações públicas explicou-nos que tinham sido descobertas armas no local e, com base numa corda amarrada a uma perna de cadeira, que um abrigo subterrâneo havia abrigado reféns.

Enquanto o publico debate para saber se estas provas são convincentes ou não, esquece a história deste hospital. Ele foi construido em 1983 por Israel [6]. As FDI possuem, portanto, todos os planos. A Mossad instalou lá o Hamas, nos subterrâneos, quando este lutava contra a Fatah. Em seguida, o hospital tornou-se o ponto de encontro dos responsáveis do Hamas com os jornalistas estrangeiros. Mas tudo isto não faz dele nem um arsenal, nem um QG militar.

No decorrer do episódio actual da guerra israelo-palestiniana, as FDI acusaram o Hamas de ter cavado túneis sob o hospital. Primeiro, elas decidiram destruí-lo com bombas penetrantes para atingir as profundezas. Mas dadas as condenações da Organização Mundial da Saúde, as FDI admitiram que o seu objectivo não legitimava arrasar um hospital. Então adiaram a ordem de evacuação e cercaram-no. Cerca de 2.300 pessoas, doentes, pessoal de saúde e refugiados entregaram-se ao Exército israelita, que os revistou sem cerimónia. Só dois dias após ter lançado o assalto é que as FDI declararam ter descoberto o “Quartel-General” militar do Hamas sob o hospital Al-Shifa. Na realidade, as imagens que difundiram mostram claramente que um poço, na vizinhança do hospital, levava a galerias, mas em absoluto que essas conduzissem a uma sala que pudesse servir de quartel-general.

O que se comprova é que os tiroteios, os cortes de energia e a busca no hospital provocaram inúmeras mortes, de forma diletante as FDI trouxeram uma dezena de incubadoras que não podem funcionar, precisamente por causa dos cortes de energia, tal como noticiaram a Reuters e a BBC. Mas, entretanto, a Mossad sempre serve para alguma coisa, uma vez que a BBC apresentou desculpas aos seus telespectadores por não os ter informado sobre as doações de incubadoras e a presença de tradutores de árabe-hebraico.

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